UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA RAQUELINE DA SILVA SANTOS REFORMA AGRÁRIA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: AS CONTRADIÇÕES DO PRONERA EM ALAGOAS (1998 - 2008) SÃO CRISTÓVÃO - SE 2014 RAQUELINE DA SILVA SANTOS REFORMA AGRÁRIA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: AS CONTRADIÇÕES DO PRONERA EM ALAGOAS (1998- 2008) Dissertação apresentada ao Núcleo de Pós- Graduação em Geografia – NPGEO – da Universidade Federal de Sergipe – UFS, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientador: Professor Dr. Eraldo da Silva Ramos Filho SÃO CRISTOVÃO - SE 2014 FOLHA DE APROVAÇÃO RAQUELINE DA SILVA SANTOS REFORMA AGRÁRIA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: AS CONTRADIÇÕES DO PRONERA EM ALAGOAS (1998- 2008) Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia, da Universidade Federal de Sergipe, pela seguinte banca examinadora: Banca Examinadora: ___________________________________________ Professor Dr. Eraldo da Silva Ramos Filho Orientador Núcleo de Pós-graduação em Geografia – UFS ___________________________________________ Professora Dra. Ana Rocha dos Santos Núcleo de Pós-graduação em Geografia - UFS ___________________________________________ Professor Dr. Bernardo Mançano Fernandes Programa de Pós- Graduação em Geografia - UNESP SÃO CRISTOVÃO - SE 2014 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha amada família. À minha avó - Ismênia - que sempre esteve presente na construção dos meus sonhos, proporcionando à toda minha família condições de avançar no rumo da vida. Durante todos esses anos que estamos ao seu lado a senhora sempre se doou para que cada neto seu seguisse um rumo. Hoje, a senhora já se encontra em declínio de suas funções intelectuais, impedindo-a de compreender o que alcançamos por todo seu apoio. Vovó obrigada por tudo. Aos meus pais, Manoel e Odete, que são os pilares da minha vida, que têm ao longo dessa trajetória me proporcionado as condições necessárias para alcançar meus sonhos. O amor, a paciência, o apoio constante têm sido a maior graça que recebo de vocês em qualquer projeto que me submeto a fazer. Obrigada pela confiança e por todo apoio em minha vida. Aos meus irmãos: Rosenilda, Reginaldo e Regiane, que sempre. ao lado de meus pais, estiveram me ajudando, aconselhando-me, amando-me e apoiando-me. Vocês três meus melhores amigos, com os quais posso contar todos os momentos. Nas horas tristes sempre me aconselhando e me dando força pra seguir. Meu amor por vocês é incondicional. De forma especial, complementa essa família meu cunhado Wellington que, nesses 18 anos de convivência, é muito especial. Por todas as vezes que me apoiou, que me fortaleceu, que me aconselhou, meu muito obrigado, você é mais que um cunhado é meu irmão, afinal, você faz parte desta história, seu apoio também é fundamental. De maneira especial, dedico ao meu amigo Ciro Bezerra, que encontrei no caminho da Universidade, e foi o grande incentivador deste trajeto acadêmico. A você, meu pai intelectual, muito obrigado pelas vezes que dedicou seu tempo precioso para ensinar-me tudo que aprendi com você. Obrigada por não desistir de mim, por acreditar que era capaz quando eu não sentia isso. Foi com vocês que minha trajetória foi sendo construída ao longo desses anos. O amor de vocês, o apoio constante, sempre foi meu pilar para torna-me essa mulher de força, coragem, determinação e fé, que regada pelo amor de cada um tive entusiasmo de continuar quando a vontade de desistir tomava conta de meus pensamentos. Na força da nossa união, desse amor constante, que levo vocês sempre comigo, como exemplo de vida. Obrigada por tudo que vocês fizeram e fazem por mim. Obrigada por acreditarem em mim e perdoem o meu distanciamento ao longo desses anos. O amor é a essência da nossa vida, um brinde à nossa família, à nossa união, ao nosso amor. AGRADECIMENTOS De todo processo de construção do trabalho esse momento é o mais sutil, pois a delicadeza de reconhecer a importância das pessoas em nosso caminho é de suma importância. É o outro que nos dá possibilidade de construirmos uma história cheia de significados, cheia de lembranças, esperanças, força e amor. É desta importância que agradeço as pessoas que na trilha desta história me fizeram reconhecer meus defeitos, minhas limitações, meus erros e que me permitiram corrigi-los durante meu convívio com cada um dos quais mencionarei. O crescimento no convívio diário, na universidade, nos encontros da vida, na espiritualidade é muito maior do que podemos imaginar. Nessa vida, o nosso caminho não é feito sozinho, por mais que o trabalho seja um processo tão individual, ele só é possível devido ao apoio de várias pessoas que nos fortalece para construir e acreditar que somos capazes de finalizá-lo. É por esse sentido que agradecerei a algumas pessoas tão especiais que me auxiliaram desde a construção do projeto de mestrado à realização deste, sem as quais não me sentiria em condições de terminá-lo. Além disso, existem pessoas que surgem em nosso caminho para fortalecer nossas emoções, amenizar nossas angústias e nos dar a possibilidade de nos sentirmos melhor quando estão ao nosso lado. Gostaria primeiro de direcionar meus agradecimentos aos meus professores da graduação. De forma especial, ao Professor Dr. Ciro Bezerra, por ter me apoiado desde o meu segundo período no caminho da pesquisa, e acreditando que uma nova geografia era possível na Universidade Federal de Alagoas. Nossa história me faz lembrar a importância do nosso grupo de Pesquisa Milton Santos (GPMITS), que consolida a busca de nossos sonhos. Um projeto que revigorou nosso curso entre 2007 a 2011 e que ainda hoje vem dando frutos significativos para a história da Geografia alagoana. Meu amor por você, por nosso grupo de pesquisa foi essencial para chegar até aqui. A força da juventude que você tem em si é uma fonte belíssima para possibilitar a quem convive com você construir sonhos. Muito obrigada por todas as oportunidades de crescimento dentro da universidade e da vida. Seu apoio constante foi fundamental para que eu chegasse ao final desse processo. À Professora Dr. Cirlene Jeane Santos e Santos (UFAL), também devo agradecimento especial. Você que na reta final de minha graduação aceitou orientar minha monografia e me apoiou na construção do projeto de mestrado, muito obrigada. Sua dedicação na revisão do projeto e o incentivo para a seleção foram fundamentais para o alcance desta conquista. Junto de você esteve Professor Ricardo Santos de Almeida, mas não eximiu esforços para me deixar confortável nesse processo, obrigada meus amigos. Ao Rodrigo, agradeço de forma mais que especial. Seu apoio, seu amor, seu carinho e sua paciência para comigo foram essenciais desde a seleção a essa reta final. Foi o seu apoio que me tornou forte para suportar a distância que se estabeleceu entre nós. Nos momentos que chorei você carinhosamente me fazia sorrir. Quando perdia a paciência você me amava mesmo assim. Seu amor me curou, obrigada por existir em minha vida. Meu amor, você é um homem incrível merece grandes conquistas, obrigada por ser tão bom comigo, por não desistir de mim e nem de nossa história. Eu amo você. À Jilyane, que mesmo longe sempre esteve me ligando, sempre esteve me apoiando, dando-me forças. Amiga você é admirável, sua simplicidade, garra e força são grandes exemplos para quem convive com você. Muito obrigada, minha linda, por seu apoio. Ao Paulo Henrique Silveira Lima (Paulão) que no processo seletivo me acalmou mesmo sem me conhecer, e ao passarmos nos tornamos grandes amigos. Durante os seis primeiros meses de aula sua amizade foi fundamental. Os risos, as conversas, os estudos e debates sobre a Geografia foram momentos mágicos que me possibilitou aprender muito com você. Jamais esquecerei nossos lanches, sua sopa dura que só você foi capaz de fazer, os momentos de descontração vividos de forma especial na calçada do mercadinho do bairro Rosa Elze, na feirinha do mesmo bairro, na Orquestra Sinfônica de Sergipe, no Restaurante Universitário foram importantíssimos para deixar mais leve o início de nossa história em Sergipe. Obrigada pelos momentos incríveis que partilhamos. Juntos tivemos a oportunidade de conhecer a garra de Gilson (Pernoca), que, em sua deficiência, não desistiu de estudar e se tornou um grande amigo nosso e saberemos que ele será um grande advogado. Foi imensamente prazeroso conhecer vocês dois. Agradeço ao Oneclark. Seu apoio foi fundamental na universidade, nas aulas, nos estudos, nos trabalhos, na dissertação, no cotidiano. Você é uma pessoa que me acolheu com carinho, jamais esquecerei. Tornamo-nos grandes amigos, para mim, mais que isso, um grande irmão que pude contar nesses dois anos em Sergipe. Os momentos de estudos juntos, de tensão e angústias divididos no processo de nosso crescimento no mestrado foram muito significativos. Aprendi que só quando temos amigos nesse meio tão cheio de competição é que nos sentimos mais leves no processo. Você que não mediu esforços para me ajudar nas horas em que mais precisei, disponha da minha amizade sincera. Meu eterno agradecimento. Lindiane (minha Aninha) morar com você um ano foi incrível, uma experiência significante. Sua simplicidade, sua doçura de menina e coragem para vencer fazem de você uma grande mulher. Partilhar com você alegrias, tristezas, sonhos foram momentos incríveis. Obrigada por seu apoio nas horas mais difíceis, obrigada por suas orações. Devo ser grata à sua mãe também, dona Lindalva, que não mediu esforços para que nós duas pudéssemos morar juntas, que nos auxiliou junto com minha mãe para que tivéssemos o melhor de uma casa. Aninha sua amizade é essencial, ter você como amiga é olhar a vida com fé e coragem. Minha amiga, sou grata a Deus por ter me dado a alegria de ter colocado você em minha vida. A convivência de paz que estabelecemos foi o passo fundamental para hoje nos reconhecermos para além de amigas e nos chamarmos de irmã. Aninha eu te amo, obrigada, minha pequena, por tudo. Ah! Valeu por me ensinar a gostar de música clássica. Aos meus amigos que me surpreenderam com uma festa surpresa em tão pouco tempo de estadia em Sergipe. Em pouco tempo de convívio ganhar aquela festa foi reconhecer que Deus me deu amizades que tornaram meus dias mais felizes. Os lanches, as conversas, o grande apoio de cada um de vocês que em cursos diferentes trilharam meu caminho na UFS. Muito obrigada por todo apoio, força e amor que me foram dados nesses dois anos ao lado de vocês: Tuânia (tuquinha), Rodrigues, Milena (maga), Mariana. No prédio, a alegria de uma família era minha alegria, a começar por Julinha (que com sua infância trazia-me leveza a cada abraço recebido, quando eu cruzava o portão do prédio, pequenina cheia de luz), Dona Selma que confiou em mim, que esteve ao meu lado, que mandava comidas maravilhosas lá pra minha casa com seu carinho de mãe foi maravilhoso. Obrigada a cada um de vocês que tornaram essa história muito linda. July Lima, não poderia esquecer de você que trilhou essa história e complementou a minha alegria de estar cercada de pessoas de coração bom e de fé. Querida, muito obrigada por cada carinho, cada momento e por ter me ensinando que só por meio da fé superamos nossos medos e limitações. A minha turma do Muay Thai: Canela, Ingres, Solano, Danilo, Carlos André, Lili, Dernivânia, Alfredo, Camila e Nillo. Juntos terminávamos com a tensão do dia a dia. A convivência com vocês na aula amenizava a tensão da dissertação e da distância de minha família. Foi maravilhoso partilhar grandes momentos de enxame com vocês. De forma muito especial, ao meu Professor e orientador Eraldo. Aprendi bastante ao seu lado. Todo o seu acompanhamento na construção deste trabalho, foram essenciais e cada bate e volta do texto me ensinava sempre mais. Foi a partir de sua paciência e de seus conhecimentos que hoje chego ao estágio final deste projeto. Muito obrigado por ter me possibilitado experiências grandiosas ao seu lado: em reuniões, aulas de campo, orientações, eventos, em especial a comemoração dos 30 anos do NPGEO, debates, intercâmbio, foram etapas de grandes aprendizados, afinal estar ao seu lado é sempre um aprendizado, seja nos espaços acadêmicos, seja nos espaços informais, você sempre nos ensina algo. Sua maturidade e compromisso com a Geografia torna-lhe um grande Geógrafo, do qual tenho grande admiração. Você que compreendeu minhas limitações e angústias através do convívio me fez aprender a tornar-me mais segura. A você, professor, meu carinho e gratidão que me transmitiu grandes conhecimentos e experiências. Muito obrigada. À professora Josefa, que foi a primeira pessoa que me acolheu no NPGEO. Seu carinho, sua atenção e sua paciência com todos os alunos são admiráveis. Seu jeito dócil de resolver as coisas com elegância é a forma mais bela que já pude encontrar em alguém que ocupa um cargo tão importante na universidade, como diretora do Núcleo de Pós- Graduação em Geografia. Parabéns, professora, por ser essa pessoa encantadora. Muito obrigada pelo apoio inicial que me foi concedido no momento que cheguei ao núcleo desde o processo de seleção. Aos professores Doutores das disciplinas: Alexandrina Luz Conceição, José Eloízio da Costa, Vera Lucia Alves Franca, Ana Rocha dos Santos, Josefa Lisboa cujos ensinamentos foram importantíssimos para o meu trabalho. Cada aula representou grandes reflexões e aprendizados valiosos para meu crescimento. Aos colegas de turma Cátia, Raul Marques e David Pimentel, que mesmo em ambientes diferentes de pesquisa tornaram-se pessoas muito queridas com os quais pude aprender e compartilhar. A todos que fazem o Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos. Que tornam esse território um espaço produtivo e cheio de significados. Rayane, Laiany, Rabanal, Raphaela, Gerenício. E de forma especial a Cinthya, minha muchacha. Mulher guerreira e muito especial, sua amizade é bastante significante pra mim. Sou grata a Deus por ter convivido com você nesses dois anos. Ao Jorge Edson, grande parceiro nas horas de aprendizados e discussões assim com Tereza, Vanuza e Anderson. Meninos, a amizade de vocês no laboratório foi bastante importante para os aprendizados e discussões em torno da Geografia. Temos muito ainda por aprender. A professora Dr. Cristiane Pepe que me possibilitou participar da II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária em Alagoas e junto com Guthierre (Guto), Jaciane e Juliana me deram apoio para aprofundar meu conhecimento sobre o PRONERA em Alagoas. Ao Rodrigo Simão, da UNESP, que me permitiu ficar em sua casa no intercâmbio, em outubro de 2013, e me possibilitou a leitura de sua tese de doutorado sobre Educação do Campo antes mesmo da defesa. Simão, muito obrigada por abrir sua casa e me permitir ler seu estudo de doutorado para compreender melhor os paradigmas da questão agrária na relação com a Educação do Campo. À Michele Martins (Mi), que me acolheu em seu quarto no intercâmbio me proporcionando o conforto necessário para a minha estadia de um mês em Prudente, e à Alessandra (Alê) que me levou para os rolés de Prudente junto com Mi, mas me proporcionou conhecer o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Popular (GEPEP) coordenado pela professora Dr. Fátima Rotta Furlanetti cujo momento no grupo foi muito importante para conhecer outros espaços de debates sobre educação. Ao Nino Sobreiro da Unesp, que me auxiliou na confecção dos mapas deste trabalho. Nino, muito obrigada pelo curso do Philcarto e muito obrigada por organizar meus mapas. Ao professor Dr. Ricardo Pires, que foi o articulador principal de minha ida a UNESP e que não hesitou em conversar comigo sobre a realidade do PRONERA no Brasil, mostrando-me possibilidades de ampliar meu debate sobre o programa. À professora Dr. Janaína Campos, que me recebeu carinhosamente e me apresentou a universidade dando-me possibilidades de ter um ambiente para estudar durante minha estadia. Ao professor Dr. Thomaz Júnior, que me levou para as aulas de campo referentes à sua disciplina, dando-me oportunidade de conhecer escolas dos assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema e experiências de Educação do Campo em diferentes territórios do Pontal. Ao professor Dr. Bernardo Mançano Fernandes, que dedicou um tempo específico para discutir comigo meu relatório de qualificação e assistir a apresentação de meu trabalho no X ENANPEGE. Obrigada, professor, por ter aceitado em meio a tantos trabalhos o convite para participar de minha banca. Suas contribuições nesses momentos foram essenciais para o avanço deste estudo. Aos alunos do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Reforma Agrária (NERA) que estiveram presente em meu colóquio na UNESP, no dia 17 outubro de 2013. O diálogo com os presentes foi importantíssimo para as reflexões posteriores. À professora Ana Rocha que avaliou meu relatório e deu contribuições de suma importância para avançar no estudo sobre a educação e o neoliberalismo. Muito obrigada, professora, por ter aceitado, em meio a tantos trabalhos, o convite para participar de minha banca. Obrigada pelas contribuições. Aos entrevistados, coordenadores, supervisores, estagiários e educandos que atribuíram com seus depoimentos uma qualidade ímpar a análise do desenvolvimento do PRONERA em Alagoas, sou muito grata a cada um de vocês, que desde minha graduação, quando procurados por mim sempre foram bem solícitos em responder minhas perguntas sobre o que foi o PRONERA em Alagoas. Agradeço-os sem os nomes, porque em minha metodologia precisei criar nomes fictícios para cada um. Contudo, vocês deram grande contribuição ao meu trabalho, obrigada. Continuemos na luta por uma Educação do Campo para o estado de Alagoas. A Universidade Federal de Sergipe, em especial, ao Núcleo de Pós-Graduação em Geografia (NPGEO), representado pelos trabalhadores da secretaria Everton, Francis e os bolsistas que sempre resolvem nossas necessidades. Parabéns pelo trabalho de cada um de vocês. É ao NPGEO que acolheu meu projeto de mestrado e me proporcionou as condições necessárias para a sua realização que devo grande agradecimento. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES), que me proporcionou as condições financeiras para realizar este trabalho. O principal agradecimento é direcionado a DEUS. Pai, sua bondade sobre minha vida é incomensurável. Não tenho palavras para agradecer as bênções que tenho recebido em minha vida. Desde as coisas mais simples as mais grandiosas do meu dia a dia eu devo a vós. Obrigada, Senhor, por me mostrar como sou abençoada e iluminada pela sua presença e amor. Tu és a maior força que guia meus sonhos, que me mostra que minhas limitações são vencidas quando entrego e direciono meus sonhos a ti. Pai, não sei como agradecer por todos os momentos que senti tua presença em minha vida. Essa conquista é fruto de muita fé, força e determinação que encontro em tuas palavras, em minhas orações, na sensação de paz quando adoro a ti. Muito obrigada, Senhor, por sustentar-me diante de tantas dificuldades que tenho encontrado em meu caminho. Sou muito grata por tudo que tenho vivido e aprendido. Tu és a força que dá vida a minha alma. Obrigada, Senhor. Amo-te. Por fim, sinto-me muito feliz por finalizar esse trabalho cercada de grandes experiências, aprendizados, partilhas e histórias que atribuíram mais sentido a minha caminhada enquanto educadora. Que tenhamos a capacidade de Ir, sobretudo, em frente!!! BASTA Coronelismo, Mandonismo sinal de dominação! Estado excludente amputa a vida da gente! Apropriam-se de nossos bens, forçam-nos a deixar a terra! Exploram nossa mão de obra em troca nada se tem! Daremos um basta, gritando NÃO! Cansamos da Opressão! Homens da Terra Homens do Campo Com Terra ou Sem Terra Dão-se as mãos Um povo que se une Jamais perde a luta A união desse povo É contra a opressão É a busca pelo pão Pela dignidade Pelo trabalho Pela educação Na verdade é por vida mais justa A todos os que não são Os que não são da sociedade Os que não são da elite Os que não são do meio dito moderno Os que foram expulsos Hoje dizem NÃO Basta! Queremos Trabalho Terra Escola Até quando ficaremos parados Esperando atitudes desse Estado miserável Que se volta para o capital Em detrimento do social Que destrói a vida humana O direito de ter pão Ter trabalho Ter produção Ter escola Deixe-nos livres Queremos ser mais Mais que meras mercadorias Queremos ser gente Livre da opressão Somos ousados Por isso dizemos NÃO! Autora: Raqueline da Silva Santos. São Cristóvão, Fevereiro de 2014. RESUMO Esta dissertação tem como objetivo discutir a Reforma Agrária e a Educação do Campo, tendo como recorte analítico o desenvolvimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em Alagoas, no período de 1998 a 2008. Este estudo procura mostrar que o desenvolvimento do PRONERA em Alagoas divergiu da proposta de educação discutida no movimento Por Uma Educação do Campo, que pensa a educação levando em consideração o modo de vida camponês. Considerando a luta pela terra dos movimentos socioterritoriais na busca do reconhecimento do direito a uma educação pensada a partir da realidade camponesa, discutimos as ações e estratégias políticas dos movimentos na luta pelos direitos que lhes cabem. São as manifestações e as ocupações os atos necessários para pressionar o governo a realizar a desapropriação de terras e financiar programas que atendam as necessidades dos territórios camponeses já conquistados. Esses territórios materializados nos assentamentos devem ser considerados como o processo de reterritorialização do campesinato no campo. Dessa forma, é a luta pela terra, por educação, por assistência técnica que dão possibilidades do campesinato se reafirmar enquanto classe. É nessa luta de classes que os movimentos socioterritoriais têm discutido a Educação do Campo, considerada como uma educação de caráter ideológico, político, cultural e social. Essa luta é histórica e vem sendo discutida constantemente por ser a Reforma Agrária um problema social assim como é a educação, pois ambas se estendem na história desse país influenciando a vida da sociedade como um todo. A primeira problemática se estrutura a partir da luta contra uma alta concentração de terras que centraliza o poder nas mãos de uma pequena elite brasileira, essa centralização é geradora de uma desigualdade socioeconômica, que provoca um alto grau da expansão da pobreza em favor de uma expansão econômica; e a segunda se restringe, inicialmente, à formação humana da classe dominante, que ao longo da história permitiu que a educação seja estendida a classe trabalhadora a partir dos seus interesses. A metodologia que permeou nosso estudo se baseou em revisão bibliográfica e documental: relatórios, processos e convênios que explicam as parcerias e o desenvolvimento do PRONERA. A análise do programa, dos recursos investidos e a realização das entrevistas com os sujeitos envolvidos foram etapas essenciais para conhecermos os processos que constituíram o PRONERA em Alagoas. No debate entre a Reforma Agrária e a Educação do Campo temos uma forte luta pelo direito a terra e a educação pautada na realidade camponesa. Para analisarmos esse debate, baseamos nosso estudo em dois paradigmas: o paradigma da questão agrária e o paradigma do capitalismo agrário. Esses paradigmas explicam a questão agrária sob duas perspectivas distintas que reconfiguram o papel do campesinato no campo. Neste marco teórico analisamos a luta pela Educação do Campo, a construção do PRONERA e suas contradições no estado de Alagoas. São nesses territórios de conflitos entre o capital e o campesinato que adentramos na relação social que empreende o debate em questão. Palavras-Chave: Educação do campo; Questão agrária; Território. ABSTRACT This master thesis aims to discuss agrarian reform and Countryside Education, analyzing the development of the National Program of Education in Agrarian Reform (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA) in Alagoas on the period between 1998 and 2008. This study intends to show that PRONERA’s development in Alagoas diverged from the proposal of education discussed in For a Countryside Education movement, which conceives education taking into consideration the peasant way of life. Considering the fight for the land of the socioterritorial movements in pursuit of acceptance of the right to an education conceived based upon the peasantry’s reality, we discuss the movement’s actions and political strategies in the fight for the rights that behoove them. Manifestations and occupancies are necessary acts to press the government to effectuate the land expropriation and to financiate programs that attend the necessities of the territories already conquered. These territories materialized in the settlements have to be considered as a reterritotialization process of the peasantry in the countryside. Thus, it is the fight for land, education and for technical assistance that raise possibilities to the peasantry to reaffirm itself as a class. It is in this class conflict the socioterriorial movements have discussed Countryside Education, considered as an education with ideological, political, cultural and social qualities. This fight is historic and has been discussed constantly due to land reform is a social problem as education is, because both extend in the history and have influenced life in society as a whole. The first problem is structured based upon the fight against the high concentration of land ownership that centralizes the power in the hands of a small Brazilian elite. This centralization generates social and economic inequality and stimulates a high degree of expansion of poverty in favor of an economic expansion. The second one is initially restricted to a human formation of the dominant class that, along the history, allows education be extended to workers' class based on their own interests. The methodology that permeated this study is based on literature review and documentary research: reports, processes and covenants that explain PRONERA’s development and its partnerships. The analysis of the program and of the invested resources and the interview done with people involved were essencial steps to learn about the processes that constituted PRONERA in Alagoas. In the debate over land reform and Countryside Education we have an intense fight for the rights to land and education based on the peasantry’s reality. To analyze this debate, we based our study in two paradigms: Paradigm of the Agrarian Question and Paradigm of the Agrarian Capitalism. These paradigms explain agrarian question under two different perspectives that rearrange the peasantry’s role in the countryside. Considering this theoretical reference, we analyze the fight for Countryside Education, the PRONERA construction and its contradictions in Alagoas state. In these conflict territories between capital and peasantry we investigate the social relations that undertake the debate in question. Keywords: Rural education; Agrarian question; Territory. RESUMEN Esta disertación tiene como objetivo discutir la reforma agraria y la educación en el campo, teniendo como recurso analítico un desarrollo del Programa Nacional de Educación en Reforma Agraria (PRONERA) en Alagoas en el período de 1998 a 2008. Este estudio pretende mostrar que el desarrollo de PRONERA en Alagoas diverge de la propuesta de educación discutida en el movimento Por Una Educación de Campo, que piensa en educación llevando en consideración un modo de vida campesino. Considerando una lucha por la tierra de los movimentos socioterritoriales en busca del reconocimiento del derecho a una educación pensada a partir de su realidad campesina, discutimos como acciones y estratégias políticas los movimentos en la lucha por los derechos que la defienden. Son como manifestaciones y ocupaciones de actos necessários para presionar al gobierno a realizar la desocupación de tierras y financiar programas de gobierno. Que atiendan las necessidades de los territórios campesinos ya conquistados. Esos territorios materializados en los asentamientos deben ser considerados como un processo de territorialización del campesinado en el campo. De esta forma es una lucha por la tierra, por la educación, por assistencia técnica que dadas las posibilidades del campesinado se reafirma en cada familia. Es esta lucha de clases que los movimentos socioterritoriales han discutido en la Educación de Campo considerada como una educación de carácter ideológico, Político, cultural y social. Esta lucha es histórica y viene siendo discutida constantemente por ser la reforma agraria un problema social de igual manera como la educación, pues ambas se desenvuelven en la historia de este país influenciando una vida de sociedades como un todo. Una primera problemática se estructura a partir de la lucha contra una alta concentración de tierras que centraliza el poder en las manos de una pequeña élite brasileña. Esa centralización a generado una desigualdad socieconómica, que provoca un alto grado de expansión de pobreza en favor de una expansión económica. Y la segunda restringe inicialmente una formación humana de clase dominante, que a lo largo de la historia permite que la educación sea extendida a la clase trabajadora a partir de dos interesses. La metodologia que perme en nuestro estúdio se basa en la revisión bibliográfica y documental: informes, procesos y convenios que explican asociaciones y el desarrollo de PRONERA. Un análisis del programa de los recursos invertidos y la realización de las entrevistas con los sujetos involucrados, eran etapas esenciales para conocer los processos que constituiran a PRONERA en Alagoas. En el debate entre la reforma agraria y la educación del campo tenemos una fuerte lucha por el derecho a la tierra y a la educación guiada en la realidad campesina. Para analizar ese debate basamos nuestro estúdio en dos paradigmas: un paradigma de la cuestión agraria y un paradigma del capitalismo agrário. Esos paradigmas explican la cuestion agraria sobre dos perspectivas distintas que reconfiguran el papel del campo. En este marco teórico analizamos la lucha por la educación del campo, una construcción de PRONERA y sus contradicciones en el estado de Alagoas. Son estos territórios de conflitos entre el capital y el campesinado con los que entramos en relación social y que empreende el debate en cuestión. Palabras clave: Educación rural; Cuestión agraria; Territorio. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Frente da Escola Nacional Florestan Fernandes -----------------------------104 Figura 2 - Parte Interna da Escola Nacional Florestan Fernandes --------------------105 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Brasil Número de Ocupações1998 a 2012------------------------------------ 90 Gráfico 2 - Unidades da Federação - Brasil – População assentada que não Lê e não Escreve- PNERA - 2004 -------------------------------------------------------------------- 120 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Brasil - Universo da Pesquisa - PNERA 2004 ---------------------------------119 Tabela 2 - Alagoas - Estrutura Fundiária por Módulos Fiscais -------------------------- 130 Tabela 3- Alagoas - Nordeste - Pessoas Não Alfabetizadas------------------------------ 150 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Tipologia dos Territórios ----------------------------------------------------------- 41 Quadro 2- Alagoas - Usinas de Açúcar por Localização e Fundação --------------------- 131 Quadro 3 - Alagoas - Ocupações realizadas pelos Movimentos Socioterritoriais 2000 a 2012 ------------------------------------------------------------------------------------------------ 143 Quadro 4 - Alagoas - Municípios e Assentamentos Beneficiados pelo PRONERA 1998 a 2008 ------------------------------------------------------------------------------------------------ 150 Quadro 5 - Alagoas - Áreas do PROFORMAÇÃO ----------------------------------------- 172 LISTA DE MAPAS Mapa 1 - Alagoas - Usinas de Cana-de-Açúcar por Munícipios ---------------136 Mapa 2 - Alagoas -Produção de Cana-de-Açúcar por Hectare e por Município 2012--------------------------------------------------------------------------------------138 Mapa 3 - Alagoas – Número de Assentamentos Rurais em Alagoas por Município-------------------------------------------------------------------------------141 LISTA DE SIGLAS AGF - Agência Formadora CEDU - Centro de Educação CFR - Casa Familiar Rural CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNDRS - Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CNE - Conselho Nacional de Educação CNP - Coordenação Nacional do Programa de Formação de Professores em Exercício COETAGRI - Cooperativa Escola dos Alunos da Escola Agrotécnica Federal de Satuba CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPT - Comissão Pastoral da Terra CUT - Central Única de Trabalhadores CVA - Caderno de Verificação de Aprendizagem DATALUTA - Banco de Dados da Luta Pela Terra DER - Departamento de Educação Rural EAD - Educação a Distância EAFS - Escola Agrotécnica Federal de Satuba EEG - Equipe Estadual de Gerenciamento do Programa de Formação de Professores em Exercício EFA - Escola Família Agrícola EJA - Educação de Jovens e Adultos ENANPEGE - Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Geografia ENERA - Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária ENFF - Escola Nacional Florestan Fernandes FETAG - Fundação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Alagoas FETRAF - Federação da Agricultura Familiar FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FINATEC - Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos FMI - Fundo Monetário Internacional FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola FONEC - Fórum Nacional de Educação do Campo FRM - Fundação Roberto Marinho FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério FUNDEPES - Fundação Universitária de Desenvolvimento, Extensão e Pesquisa FUNDESCOLA - Fundo do Fortalecimento da Escola INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira LDB - Lei de Diretrizes e Bases MDA - Ministério de Desenvolvimento Agrário MEB - Movimento de Educação de Base MEC - Ministério da Educação MEPF - Ministério extraordinário de Política Fundiária MLST - Movimento de Libertação dos Sem Terra MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTL - Movimento Terra, Trabalho e Liberdade NEPEAL - Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alfabetização NUPEP - Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular OME - Órgão Municipal de Educação PCA - Paradigma do Capitalismo Agrário PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PNERA - Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária PQA - Paradigma da Questão Agrária PR - Pastoral Rural PROCAMPO - Programa de Apoio as Iniciativas em Educação do Campo PROFORMAÇÃO - Programa de Formação de Professores em Exercício PROJERAL - Projeto de Educação de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SEE/AL - Secretaria de Educação de Alagoas SEEP - Secretaria de Educação a Distância SINDAÇÚCAR - Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas SME - Secretaria Municipal de Educação SNRC - Sistema Nacional de Cadastro Rural TAC - Curso Técnico em Administração em Cooperativas TCU - Tribunal de Contas da União UFAL - Universidade Federal de Alagoas UFCG - Universidade Federal de Campina Grande UFG - Universidade Federal de Goiás UFPE - Universidade Federal de Pernambuco UFRB - Universidade Federal do Recôncavo Baiano UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFS - Universidade Federal de Sergipe UNB - Universidade de Brasília UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 26 CAPÍTULO I: A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO ................................... 35 1.1 O campesinato e as conflitualidades paradigmáticas .............................................. 36 1.2 O debate atual da Reforma Agrária .......................................................................... 53 1.3 A atuação dos movimentos socioterritoriais na luta pela terra ............................... 64 CAPÍTULO II - TERRITORIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO .............. 72 2.1 Educação Rural ...................................................................................................... 73 2.2 O movimento dos trabalhadores rurais sem terra na luta pela Educação do Campo ................................................................................................................................. 85 2.3 Educação do Campo: quebrando as amarras da dominação ................................ 105 CAPÍTULO III - A QUESTÃO DA TERRA E O PRONERA EM ALAGOAS ....... 123 3.1 A questão da terra em Alagoas ................................................................................. 125 3.2 Os assentamentos rurais em Alagoas ....................................................................... 140 3.3 As contradições da implantação do PRONERA em Alagoas ................................ 147 3.3.1 Telecurso 2000 ........................................................................................................ 154 3.3.2 Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO) ..... 163 3.3.3 Projeto de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos nas áreas de Reforma Agrária (PROJERAL) .................................................................................................... 176 3.3.4 O Curso Técnico em Agropecuária: Convênio Incra/Escola Agrotécnica Federal de Satuba ............................................................................................................ 187 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 193 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 203 26 INTRODUÇÃO "Saber lutar é saber construir". Esta frase nos parece adequada para introduzir esta dissertação sobre a Reforma Agrária e a Educação do Campo. Extraída do livro de Pistrak "Fundamentos da Escola do Trabalho", ela foi escolhida para explicar as ações dos movimentos socioterritoriais que têm construído significativamente a luta por Reforma Agrária e por Educação do Campo. São essas lutas que configuram a análise de nossa pesquisa. Esta trata de problematizar a Reforma Agrária e a Educação do Campo realizando uma análise específica do desenvolvimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária no Estado de Alagoas, entre os anos de 1998 a 2008. Nesse sentido, abordaremos a problemática que permeou nossa pesquisa, os objetivos que conduziram o desenvolvimento deste estudo, o método utilizado e a contribuição que daremos para os estudos da ciência geográfica, finalizando com uma abordagem sucinta sobre os capítulos seguintes. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária é uma política pública que reflete a luta pela escolarização de milhares de jovens e adultos excluídos historicamente do direito à Educação no Campo. Essa política pública é considerada um exemplo de luta dos camponeses que em parceria com Instituições de Ensino Superior, movimentos sociais e movimentos sindicais reivindicam educação de qualidade para os territórios camponeses. O PRONERA foi instituído em 1998 e foi elaborado considerando o território camponês, enfatizando a formação de jovens e adultos no processo de escolarização, formação de professores, formação técnica, formação em graduação, especialização e pós-graduação. O avanço do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, desde sua institucionalização em 1998 proporcionou a escolarização de mais de 400 mil jovens e adultos camponeses no Brasil, de acordo com o balanço dos dez anos do PRONERA realizado em 2010 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Neste sentido, o PRONERA vem se tornando um relevante instrumento de democratização do conhecimento formal em todos os níveis de ensino. Dentro do contexto social e político que se encontra o programa, torna-se relevante discutir a problemática entre a Reforma Agrária e a Educação do Campo para compreendermos os processos de luta empreendidos pelos movimentos socioterritoriais na resistência e na reafirmação dos camponeses enquanto classe. Dessa forma, na análise desses processos de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 27 consideramos que o território é um trunfo (RAFFESTIN, 1993) e que a partir da mobilização coletiva esse movimento tem transformado o espaço e recriado o território camponês. É no contexto dessas lutas que nosso objeto de estudo se destaca. A análise dos processos da luta pela terra e pela Educação do Campo é aqui considerada uma luta de classes. Os homens não são iguais e não têm os mesmos interesses, se organizam conforme suas ideologias e sua classe. A valorização da classe camponesa neste estudo define nossa posição política e ideológica frente ao direcionamento da sociedade no contexto do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo e as implicações no modo de vida camponesa, que através das lutas procuram resistir e se reafirmar como camponeses, como uma classe que resiste e se recria num território adverso, contraditório e excludente. Para fundamentar nossa análise sobre os processos de luta pela terra e pela Educação do Campo focalizando o desenvolvimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária em Alagoas, procuramos neste estudo sistematizar dados, a partir do Banco de Dados da Luta Pela Terra (DATALUTA), demonstrando os processos de ocupações, manifestações no estado de Alagoas, pois são essas categorias que dão sentido à luta dos movimentos socioterritoriais na luta pela terra e pela Educação do Campo. O estudo procurou problematizar a questão agrária em Alagoas para compreendermos a realidade camponesa no estado, os conflitos, a realidade do agronegócio, a atuação dos movimentos socioterritoriais. A análise do desenvolvimento da política pública do PRONERA no campo alagoano e sua relação na luta pela terra foram fundamentais para explicarmos os conflitos entre as classes em Alagoas e o papel do estado na realização do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. No que tange à análise da política pública do PRONERA, procuramos discutir o desenvolvimento do programa a partir dos cursos realizados em Alagoas: o TELECURSO 2000, o Projeto de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária em Alagoas (PROJERAL), o Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO) e o curso Técnico em Agropecuária. Partimos do pressuposto que esses cursos estão distantes dos princípios educativos da Educação do Campo, e afirmamos que o PRONERA em Alagoas é um caso sui generis, e, nesse sentido, a análise desse programa no estado dentro da relação da luta pela terra e pela Educação do Campo é importante para entendermos o papel que este desenvolveu nos territórios dos assentamentos beneficiados pelo programa. 28 Para realizarmos essas análises, partimos dos objetivos traçados neste estudo que permeou o aprofundamento teórico sobre a questão agrária desde os autores clássicos aos contemporâneos, como veremos no capítulo I. Estudos acerca da Reforma Agrária alagoana, complementando-os com os dados do DATALUTA, destacando as ocupações, manifestações, números de assentamentos, famílias assentadas e os movimentos sociais que atuam no estado, focalizando o MST. Interpretações teóricas como conceitos de território, ocupações, Reforma Agrária, questão agrária, educação rural, Educação do 1 Campo , movimentos socioterritoriais, políticas públicas, manifestações são outros debates que fundamentam nossa pesquisa. Acerca do estudo sobre o PRONERA, foram examinados relatórios, processos e convênios que explicam as parcerias, o desenvolvimento do programa, os recursos investidos e os sujeitos envolvidos. Estudos de teses, dissertações, livros e artigos de eventos sobre o programa foram importantes para termos conhecimento sobre o PRONERA em seu desenvolvimento no Brasil. No que tange ao território alagoano, buscamos analisar o PRONERA a partir dos seguintes momentos: estudos de dados locais, estudos dos relatórios parciais e finais da realização do PRONERA no estado, pesquisa de campo com coordenadores locais, educandos, educadores, estagiários e coordenadores geral do PRONERA. Para explicar os processos de formação e desenvolvimento do PRONERA em Alagoas, participamos da II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (II PNERA), que teve como objetivo atualizar os índices educacionais dos assentamentos do Brasil, a partir da base de dados do Censo Escolar/INEP/MEC (2005-2010), organizar e disponibilizar os resultados das ações do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA (1998-2010). Essa pesquisa foi fundamental para ampliar a análise do PRONERA em Alagoas, pois, tivemos acesso a outros documentos até então desconhecidos. Na complementação da análise sobre o desenvolvimento do programa em escala nacional, houve a realização do mestrado sanduíche na UNESP – Campus de Presidente 1 O uso da expressão Educação do Campo em maiúscula se contrapõe a expressão educação rural, cujo objetivo é direcionar e incluir a reflexão a cerca da educação que valorize o trabalho camponês e enfatize as lutas sociais empreendidas pelo movimento. Segundo (Kolling, Nery e Molina, 1999, p. 26), quando se discutir a educação do campo, se estará tratando da educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural. Embora com essa preocupação mais ampla, há uma preocupação especial com o resgate do conceito de camponês. 29 Prudente, no âmbito do projeto “Políticas públicas de desenvolvimento e a apropriação da natureza: terra, água e conflitos socioterritoriais” auspiciado pelo Edital MCTI/CNPq/MEC/Capes - Ação Transversal nº 06/2011 - Casadinho/Procad. Esta experiência possibilitou um conhecimento sobre o desenvolvimento de outras políticas públicas e experiências sobre a Educação do Campo em São Paulo, na região do Pontal do Paranapanema, e em Guararema, através da visita à Escola Nacional Florestan Fernandes. Outro momento importante para entendermos a construção do PRONERA foi a realização da entrevista com o professor Dr. Bernardo Mançano Fernandes, durante a realização do X Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (X ENANPEGE), em Campinas, no dia 08 de outubro de 2013, pois o professor foi um dos pesquisadores envolvidos no processo de construção e articulação do programa entre 1997 e 1998 para a institucionalização do PRONERA junto com as professoras Dra. Mônica Molina, Dra. Roseli Salet Caldart e Edgar Kolling etc. Essas etapas foram essenciais para construirmos este estudo em escala nacional. Essas etapas foram eficazes para compreendermos o desenvolvimento do PRONERA em Alagoas e entender o PRONERA em outros espaços fora do estado, os quais diferenciam-se e tornaram Alagoas, em nível de Brasil, um caso sui generis no que tange ao desenvolvimento do PRONERA. Partindo desses pressupostos, a metodologia do nosso estudo foi bastante pertinente para discutirmos o desenvolvimento de cada curso no estado, suas particularidades e contradições no que se refere ao Paradigma da Educação do Campo, que é uma luta em construção e que no movimento de sua espacialização tem transformado muitos territórios. Contudo, para além dos documentos estudados através da II PNERA realizamos pesquisas de campo, nas quais entrevistamos, através de questionários semiestruturados, educadores, educandos, coordenadores do PRONERA e estagiários que participaram da pesquisa em diferentes anos. As entrevistas foram gravadas e transcritas, possibilitando uma análise mais detalhada do desenvolvimento do programa no Estado. Algumas falas são destacadas, com algumas correções linguísticas no capítulo III, para que possamos compreender a visão dos sujeitos envolvidos no desenvolvimento do programa. Optamos por não identificar os sujeitos da pesquisa para preservar a identidade dos entrevistados, por isso, usamos nomes fictícios. 30 O objetivo da pesquisa não foi fazer um levantamento da visão de todos os sujeitos envolvidos no PRONERA entre 1998 a 2008, pois, a rotatividade entre os programas foi imensa, tornando-se impossível um diálogo que abrangesse todos. Porém, privilegiamos em nossa pesquisa compreender como se fundamentou o PRONERA em Alagoas. Quais concepções foram usadas para criar parcerias com cursos cujas propostas político pedagógicas diferenciam-se da luta pela terra e pela educação empreendida pelos movimentos socioterritoriais. A pesquisa qualitativa foi nossa base para considerarmos a participação dos sujeitos no processo de construção e desenvolvimento do PRONERA. O apoio das entrevistas semiestruturadas foi decisivo para analisarmos o programa sob a visão dos entrevistados. Para alcançarmos esses objetivos, a pesquisa se desenvolveu sob o método materialista histórico dialético, pois este condicionou nosso estudo e nossa perspectiva política e ideológica pela qual analisamos o objeto da pesquisa. É através deste método que conseguimos entender a luta de classes na luta pela terra e pela Educação do Campo, os conflitos e as condições de resistência. A realidade não se apresenta verdadeiramente aos homens e por este pressuposto é preciso que os homens abstraiam os fatos em sua essência. O cotidiano e a práxis são elementos que dão possibilidades aos homens compreenderem a realidade dentro das contradições vividas nas relações sociais. É no entendimento do PRONERA em Alagoas que nosso estudo realiza-se por dentro das contradições, primeiro por compreendemos que o PRONERA em Alagoas não é efetivado a partir dos princípios educativos da Educação do Campo; segundo este se desenvolve a partir de programas desligados da realidade camponesa, com currículos distantes e perspectivas educativas que não se localizam na luta por uma Educação do Campo. No contexto da realidade social, nossa escolha por tal método não se dá por acaso. Esta compreende a necessidade de demonstrar as contradições do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo a partir da luta de classes. Da prática social dos movimentos socioterritoriais nos propomos entender o PRONERA em Alagoas, através dos fatos, dos relatórios, das falas nas entrevistas. A compreensão do programa é possível devido concordarmos com KOSIK (1926), que a totalidade significa "a realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer [...] pode vir a ser racionalmente compreendido" e em consonância, no materialismo, as categorias se formam no desenvolvimento histórico do conhecimento e da prática social (TRIVIÑOS, 1987). 31 Dessa maneira, o método materialista histórico dialético nos auxiliará no conhecimento da contradição existente entre os fenômenos sociais que ora nos propomos discutir, ou seja, a Reforma Agrária como uma proposta de mudança das bases econômicas da sociedade contemporânea e a Educação do Campo que vai além do currículo imposto da educação urbana, procurando fazer a sociedade repensar as práticas educativas impostas na formação dos sujeitos sociais. Esse estudo se baseia numa abordagem de uma luta constante entre classes opostas. Baseados no método materialista histórico dialético, pudemos compreender a luta que os movimentos socioterritoriais, em destaque o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), travam para conquistar uma educação pautada na especificidade do modo de vida camponês. Dessa forma, compreendemos que o PRONERA, em termos de políticas públicas educacionais, é a maior conquista do movimento camponês no Brasil. Nesse sentido, a análise do PRONERA em Alagoas, o debate teórico sobre a Reforma Agrária e a Educação do Campo são problemáticas sociais que nos exigem a análise a partir de dois paradigmas teóricos e políticos discutidos no primeiro capítulo deste estudo, com a finalidade de explicar a questão agrária no capitalismo. Nesse primeiro capítulo, o debate sobre a questão agrária será permeado entre uma diferença paradigmática: o Paradigma da Questão Agrária e o Paradigma do Capitalismo Agrário. Essas análises paradigmáticas são baseadas nos estudos do geógrafo e professor Dr. Bernardo Mançano Fernandes. É uma afirmação política que é permeada por fundamentação teórica que expressa posicionamentos ideológicos e intencionalidades políticas na análise da questão agrária. O debate do Paradigma da Questão Agrária tem origem no pensamento clássico de Marx que é conduzido pela leitura de dois autores: Karl Kautsky com sua obra "A questão agrária" que faz uma análise sobre o território camponês e as condições desse com o desenvolvimento do capitalismo no campo, e Vladimir Ilitch Lênin com sua obra "O desenvolvimento do capitalismo na Rússia" que analisa o processo de formação do mercado interno para a grande indústria e a expansão das relações capitalistas que tendia para a formação de uma agricultura mais especializada. A análise desse paradigma é fundamentada em duas tendências: a tendência proletarista e a tendência campesinista. A primeira é atribuída ao pensamento de Kautsky e Lênin que concluem, a partir de análises distintas, a situação do campesinato frente a evolução do capitalismo. Essa perspectiva vê o fim do campesinato como a possibilidade 32 da revolução, por se basearem nas ideias de Marx que afirmava que a revolução é proletária. A outra tendência campesinista se fundamenta a partir das ideias de Rosa Luxemburgo, Alexander Chayanov e Theodor Shanin. Nessa perspectiva, a análise da expansão do capitalismo não elimina o camponês. Aqui o campesinato resiste por meio de relações não capitalistas de produção. Reafirma-se enquanto classe e é considerado como um modo de vida que tem o território como reprodução da vida e não da exploração de forças de trabalho, pois o campesinato nessa tendência continua existindo, porque o capitalismo destrói e eles se recriam por meio das lutas, das conquistas dos assentamentos. No segundo capítulo, abordaremos a discussão sobre a educação para os camponeses. Discutiremos a educação rural, a Educação do Campo e o papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na construção do movimento de luta por uma Educação do Campo. A educação rural se constitui como um projeto educacional criado pelo Estado para os sujeitos do espaço rural que passam a ter garantia de escolarização a partir da Constituição Brasileira de 1934. Contudo, esse projeto educacional, foi constituído distante da realidade do espaço rural não levando em consideração as especificidades deste território. A educação rural foi construída com base em um currículo das escolas da cidade. Suas concepções educacionais são distintas dos anseios do campo, distanciando a formação educacional da realidade e das especificidades dos territórios camponeses. Os processos de discussão sobre uma educação que valorizasse o território camponês foi sendo instituído aos poucos e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra concebeu grande importância a este debate. Neste sentido, discutiremos o papel pedagógico do MST na construção de uma educação contrária a educação rural. No terceiro capítulo deste estudo, discutiremos a política pública do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária como indutor do fortalecimento da educação camponesa. A institucionalização do PRONERA, em 1998, representou um salto no conjunto das políticas públicas voltadas para as áreas de assentamentos da Reforma Agrária, pois este programa permitiu romper com a cerca do latifúndio, como nos fala Stédile (2005). Nesse mesmo capítulo, avançaremos ao debate mais específico em relação ao nosso objeto de estudo na conjuntura do estado de Alagoas. Complementamos nossa discussão sobre a questão agrária alagoana, as condições de luta, conflitualidades e resistência camponesa no campo alagoano. Nesse sentido, o debate da questão agrária em 33 Alagoas é realizado a partir da concentração da monocultura canavieira que toma conta da paisagem natural do estado e reflete o poder dos grandes latifundiários. Posteriormente, seguimos na discussão sobre a análise do desenvolvimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária no estado de Alagoas. Em Alagoas, o programa foi desenvolvido a partir de parcerias entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/AL), Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES), a Secretaria de Educação do Estado de Alagoas (SEE/AL) e a Escola Agrotécnica Federal de Satuba. Essas parcerias contribuíram para a implantação dos cursos de alfabetização, formação de professores e curso técnico em agropecuária. Esses cursos colocaram em evidência outras perspectivas de formação que se diferenciam da proposta de Educação do Campo, pois os cursos desenvolvidos foram: Projeto de Educação de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária em Alagoas (PROJERAL) responsável pela escolarização de jovens e adultos, Telecurso 2000 voltado para a formação dos educadores que não tinham o nível fundamental completo que foi complementado com o Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO) que deu continuidade a formação dos educadores em nível médio e magistério. Tivemos, também, a formação técnica dos assentados que ficou a cargo da parceria do INCRA com a Escola Agrotécnica Federal de Satuba (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IF- Satuba). Na análise de cada projeto, identificamos que estes são distintos das propostas pedagógicas do PRONERA. São programas que negam as condições de pensar a educação camponesa a partir de suas especificidades, pois o Telecurso 2000 e o PROFORMAÇÃO, apresentam propostas pedagógicas distintas da conjuntura do PRONERA. Esse capítulo é o grande eixo de discussão para entendermos as condições que direcionam os pressupostos políticos e ideológicos presentes no direcionamento de políticas públicas voltadas para o campo alagoano. É de fundamental importância revelar as limitações no desenvolvimento do trabalho. Na pesquisa sobre o PRONERA, encontramos algumas dificuldades. Apontamos as limitações para que tomamos conhecimento da dificuldade sobre querer descobrir processos que envolvem histórias de vida, relações políticas e de classes. A busca pela história do PRONERA resultou em um desafio. A imparcialidade de algumas 34 pessoas sobre informações acerca do programa dificultou o acesso a documentos, facilitado pela participação na II PNERA, e o contato com algumas pessoas envolvidas. Alguns estagiários, coordenadores, asseguradores do INCRA e educadores procurados para a entrevista não quiseram falar, não responderam aos e-mails encaminhados ou me direcionavam para outras pessoas. Nesse sentido, foram entrevistados quatro educandos, duas educadoras, três coordenadoras da universidade, uma coordenadora de área do assentamento e uma estagiária do programa. Mesmo em quantidade pequena, os depoimentos dos entrevistados atribuíram uma qualidade sobre as perguntas realizadas que ajudou significativamente para fazermos as análises sobre o PRONERA em Alagoas. Porém, não podemos generalizar os resultados obtidos através das falas dos entrevistados, mas temos uma análise muito importante sobre os processos de desenvolvimento do PRONERA em Alagoas, como veremos detalhadamente no capítulo III. Nas considerações finais, fazemos uma análise geral dos temas abordados em nosso estudo, destacando a importância da luta pela terra e pela Educação do Campo para a classe camponesa, pois são os processos de luta que têm reafirmado o campesinato enquanto classe que vem reconfigurando o campo brasileiro. 35 CAPÍTULO I: A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO A FALA DA TERRA A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores A Liberdade da Terra é assunto de todos quantos Se alimentam dos frutos da Terra Do que vive, sobrevive, de salário Do que não tem casa. Do que só tem o viaduto Dos que disputam com os ratos os restos das grandes cidades. Do que é impedido de ir à escola Das meninas e meninos de rua Das prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera Dos que amargam o desemprego Dos que recusam a morte do sonho A Liberdade da Terra e a paz no campo têm nome: Reforma Agrária Hoje viemos cantar no coração da cidade Para que ela ouça nossas canções e cante E reacenda nesta noite a estrela de cada um E ensine aos organizadores da morte E ensine aos assalariados da morte Que um povo não se mata Como não se mata o mar Sonho não se mata Como não se mata o mar A alegria não se mata Como não se mata o mar A esperança não se mata Como não se mata o mar e sua dança Pedro Tierra. A fala da Terra, 2002. Analisaremos neste capítulo a questão agrária a partir do avanço do capitalismo no campo, direcionando o debate para a situação do camponês dentro das transformações ocorridas em seu território. Para a análise deste assunto situamos nosso estudo no debate paradigmático sobre a questão agrária e o capitalismo agrário. Nesse sentido, as ideias sobre o campesinato dentro do capitalismo assumem diferentes interpretações teóricas de acordo com a vertente teórica adotada. A pertinência de partirmos, neste estudo, de uma reflexão teórica sobre a questão agrária reside na decorrência das lutas do trabalhadores e suas resistências frente à ofensiva do capital resultarem na construção pelos próprios sujeitos sociais da estruturação do paradigma da Educação do Campo e conquista de uma 36 ação do Estado que possibilitou a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Nosso objetivo primordial é demonstrar como o avanço do capitalismo no campo resultou no aumento da conflitualidade entre a burguesia e os camponeses. Estes vêm sendo afetados com a expansão do capital, e tem resistido dentro desse sistema na disputa pelo território. Nesta análise procuramos discutir a categoria território para que possamos entender a questão agrária dentro da geografia e como o campesinato tem se (re)criado dentro dos processos desse sistema que, além de desterritorializá–los, também os recriam, e é neste conflito de classes que vão se espacializando e reconquistando seu território de vida. Nesse sentido, discutiremos o campesinato e as conflitualidades paradigmáticas. Definiremos nosso entendimento sobre a Reforma Agrária e apresentamos a atuação dos movimentos socioterritoriais na luta pela terra. Nessa linha de pensamento, compreendemos que a Educação do Campo dentro do debate paradigmático da questão agrária é uma bandeira de luta que é disputada pelo capital, este último, por sua vez, que tem usado a Educação do Campo desvinculada do projeto educacional idealizado pelos camponeses, como veremos nos capítulos seguintes. 1.1 O campesinato e as conflitualidades paradigmáticas O debate em torno da questão agrária deve ser analisado como um problema estrutural que se acentua com o modo de produção capitalista no campo. Com esse sistema, o território camponês é modificado estruturalmente nas relações econômicas, culturais, sociais e educacionais. Essas mudanças destroem o modo de vida camponesa, pois as novas relações de produção, as especializações técnicas, o desenvolvimento da ciência, a mão de obra especializada para a ampliação de grandes agroindústrias colocam um desafio a esses sujeitos que diante da modernização buscam caminhos para resistir dentro do avanço do capitalismo no campo. A questão agrária é uma problemática insuperável do capitalismo que gera conflitualidades entre as classes. Para compreendê-la, podemos partir de novos e velhos elementos que devem ser analisados nas relações de conflitualidade entre o campesinato e o capital (FELÍCIO, 2011). 37 [...] entre os velhos elementos, estão os processos de integração- subalternidade/resistência e destruição do campesinato. Entre os novos, estão as interpretações dos diferentes fins e recriações do campesinato por meio da metamorfose do camponês em agricultor familiar e pela compreensão do processo de recampesinização (FELÍCIO, 2011, p. 14). Esses elementos têm sido explicados pelo debate paradigmático da questão Agrária e do Capitalismo Agrário. A questão agrária é determinada pelas forças que cada classe exerce na construção do seu território e nas condições dos recursos e instrumentos que possuem para exercer o poder no processo de conflitualidade. A questão agrária sob o modo capitalista de produção implica identificar, entender e analisar os processos de expropriação, exploração e subjugação do camponês. Para Camacho (2014, p.96-97), esse entendimento da questão agrária enquanto um problema estrutural "consiste na afirmação de que o desenvolvimento do capitalismo no campo tende, necessariamente, a expropriar o campesinato e proletarizá-los, ou seja, ocorrerá sua inevitável destruição. Entendemos aqui os camponeses num sentido histórico, pois esses têm permanecido historicamente na sociedade brasileira, por meio do seu modo de vida. Shanin afirma que Sob certas condições os camponeses não se dissolvem, nem se diferenciam em empresários capitalistas e trabalhadores assalariados, e tampouco são simplesmente pauperizados. Eles persistem, ao mesmo tempo que se transformam e se vinculam gradualmente a economia capitalista circundante, que pervade suas vidas (2005, p.58). O campesinato, aqui considerado uma classe social, busca resistir dentro do processo de modernização agrícola, e o capital, aqui representado pela burguesia, desterritorializa o camponês e o tem integrado (por meio da subordinação) às relações de trabalho assalariado. Os camponeses caracterizam-se por suas especificidades econômicas, culturais. Seu modo de vida vem se transformando na história de acordo com os modos de produção, porém esses têm resistido no processo de industrialização do campo. Dessa forma, a continuidade desse processo traz mudanças nas relações de produção redefinindo a estrutura socioeconômica e política no campo. (OLIVEIRA, 2007). Desse processo, podemos considerar os camponeses como sujeitos que se recriam dentro das relações subalternas do sistema capitalista, buscando lutar pelo domínio do seu território. Dessa forma, corroborando com a ideia de Felício sobre a recriação do campesinato, entendemos que 38 A recriação do campesinato avança pela disputa do domínio e controle do seu território. A disputa territorial tende a acirrar-se na medida em que são implementadas políticas públicas que priorizam o desenvolvimento de commodities promovendo o tão almejado equilíbrio da balança de pagamento. Os territórios estão sendo disputados pelo agronegócio e seu acesso a volumosos recursos públicos e pelo campesinato que conhece bem os enormes obstáculos que, historicamente, o impede de que esse mesmo acesso lhe seja franqueado (2011, p.115). No território camponês o impacto da modernização agrícola provoca não só a expropriação, como intensifica a pobreza, a falta de infraestrutura na educação, saúde, cultura. Os camponeses na luta constante por sua permanência na terra ou pela conquista dessa através de manifestações, ocupações, reivindicações integram a espacialização do campesinato. Nesse sentido, o território é visto como produto dos atores sociais. Segundo Raffestin (1993, p.8), São esses atores que produzem o território, partindo da realidade inicial dada, que é o espaço. Há, portanto um "processo" do território, quando se manifestam todas as espécies de relações de poder, que se traduzem por malhas, redes e centralidades cuja permanência é variável, mas que constituem invariáveis na qualidade das categorias obrigatórias. Sendo o território constituído a partir das relações de poder, ele pode e deve ser considerado como parte do espaço geográfico. O sistema territorial é constituído a partir de tessituras, nós e de redes. Nesse sistema, a organização hierárquica permite assegurar o controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e/ou possuído. Permitem, ainda manter uma ou várias ordens. Enfim, permitem realizar a integração e a coesão dos territórios (RAFFESTIN, 1993, p.151). É nesse sistema que se originam as relações de poder e as produções territoriais. [...] Do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que "produzem" o território. De fato, o Estado está sempre organizando o território nacional por intermédio de novos recortes, de novas implantações e de novas ligações. O mesmo se passa com as empresas ou outras organizações, para as quais o sistema precedente constitui um conjunto de fatores favoráveis e limitantes. O mesmo acontece com um indivíduo que constrói uma casa ou, mais modestamente ainda, para aquele que arruma um apartamento. Em graus diversos, em momentos diferentes e em lugares variados, somos todos atores sintagmáticos que produzem "territórios" (RAFFESTIN, 1993, p.152). É na produção dos territórios que o capitalismo se espacializa no campo desterritorializando o campesinato e refazendo as relações de vida desses sujeitos. Desse 39 modo, consideraremos, neste estudo, dois territórios: o do agronegócio e do campesinato, que produzem territórios distintos e que intervêm de maneira diferenciada na sociedade. A transformação do território, segundo Raffestin (2009), ocorre também com o "ritmo das novas técnicas" na sociedade. Para Fernandes (2009), o território é produzido pelas ações humanas, pelas conflitualidades, pelas relações sociais e nesse processo formam-se diferentes territórios. Dessa forma, o território do capital e do campesinato se diferenciam por significados distintos. O avanço do capital no território camponês mostra a disputa entre territórios. Uma disputa territorial entre capital e campesinato, pois existem divergências entre esses dois territórios, "são territorialidades diferenciadas, nas quais se produzem relações sociais diferentes que promovem modelos divergentes de desenvolvimento" (FERNANDES, 2008). A partir dessa leitura de Fernandes (2009), o território deve ser compreendido "pela diferencialidade" e deve ser utilizado "para a compreensão das diversidades e das conflitualidades das disputas territoriais". Ao considerarmos o território como espaço de governança o analisamos em sua multidimensionaldade e pluriescalaridade. Contudo, partindo dessa premissa, Fernandes (ibid.) complementa que existem outros tipos de territórios, "os fixos e os fluxos, materiais e imateriais". É nessa perspectiva de análise que compreendemos o território da Educação do Campo construído pelos movimentos socioterritoriais, bem como as conflitualidades que permeiam as relações entre o campesinato e o agronegócio. O território do agronegócio se organiza para a produção de mercadorias, onde o reflexo em sua paisagem é o da homogeneidade da monocultura. O território camponês se organiza para sua existência, a paisagem desse território, desse espaço constrói sua existência, produzindo alimentos (FERNANDES, 2008). Assim consideramos que [...] o território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações de sua existência (SANTOS, 1999, p.16). Ainda corroborando com a ideia de Milton Santos é preciso ver que o território perpassa os sistemas naturais e os sistemas de coisas superpostas. Nessa pesquisa, procuramos entender o território como território usado. Nesse sentido, o território é [...] o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. [...] É o território usado 40 que é uma categoria de análise. Aliás, a própria ideia de nação, e depois a ideia de Estado Nacional, decorrem dessa relação tornada profunda, porque um faz o outro. [...] Assim é o território que ajuda a fabricar a nação, para que a nação depois o afeiçoe (SANTOS, 2002, p.2). O território deve ser considerado dentro de sua multiescalaridade e do mesmo modo envolve as várias dimensões que o compõem. Um território para se reproduzir precisa destruir ou se apropriar do outro e, nesse sentido, o território capitalista se territorializa destruindo os territórios camponeses ou controlando-os e se apropriando de outros territórios do Estado (FERNANDES, 2008). Disto, a questão agrária se estrutura na contradição de dois territórios: o território camponês e do capital (agronegócio) gerando conflitualidade entre as classes. O território do campo tem sofrido com a maximização do capital, pois muitas políticas de desenvolvimento neste território não visam o camponês e sim beneficiam outro território: o das empresas capitalistas nacionais, transnacionais; sendo apoiado financeiramente pelo Estado. Fernandes afirma que [...] esta realidade tem gerado e intensificado as desigualdades sociais, por meio da exclusão, expropriação territorial e controle social da maior parte da população rural, com a precarização das relações de trabalho, desemprego estrutural e destruição dos territórios camponeses e indígenas (2008, p.287). Esse processo tem gerado a conflitualidade entre as classes na conquista e na produção de seus territórios que são determinados de acordo com as intencionalidades de cada classe. Para Fernandes (2008), a conflitualidade "é o processo de enfrentamento permanente nas interpretações que objetivam permanências e ou as superações de classes sociais, grupos sociais, instituições, espaços e territórios." A intencionalidade é compreendida em Fernandes (2009, p. 202) [...] como a opção histórica que as pessoas fazem, determina a direção de seus pensamentos para a construção e defesa de ações políticas, como a escolha de paradigmas, correntes teóricas, políticas públicas, modelos de desenvolvimento, ou seja, leituras que direcionam as compreensões das realidades. É a intencionalidade que permite as diferentes leituras da realidade, gerando diferentes interpretações de acordo com o posicionamento político-ideológico dos pensadores. Porém, é essa mesma intencionalidade que está presente no conflito entre as classes, na luta por políticas públicas e na determinação das correlações de forças nas relações sociais. 41 Desse modo, para Fernandes (2009), podemos compreender o território a partir de suas intencionalidades, conflitualidades e pluriescalaridades. A noção de conflitualidade está na luta de classes, no contexto deste estudo, entre os camponeses e os capitalistas, que defendem modelos de territórios distintos na sociedade. A pluriescalaridade ou multiescalaridade são, segundo Fernandes (2009), os princípios básicos para compreender as escalas territoriais. É a partir dessas noções que compreendemos os diferentes tipos de territórios que segundo Fernandes (2009) são divididos em: primeiro território, segundo território e terceiro território. Essa tipologia dos territórios possibilita-nos o entendimento da produção dos territórios. Para Fernandes (ibid., p.199), são as "relações sociais e classes sociais que produzem diferentes territórios e espaços que as reproduzem em permanente conflitualidade". A construção do território está nas cidades e no campo sendo mediado pelas relações sociais e políticas que provocam conflitualidades e disputas territoriais, pois ao mesmo tempo em que produzem territórios também os destroem (FERNANDES, 2009). Nesse sentido, não é o Estado o único produtor dos territórios. As classes sociais através de suas relações de conflitualidade produzem territórios e por eles são produzidas (FERNANDES, 2009). A produção territorial e suas conflitualidades não estão limitadas às disputas econômicas. Para Fernandes "as disputas territoriais se desdobram em todas as dimensões; portanto as disputas ocorrem também no âmbito político, teórico e ideológico, o qual nos possibilita compreender os territórios materiais e imateriais" (2009, p. 201). O território pode ser considerado sob duas perspectivas: o território material e o território imaterial. Para compreendermos o território em Fernandes (2009), corroboramos com sua ordem de classificação dos territórios para melhor entender "o movimento das relações pelas classes sociais na produção de diversos tipos de territórios". Podemos visualizar, resumidamente, a ordem dos territórios discutida por Fernandes (2009) no quadro a seguir. Quadro 1 - Tipologia Dos Territórios Ordem dos Classificação Definição Territórios Os estados, as províncias, departamentos, municípios Primeiro Território Espaço de são frações integradas e independentes do primeiro Governança território, são diferentes escalas dos espaços de 42 governança. Propriedade como espaço de vida, que pode ser Segundo Território Propriedade particular ou comunitária. As propriedades privadas não capitalistas, familiares ou comunitárias formam o segundo território. É o espaço relacional considerado a partir de suas Terceiro Território Espaços conflitualidades e reúne todos os tipos de territórios. Relacionais [...] O terceiro território está relacionado às formas de uso dos territórios, portanto, as suas territorialidades. A produção material não se realiza por si, mais na Território Material Fixos ou Fluxos relação direta com a produção imaterial. Os territórios materiais são produzidos por territórios imateriais. É a base da sustentação de todos os territórios. São Território Imaterial Fixos e Fluxos construídos e disputados coletivamente. O território imaterial é formado por ideias e pensamentos diversos. O território imaterial está relacionado com o controle, domínio sobre o processo de conhecimento e suas interpretações. FONTE: Fernandes, Bernardo Mançano. Sobre a Tipologia dos Territórios. 2009. Organizado por Raqueline da Silva Santos É a produção do território que contém a conflitualidade entre as classes, essa que é gerada pela disputa territorial entre as relações sociais. Em nosso estudo, enfatizamos a relação capital versus campesinato, cujas disputas territoriais causam, entre os camponeses e os capitalistas, a busca de permanência no território, transformando-o de acordo com seus interesses. Nesse sentido, A conflitualidade gerada pelo capital em seu processo de territorialização destrói e recria o campesinato, excluindo-o, subordinando-o, concentrando terra, aumentando as desigualdades. A conflitualidade gerada pelo campesinato em seu processo de territorialização destrói e recria o capital, ressocializando-se em sua formação autônoma, diminuindo as desigualdades, desconcentrando terra (FERNANDES, 2004, p. 8). O campesinato vai se estabelecendo na luta pela terra através das ocupações que é a forma de pressão dos camponeses para conquistar seu território, ou seja, os assentamentos rurais. Essa conquista promove uma reorganização do território promovendo conflitos e desenvolvimento. Por sua vez, o agronegócio ao se territorializar promove conflitos no processo de expropriação camponesa, como também causa o desenvolvimento em outras condições e modos de produção (FERNANDES, 2004). 43 O capitalismo a partir do seu modo de produção se acha "constituído por uma estrutura global, formada por três estruturas regionais: estruturas econômicas, jurídico- política (Estado, leis etc.) e estrutura ideológica (ideias, costumes etc.) (HARNECKER, 1971, p, 136)". Para Marx, o que é peculiar nesse modo de produção é a separação dos meios de produção entre o trabalhador e o capitalista, onde o primeiro tem como propriedade apenas a sua força de trabalho em troca de salário e o segundo a compra dessa força para a realização da produção de mercadorias. Esse processo de separação do trabalhador dos meios de produção foi à condição precedente, segundo Marx, para a realização do modo de produção capitalista. Tal separação constitui condição prévia indispensável ao surgimento do modo de produção capitalista e lhe marca o caráter de organização social historicamente transitória. Isto porque somente tal separação permite que o agente do processo de trabalho, como pura força de trabalho subjetiva, desprovida de posses objetivas, se disponha ao assalariamento regular, enquanto, para os proprietários dos meios de produção e de subsistência, a exploração da força de trabalho assalariada é a condição básica da acumulação do capital mediante relações de produção já de natureza capitalista (MARX, 1996, p.13). Os camponeses, nesse modo de produção, estão submetidos a uma estrutura que se encadeia nas forças e relações de poder. O capitalismo altera as relações de produção no campo, ao mesmo tempo em que desterritorializa o campesinato, estes reterritorializam-se a partir dos processos de lutas e resistências ou da própria subordinação ao capital, não deixando de ser camponeses, mas se subordinando às relações capitalistas de trabalho como maneira encontrada para sua sobrevivência. Felício aponta (2011, p. 49 -78)uma reflexão importante sobre o papel do capital no campo. O capital pretende alterar todas as relações de produção, e, se puder, proletarizará toda mão de obra na agricultura. Todavia, o processo de proletarização não tem forças para absolutizar-se e, por conseguinte, uma parte do campesinato consegue criar alternativas para continuar se desenvolvendo no capital, sendo e ao mesmo tempo não sendo parte dele. [...] O campesinato interpela a sociedade moderna através de sua ideologia como condição necessária para permanecer com sua identidade camponesa, produzindo e participando do mercado, com produtos do seu trabalho e do seu pensamento. É indispensável que ele torne-se sujeito do seu discurso e combata o processo de invisibilidade construída, que busca excluí-lo social e politicamente. É o papel crítico do camponês diante da sociedade capitalista afirmando-se como alternativa ao sistema que prioriza o econômico em detrimento do 44 político. Desta forma, como o campesinato existiu antes do sistema capitalista e, hoje, sabe encontrar maneiras de sustentar sua existência, é dedutível que, muito provavelmente, manterá sua existência lutando em outro sistema. O poder do capitalismo na construção do seu território é marcado pelas suas contradições e pelo seu controle político e econômico. Para Fernandes (2004, p.7), O controle político é explicitado pelas regras que regem o mercado, construídos a partir da lógica do capital. Desse modo, o mercado torna- se território do capital. Essas regras são determinadas por lei, a partir de princípios que representam interesses de uma classe, e são votadas no Congresso Nacional pela maior parte dos parlamentares eleitos democraticamente. Assim, os capitalistas, também denominados ruralistas, procuram sempre que possível deslocar as políticas relativas à questão agrária para o mercado. De acordo com nossa perspectiva de análise, a condição camponesa dentro do capitalismo pode ser explicada no Paradigma da Questão Agrária (PQA) e no Paradigma do Capitalismo Agrário (PCA). Entendemos Paradigma como um conjunto de pensamentos que procura explicar a realidade. Segundo Kuhn (1991, p.13). os paradigmas "são as realizações científicas universalmente reconhecidas, que durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência". Nesse sentido, o debate paradigmático em questão é considerado um estudo científico que contribui para pensarmos a questão agrária e a situação camponesa dentro do capitalismo. Segundo Fernandes (2013, p.66), O ponto de partida para o debate paradigmático é a intencionalidade. O que nos conduz ao debate é tanto a intenção de defender nossas visões de mundo, nossos estilos de pensamento, nossos paradigmas, nossas posições políticas, quanto de conhecer outras posições teórico-políticas e suas visões de mundo, respectivos estilos de pensamento e distintos paradigmas. É importante termos clareza que estes paradigmas fazem leituras do mesmo processo, ou seja, da inserção do capitalismo no campo e o impacto no modo de vida camponês, porém são diferentes de acordo com a intencionalidade político-ideológica de seus autores. Este debate dialético entre os dois paradigmas reconfigura a análise da questão agrária no Brasil e a situação da classe camponesa por dentro desse processo. No Paradigma da Questão Agrária, os principais elementos de análise para compreender a questão agrária e o campesinato dentro do capitalismo são: a renda da terra, a diferenciação econômica do campesinato e a desigualdade social, gerada pelo desenvolvimento do capitalismo. Compreende que a inserção do capitalismo no campo 45 altera o significado da terra, o que antes era para sobrevivência, por ser dádiva da natureza, passa a ser vista como mercadoria, sendo um elemento primordial das relações capitalistas. O Paradigma da Questão Agrária evidencia em seu debate a luta de classes, explicando as conflitualidades existentes e as disputas entre os territórios do campesinato e do agronegócio (FERNANDES, 2013). Nesse paradigma o campesinato é analisado a partir de duas tendências, a proletarista e a campesinista. Para Fernandes "a proletarista tem como ênfase as relações capital - trabalho e a campesinista tem como ênfase as relações sociais camponesas e seu enfrentamento com o capital" (FERNANDES, 2013, p. 70). Essas tendências são essenciais para compreendermos a situação do campesinato por dentro do desenvolvimento do capitalismo e sua luta na defesa por um modelo de desenvolvimento que proporcione autonomia aos camponeses. Assim, entende-se "que os problemas agrários fazem parte da estrutura do capitalismo, de modo que a luta contra o capitalismo é a perspectiva de construção de outra sociedade" (FERNANDES, 2013, p.70). Os pensadores clássicos, segundo Fernandes (2013), que dão sustentação ao debate do Paradigma da Questão Agrária são Kautsky e Lênin. A obra de Kautsky, a "Questão Agrária", faz uma análise das transformações do campo decorrentes do processo de industrialização. Destaca as mudanças estruturais da transição do feudalismo para o capitalismo, demonstrando a superioridade da grande propriedade em relação ao pequeno produtor ou ao camponês. Enfatizando as transformações sobre o funcionamento da indústria camponesa e da propriedade familiar, o autor mostra como o camponês vai se metamorfoseando com a inserção da indústria no campo e nesse processo busca o trabalho acessório para sobreviver. Assim, o camponês torna-se um assalariado. Por outras palavras: o trabalhador deixa de ser proprietário de seus meios de produção [...]. A ruína da indústria camponesa, que produzia para as necessidades pessoais dos lavradores, forçou estes pequenos proprietários - que colhiam pelo menos os gêneros alimentícios para o seu gesto e de suas famílias - a um trabalho acessório (KAUTSKY, 1980, p, 80 - 187). Com a disseminação do trabalho de Kautsky (ibid.), ocorreu uma nova configuração do território camponês, e, aos poucos, houve uma inserção dos camponeses na lógica das relações de trabalho capitalista. Com isso o trabalho acessório vai se tornando a principal atividade dos camponeses. Kautsky demonstra bem a mudança da 46 vida do camponês nas novas condições impostas pela modernização do campo, em que a indústria vai se territorializando, contribuindo para a desterritorialização do camponês. Atualmente o camponês não produz mais para si mesmo, não apenas como industrial, mas mesmo como agricultor, tudo de que tem necessidade, ele é obrigado a comprar não apenas os instrumentos, e instrumentos mais caros que os de outrora, mas ainda uma parte dos seus gêneros alimentícios, que a sua exploração especializada não proporciona, ou não proporciona em quantidade suficiente. Em particular, simultaneamente com a divisão do trabalho aumenta o número dos agricultores, principalmente dos pequenos, que relegam a segundo plano a cultura de cereais, e são, por conseguinte obrigados a comprá-los, ou a comprar farinha. Às vezes não mais colhem a semente na sua própria exploração, na qual em regra não mais criam os animais destinados à reprodução, ao menos no que concerne ao gado grosso. Empresas especiais se consagram à reprodução e à melhoria das sementes e das diversas raças animais. É a elas que o agricultor compra tudo o que melhor atenda às necessidades imediatas de sua lavoura (KAUTSKY, 1980, p. 58). O modo de produção capitalista coloca os camponeses numa condição de subordinação, o que provoca o processo de desterritorialização que faz com que esses sujeitos "percam os laços com o território" (HAESBAERT, 2005). Outro pensamento significativo que contribui para analisarmos o desenvolvimento do capitalismo e suas implicações no campo pode ser feito através da leitura de Lênin em seu livro "O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia", que traz contribuições para avaliarmos o processo de "desintegração do campesinato". Ele diagnosticou, a partir de sua obra, o desaparecimento dos camponeses no desenvolvimento desigual do capitalismo. Para Lênin (1988), o processo da transformação do camponês ao trabalho da indústria leva-o as relações de trabalho com o mercado. Assim, a penetração do capital na Rússia favorece o crescimento das pequenas indústrias e provoca, com isso, a desintegração do campesinato. O autor afirma que “a desintegração do campesinato deve ser necessariamente completada pelo crescimento dos pequenos estabelecimentos artesanais camponeses” (LÊNIN, p. 8, 1988). A situação de desintegração do campesinato se dá, segundo o referido autor, pela ruína e miséria que o camponês se encontra frente o avanço do capitalismo e da industrialização. Ou seja, há um processo de separação entre a indústria e a agricultura consistindo desta maneira, na expropriação do pequeno produtor. Essas teorias contribuem para compreendermos as relações que foram impostas pelo capital no campo, destruindo as relações camponesas. Esses dois autores chegam a uma tese: o campesinato à medida que o capitalismo se expande vai ser destruído, com o 47 avanço das relações capitalistas, e, no horizonte, eles bebem na fonte de Marx, que a revolução é proletária. Então, à medida que as relações capitalistas se expandem eliminam as bases de produção não capitalistas e esses sujeitos tendem a se tornar assalariados. Para Kautsky é no chão da fábrica que é possível a revolução. O fim do campesinato é a perspectiva da revolução. Quando Lênin e Kautsky escrevem sobre a tese do fim do campesinato eles estão apostando no acirramento das contradições no campo que leva ao assalariamento e com isso a possibilidade de estarem mais próximos da conquista da revolução, na destruição do capitalismo e a conquista do Estado sob o controle dos trabalhadores. Compreendemos que a primeira tendência parte da leitura de Kautsky e Lênin, que discutem o campesinato por meio desse processo de proletarização, pois afirmavam só conseguiriam superar o capitalismo pelo processo de proletarização. Camacho (2014, p.103) mostra-nos que esta tendência proletarista [...] defende a proletarização do campesinato como algo inexorável e necessário para atingir o desenvolvimento das forças produtivas, processo essencial para atingirmos o socialismo, fazendo uma leitura linear do processo histórico de criação/destruição de modos de produção. Por sua vez, a tendência campesinista considera o campesinato enquanto classe social e valoriza seu modo de vida. É a partir desta tendência que compreendemos a recriação camponesa e sua resistência à inserção do capitalismo no campo. Esta tendência se dá a partir da leitura que fazemos sobre o desenvolvimento contraditório e desigual do capitalismo no campo que "cria/destrói, recria territórios camponeses e por meio da luta pela/na terra dos movimentos camponeses que tem levado à conquista de territórios e, consequentemente, reterritorialização do campesinato" FERNANDES (2008), FELICIO (2011), CAMPOS, (2012), CAMACHO (2014). Nessas tendências, a luta pela terra, a resistência camponesa, a superação da subjugação ao capital vai recriando e reafirmando o campesinato enquanto classe no contexto da produção social. Consideramos classe a partir do pensamento de Thompson, o qual afirma que A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra, outros homens cujos 48 interesses diferem (e geralmente se opõe) dos seus (THOMPSON, 1977). Nesse sentido, consideramos o campesinato, enquanto classe, devido, historicamente, ser reconhecido por um modo de vida específico que se contrapõe aos interesses de outra classe, a burguesia. Essa contraposição entre o capitalismo e o campesinato se dá a partir da consciência de classe. As pessoas se veem (sic) numa sociedade estruturada de um certo modo (por meio de relações de produção, fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam manter o poder sobre os explorados), identificam os nós dos interesses antagônicos, debatem em torno desses mesmos nós e, no curso de tal processo de luta, descobrem a si mesmas como uma classe, vindo pois, a fazer a descoberta de sua consciência de classe (THOMPSON, 1977). A tomada de consciência de classe se constrói a partir de uma unidade "em que as diferentes particularidades derivadas do processo próprio da vida de cada um sintetizam, pois sob algumas condições, um todo que podemos chamar de consciência de classe" (IASI, 2011, p.13). Os camponeses se reafirmam na sociedade através da luta, do enfrentamento ao capital, bem como resistem à exploração, desterritorialização e à subordinação imposta pela expansão da penetração capitalista no campo. Dentro desse contexto, surgem as novas relações de produção que transformam o modo de vida camponesa, pois As relações de produção são na essência relações estabelecidas entre os homens no processo de produção social. São, portanto, relações sociais de produção. Essas relações são a essência do processo produtivo. Elas são estabelecidas independentemente da vontade individual de cada um no processo de produção. Os níveis de desenvolvimento dessas relações dependem do grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade. Desta forma, as relações de produção devem ser entendidas como o conjunto das relações que se estabelecem entre os homens em uma sociedade determinada, no processo de produção das condições materiais de sua existência (OLIVEIRA, 2007, p. 36). A discussão da criação e recriação de relações não capitalistas de produção pelo próprio capital é outro pensamento teórico que contribui para analisarmos o desenvolvimento do capitalismo no campo. No capitalismo, as relações não capitalistas de produção são vistas, a partir da crítica de Chayanov (1981, p.133), "como insignificantes ou em extinção, no mínimo considera-se que não tem influência sobre as questões básicas da economia moderna e não apresentam, portanto interesses teóricos". 49 A partir dessa análise, o autor destaca o papel das relações não capitalistas de produção no modo de produção capitalista. Ele enfatiza o papel que outros pensadores têm adquirido em sua leitura das transformações do mundo, mediante essa postura, muitos fazem uma leitura no intuito de engendrar seu pensamento ao desenvolvimento avassalador do capital, análises que contribuem para a desconsideração de outras formas de produção. A economia capitalista não é a única possível de explicar as relações de produção, ela mesma cria e recria formas diferenciadas, pois essa é a maneira encontrada pelo próprio capital de se territorializar. Para sua ascensão e permanência, o capital precisa manter uma camada da população submissa ao seu domínio territorial, econômico, político, educacional e cultural. Em Chayanov (1981, p.136). compreendemos que A teoria econômica da sociedade capitalista moderna é um complexo sistema de categorias econômicas inseparavelmente vinculadas entre si: preço, capital, salários, juros, renda, determinam-se uns aos outros, e são funcionalmente interdependentes. O camponês apresentado por Chayanov é compreendido como um modo de vida não capitalista que resiste e se reafirma enquanto classe. Desse modo, a tendência campesinista do Paradigma da Questão Agrária nos possibilita entender que o campesinato se [...] recria pelo desenvolvimento desigual e contraditório do capital, mas também, na luta pela/na terra. Na luta pela terra tenta conquistar o latifúndio, disputar territórios com o capital. Na luta na terra, resiste, para não ser desterritorializado pelo capital. Esses processos marcados pelo conflito são inerentes à estrutura do modo de produção capitalista. É a luta de classes ocorrendo no campo (CAMACHO, 2014, p.166). A economia camponesa não se baseia em relações de capital, lucro, salário. O foco da produção camponesa é a sobrevivência, contudo, dentro das novas relações capitalistas, vai transformando sua produção em mercadoria, buscando sempre suprir suas necessidades básicas. O sujeito camponês, subjugado a esse sistema, luta e resiste a esse processo reinventando sua condição de vida e sobrevivência por dentro das contradições do capital. O Paradigma da Questão Agrária critica o modelo de agricultura vigente, o qual desterritorializa o camponês em função da territorialização do agronegócio, que procura 50 manter "o controle sobre as políticas e sobre o seu território conservando assim um amplo espaço político de dominação" (FERNANDES, 2013, p.144). [...] empobrecimento dos pequenos agricultores e o desempenho estrutural agudiza as desigualdades e não resta à resistência camponesa outra saída a não ser a ocupação da terra como forma de ressocialização (id., 2013, p.145). Nesse sentido, o Paradigma da Questão Agrária contribui para analisarmos e superarmos a lógica mercantilista da agricultura "apontando para a possibilidade e a necessidade de outro modelo por meio da luta/disputa/conflitos territoriais entre classes e grupos sociais" (CAMACHO, 2014, p.100). Contrapondo-se ao Paradigma da Questão Agrária e de suas vertentes proletarista e campesinista, Fernandes (2013) destaca o Paradigma do Capitalismo Agrário que é baseado na leitura de Ricardo Abramovay (1990) e que abarca duas tendências, uma que estuda a agricultura familiar e outra que se concentra nos estudos do agronegócio (FERNANDES, 2013). Nesae paradigma, há uma separação do campesinato e da agricultura familiar. Ignoram-se "as lutas camponesas de resistência ao capital e defendem a "integração" da agricultura familiar ao agronegócio" (FERNANDES, 2013, p.42). Compreende-se neste sentido, que a lógica do Paradigma do Capitalismo Agrário cria um estado de mal estar, quando o assunto a ser discutido implica em contestar o capitalismo, porque isso lhe atinge o âmago. Este é o limite de sua ideologia. A desobediência só é permitida dentro dos parâmetros estipulados pelo desenvolvimento do capitalismo. A partir desse ponto é subversão. A "integração plena" carrega mais que um estado de subordinação contestada, contém o sentido da obediência às regras do jogo comandado pelo capital (FERNANDES, 2004, p.23). No entanto, no Paradigma do Capitalismo Agrário, as teorias que complementam o debate recusam o conflito de classes, evidenciando a metamorfose do camponês em agricultor familiar e sua integração ao moderno modelo de desenvolvimento agropecuário. Na análise do Paradigma do Capitalismo Agrário, há uma discordância com o pensamento de Kautsky e Lênin, onde Ricardo Abramovay (1998, p.20) afirma que estes clássicos Vem-se mostrando cada vez menos capaz de dar conta de fenômenos contemporâneos decisivos. Por um lado, a associação entre desenvolvimento capitalista e ampliação do trabalho assalariado, tão cara ao trabalho de Lênin, encontra pouco respaldo empírico. Por outro 51 lado, a ideia da necessária inferioridade econômica da agricultura familiar, fundamental no livro de Kautsky, tampouco é confirmada pelo que se observa nos países avançados. No paradigma dos clássicos marxistas não há lugar para que se coloque a questão, hoje decisiva, das razões pelas quais a agricultura familiar tem sido, nestas nações, a principal forma social do progresso técnico no campo. Abramovay (1998) afirma que a leitura feita por Lênin e Kautsky sobre a questão camponesa foi desenvolvida "em base de suas preocupações políticas centrais". No caso de Lênin, como constituir a unidade com as camadas pobres, da população rural no quadro da aliança - necessariamente provisória, dividida e conflituosa - com o campesinato como um todo; no caso de Kautsky, como demonstrar a inutilidade de se tentar ganhar para a causa da social-democracia a adesão dos camponeses, enquanto pequenos proprietários de produção (id.,1998, p.51). Essa crítica de Abramovay (1998) ao pensamento dos autores constitui uma análise econômica que resulta na negação do campesinato enquanto uma classe. Na obra de Abramovay, tese de doutorado em 1990 sobre "Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão", a concepção do camponês enquanto classe e como modo de vida perde espaço e configura-se na destruição deste, que se metamorfoseia em agricultor familiar, integrado ao mercado. Consequentemente, essa integração o separa das particularidades do modo de vida camponesa, pois esse passa a atuar como empresário e não mais como camponês, cuja lógica de reprodução não é mais baseada no tripé: terra, trabalho, família; e sim a partir do sentido mercadológico do capital, em que sua terra vai ser utilizada como mercadoria, o trabalho passa a ter relações de assalariamento e sua produção não tem como centralidade a subsistência familiar, mais a mercadoria, o lucro. Para o autor citado, as duas classes predominantes no sistema capitalista são a burguesia e o proletariado. Abramovay (1990) nega a categoria campesinato em função da categoria de agricultor familiar. Sua negação à essa categoria camponesa é uma cisão com o pensamento marxista. É importante assinalar, sob o ângulo teórico, que não faz sentido para o marxismo a ideia de uma economia camponesa. Se [...] o mundo das mercadorias se define por sua sociabilidade contraditória - onde a ação de cada um é determinada de maneira não planejada pelo outro - é nesta alteridade que a vida social, e, portanto as categorias econômicas centrais lhe dão sentido, se constituem. Cada segmento e cada classe da sociedade serão reconhecidos, em última análise pela maneira como se inserem na divisão do trabalho. Qualquer categoria social não imediatamente incorporada às duas classes básicas, só possuirá uma existência social fugaz, inócua de certa maneira. A relação do camponês 52 com a sociedade, sob esse ângulo o conduz fatalmente à autonegação: seu ser só pode ser entendido pela tragédia de seu devir. Sua definição é necessariamente negativa: ele é alguém que não vende sua força de trabalho, mas que não vive basicamente da exploração do trabalho alheio. Neste plano, então, no mundo capitalista, o camponês pode ser no máximo um resquício, cuja integração à economia de mercado significara fatalmente sua extinção (ABRAMOVAY, 1998, p.52). As proposições teóricas de Abramovay buscam demonstrar como o campesinato tende a ser eliminado na sociedade capitalista, tendo em vista que essa classe não resistiria às condições de mercado. Dessa forma, tendendo a desaparecer sob o modo de produção capitalista. Esta análise sobre a destruição ou permanência do campesinato está no fato de que o debate colocava o campesinato "como sendo um modo de produção subordinado ao modo de produção capitalista" (CAMACHO, 2014, p.239). Esse paradigma não reconhece as relações não capitalistas, o campesinato é integrado às relações capitalistas de produção e com isso há uma ruptura acerca da compreensão do campesinato enquanto classe e de sua recriação por dentro do capitalismo. Há entre os dois paradigmas intencionalidades e objetivos distintos, influenciando desta forma, na sociedade, na academia, nas ações dos movimentos sociais e na definição das políticas públicas (CAMACHO, 2014). Para Fernandes (2004, p.18), [...] é importante deixar claro que os paradigmas da Questão Agrária e do Capitalismo Agrário são diferentes modelos de análise do desenvolvimento da agricultura. É neste quadro teórico político que se concebe a diferenciação e a metamorfose. Não concordamos com o pensamento de Abramovay, que elimina o papel do camponês e afirma que "o campesinato deixa de ser uma categoria existente" sendo esta destruída no desenvolvimento capitalista. É por meio dessa realidade que o Paradigma da Questão Agrária explica o papel que o campesinato adquire na contemporaneidade, através de ocupações, manifestações e resistências vai se recriando. Como afirma Fernandes (2004, p.25), é Ocupando a terra, destruindo o latifúndio, conquistando o assentamento; comprando terra, migrando, trabalhando, produzindo, industrializando, vendendo, consumindo, contribuindo com o desenvolvimento local, lutando, estudando, participando, reocupando terra, esses camponeses estão promovendo o desenvolvimento do capitalismo e suas estratégias de recriação. A luta pela terra é um importante caminho para a ressocialização dos camponeses nos seus territórios. Ela tem sido compreendida como um fator 53 importantíssimo para a (re)criação dos camponeses, pois carrega a possibilidade da conquista dos assentamentos rurais e de políticas públicas que contribuam para o desenvolvimento dos territórios camponeses. A luta pela terra é o confronto do campesinato ao agronegócio, é a luta representativa da classe camponesa. Contudo, a luta de classes entre o capital e o campesinato coloca esse último em desvantagem, pois o capital, nesse caso aqui, o setor do agronegócio, é beneficiado pelo próprio Estado neoliberal que apoia a territorialização desse sistema explorador e concentrador. Sua expansão contribui para que a Reforma Agrária continue em segundo plano na agenda governamental, e o Estado continue tomando medidas paliativas que não beneficiam a vida da população camponesa, ao contrário, colabora para a permanência da miséria por meio de programas que têm desarticulado essa luta, como veremos na discussão a seguir. 1.2 O debate atual da Reforma Agrária A Reforma Agrária no Brasil ganha respaldo através da luta dos movimentos socioterritoriais que em suas ações defendem a democratização do acesso a terra, garantindo aos sujeitos do campo um direito que lhes foi tomado na história do campesinato. É na luta pela conquista da terra que se atrelam outros direitos como a educação e a saúde, desencadeando a valorização do homem do campo e o seu território de vida. As ações de enfrentamento na tentativa de conquistar uma justa distribuição de terras são expressas nas ocupações, nos acampamentos e na conquista dos assentamentos rurais, pois essa não deve expressar o fim da luta, mais o início de um processo de atos que reflitam a mobilização pelo acesso aos direitos essenciais a reprodução e permanência da classe campesina na construção do seu território. Dessa forma, a conquista do assentamento materializa a luta na terra, ou seja, a busca pela permanência no assentamento. Nesse sentido, A família busca continuar existindo na forma de "família camponesa". Isso implica um existir que rompe com os limites da subordinação da produção à lógica capitalista. Esse processo se dá no cotidiano das famílias, de forma que as decisões tomadas sejam orientadas pelas necessidades familiares. Dessa forma, a família se encontra presente em todos os momentos, desde a forma de trabalhar a terra até a forma pela 54 qual se dá a divisão do trabalho. A recriação da condição camponesa não acaba com a conquista da terra (PEDON, 2013, p.14). Nesse processo de luta na terra, a Reforma Agrária continua tendo sentido, pois esta não permanece apenas no desejo daqueles que ainda lutam por um pedaço de terra. Essa luta envolve também os que já conquistaram um assentamento, pois se configura como uma luta popular que abrange ações de conflitualidade entre o capital e o campesinato. É nesse antagonismo de classes que a Reforma Agrária vem sendo discutida ao longo de várias gestões governamentais no Brasil. Pautada em vários discursos de campanhas governistas, esse debate foi no percurso histórico do país um tema que tomou conta da agenda nacional de quem subia ao poder presidencial. Porém, as várias tentativas, planos, leis que vieram reger esse debate foram enfraquecidas pelo próprio Estado que em favor da manutenção de relação com os grandes latifundiários sempre frustravam a esperança da realização da Reforma Agrária no Brasil, pois até os dias atuais não houve ações eficazes voltadas para a realização deste programa no país. Dessa forma, a Reforma Agrária se constituiu como Questão política por duas razões: por ser um processo que sempre foi travado pelos interesses e as alianças das classes compartilhando o poder e por se ter insistido num modelo injusto e objeto de diversas oposições. É questão social porque, mesmo na origem trata-se de responder a uma situação de grande pobreza e desigualdade e a injustiças extremas causadas pela concentração fundiária, a aplicação de um projeto agrorreformista não pode se limitar à distribuição de lotes (SABOURUIN, 2008, p.162). O Brasil expressa a falta de compromisso ao negar a transformação estrutural da realidade agrária pelo descaso com a sociedade a partir da aliança econômica com sistema neoliberal. É o Estado o grande fornecedor e impulsionador da permanência do capitalismo no campo, pois se este assim quisesse não teria perdido as várias oportunidades de realizar uma Reforma Agrária. No Brasil, perdeu-se a oportunidade de fazer esse tipo de Reforma Agrária, quando terminou a escravidão, em 1888. Os Estados Unidos, por exemplo, a fizeram nessa conjuntura. Depois, perdeu-se a segunda oportunidade na Revolução de 30, quando iniciamos nosso processo de industrialização. Perdemos a terceira oportunidade durante a crise desse modelo, na década de 60, quando o então ministro Celso Furtado convenceu o governo Goulart de que a saída seria uma Reforma Agrária. A resposta da direita foi um golpe militar. Perdemos a oportunidade na redemocratização formal em 1985, quando Tancredo havia convidado o saudoso José Gomes da Silva para fazer o primeiro PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária). Ele entregou o plano que previa assentar 1,4 milhões de famílias no dia 4 de outubro e caiu em 13 55 de outubro. A chance que teríamos de fazer uma Reforma Agrária clássica seria se o governo Lula combatesse o modelo neoliberal, articulando forças sociais e políticas do país para um projeto de desenvolvimento nacional e industrial, com distribuição de renda e combate à desigualdade. Como o governo Lula manteve uma política e um modelo econômico que subordina a nossa economia ao capital financeiro e às grandes empresas transnacionais, a Reforma Agrária está bloqueada. Só haverá chance se derrotamos o neoliberalismo (STEDILE, 2008). A não realização da Reforma Agrária engloba o fracasso político na resolução dos problemas sociais e os interesses de classes que determinam o que deve ser melhorado no país ou não. Assim, a Reforma Agrária vai perdendo força no debate político e dando lugar a interesses de mercado entre o capital e o uso da terra enquanto mercadoria. Assim, a luta pela Reforma Agrária precisa ser intensificada, uma vez que o governo aviva os investimentos no mercado capitalista em detrimento das ações sociais, é o capital que vai se territorializando por meio da importância econômica em detrimento das condições de vida da população e são os camponeses que sofrem há décadas as duras penas do processo de desterritorialização e submissão às relações do capital como meio de sobrevivência. A Reforma Agrária é analisada como um dos elementos da questão agrária e deve ser considerada como uma "política pública de caráter institucional da sociedade capitalista, cuja instituição competente para realizá-la é o Estado, no caso do Brasil: o governo federal" (FERNANDES, 2013, p.163). Contudo, o próprio Estado nega a realização da Reforma Agrária e não modifica a estrutura capitalista. No Brasil, até hoje não houve Reforma Agrária, a política de assentamentos rurais ocorre pela pressão dos movimentos socioterritoriais. Para Fernandes (ibid., p.325). Um dos argumentos utilizados para declarar que no Brasil não há Reforma Agrária é o fato de que em torno de 50% das terras dos assentamentos serem resultado de regularização fundiária e não de desapropriação, que corresponde a apenas 31%. A regularização, a compra e a desapropriação são procedimentos que deveriam levar à desconcentração. Todavia, neste sentido, no Brasil a experiência da Reforma Agrária é extremamente conservadora, pois não há desconcentração exatamente pelo fato de a maior parte das terras terem sido regularizadas, ou seja, eram terras de posseiros que passaram a ser assentados ou eram terras públicas ou griladas que foram regularizadas. A luta pela terra é submetida ao domínio do próprio capital, ela não pode ser restringida à distribuição de terras, deve possibilitar o acesso a outro modo de viver, pois 56 se caracteriza na contraposição da expropriação, da exploração, da submissão. Oliveira (2007, p.67) afirma que A luta pela terra não se pode restringir apenas e especificamente, à luta pelo direito do acesso à terra; deve, isto sim, ser a luta contra quem está por trás da propriedade capitalista da terra, ou seja, o capital. Os exemplos de reformas agrárias sob o capitalismo apontam para a direção de uma das estratégias da expansão do capitalismo no campo, ou seja, a necessidade de esgotar historicamente a possibilidade de reprodução camponesa. E, nesse processo, transformar aqueles camponeses que começam a concentrar a terra [...] em pequenos capitalistas. Desse modo esse processo é contraditório, pois, ao mesmo tempo em que ele ocorre, abre para os camponeses novos horizontes históricos, em que a subordinação e sujeição da renda da terra aos grandes monopólios capitalistas geram para eles (os camponeses) a perspectiva e necessidade de luta não só pela propriedade da terra, mas, sobretudo a luta contra o capital. Assim, esse processo é contraditório, que cria a necessidade da Reforma Agrária, não resolve, no entanto a contradição histórica imposta pelo avanço da cooperação em nível de processo produtivo, garantida, aliás pelo desenvolvimento das relações de produção capitalista. Mas, seguramente coloca o camponês diante da necessidade histórica da sua própria transformação como produtor individual. Revela-lhe, portanto, a necessidade histórica da incorporação da cooperação na produção no processo produtivo, e consequentemente da sua transformação de trabalhador individual (familiar) em trabalho coletivo. É, pois por esses caminhos contraditórios, que o modo capitalista de produção se desenvolve, e, desenvolvendo-se, cria as condições para a sua reprodução ampliada, mas cria também as contradições desse processo. A Reforma Agrária, nesse sentido, não é a saída para as contradições existentes, ela aparece como um paliativo. Para Oliveira (2007), é o "paliativo que resolve mais as questões do modo capitalista de produção como um todo do que a da agricultura em particular". O que se deve colocar em questão para a solução desses problemas é de que maneira pode-se superar esse modo de produção, para com isso resolver os problemas da agricultura familiar. Diante dessa realidade o camponês assume um papel importantíssimo no processo de conquista e luta pela terra. A luta por Reforma Agrária não constitui numa mudança estrutural do modo capitalista de produção, mas numa mudança na estrutura fundiária do país, que possibilite que os camponeses tenham acesso à terra e a melhores condições de sobrevivência. [...] a Reforma Agrária não altera a essência desse modo de produzir, e sim tenta remover esta irracionalidade que a propriedade da terra exerce na produção agrícola, impedindo-a, muitas vezes, de produzir. [...] toda a discussão referente à Reforma Agrária põe em questão a discussão sobre a propriedade privada da terra. E esta discussão deve conter o 57 debate em torno de sua eliminação ou substituição por outras formas sociais da propriedade (OLIVEIRA, 2007, p.65). A Reforma Agrária não deve ser pensada apenas como uma política redistributiva no sentido de igualdade de terras. É importante defendermos uma amplitude na perspectiva de uma mudança transformadora, fortalecendo o direito de acesso a terra, aos recursos naturais, econômicos, culturais, políticos e educacionais. Assim, a Reforma Agrária tendo, na sua base, uma dimensão fundamentalmente distributiva (do acesso à terra e aos recursos naturais), não se limita a essa esfera, na medida em que representa o acesso a um conjunto de oportunidades sociais mais amplo, articulando- se ao desenvolvimento, à justiça e à igualdade social, além do combate a pobreza propriamente dito (LEITE E ÁVILA, 2007, p. 15). O processo de realização da Reforma Agrária nesses pressupostos possibilitaria uma democratização do campo, viabilizando uma nova realidade social, pois não podemos entender a Reforma Agrária como uma simples distribuição de terras cuja finalidade é distribuir moradia à população brasileira empobrecida e atingida pelo êxodo rural e pela exploração do agronegócio. A Reforma Agrária compreende diversas faces: produção, educação, saúde, entre outras necessidades fundamentais à reprodução material da existência de qualquer pessoa e comunidade (BEZERRA, 2011). A emergência da luta pela Reforma Agrária é resultado de conflitos desencadeados no campo numa fase caracterizada pelo forte crescimento econômico do país, associado ao avanço da industrialização e da oferta de trabalho urbano, com mudanças significativas na cidade. Sua ampla disseminação se dá, porém, quando o país reafirma a sua opção por um modelo de agricultura extremamente excludente e as oportunidades de trabalho na cidade tornam-se mais restritas. A Reforma Agrária surge como alternativa de trabalho, morada e reprodução social para um número crescente de trabalhadores pobres que dada a sua baixa qualificação em relação às atuais exigências do mercado, dificilmente encontraria melhor forma de inserção produtiva (MARQUES, 2008, p.63). A luta pela realização da Reforma Agrária não é um projeto vazio, sem fundamento, ela representa o desejo dos camponeses organizarem seu território, seu modo de vida, com dignidade e a partir de suas especificidades. Não é só a distribuição de terras que está em discussão, é a construção de um modelo de vida que atenda as necessidades dos camponeses. Quando analisamos discursos de autores economistas sobre a Reforma Agrária nos deparamos sobre o debate de uma política distributiva com vistas ao desenvolvimento 58 econômico onde não se pensa na realização de uma reforma além desse intuito. Importantes economistas do Banco Mundial, Binswanger, Deininger e Feder (1995) afirmam que a única forma de se ter, em determinado país, a preponderância de grandes propriedades é por meio de políticas públicas que favoreçam estes segmentos, através de subsídios e auxílios para a inserção do mercado. Nisso vemos a valorização de um crescimento econômico com vistas ao mercado consumidor e consequentemente a lógica do capital: produção, mercadoria, circulação, distribuição e consumo. Esse discurso ideológico é mais um fator de favorecimento ao mercado capitalista em detrimento da classe camponesa. Neste sentido, se pensa na redistribuição com vistas a uma elevação no crescimento econômico, falseando o discurso da diminuição da pobreza e mascarando outras necessidades para a melhoria das condições de vida da população. A resposta do Estado à luta pela terra não está na realização de uma Reforma Agrária, pelo contrário, no intuito de beneficiar o agronegócio ocorre sua mercantilização que é estipulada pela relação entre o Estado, os bancos e os camponeses. Frente a esse processo a luta pela terra busca pressionar o governo na conquista de políticas públicas que permitam a distribuição de terras que vá além de uma lógica compensatória. Os camponeses entendem que essa desapropriação por meio de ocupações não é a Reforma Agrária é a conquista da luta dos camponeses representada na materialização dos assentamentos rurais. Esses territórios reconfiguram o espaço do capital e dá um novo sentido a terra a partir da classe camponesa que não cessa de lutar por uma política de Reforma Agrária que desconcentre a propriedade privada e promova condições de vida digna aos camponeses. Essa luta suscita novos conflitos que representam a oposição a uma política que busca enfraquecer a luta dos camponeses. Assim, o debate da Reforma Agrária vai se reconfigurando e com isso se instituem os interesses ideológicos empreendidos no debate do Paradigma do Capitalismo Agrário. A mercantilização da Reforma Agrária não foi o único elemento da mudança de eixo da questão agrária. As políticas neoliberais demarcadas pela globalização expandiram as potencialidades da agricultura capitalista, dando-lhe, inclusive, um novo nome: agronegócio (FERNANDES, 2004, p.37). A Reforma Agrária tem ficado em segundo plano (FERNANDES, 2013), pois o interesse do Estado tem se voltado para a ampliação do agronegócio, que tem se 59 territorializado a partir do domínio do uso da terra, por meio de grandes extensões e com alto grau de modernização. Para Fernandes o ([s.d], p.2) [...] agronegócio expandiu sua territorialidade, ampliando o controle sobre o território e as relações sociais, agudizando as injustiças sociais. O aumento da produtividade dilatou a sua contradição central: a desigualdade. A utilização de novas tecnologias tem possibilitado, cada vez mais, uma produção maior em áreas menores. Esse processo significou concentração de poder - consequentemente - de riqueza e de território. Essa expansão tem como ponto central o controle do conhecimento técnico, por meio de uma agricultura científica globalizada. O campesinato na luta contra o capital tem se territorializando a partir de ocupações, manifestações, conquistas de assentamentos e de políticas públicas. A luta pela terra engloba esses processos e, com isso, os movimentos camponeses socioterritoriais têm pressionado o governo para a conquista de condições mais dignas de sobrevivência, e essas condições são possibilitadas pelas conquistas dos assentamentos rurais. Porém, para Fernandes ([s/d].p.1), As políticas de assentamento rurais e a luta pela terra são formas de conflito e controle social na inexistência de uma política de Reforma Agrária. A precariedade e a dificuldade que as famílias sem - terra enfrentam revelam a importância que o Estado tem dado à essa questão. O campesinato tem territorializado um poder através de suas relações de forças, lutas, revoltas, manifestações. É através desses processos que a classe camponesa tem buscado a "retomada de um poder do qual frequentemente a população é desapropriada pelas organizações" (RAFFESTIN, 1993, p.80), ou pelo próprio Estado. O Estado impõe leis e normas para dominar a população, contudo, a classe camponesa tem procurado reivindicar e resistir às imposições econômicas, políticas e sociais do Estado. É na oposição ao Estado que o campesinato busca conquistar à autonomia dos camponeses, é uma resistência ao poder estatal. Na Constituição brasileira de 1988, o debate da Reforma Agrária ganha um capítulo específico, capítulo III, que mostra o que compete ao Estado na realização desse programa para o país. Revela que a desapropriação deve ser feita para terras que não cumprem sua função social. Art. 186 - A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; 60 II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988, p.123). Nesse sentido, quando não atendem a função social determinada pela Constituição a propriedade privada deve ser desapropriada para fins de Reforma Agrária. De acordo com o Art. 184, "compete à União desapropriar por interesse social, para fins de Reforma Agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social". As terras que não podem ser desapropriadas, de acordo com o Art. 185, "são insuscetíveis de desapropriação para fins de Reforma Agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva" (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988, p. 123-124). A Constituição de 1988 foi mais um recuo na questão agrária brasileira. Para José Gomes da Silva, a " Constituição Brasileira (CF) de 1988 ocasionou sérios problemas políticos e 1994/1996, estimulando a aliança partidária conservadora (PSDB/PFL/PTB) que encampou no neoliberalismo" (1997, p.73). Nesse sentido, a Constituição tornou-se o instrumento legal para apoiar os grandes proprietários de terras, políticos, empresários em suas ações de dominação frente à classe trabalhadora. No que se refere à Reforma Agrária, Silva (1997) afirma que "a CF de 1988 avançou na forma mais recuou no conteúdo". Houve um tratamento de retrocesso no debate da implantação da Reforma Agrária em função de favorecer as classes dominantes em detrimento dos camponeses, que tanto almejam a realização deste programa. Este foi tratado mais uma vez como um projeto que não saiu do papel, nas palavras de Silva (1997, p. 74). Tratou-se, contudo, de mera questão de embalagem, já que o conteúdo, da nova Carta contrariou a tendência histórica que vinha aperfeiçoando sucessivamente os instrumentos impositivos da Função Social da Propriedade Rural e os mecanismos de redistribuição fundiária retornando ao patamar da CF de 1946. Não foi preciso sequer o ‘day after' para se saber que os trabalhadores rurais e os sem terra, em particular pagaram os avanços que a CF de 1988 consagrou em benefício de outros segmentos da sociedade brasileira. A questão vai ganhando dimensões mais amplas, pois a Reforma Agrária, mesmo sendo direito constitucional, nunca foi atendida por nenhum governo, com isso é preciso que os camponeses lutem pela conquista da terra no Brasil, pois o Estado nega esse direito a milhares de brasileiros sem terra e criam novas medidas que, além de 61 desarticular a luta pela terra, endivida os camponeses que aderem ao novo modelo de obtenção de terras no Brasil. A Reforma Agrária é concebida pelos movimentos socioterritoriais como um modelo de desenvolvimento para o campo pautado em outra concepção de sociedade que visa à democratização de acesso à terra, à saúde, à educação e à cultura. É dessa forma que os movimentos empreendem suas lutas na conquista de direitos sociais que lhes foram negados e retirados na história da sociedade. Para o campesinato o acesso a terra, quando convertida em território, representa a materialização da vida. Portanto, o território aqui não é apenas a terra. Mas, é terra, água, cultura, religião, floresta, política, economia, memória, etc. Portanto, ao se territorializar o capital destrói o campesinato que se fundamenta em relações familiares não-capitalistas. Concomitante, em outros espaços, o próprio capital, contraditoriamente, recria o campesinato que ele mesmo destruiu, agora sob o seu controle, através de arrendamentos, compra e venda da terra, subordinação da produção e do trabalho familiar camponês (RAMOS FILHO, 2011, p.07). Entretanto, o sonho camponês, materializado na luta pela terra, tem sido impedido pelo poder que o Estado, através das relações neoliberais, exerce na vida da sociedade, interrompendo há décadas a construção de outra sociedade em função de interesses econômicos. O capital, que se territorializa, passa a dominar o território no intuito de controlar a luta pela terra, procurando novas formas de subjugar o camponês às relações de dominação. Uma dessas ações é a Reforma Agrária de mercado criada pelo agronegócio como meio de enfraquecer a luta popular. Para combater as ocupações de terra, a política criada pelo agronegócio foi a Reforma Agrária de Mercado. Depois de denominada de Cédula da Terra virou Banco da Terra e hoje é chamada de Crédito Fundiário. É uma tentativa de tirar a luta popular do campo da política e jogá-la no território do mercado, que está sob o controle do agronegócio (FERNANDES, [s.d], p.2). Esse processo caracteriza-se na centralização do capital monopolista, que no campo, configura-se entre a agricultura e o mercado, ou seja, no agronegócio, expressa-se na constituição de corporações nacionais e transnacionais que ampliam o modelo agroexportador em um amplo conjunto de sistemas. A luta pela Reforma Agrária se atrela à mudança conjuntural das relações capitalistas no campo fazendo com que os movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), passe a lutar contra o território do agronegócio e o apoderamento deste ao território camponês. 62 Entretanto, por não ser um desejo coeso, a não realização desta suscita embates políticos, ideológicos, econômicos e sociais. Sabourin (2008, p.163-164), analisando os atores desse processo, enfatiza que O debate sobre a política de Reforma Agrária no Brasil se assemelha às discussões sobre o projeto de sociedade, o desenvolvimento rural, o lugar da agricultura na sociedade e o futuro da agricultura familiar. O debate político, muitas vezes, limita-se ao confronto entre grupos de interesse e também provoca alianças inesperadas. Apoiada pela oligarquia fundiária e pelo setor da agricultura patronal, grande parte da classe política e empresarial brasileira é contra a Reforma Agrária, seja por princípio e medo, seja por defender seus privilégios, ou mesmo por preconceito contra os pobres. Outra tendência, que se manifesta tanto na esquerda como na direita, não acredita no sucesso econômico da Reforma Agrária; no entanto mobiliza indivíduos e setores que encontram no processo em curso, interesses sociopolíticos, eleitorais e ideológicos. Finalmente, setores ligados à especulação fundiária têm na Reforma Agrária interesses econômicos, uma vez que, desde 1996, a indenização das terras assegura um verdadeiro mercado fundiário institucional que, ao fim e ao cabo, beneficia os proprietários, os bancos e os investidores. Há ainda uma terceira tendência importante constituída pelos que defendem a Reforma Agrária por convicção social, ideológica e econômica. Esta área reúne os movimentos sociais e os sindicatos de trabalhadores rurais, as organizações dos sem-terra, a Igreja católica e os partidos de esquerda, dentre eles, o Partido dos Trabalhadores (PT). Outro fator que têm impedido a realização da Reforma Agrária é o posicionamento do governo com a construção de políticas mitigadoras, que visam ao combate à pobreza brasileira, através de programas de transferência de renda. Os programas de transferência de renda são instrumentos paliativos da mitigação da pobreza, através dos quais o Estado incumbe-se de atribuir uma espécie de mesada aos mais pobres para que possam consumir o mínimo essencial à reprodução da família. Sua existência está condicionada à vontade política de cada governante, assumindo, portanto, uma condição intermitente e compensatória. As políticas compensatórias se limitam em mascarar momentaneamente problemas, infla as estatísticas, criando assim, um cenário favorável para a propaganda política. Quando a conjuntura mais favorável passa, os programas são suspensos e os problemas emergem com maior gravidade (RAMOS FILHO, 2011, p.21). Nos últimos anos esses programas têm tirado a questão da Reforma Agrária da pauta de discussão do governo, procurando elencar novas medidas para transferir a população de baixa renda, créditos financeiros. O banco da terra e os programas de crédito instituídos nos anos recentes pelo Banco Mundial e pelo Estado Neoliberal do Brasil para neutralizar 63 as táticas de ocupação da terra do MST, tinham como alvo as famílias rurais pobres: pequenos proprietários possuindo terra em condições precárias, muitos com ocupações não-agrícolas, altos níveis de analfabetismo ou baixo níveis de educação, e vivendo em pequenas vilas rurais ou em grandes propriedades, onde eles trabalham como eventuais (VELTMEYER E PETRAS, 2008, p.86). Todavia, os camponeses compreendem que o necessário é a Reforma Agrária, e esses programas são paliativos e não visam à mudança da sociedade, mas a permanência desta em uma situação de baixa renda, pobreza, miséria, pois o capitalismo se sustenta dessa situação precária para continuar se territorializando. Para Ramos Filho (2011, p.24), existe outros fatores que têm deturpado a realização da Reforma Agrária no Brasil, ele aponta que Os sucessivos programas de crédito fundiário introduzidos no Brasil pelo Banco Mundial, desde 1977. Com discursos governamentais de complementaridade à Reforma Agrária constitucional, os governos difundiram com estes a concepção de alívio da pobreza rural articulada com o fomento à venda e compra de terras. A concepção de campo assume um caráter neoliberal ao passo que o mercado detém a centralidade na criação e recriação do campesinato. Assim, a Reforma Agrária assume um caráter mercantil e sua defesa passa a ser realizada com veemência pelos ruralistas como alternativa pacífica e viável. Esse processo é compreendido como Contrarreforma Agrária que é alimentada pelo próprio Estado que desenvolve essas ações no objetivo de despolitizar a luta pela terra. Porém, os camponeses continuam lutando contra o capital, contra a expropriação, a exploração, a sujeição ao domínio do território do capital. Os camponeses reivindicam a reconquista do seu território, assim eles Estão construindo um verdadeiro levante civil para buscar direitos que lhes são insistentemente negados. São pacientes, não tem pressa, nunca tiveram nada, portanto, aprenderam que só a luta garantirá no futuro a utopia curtida no passado. Por isso avançam, ocupam, acampam, plantam, recuam, rearticulam-se, vão para as beiras das estradas, acampam novamente, reaglutinam forças, avançam novamente, ocupam mais uma vez, recuam outra vez, se necessário for, não param, estão em movimento, são movimentos sociais em luta por direitos. Tem a certeza de que o futuro lhes pertence e que será conquistado (OLIVEIRA, 2004, p. 63). A Reforma Agrária é a possibilidade de novas alternativas de vida para os camponeses. É um novo projeto de sociedade que visa o desenvolvimento econômico, político, social que inclua os camponeses sem terra do Brasil, que vem lutando há anos pela construção de uma sociedade mais justa, que retire da miséria, da fome, milhões de 64 brasileiros que não tem possibilidade de viver dignamente nesse país. Entretanto, os capitalistas do agronegócio, bem como o próprio Estado, insistem em negar a possibilidade de realização da Reforma Agrária no Brasil, esse fato reside na negação de direitos sociais aos camponeses que lutam para viver e produzir no campo, de acordo com seu modo de vida. É na luta camponesa que existe a dinamicidade do movimento camponês, que emprega novas relações que dão sentido a luta pela terra e a conquista dessa. É a territorialização dessa luta que vai atribuindo aos movimentos socioterritoriais um espaço significativo no contexto político, social e econômico, pois esse movimento carrega em si uma força que expressa a necessidade do Estado reconhecer outra classe que configura um papel importante na luta pela terra no Brasil, a classe camponesa. 1.3 A atuação dos movimentos socioterritoriais na luta pela terra O conceito de movimento socioterritorial aqui referido baseia-se em uma leitura de Fernandes (2000), que afirma que não há diferença entre o movimento social e o movimento socioterritorial. Para este autor, essa denominação socioterritorial parte de uma leitura especificamente geográfica, tirando, dessa forma, o papel sociológico da análise dos movimentos sociais dentro da geografia (PENDON, 2013). Nesse sentido, por considerarmos o território como um fator fundamental para a reprodução camponesa e sua posição de contrariedade ao território hegemônico do capital, utilizaremos, nesse trabalho, esse conceito com o objetivo de demonstrar o papel significativo que esses movimentos de luta pela terra exercem na sociedade, pois os movimentos socioterritoriais têm caráter coletivo e empreendem grandes processos de reivindicações, que têm modificado o espaço e recriado o território da vida camponesa. Os movimentos socioterritoriais, desta forma, são Um tipo de mobilização coletiva de caráter perene organizada e que realiza, por meio de suas ações, uma crítica aos fundamentos da sociedade atual, baseado nos processos de acumulação da riqueza e concentração do poder manifestados na forma de território (PEDON, 2013, p.12). Esses movimentos têm se destacado a partir de mudanças empreendidas no território, pois eles 65 Expressam o ponto alto das carências sociais e a centralidade das lutas por recursos fixados nos territórios e pelo acesso ao território. Esses movimentos mostram que há uma lógica de reprodução da vida que foge à lógica da reprodução das relações dominantes (PEDON, 2013, p.222). Procurando romper com a lógica dominante do sistema capitalista, o enfrentamento é o principal fator de luta entre os camponeses e o capital. Nesse sentido, os movimentos socioterritoriais procuram denunciar, através de suas ocupações, a precariedade em que vivem milhões de brasileiros sem-terra. Apontam a fragilidade do Estado em resolver o problema da concentração fundiária, problema este que se perpetua devido o próprio Estado ser o beneficiador dessa concentração, quando apoia a centralidade do capital nas mãos de poucas pessoas. Os camponeses são os impulsionadores do debate da Reforma Agrária no Brasil, e, atualmente, trazem novos elementos e novas perspectivas da luta pela terra. Dessa forma, os camponeses, aqui reconhecidos enquanto classe social, desenvolvem suas lutas através de uma organização fundamentada em uma agenda de debates, vivências, formações políticas que dão sentido a uma luta estruturada que visa a atingir os seus objetivos. Assim, o movimento socioterritorial tem o território como trunfo, e busca construir com a conquista desse novas condições de trabalho e de vida. É através da luta pela terra materializada nas ocupações que os camponeses conquistam os assentamentos rurais, estes são "uma forma de recriação do campesinato. Significam uma nova etapa da luta: o processo pela conquista da terra". A luta dos movimentos socioterritoriais sem-terra representam um processo de territorialização, cujo foco principal é a conquista da terra apropriada para o trabalho que permite a manutenção da vida contra a terra de "negócio" e da exploração (PEDON, 2013, p.190). Mesmo com a conquista dos assentamentos, os camponeses permanecem na luta para o desenvolvimento do seu território, na busca de políticas públicas que lhes deem condições de "vida e produção na terra". É a resistência na terra que permite a luta por outro tipo de "desenvolvimento que permita o estabelecimento estável da agricultura familiar" (GIRARDI, FERNADES, 2008, p.77). Para os camponeses, a apropriação de parcelas do território materializa suas conquistas bem como reafirma a importância de suas lutas. As reivindicações do campesinato são reivindicações que tem a ver com as suas condições de vida e trabalho. O campesinato, em geral, está preocupado com a terra, com as condições de trabalho, com a conquista 66 da terra, a reconquista da terra, a preservação da terra. E junto com isto está preocupado com o problema da produção e da apropriação do produto do trabalho (IANNI, 1985, p.2). É no processo de reivindicações que se destacam as manifestações, as ocupações, o fechamento de estradas e o enfrentamento político-jurídico, são as ações de embate que conduzem à pressão exercida pelos movimentos para que o Estado olhe a condição camponesa e crie possibilidades para que estes adquiram os direitos dos quais foram expropriados na história do país, dentre eles destaca-se a permanência na terra. Os camponeses, através dos movimentos socioterritoriais, ressignificam o espaço, uma vez que, por meio da conflitualidade, transformam o território e instituem um novo pensar, um novo agir, novas relações de produção e novas propostas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. No capitalismo, a instituição da propriedade privada permite a desterritorialização de muitos camponeses que perdem seus espaços de sobrevivência, pois a terra para estes tem sentido de vida, de moradia, de reprodução social. Contrário a esse modo de vida, o capitalismo territorializa-se, destruindo as relações camponesas e transformando a terra em mercadoria. A territorialização do capital provoca exclusão e expropriação na vida camponesa gerando uma grande massa de trabalhadores sem-terra que passam criar estratégias de sobrevivência. Na luta contra a territorialização do capital, os camponeses, através dos movimentos socioterritoriais, têm lutado contra a "territorialização do agronegócio em suas formas mais intensas" (GIRARDI, FERNANDES, 2008). Nesse sentido, os movimentos socioterritoriais de luta pela terra Nega[m] a ordem burguesa, as forças do mercado, às tendências predominantes das relações capitalistas de produção. Em geral, a radicalidade desse movimento está em que implica em outro arranjo da vida e trabalho. Em sua prática, padrões, valores, ideais, ele se opõe aos princípios do mercado, ao predomínio da mercadoria, lucro, mais-valia. Sempre compreende um arranjo das relações sociais no qual se reduz, ou dissipa, a expropriação, o desemprego, a miséria, a alienação (IANNI, 1985, p.10). Partindo desse pressuposto, os camponeses expropriados pelas relações do capital criam novas formas de sobrevivência, de reivindicações pelos seus direitos básicos, amadurecem no processo de luta e vão recusando as formas destrutivas que o capital vai impondo no campo. Porém, é importante ressaltar que o avanço do capital também gerou avanço na criação dos movimentos socioterritoriais que atualmente, 67 segundo o relatório anual 2012 do Banco de Dados da Luta pela Terra, são cerca de 116 movimentos socioterritoriais que atuam no campo brasileiro, realizando ocupações de terras entre os anos de 2000 a 2012. Os movimentos que mais se destacam são: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Federação da Agricultura Familiar (FETRAF). Neste estudo, damos notoriedade ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por ser esse considerado o "maior e mais dinâmico movimento de origem popular" (VELTMEYER E PETRAS, 2008) no Brasil. Esse movimento socioterritorial se expressa pelas reivindicações através das ocupações e da sua rebeldia no enfrentamento ao Estado neoliberal. Sua expressividade nacional reflete o nível de organização que adquire papel importante na luta pela terra no Brasil. Dessa forma, a apropriação do território pelo MST tem sido um pressuposto para a afirmação da ideologia camponesa, sendo esta identificada a partir de suas reivindicações por um território de vida que reconheça o modo de vida camponês. Os movimentos socioterritoriais atuam de maneira a viabilizarem práticas, alternativas de apropriação do espaço, práticas essas que rompem com as escalas impostas pelos usos estritamente capitalistas e pelos recortes institucionais. A luta local se vincula com a luta nacional no processo de territorialização (PEDON, 2013, p.1). Na conquista de parcelas do território, os camponeses passam a territorializar seu modo de vida, pois o uso do território define sua identidade e desta forma, suas práticas alternativas para manter a sobrevivência é um fator que viabiliza a sua reprodução. Nas suas lutas e reivindicações, os camponeses colocam em questão a problemática da terra, a reprodução do seu trabalho, a sua expropriação, e, dessa forma, suas Lutas, as suas reivindicações entram no movimento da história. Então, se coloca o problema de que o campesinato, além de serem pequenos produtores, sitiantes, posseiros, colonos ou o que seja, além de lutarem pela terra, além de quererem a posse e uso da terra e uma certa apropriação do produto do trabalho, o campesinato representa um modo de vida, um modo de organizar a vida, uma cultura, uma visão da realidade, ele representa uma comunidade. E é o fato de que o campesinato constitui um modo de ser, uma comunidade, uma cultura, toda uma visão do trabalho, do produto do trabalho e da divisão do produto do trabalho é que faz do campesinato uma força relevante. Isto é, coloca o campesinato como uma categoria que mostra para a 68 sociedade não simplesmente uma participação política, uma força, mas também um modo de ser (IANNI, 1985, p.6). Nesse ínterim, os camponeses, representados nos movimentos socioterritoriais que lutam pela terra, vivem uma constante luta de confronto com o capital. Esse enfrentamento tem como maior ação as ocupações que trazem em si uma complexidade política e social, pois, nessa luta, as vidas dos camponeses também estão em risco, tendo em vista que os capitalistas buscam criminalizar a luta, buscando, desse modo, esconder os pressupostos de uma luta legal e legítima empreendida pelos movimentos socioterritoriais. A ocupação é um processo socioespacial e político complexo que precisa ser entendido como forma de luta popular, de resistência do campesinato, para sua recriação e criação. A ocupação desenvolve-se nos processos de espacialização e territorialização, quando são criadas e recriadas as experiências de resistência dos sem-terra (FERNANDES, 2000, p. 57). A ocupação coloca em destaque a questão da terra, mostra a condição de subalternidade que vive grande parte da população camponesa, dá ênfase aos processos de expropriação e exploração causados pelo agronegócio e coloca em questão a função social da terra. Dessa forma, é ocupando a terra que Os trabalhadores sem-terra vêm a público, dimensionam o espaço de socialização política, intervindo na realidade, construindo o espaço de lutas e resistência, quando ocupam a terra ou acampando nas margens das rodovias (FERNANDES, 2000, p. 60). Os movimentos socioterritoriais ressignificam o espaço através da ocupação, da materialização dos acampamentos e assentamentos, bem como "trabalham com uma mudança essencial no jogo do poder" (ALMEIDA, 2010). Entendemos por acampamentos os Espaços e tempos de transição na luta pela terra. São, por conseguinte, realidades em transformação. São uma forma de materialização da organização dos sem-terra e trazem em si os principais elementos organizacionais do movimento. Predominantemente, são resultados de ocupações. São, portanto, espaços de lutas e de resistência. Assim sendo, demarcam nos latifúndios os primeiros momentos do processo de territorialização da luta (FERNANDES, 2000, p. 72). Os camponeses, na dinâmica de suas ações, vão além das ocupações em beiras de estradas, espaços públicos, caminhadas, manifestações, eles vão além da delimitação de uma área do território, pois eles dão vida e constroem esse território, abrangendo 69 processos que dinamizam, criam e recriam novos espaços para a formação camponesa, para a espacialização desta classe que tem configurado uma dinâmica da luta pela terra no Brasil. Movimentos como o MST, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) têm se territorializado, a partir de sua organização, em diferentes lugares do país. Assim, permitem que a espacialização da luta conquiste novas frações do território e expanda o processo de territorialização desses movimentos (FERNANDES, 2000). A luta desses movimentos amplia-se de acordo com os interesses conjunturais locais, entretanto, o ensejo dos movimentos socioterritoriais não é a busca para resolver um problema imediato. A concentração da terra é um problema estrutural e a ação dos movimentos socioterritoriais é histórica, dessa forma, buscam objetivos mais amplos que acabem com os processos de expropriação, exploração, desterritorialização do campesinato. A realização dos objetivos camponeses não tem respaldo apenas no campo, essa luta já alcançou espaços urbanos que hoje acreditam na necessidade da Reforma Agrária como um meio de viabilizar a melhoria da condição camponesa. Desse modo, quando os movimentos contemplam objetivos mais amplos, que não sejam apenas resolver o próprio problema, mas inserir-se no processo de luta, e as lideranças promovem espaços de socialização política, para a formação de novas lideranças e experiências, a tendência é de desenvolvimento da forma de organização, espacialização e territorialização. Dessa forma, amiúde, trabalham não somente com o próprio problema, mas carregam a dimensão da luta pela terra, organizando novos grupos de famílias, inaugurando novos lugares, espacializando e territorializando o movimento e a luta (FERNANDES, 2000, p.66). Através das ocupações muitos assentamentos são implantados. São as ocupações que estabelecem o conflito entre o capital e o campesinato, tendo como mediador o Estado. As ocupações de terras na atualidade têm representado não apenas um meio de acesso a terra, mas principalmente uma forma de contestar o atual modelo de desenvolvimento (COCA, 2011). A luta dos movimentos socioterritoriais por terra, políticas agrícolas, direitos humanos, direitos trabalhistas, saúde, educação expressa a ação contra a concentração e contra a injustiça e a violência no campo. Para Coca (2011) a luta pela terra é a 70 responsável pela conquista dos assentamentos rurais no Brasil que surge como alternativa para garantir a reprodução social do campesinato. Os movimentos socioterritoriais têm conquistado frações do território no processo de ocupações e negociações políticas, essas frações são denominadas como assentamentos. Estes representam a materialização da luta pela terra. A conquista do assentamento não é o fim da luta, pelo contrário, é o início de outras conquistas para que o camponês permaneça na terra e se reproduza enquanto classe.Segundo Medeiros e Leite (2004, p.20), Os assentamentos tendem a fortalecer os movimentos de luta pela terra, uma vez que se constituem em prova de eficácia das pressões, em especial quando a referência são as ocupações de terra e acampamentos; provocam rearranjos institucionais, rebatendo na necessidade de um aparelhamento do Estado para lidar com essa nova realidade (não só no que diz respeito à criação de novos organismos ou reformulação dos existentes - nos governos federais, estaduais e municipais - mas também de novas leis e regulamentações); possibilitam a geração de empregos e, de alguma maneira, o aumento do nível de renda de boa parte das famílias assentadas (com reflexos nas economias municipais e regionais) tem potencial para alterar, em maior ou menor medida, as relações de poder local. É nesse contexto da conquista dos assentamentos e de seu reconhecimento pelo Estado que surge a demanda de outras lutas para que esse território seja construído por ações que contribuam para a inserção dos camponeses na sociedade, proporcionando- lhes, saúde, educação, infraestrutura local e políticas de assistência e financiamento que contribuam para a sua permanência no território conquistado, pois os movimentos socioterritoriais [...] não se limita[m] à luta pela terra. Mesmo quando é essa a reivindicação principal, ele compreende outros ingredientes: a cultura, a religião, a língua ou dialeto, a raça ou etnia entram na formação e desenvolvimento das suas reivindicações e lutas. Mais do que isso. Pode-se dizer que a luta pela terra é sempre e ao mesmo tempo uma luta pela preservação, conquista ou reconquista de um modo de ser e de trabalho. Todo um conjunto de valores culturais entra em linha de conta como componente do modo de ser e viver do campesinato (IANNI, 1985, p.9). As novas lutas camponesas revelam o próprio amadurecimento do campesinato que entende aos processos de subordinação extrema, gerados pelo sistema capitalista. Os movimentos socioterritoriais, na ampliação de suas estratégias de reivindicações, vão materializando seus ideais na conquista de parcelas do território, e dessa forma, 71 empreendem novas relações sociais e novas demandas ao Estado que recua do seu papel fundamental que é a manutenção dos direitos sociais a qualquer parcela da sociedade. O Estado exerce, de forma relevante, o apoio ao capital financeiro que, ao territorializar-se, transforma a condição camponesa, pois a inserção das relações capitalistas no campo assegura os grandes e médios empresários sua expansão em detrimento do modo de vida camponês. O capitalismo é a forma mais cruel de concentração de terras no campo que determina a expropriação camponesa do seu território e intensifica a sua exploração nas novas relações de trabalho e de vida. Nesse sentido, a luta pela educação camponesa também se atrela na luta pela terra. O Estado possibilitou a formação camponesa tardiamente através do projeto de Educação Rural, mesmo assim de forma precarizada, desintegrando a formação de sua realidade de vida, pois a formação foi baseada no contexto da educação urbana. Nesse sentido, com a crescente demanda do ensino e da necessidade de escolarização, os camponeses compreendem que é preciso ir além da educação imposta pelo Estado, e estes perpassam a luta pela terra e pela educação, vão além da educação rural, e criam o projeto de Educação do Campo, como veremos o debate sobre as características ideológicas da educação rural e da Educação do Campo no capítulo a seguir. 72 CAPÍTULO II - TERRITORIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO Não Vou Sair do Campo Não vou sair do campo Pra poder ir pra escola Educação do Campo É direito e não esmola O povo camponês O homem e a mulher O negro quilombola Com seu canto de afoxé Ticuna, Caeté Castanheiros, seringueiros Nessa luta estão de pé Cultura e produção Sujeitos da cultura A nossa agricultura Pro bem da população Construir uma nação Construir soberania Pra viver o novo dia Com mais humanização Quem vive da floresta Dos rios e dos mares De todos os lugares Onde o sol faz uma fresta Quem a sua força empresta Nos quilombos nas aldeias E quem na terra semeia Venha aqui fazer a festa (Gilvan Santos, 2007) Neste capítulo, discutiremos acerca da territorialização da Educação do Campo. Inicialmente, traçamos um debate sobre a educação rural, que passa a ser concebida como um direito da população camponesa a partir da Constituição de 1934. Essa educação não permitiu avanço na formação dos camponeses, pois o Estado sempre relegou ao território camponês uma educação desarticulada de sua realidade, foi uma educação pautada no intuito de formar mão de obra barata para o trabalho especializado, devido ao avanço da modernização do campo. Com a Constituição de 1988 o ensino para todas as crianças em diferentes territórios passou a ser obrigatório, isso é visto como uma possibilidade de avanço para o ensino e formação das crianças do campo, apesar disso, não houve ampliações de 73 condições de infraestrutura para as escolas do campo nem aperfeiçoamento de professores. Esse avanço constitucional ampliou outros direitos, como o auxílio de transportes para crianças do campo irem à escola, gerando, com isso, outra problemática de deslocamento e adaptação às escolas desligadas da realidade da criança, e muitas vezes a própria condição de acesso era dificultada. Foi a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada no ano de 1996, que o campo ganhou valor enquanto território de vida específico e que precisava ser tratado como tal. Neste sentido, a educação para os camponeses passa a ser questionada veementemente no sentido de ampliar as condições da formação educacional deste território. Com isso, há uma dualidade entre o debate da educação rural e da educação proposta pelos camponeses, denominada por eles de Educação do Campo. Essa luta política e ideológica nasce dentro do movimento socioterritorial que mais tem engajado a luta pela terra e pela educação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Busca evidenciar o campo enquanto território de vida e enfatiza que a educação precisa perpassar o ensino de crianças, é necessário ampliar as condições educacionais e dar possibilidades dos camponeses terem acesso à formação em todos os níveis de ensino. O debate deste capítulo sobre a educação rural, a Educação do Campo e o papel do MST na educação camponesa nos permite compreender o tratamento do Estado dado à escolarização realizada no espaço rural. Porém, as reações, as reivindicações e a resistência camponesa frente às imposições do Estado têm contribuído para criar propostas educacionais que valorizem o campo enquanto território de vida. Nesse processo, ocorre um mecanismo de força encontrado dentro da luta dos movimentos socioterritoriais que se contrapõem a educação rural idealizada e implantada pela classe dominante. A Educação do Campo vai sendo construída na base do movimento e se configura numa conquista social, que se estrutura a partir de um projeto de vida, de sociedade representada na luta dos trabalhadores e nas suas conquistas. 2.1 Educação Rural Compreendemos que a sociedade está ameaçada quando analisamos o sistema capitalista que a rege, pois em detrimento da vida humana está a valorização da acumulação e do lucro do capital. O descaso que o Estado permite que a sociedade viva se expressa na negação das condições básicas da vida humana: saúde, educação, trabalho, alimentação e cultura. Essa realidade é reflexo do projeto de dominação política, 74 econômica, social e educacional do capitalismo. Em relação à dominação educacional, o Estado por meio da "educação bancária" oprime a sociedade e transforma sua mentalidade para a acomodação. É uma formação alienante da qual a sociedade recebe sem questionamentos. Para Freire (1987, p.33), A educação bancária "o saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra no outro. É uma educação na qual o educando é um mero receptor de informações e o educador o único detentor do saber. Freire (1987) propõe uma nova formação pedagógica que parte da realidade do aluno, o que ele denomina de Pedagogia do Oprimido, onde o educador seja um problematizador, que dialogicamente construa com o aluno sua formação, através do processo de reflexão e aliando esta a sua concepção de mundo e realidade. Distanciando-se de uma educação desagregada da realidade, pois é necessário que essa pedagogia forje a construção do conhecimento com "ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de sua humanidade". (FREIRE, ibid., p.17). Esta pedagogia é proposta para que os homens em condição de submissão ao sistema capitalista compreendam seu estado de oprimidos e entendam a opressão que lhes são feitas. Assim, pensar essa condição relacional entre opressor e oprimido é ver sua posição no mundo, é compreender suas limitações econômicas, sociais e educacionais. É entender que sua condição social não resulta de uma limitação natural, mais sim de uma questão social que violentamente destrói a classe trabalhadora no que tange a negação de uma vida cada vez mais precarizada pela lógica capitalista que nas palavras de Paulo Freire "para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser para eles, é ter e ter como classe que tem (1987, p. 25). A educação como prática libertadora é um grande passo para anularmos a ideia de que a educação é uma mercadoria, pois, segundo Mészáros (2008, p.9), "educação não deve qualificar para o mercado mais para a vida". A relação entre a educação bancária, da qual fala FREIRE (1987), e a educação enquanto mercadoria, da qual fala MÉSZÁROS (2008), são projetos de dominação do capital que veem o ensino bancário e a mercantilização da educação como processos de sua dominação na formação humana, pois são 75 As determinações gerais do capital que afetam profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo (MÉSZÁROS, 2008, p. 43). A educação pensada e estruturada dentro do sistema capitalista existe para conformar a sociedade, na verdade, para produzir um adestramento para as ideias do capitalismo. De fato, a concepção educacional estabelecida nesse sistema gera uma formação humana que não compreende sua realidade e que é apática à situação social precarizada pelo capital: violência generalizada, altos índices de exclusão, pobreza, analfabetismo, crise no sistema de saúde pública, entre outros fatores sentidos pela maior parte da população. Da maneira como estão as coisas hoje, [...] a principal função da educação formal é agir como um cão de guarda ex-offício e autoritário para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida. (MÉSZÁROS, 2008, p.55). É na contramão desse projeto de dominação pelo capital que os movimentos socioterritoriais, como o MST, propõem outro projeto de sociedade e outro projeto de educação que se construam a partir de uma formação desalienante, política, cuja compreensão de mundo vá além da compreensão da palavra. É o entendimento de sua condição de ser no mundo, sua condição de "oprimido", submisso às relações de exploração do capital. No Brasil, a educação escolar, privilégio de poucos, foi primeiramente direcionada para a elite brasileira, que se considerava a única classe que devia ter "instrução escolar". A educação vai ganhando espaço a partir dos interesses políticos, ideológicos e econômicos, pois, para a classe trabalhadora, a educação surge a partir da efetiva necessidade de criar mão de obra para o surgimento de novas especialidades provenientes do avanço industrial no país. A partir de um projeto educacional criado pelo Estado para "instruir as massas", o debate ganha espaço na Constituição, no entanto, no que se refere "à educação rural, esta não foi sequer mencionada nos textos constitucionais de 1824 e 1891" (SOARES, 2002). Os camponeses em momento algum foram lembrados pelos poderes públicos, ou podemos afirmar que foram esquecidos propositalmente no sentido de não dar-lhes formação escolar para que estes fossem subalternizados junto à elite agrária brasileira. 76 A problemática que se apresenta no ensino do espaço rural, versa sobre os interesses dominantes, pois a escola rural foi pensada não como uma necessidade da população, mas como um fator de controle dos camponeses, visando à permanência do homem no campo para o trabalho proveniente do avanço industrial. Os projetos de educação do Brasil nunca estiveram voltados para a população como um todo, mas para os interesses da elite brasileira. [...] O primeiro projeto sobre a instrução pública no Brasil foi aprovado somente em 1827. No entanto, tal projeto nunca saiu do papel, já que as elites dominantes não tinham interesse em proporcionar instrução às classes menos favorecidas. Para as elites, a educação deveria ser privilégio somente daqueles que faziam parte dela, o que garantiria, conforme acreditava grandes avanços para o crescimento do país (MACHADO, 2008, p. 36). O direito à escolarização não foi atribuído aos camponeses no Brasil de maneira prioritária. Foi na Constituição de 1934 que a educação dos camponeses ganhou visibilidade. A Lei constitucional assume a responsabilidade em designar à União a competência de ceder contribuição financeira aos estados e municípios para a realização da educação rural. Essa Lei fica designada no Artigo 156 da Constituição de 1934, no Título V, atribuído à família, à educação e à cultura. Art. 156. A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos. Parágrafo único. Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará no mínimo, vinte por cento das quotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1934). O Estado, apesar de atribuir esses recursos ao desenvolvimento da escolarização camponesa, nunca teve interesse em ampliar as condições do campo brasileiro, tendo em vista que o apoio do Estado sempre esteve direcionado à expansão do latifúndio e aos interesses da elite agrária brasileira, provocando a permanência de condições precárias da sobrevivência camponesa no contexto econômico, educacional e sociocultural. Em relação à Constituição de 1988, o Estado passa a garantir também a obrigatoriedade do ensino fundamental a todas as crianças, independente de onde residam. No Capítulo III, referente à "Educação, a Cultura e o Desporto", o Artigo 205 menciona que "a educação é direito de todos e responsabilidade do Estado promover o acesso à educação às crianças, aos jovens e aos adultos no objetivo de contribuir com a qualificação da pessoa". Nesse sentido o Artigo 206 complementa o princípio da 77 educação para todos, afirmando que "o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola". Outra particularidade que contribui para o acesso dos camponeses a educação é o direito a programas suplementares para que as crianças possam ir à escola, como podemos visualizar no Artigo 208, Parágrafo VII "atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde". Para Silva (2006), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, reconheceu com mais veemência a concepção de "mundo rural". Essa concepção através dos movimentos socioterritoriais ganha um significado mais valorativo, colocando o campo como território de vida e protagonista de sua própria história. Esse espaço configura-se a partir de suas particularidades próprias, sendo, dessa forma, constituído a partir de uma identidade que difere do mundo urbano. A educação para o campo precisa adquirir especificidades que respeitem a condição sociohistórica, socioeconômica, socioeducacional e sociocultural. Com isso a LDB estabelece condições para a realização de uma educação básica que adapte as necessidades camponesas. Art. 28 - Na oferta da educação básica para a população rural, designa que: os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação e às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (LDB, 1996). Essas novidades jurídicas significam que o poder público vem dando abertura à formação camponesa. Porém, em que condições isso é desenvolvido é a questão que devemos nos fazer, pois, quando retirados do campo para ir às escolas ou quando estudam no próprio território camponês com base no currículo urbano surge problemáticas maiores que além de influenciar na visão da cidade como o local do progresso coloca os estudantes diante de um preconceito estabelecido pela sociedade urbana em relação aos camponeses, sendo estes muitas vezes vistos como os "matutos", paradigma criado pela ideia de que o campo é atrasado e a cidade é o local do desenvolvimento. Esse contexto coloca em questão a dualidade entre educação rural e educação urbana. Enfatizamos que não queremos privilegiar o debate da educação rural fazendo uma dicotomia entre campo e cidade, ou limitando a formação humana a partir de uma 78 educação específica para o campo. É importante atentarmos para que a centralidade do debate sobre a educação rural é permeada pelo debate que embasa esse trabalho, pois para entendermos o contexto da Educação do Campo, que estudaremos adiante, precisamos compreender o que foi a educação rural no Brasil. Desta forma, podemos afirmar que não estamos discutindo uma educação que privilegie os camponeses, mas que altere o tratamento dado a esta educação. Compreende-se que o papel do Estado na escolarização do campo sempre foi ausente, havia um [...] grande desinteresse das autoridades em proporcionar o ensino à população rural. Porém, as características da sociedade aristocrática da época são um fator relevante e bastante significativo que pode explicar a ausência de uma política voltada para o meio rural (DERMATINI p.306, 1979 apud MACHADO, 2008, p.38). O desinteresse do Estado com a formação educacional da classe trabalhadora é histórico, seja ela do contexto urbano ou do rural. É com a crescente demanda pelo ensino que os camponeses passam a perceber a importância da educação. Antes estes não consideravam a escolarização como uma necessidade, devido ao trabalho do campo não demandar nenhuma preparação letrada, ideia implementada pela classe dominante. Com isso, a luta pela institucionalização da educação para a classe social camponesa foi dificultada pela própria falta de reconhecimento, dos próprios sujeitos, da importância da formação educacional para o ser humano, falta de reconhecimento que é difundido pelo próprio Estado que não inclui em suas políticas os territórios camponeses, excluindo-os, cada vez mais, do seu local de trabalho e de vida. Nesse sentido, o Estado tratava com descaso a escolarização camponesa. Logo, não podemos atribuir a postura inicial dos camponeses frente à questão educacional como culpa deles próprios, pois compreendemos que o sentido deste processo está na postura que a ideologia dominante exerce na disseminação da necessidade de dependência e submissão que os camponeses devem ter em relação à classe dominante. [...] a ausência de uma consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição da cidadania, ao lado das técnicas arcaicas do cultivo que não exigiam dos trabalhadores rurais, nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização, contribuíram para a ausência de uma proposta de educação escolar voltada aos interesses camponeses (SOARES, p.53, 2002, grifos do autor). Dessa forma, os camponeses ao criarem consciência de classe, veem a necessidade da educação como princípio para melhorar as possibilidades de suas 79 condições de trabalho no campo e na vida. O reconhecimento da necessidade de escolarizar-se coloca em pauta a educação rural no Brasil, e, com isso, esse tema vai ganhando espaço nas Leis jurídicas e nos debates políticos. Apesar do esforço em concretizar uma educação no campo brasileiro, as limitações do desenvolvimento educacional nesse território se constroem numa educação baseada nos princípios do currículo urbano, que evidencia o cenário urbano, as relações sociais, o desenvolvimento industrial, os valores sociais, as relações culturais, todas baseadas em uma realidade distanciada do campo, que se identifica por uma identidade própria baseada no modo de vida camponesa. As discussões que perpassam a forma que se estruturou a educação rural no Brasil mostram que esta foi uma proposta desvinculada da realidade camponesa, cujos educadores eram urbanos e muitas vezes não conheciam a realidade local, evidenciando a cidade como o progresso em detrimento do campo, suscitando, dessa forma, grandes problemas na formação camponesa e na valorização deste território de vida. A educação rural configura-se a partir destas problemáticas que durante diferentes épocas foi trabalhada de forma diferenciada para os camponeses, pois O problema da educação do meio rural a partir do estudo dos sujeitos da escolarização assume características diferenciadas conforme a época, no tocante a cada camada social. Desta forma, ao nível dos sujeitos da escolarização, a situação configura-se neste período diferentemente para as camadas sociais existentes, quanto às suas chances educacionais: para os filhos de fazendeiros, havia geralmente possibilidades de cursarem até o nível superior; no outro extremo, para os filhos de escravos residentes no meio rural, tais chances eram inexistentes; para os colonos imigrantes, embora a possibilidade existisse algumas vezes no papel, dificilmente se efetivava; para sitiantes e trabalhadores livres, as chances dependiam da sua luta pela criação de escola pública no local, o que raramente sucedia, ou da sua disponibilidade financeira para pagar aulas particulares (DERMATINI 1979, apud MACHADO, 2008, p. 38). O desprendimento do Estado pelo processo de formação dos sujeitos do campo no Brasil efetiva um tratamento secundário à formação camponesa, pois a [...] elite sabe que a ignorância é aliada da submissão e favorece a exploração e dominação das consciências. Para se conquistar uma sociedade soberana, é preciso desenvolver a cultura e elevar o nível de consciência dos homens e mulheres, sujeitos de uma nova história (VARGAS, [s.d]. Jornal Online do MST). A educação rural se tornou um instrumento do capital. A relação de poder existente nas intencionalidades da educação rural configura a preponderância do Estado 80 sob as classes sociais, que através de projetos de modernização do campo começa a intervir na formação dos camponeses para aperfeiçoar mão de obra. Para Ribeiro (2010, p.166). [...] apesar de terem sido aplicados vários programas e projetos para a educação rural, essa não se constituiu, em nenhuma época, como prioridade dos investimentos públicos; ao contrário, sempre desempenhou um papel marginal no conjunto das políticas sociais. O Ruralismo Pedagógico foi uma das primeiras políticas educacionais que surgiu no processo de desenvolvimento industrial no país, na Era Vargas (1930-1945). Nesse período do avanço industrial no país, foi disseminada a ideia de que a cidade era o melhor lugar de viver, pois proporcionava oportunidades para o homem conseguirem melhorias econômicas. Isso deu início a um processo migratório intenso no Brasil. Esse processo gera outra demanda para fixar o homem no campo, pois, com a industrialização crescente, era preciso uma reserva de mão de obra no campo. Para Vendramini (2014, p.11), Os programas e currículos especiais voltados para a população rural - desde a década de 1920 - pautam-se na lógica da educação como mola propulsora do desenvolvimento social. Seu objetivo é conter a migração e fixar o homem no campo, como na proposta do "ruralismo pedagógico", que trata de programas "adequados" à cultura rural, capazes de prender o homem à terra, ou nos programas: Serviço Social Rural (SSR) e Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), que surgem na década de 1950 com o mesmo objetivo de conter a migração rural-urbana. O avanço da modernização no campo criou a necessidade de mão de obra especializada e com isso a fixação do homem no campo era essencial. As mudanças ocorridas na educação rural tiveram o papel de levar aos camponeses conhecimentos que desenvolvam suas habilidades para que estes se insiram no novo processo de modernização agrícola. [...] a educação desempenha um papel de levar o conhecimento científico de modo que essas populações possam estar habilitadas para enfrentar os desafios da introdução de tecnologias e inovações da produção agrícola (RIBEIRO, 2010, p.167). As novas demandas de produção empreendidas no campo pela modernização não garantem aos camponeses um papel nas novas relações de trabalho. Ocorre um processo de conflito, o qual, ao desapropriar os camponeses do seu território de vida, da sua identidade e das suas formas de lidar com o campo, permite a recriação do 81 campesinato por dentro dessa nova configuração do campo provocada pela modernização agrícola. Esta realidade introduz a necessidade de criar mecanismos para "educar" os camponeses para o surgimento das recentes especialidades de trabalho, desenraizando estes da lógica da produção de subsistência e colocando-os na busca pela inserção do seu trabalho nas novas relações econômicas. Existem duas formas de analisar esses processos. A primeira caracteriza-se pelo processo de resistência, no qual os camponeses expropriados não aceitam a forma avassaladora da inserção do capital, que destrói as formas de vida camponesa para dar lugar ao padrão moderno, ao progresso. A segunda maneira de encarar esse processo é a luta pela própria sobrevivência, a qual coloca o camponês diante da necessidade de adaptação, colocando-os na lógica de uma formação técnica que busque a sua inserção no capital. A compreensão desse processo é importante, pois a educação rural constitui-se a partir de uma finalidade, cuja lógica atribui a formação camponesa a um sentido técnico e desenraizado. Com isso, o programa do Ruralismo Pedagógico favoreceu a fixação do homem no campo, na busca de esvaziar as correntes migratórias. Nesse período houve também uma maior preocupação com a modernização da vida social e econômica do meio rural. Porém, esse programa não teve sucesso no país, no que tange à formação educacional camponesa, pois a preocupação com o homem do campo não era social, estava voltada para os interesses econômicos e políticos da elite agrária brasileira. Após o período da Era Vargas, com a redemocratização do país, outro movimento que surge, com o objetivo de suprir as deficiências educacionais dos sujeitos do campo, é a Campanha de Educação dos Adultos. Esse movimento em 1950 tinha por objetivo combater o analfabetismo rural por meio das "Missões Rurais de Educação de Adultos", com a tarefa de executar uma ação educativa integral para a melhoria das condições socioeconômicas das comunidades rurais (MACHADO, 2008, p. 49). Criou-se, também, o extensionismo rural que foi uma parceria entre o Brasil e os Estados Unidos. Este passou a financiar as atividades agrícolas no país, cujo objetivo foi contribuir com a inserção da produção do campo no mercado e influenciar, a vida cultural, econômica, política e educacional dos sujeitos camponeses. Essa educação 82 passou a ser reconhecida dentro de uma escola formal regulamentada pelo Estado com um currículo distante da realidade do sujeito camponês. A educação rural não foi instituída apenas para tirar os sujeitos camponeses da alta taxa de analfabetismo que o caracterizavam como sujeitos atrasados. O Estado, enquanto regulador do capital, nunca teve preocupação com a formação humana, ou desenvolveu políticas públicas com interesses para as questões sociais sem tirar proveito disso. Com isso, é imprescindível apontar a afirmação de Ribeiro (2010, p. 171), o qual destaca que foi A partir de uma visão de fora ou de uma suposição sobre como viviam as populações rurais que estariam marginalizadas do desenvolvimento capitalista, foram tomadas providências para que as mesmas fossem integradas ao progresso que seria resultante desse desenvolvimento. [...] As instituições encarregadas de colocar em prática aquelas políticas recebiam os pacotes prontos sem poder interferir em seus objetivos, conteúdos e metodologias. Esses pacotes prontos não permitiam a participação da população camponesa, inviabilizando, com isso, qualquer questionamento e avaliação sobre as políticas que eram direcionadas à formação da população camponesa. Os camponeses estavam submetidos à essas relações impostas pelo Estado e, assim, eram formados para a relação capital versus trabalho. Nesse sentido, as políticas e programas direcionados ao campo, em particular as que se referem à educação, segundo Ribeiro (2010, p.171), [...] tiveram maior incremento e volume de recursos quando havia, por parte dos sujeitos do capital, interesses ligados á expropriação da terra e à consequente proletarização dos agricultores, combinada com a implantação de uma produção agrícola geradora de dependência científica e tecnológica da parte dos trabalhadores do campo. Machado (2008), em sua leitura sobre os programas do Estado para o meio rural, afirma que "[...] os objetivos do programa de extensão rural (extensionismo) no Brasil estavam voltados para o aumento da produção agrícola", pois o trabalhador era visto como um indivíduo carente, desprovido de valores, portanto, deveria ser assistido pelo Estado. Nesse contexto, esse programa do governo estava direcionado para a relação capital versus trabalho que permitisse que a classe dominante se sobrepusesse a partir de seus interesses em relação às outras classes. O fator principal dessa relação era o financiamento dos Estados Unidos no desenvolvimento das políticas e programas desenvolvidos para os camponeses. 83 Porém, ao financiarem a extensão rural no Brasil, os americanos trataram de impor sua ideologia capitalista, desenvolvimentista e imperialista do pós-guerra. Além disso, essa ideologia tratou de demonstrar que se estabelecia um novo processo educativo no Brasil, comprometido com o desenvolvimento econômico e social das comunidades rurais e que se diferenciava completamente da educação proposta pela escola tradicional. Além disso, tal como o ruralismo pedagógico, o extensionismo, como uma atividade paralela à educação formal, com a realização de trabalhos devidamente programados, desprezou toda a dinâmica pedagógica do professor da escola rural, desconsiderando tudo o que a educação formal realizara até então. Mostra-se assim, que nem as medidas adotadas pelo Estado, nem o Ruralismo Pedagógico e nem o extensionismo foram capazes de resolver os problemas da educação rural no Brasil (MACHADO, 2008, p.51). Essa prática distancia os camponeses do direito de interferir na própria formação, sendo submetidos à lógica da escola urbana que sempre foi o meio de criar condições para que os estudantes se apropriassem de conhecimento para o ensino técnico, dando-lhes entendimento da necessidade de se tornar mão de obra para o mercado de trabalho, distanciando-os de uma formação crítica e consciente sobre a sociedade em que vivem. Parafraseando Ribeiro (2010), a educação rural, dentro do modelo de educação urbana, funcionou como uma educação formadora de uma força de trabalho disciplinada. Outra política estabelecida a partir de 1961 foi o Movimento de Educação de Base (MEB), vinculada à Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB). Esse movimento foi de grande valia para a democratização da educação no território brasileiro, pois, “conseguiu gerar uma intensa mobilização entre a população rural e das periféricas dos grandes centros urbanos, possibilitando o surgimento de grupos de alfabetização e de educação popular” (MACHADO, 2008, p.55). Entretanto, no governo militar de 1964, esse movimento foi agregado ao Estado e passou a ter outro papel que não era de politização dos trabalhadores rurais, mas sim de alimentar a fé, catequizá-los. Sendo esse fator de continuidade de dominação, alienação dos sujeitos em questão (MACHADO, 2008). A aliança mantida entre o Estado e a Igreja foi um elemento para manter uma "ordem", baseada nos princípios ideológicos de ambas as instituições, combatendo, dessa forma, as ideias políticas dos trabalhadores que se organizavam contra a hegemonia estatal a partir de outros movimentos como as Ligas Camponesas. Essa aliança influenciou na escola rural que esteve durante muito tempo profundamente distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores. 84 A escola pública rural foi um potente instrumento para a expansão do capitalismo no campo brasileiro, trazendo, como consequência, a desestruturação do modo de vida dos trabalhadores rurais, principalmente seu trabalho, os saberes e a cultura que lhes são próprios (RIBEIRO, 2010, p.176). Os frágeis programas idealizados pelo Estado, com modelos limitados são realizados de forma que não atendem as demandas de uma mudança estrutural, mas atendem às mudanças pontuais que não favorecem o avanço das condições educacionais do campo brasileiro. O Estado é o responsável pela educação pública, contudo, não deve dar o direcionamento da formação das classes, pois sua formação é a da dominação, uma vez que se sabe que o conhecimento é o meio de favorecer a força produtiva do capital. Por essas características, que predominam no desenvolvimento da educação rural no Brasil, configura-se um elemento da reprodução da estrutura agrária dominante, pois as várias políticas frágeis implementadas pelo Estado não garantem aos camponeses uma educação que apresente propostas efetivas para a modificação da realidade educacional do território camponês. Nesse sentido, a organização dos trabalhadores é importantíssima para dar fim à essa lógica de que a educação rural deve ser oferecida. Argumenta-se que a educação oferecida à população do meio rural é uma educação em que predomina uma concepção ‘urbana' de vida e desenvolvimento, em que não há uma valorização da cultura, do modo de vida, dos valores e concepções do homem e mulher do campo, como se a vida e a cultura do campo estivesse condenada à extinção ou fosse de inferior qualidade. Nessa lógica, a educação rural tem sido tratada tendo como referência a sociedade urbano-industrial com a difusão de valores, conhecimentos e atitudes distantes dos interesses e necessidades da população rural, constituindo-se um forte instrumento de estímulo ao êxodo e à evasão de muitos jovens para o meio urbano (SILVA, MORAES e BOF, 2006, p. 73). É importante que essa realidade seja modificada, que o Estado invista na qualidade da educação no campo, bem como viabilize a infraestrutura adequada para o funcionamento das escolas, e, dessa forma, os camponeses sejam formados a partir da compreensão de sua realidade e para além dela, pois, a escola no campo configura-se como uma possibilidade de manter um elo entre os poderes públicos e a afirmação de que a população rural precisa manter sua identidade viva, valorizando seu modo de vida e ampliando sua formação educacional. É preciso superar os aspectos deprimentes da educação rural no campo brasileiro. É uma situação preocupante que merece atenção dos poderes públicos. Dessa forma, a luta dos camponeses atrela-se na busca por condições melhores na educação e superação dos 85 [...] altos índices de reprovação e defasagem escolar, as dificuldades das escolas multisseriadas, o difícil acesso para professores e alunos, as condições de trabalho na zona rural, a baixa qualificação dos professores, as condições e resultados do processo de nucleação, a inadequação curricular para o meio rural, entre outros (SILVA, et.al. 2006, p. 130). A educação foi um fator de separação entre as classes, pois a formação diferenciada entre a elite brasileira e a escolarização da classe trabalhadora evidencia a luta entre as classes. Uma educação diferenciada que tinha como objetivo a manutenção do poder da elite brasileira. No campo, a elite agrária dominava os trabalhadores, pois a educação rural [...] reivindicada pelos ruralistas não se restringia apenas à educação geral, mas buscava-se principalmente o ensino agrícola, dado que a modernização porque passava o campo implicava na necessidade de uma maior formação do contingente que precisava dedicar-se ao trabalho neste setor (BEZERRA, 2003, p.100). Contudo, a classe camponesa, que sempre resistiu às condições de precariedade imposta pelo Estado, tem buscado reverter esta situação através da luta por uma educação que seja pensada pela classe camponesa, organizada pelos movimentos socioterritoriais. 2.2 O movimento dos trabalhadores rurais sem terra na luta pela Educação do Campo O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem se destacado por suas lutas e reivindicações no país. Sua construção histórica de luta por condições dignas aos camponeses coloca a educação como pauta de suas reivindicações. Essa luta se constitui numa questão política e ideológica que favorece a construção de um novo paradigma educacional. A luta pela formação camponesa a partir da problemática de sua realidade supera o ensino descontextualizado da educação rural, que desestimula os camponeses. O MST tem sido o grande propulsor da construção de uma educação que visa à mudança radical na formação humana e no próprio sistema social. Articular o entendimento de mundo com o entendimento da palavra torna a formação dos camponeses mais viva, em movimento, permitindo aos educandos um desenvolvimento mais concreto e abrangente. O sentido dessa educação problematizadora está em uma modificação significativa que ganhe um sentido próprio que é 86 [...] o rasgar da camisa de força da lógica incorrigível do sistema: perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis, bem como todos os meios ainda a ser inventados e que tenham o mesmo espírito (MÉSZÁROS, p.35, 2008). As determinações do capital perdem a força e ganha papel central, nessa educação, a valorização do homem, e não a exploração. Nesse sentido, o MST tem tido um papel fundamental na sociedade, pois tem mostrado as condições de submissão que o campo vem sofrendo frente o avanço do capitalismo. Na luta pela terra e pela educação, as ações do Movimento têm reconfigurado o território brasileiro à medida que [...] sua presença, suas lutas, sua organização, seus gestos, suas linguagens e imagens são educativas, nos interrogam, chocam e sacodem valores, concepções imaginárias, culturas e estruturas. Constroem novos valores e conhecimentos, nova cultura política. Forma novos sujeitos coletivos (CALDART, 2012, p.151). Este Movimento se constitui no fortalecimento de suas lutas e reivindicações através de ações que se materializam nas ocupações, nos acampamentos e nas marchas. Ele traz em si não as dores de um grupo isolado, mas colocam em pauta as dores e angústias de todo o povo brasileiro, e mostra-nos que a esperança move e edifica, pois é pautada nela que apresentam proposições de uma nova sociedade, que busca destruir a iniquidade gerada pelo capital. O MST institui um novo processo de luta pela terra, através das manifestações, dos acampamentos, das ocupações, enfrentamento e resistência, ele dá outro significado à questão da terra no Brasil. O enfrentamento político, jurídico é um afrontamento à "ordem" social regida pelo capital. Através de sua territorialização, o Movimento vai colocando em questionamento a concentração de terras no Brasil, a exploração dos trabalhadores, a precariedade do trabalho, a iniquidade social existente entre as classes, a falta de oportunidades educacionais, econômicas, culturais e as políticas para a classe trabalhadora (FERNANDES, 1999). É um Movimento que nasce das demandas camponesas, porém, com seu avanço, passa a influenciar na sociedade como um todo, pois não é apenas a mudança do território camponês que está em questão, mas as condições sociais da classe trabalhadora, que vive em um sistema de exploração e submissão às relações impostas pelo sistema capitalista. A constituição do Movimento representa uma nova força política, que é caracterizada pela união de vários trabalhadores que objetivam a conquista dos direitos mais prementes da vida humana. Nesse sentido, 87 O Movimento foi se fazendo com lutas massivas, tendo a participação das famílias e a religiosidade popular como elementos aglutinadores. Esse caráter popular de uma forma de organização, em que participam as mulheres, as crianças, os homens, os jovens e os anciãos, diferenciava o Movimento das outras instituições políticas. Durante a formação do Movimento, as famílias criam espaços de participação porque a dimensão da luta pela terra requer e envolve a todos. Na constituição do MST, foi-se aprendendo que a luta não era apenas por um pedaço de terra, era uma luta permanente pela dignidade e pela vida. Daí a necessidade de participação de todos. Também perceberam que nesse ponto residia toda a sua força política. A participação das mulheres e das crianças no enfrentamento com a polícia demonstra que a luta é de vida e de morte. A medida que todos se incluem no Movimento, os camponeses tornam-se uma potencialidade extraordinária, de modo que o MST está sempre a multiplicar o seu poder político de luta e resistência (FERNANDES, 1999, p.75, grifos do autor). O MST, em seu movimento, desenvolve-se na base política em busca da base econômica, educacional e sociocultural que lhes são de direitos, porém são negados pelo Estado, e é através da pressão, das lutas que muitas conquistas, como o assentamento, são possíveis para o MST. Os espaços de luta ocupados pelos camponeses expressam a constituição da busca por um território camponês que vise o desenvolvimento humano a partir da negação do capital. Em sua estrutura organizativa, o movimento consegue trabalhar por meio da coletividade, da união das massas de trabalhadores sem-terra, da idealização de um mesmo projeto de sociedade e do grito contra a opressão vinda do sistema social que impera, o capitalismo. Em sua organização, os vários setores se estruturam para que o MST tenha base para realização de suas lutas e reivindicações. Organiza-se em: Setor de Frente de Massas, Formação, Educação, Finanças, Comunicação, Relações Internacionais, Juventude, Direitos Humanos, Gênero, Saúde e as secretarias nacional e estaduais, entre outros (FERNANDES, 1999). Essa estrutura de organização do movimento é importante para definir as tarefas. Essa forma de organização permite que o movimento se articule e dê maior dimensão à realização da luta pela terra no Brasil. Todavia, Vale lembrar que essa estrutura está em constante transformação, conforme as necessidades da organização e desenvolvimento do MST. Desse modo, são nos assentamentos, nos acampamentos, nas secretarias, nas escolas, nas marchas, nas ocupações, nas diversas manifestações, nos encontros e congressos, nesses espaços, momentos e territórios de socialização e ressocialização que o MST materializa sua 88 estrutura organizativa: das suas formas de organização das atividades e das instâncias de representação (FERNANDES, 1999, p.174). A sua dimensão sociopolítica, econômica, educacional, cultural passa a ocupar vários espaços que se materializam além da luta pela terra, pois, antes dessa, eles se preparam para compreender os processos que vão enfrentar. Neste sentido, existe o trabalho de base que é importantíssimo para a formação camponesa. Podemos considerar o movimento como um formador, uma vez que suas inúmeras atividades – lutas, manifestações, ocupações, acampamentos, reivindicações, enfrentamento à polícia – refletem o confronto existente entre o capital e o campesinato, contribuindo, dessa forma, para a compreensão da realidade e, a partir disto, para o entendimento da importância das atividades, para que se conquiste o direito à terra e a melhores condições de vida, bem como a própria destruição do capital. Para Miguel Arroyo, o MST educa por meio de gestos e ações. Em sua fala, proferida na I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia no estado de Goiás em Julho de 1998, ele dizia que A força educativa do ritual, dos gestos, está presente e domina todos os encontros de vocês. A sociedade brasileira está aprendendo com o movimento do campo. Vocês já perceberam que quando o MST é notícia, ele não aparece falando, mas fazendo, ele aparece com gestos, gestos que impressionam, chocantes, que obrigam a pensar e a repensar este país (ARROYO, 1999, p.9). Apoiando-se nessa ideia, compreendemos que a educação do Movimento vai além da escola, pois as ações do Movimento deram outro significado ao campo brasileiro. As iniciativas do MST no Brasil modificaram os números da realidade agrária brasileira, pois com a intensificação das ocupações, as conquistas dos assentamentos foram crescendo, mesmo em processo lento. Essas conquistas são a maior representatividade da luta pela terra e dos processos de enfrentamento entre as classes. A trajetória do MST é uma história que se respalda no confronto, pois esse movimento socioterritorial se tornou uma ameaça aos poderes públicos, uma vez que eles colocaram em destaque os processos de exploração burguesa em detrimento da vida de milhões de trabalhadores camponeses e urbanos. É a luta pela vida a maior força deste movimento. [...] o MST construiu uma estrutura organizativa ampla e necessária para um movimento camponês que precisa enfrentar as questões de nosso tempo. Dessa forma, por meio da ocupação de terra, o MST contribuiu para a construção de um novo mapa das ocupações de terras 89 e dos assentamentos rurais, frutos da luta e da resistência camponesa (FERNANDES, 1999, p.190). Essa materialização das ocupações pode ser vista através do Relatório do Banco de Dados da Luta Pela Terra (DATALUTA) que apresenta a evolução das ocupações. No Gráfico a seguir vemos o avanço dessas lutas no Brasil. 90 FONTE: DATALUTA: Banco de Dados da Luta Pela Terra, 2013 91 Como podemos identificar nos dados acima, a evolução das ocupações no Brasil pelo MST se intensifica ao longo dos anos. Desde 1988 a organização ainda com pouca representatividade fizeram 71 ocupações. O avanço das ocupações foi ocorrendo ao longo dos anos e entre 1996 a 200 no governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma pressão maior dos movimentos socioterritoriais para a conquista da reforma agrária e com isso há o avança da materialização das ocupações. Esse processo representa a maior estratégia dos movimentos socioterritoriais na luta pela terra. Apesar de haver uma queda na diminuição do número de ocupações estas são o sentido das ações do movimento, pois elas causam dimensões que perpassam a luta pela terra, abrangem lutas necessárias a melhor condição da vida camponesa. É na luta por "educação, por moradia, por transporte, por saúde, por política agrícola, que eles buscam uma vida mais digna" (FERNANDES, 1999, p.211). A luta pela terra é uma luta sociopolítica que coloca em pauta a questão premente das necessidades camponesas. O acesso a terra vem se dando por pressões dos movimentos socioterritoriais, o MST, por sua vez, intensifica essa luta e impõe ao governo que se posicione diante da questão agrária brasileira. É por meio das reivindicações que ele conseguiu a política de implantação de assentamentos rurais. Essa luta materializa-se a partir dos processos de ocupação que, segundo Fernandes (1999, p.268), "é uma ação de resistência inerente à formação camponesa no interior do processo contraditório do desenvolvimento do capitalismo". É nessa realidade que eles posicionam-se contraditoriamente ao sistema político e econômico vigente no país. São as reivindicações do MST que têm reconfigurado o campo brasileiro, surgindo novas políticas de acesso ao crédito para a produção, políticas de conquista da terra, políticas de educação, que têm proporcionado, mesmo que lentamente, o desenvolvimento de novas condições de viver no campo. Entretanto, ainda há muito para mudar, pois o Estado ainda permite a exclusão e a exploração de grande parte da população camponesa. Nesse sentido, os camponeses criam e recriam-se por dentro da lógica contraditória do capital. No processo de luta pela terra, os camponeses se organizam em metodologias que viabilizam a territorialização da luta. Para Fernandes (1999, p.271), os elementos principais que compõem a construção metodológica da luta camponesa esta na "formação, organização, táticas de luta e negociações com o Estado e os latifundiários, quem têm como ponto de partida o trabalho de base". É o trabalho de base que permite a 92 articulação dos camponeses, pois a partir de sua realidade eles compreendem suas necessidades e criam as estratégias para lutar e buscar a transformação de sua condição de exclusão na sociedade brasileira. No contexto da luta pela terra, o MST tem sido um dos principais movimentos que tem conseguido a terra de trabalho, o assentamento. A realidade da luta expressa a afirmação de uma classe, que historicamente se perpetua na luta contra o capital. Seu posicionamento diante da realidade o distingue de outros atores sociais, pois os camponeses têm multiplicado ações que ampliam sua consciência de classe e possibilitam compreender os processos de exclusão que precisam combater, e o combate está no enfrentamento ao Estado, ao capital. Os princípios de organização do movimento, direção coletiva, divisão de tarefas, disciplina, estudo, formação de quadros, luta de massas, vinculação com a base (STÉDILE, 2005) dão uma natureza social e política que permite aos camponeses lutar para permanecer no campo, pois este território representa sua história, suas lutas, sua identidade, sua cultura, seu modo de viver. As lutas sociais são importantíssimas para a conquista dos direitos, pois a articulação das forças de uma classe contra a outra é necessária para que se garanta a efetivação das Leis. Essas conquistas são possíveis, devido ao enfrentamento concreto aos maiores inimigos dos camponeses, o Estado e os latifundiários, pois o povo só conseguirá obter conquistas se fizer luta de massas. É isso que altera a correlação das forças políticas na sociedade [...] Um problema social só se resolve com luta social. Ele está inserido na luta de uma classe contra a outra (STÉDILE, 2005, p.43). Essa forma de organização do Movimento é uma afronta à classe burguesa, pois se compreende que, à medida que os camponeses se organizam, reivindicam, lutam, resistem, estão questionando a condição social a qual vivem, e, a partir dessa condição, buscam mostrar à sociedade que por meio da organização é possível à conquista dos direitos que lhes cabem. Nas palavras de Stédile (ibid., p. 119), [...] a luta pela terra se transforma em luta pela Reforma Agrária, e em consequência, num projeto político dos trabalhadores se estes, na sua luta, adquirirem consciência social para mudar a sociedade. E para mudar a sociedade tem que mudar o Estado. Essa consciência não é um simples doutrinarismo. É perceber que os problemas concretos que as pessoas sofrem, como o analfabetismo, a doença de um filho, a dor de barriga de uma criancinha, não ocorrem apenas porque elas não tem terra. Podem até ter terra, mas continuarão analfabetos, a criança 93 irá morrer com três meses e assim por diante. Existe um sistema social que cria os pobres e que os impede de ter uma vida digna. Isso é o que cria a consciência social. Diante das condições de pobreza e desigualdade existentes na realidade do campo brasileiro, a luta pela Reforma Agrária vai além da busca pela conquista da terra. o MST nesses 30 anos de sua história tem se territorializado no Brasil e reconfigurado a política de Reforma Agrária. Sua organização, militância, resistência, reivindicação tem sido o maior exemplo de que a classe camponesa organizada (re) conquistou seu território no embate com o Estado. Atualmente, com a internacionalização do capital financeiro, as estratégias de lutas e reivindicações do movimento tomam outras 2 proporções, como afirma Stédile (2014), em entrevista a Igor Carvalho e Glauco Faria da Revista Fórum, Houve uma mudança nos últimos anos em nosso programa agrário e construímos o que chamamos de proposta de Reforma Agrária popular. No período anterior, dominado pelo capitalismo industrial, havia ainda a possibilidade de uma Reforma Agrária do tipo clássico, que representava democratizar a propriedade da terra e integrar o campesinato nesse processo. Porém, agora a economia mundial é dirigida pelo capital financeiro e internacionalizado. No campo, esse modelo implementou o agronegócio, que exclui e expulsa os camponeses e a mão de obra do campo. Agora, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização. Os parâmetros das mudanças propostas pela Reforma Agrária popular significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo. Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo. E incluir a democratização da educação como uma necessidade do desenvolvimento social. Não se pode admitir que ainda tenhamos 18 milhões de trabalhadores adultos analfabetos, e a maioria está no campo. Nesse sentido, o MST se torna o grande propulsor da luta por uma educação que se baseie na compreensão da realidade camponesa. Assim, o movimento na luta pela Reforma Agrária luta também [...] pela democratização da educação. Não é possível viabilizar a democratização da terra e do capital com uma multidão de 2 Entrevista realizada por Igor Carvalho e Glauco Faria da Revista Fórum a Pedro Stédile. MST, 30 anos: muito além da distribuição de terras. 28 de janeiro de 2014. Disponível em: . Acesso em 31 de janeiro de 2014. 94 analfabetos. Por outro lado, na sociedade moderna, conhecimento, cultura, informação é poder. E é necessário que todos os camponeses tenham acesso a esses conhecimentos, por isso é necessário democratizar a educação (STÉDILE, 2005, p. 162). O processo de formação humana por meio do conhecimento é de interesse da classe dominante, que tem convicção de que a educação é importante para ampliar a compreensão de mundo das pessoas. Dessa forma, o domínio sobre os processos educacionais é necessário para que a escola, o ensino, o currículo estejam de acordo com os interesses desta classe. O sistema neoliberal tem se apropriado da escola no sentido de mercantilizar a educação, pois reconhece que "só o mercado pode desempenhar um papel eficaz na destinação dos recursos" para o desenvolvimento da escola (GENTILI, 1998). Na América Latina e no Brasil, os programas de educação passam a ser regulados ou definidos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em nosso país, essa "participação especial" dessas instituições já pode ser sentida no sistema educacional brasileiro, pois as decisões do Ministério da Educação (MEC) já passam a ser influenciadas e determinadas pelos projetos criados pelo Banco Mundial e o FMI na implementação de uma educação mercadológica (GENTILI, 1998). Para Gentili , (ibid., p.15-16) essa situação é [...] um novo senso comum tecnocrático [...] que penetrou capilarmente nos Ministérios da Educação, orientando os diagnósticos e as decisões políticas dos administradores ao sistema escolar)”. Na perspectiva neoliberal, o Estado já não dá mais conta de contribuir com o desenvolvimento dos sistemas escolares. Há uma crise que precisa ser resolvida a partir de novas proposições educacionais que resista a mercantilização desse sistema. É preciso transformar a escola, a formação humana. A competitividade, o individualismo, a mão de obra especializada devem ser princípios basilares para um sistema escolar em grande potencial. De acordo com os governos neoliberais precisa-se [...] promover uma profunda reforma administrativa que reconheça que tão somente o mercado pode administrar um papel eficaz na destinação de recursos e na produção da informação necessária para a implementação de mecanismos competitivos meritocráticos que orientam os processos de seleção e hierarquização das instituições escolares e dos indivíduos que atuam nela (GENTILI, 1998, p.18). Essa lógica carregada da ideologia dominante, que transfere o sentido da formação humana para o movimento mercadológico do sistema neoliberal transforma-se 95 num sistema cujo modelo distancia-se da formação para a emancipação. Os movimentos socioterritoriais compreendendo essa realidade, buscam, no sentido contrário, uma educação que perpasse a lógica neoliberal e atinja o sentido político e ideológico da classe camponesa, que respeite seu modo de vida, seu território, uma educação que não se limite aos muros da escola, mais vá além. É a formação humana pensada para atuar criticamente no sentido de compreender a realidade que o permeia. O MST, desde a sua gênese, preocupa-se com a formação camponesa. Na década de 80, dava-se início a idealização e construção do Setor de Educação do Movimento. Esse processo criou o que Caldart chama de Pedagogia do Movimento (1999). Essa nova dimensão do movimento se tornou uma bandeira de luta bastante importante, uma vez que contribuiu para a diminuição do analfabetismo entre os camponeses, dando-lhes novas oportunidades. Deste modo, a luta pela educação é também um desafio para os sem- terra. Porque não basta lutar pela escola, é preciso construí-la, no sentido de elaborar experiências pedagógicas voltadas para as suas necessidades e interesses. Assim como a luta pela escola é uma dimensão da luta pela terra, a educação é um setor de atividade do MST. Com a organização desse setor, o movimento deu os primeiros passos para superar os desafios referentes a analfabetismo e à baixa escolaridade (FERNANDES, 1999, p.211). O MST passa a ter um papel fundamental na formação dos educadores e educandos do campo. Várias ações são construídas para garantir a democratização da escolarização dos camponeses. A democratização, aqui, refere-se a ir além da escola pública representada pelo poder estatal. Na I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo realizada em Luziânia, Goiás, entre os dias 27 a 31 de julho de 1998 surge a Articulação Nacional Por Uma Educação Básica do Campo. Esse movimento existe para articular os encontros, seminários, congressos, conferências, que dão visibilidade à Educação do Campo, proposta pelos movimentos sociais, mas vai além disso, pois fortalece as propostas e princípios educativos desse novo projeto de educação. Assim, ao lutarem Por Uma Educação Básica do Campo estão Afirmando a necessidade de duas lutas combinadas: pela ampliação do direito à educação e à escolarização no campo; e pela construção de uma escola que esteja no campo, mas que também seja do campo: uma escola política e pedagogicamente vinculada à história, à cultura e às causas sociais e humanas dos sujeitos do campo, e não um mero apêndice da escola pensada na cidade; uma escola enraizada também 96 na práxis da Educação Popular e da Pedagogia do Oprimido (KOLLING, et.al p.19, 2002). Esse movimento definiu a democratização da Educação do Campo como Ampliação (quantitativa e qualitativa) do acesso às escolas, não só para estudantes, mas também para suas famílias, comunidades, organizações e movimentos populares. Maior participação da população na tomada de decisões sobre a gestão do cotidiano escolar, sobre propostas pedagógicas e sobre políticas públicas; a escola precisa ser vista como um espaço da comunidade e não como um ente externo, onde o povo entra constrangido e nem imagina que pode interferir no que ali acontece e no seu próprio destino; Maior participação dos alunos/alunas na gestão do cotidiano escolar, superando a mera democracia representativa; e Criação de coletivos pedagógicos capazes de pensar e repensar esses processos de transformação e traduzi-los em ações educativas concretas (KOLLING, 1999, p.39-40). Pensar a educação democratizada leva os camponeses a criarem parcerias que viabilizem o avanço da Educação do Campo. Nesse sentido, vários cursos são criados em parcerias com universidades, secretarias de educação municipais e estaduais, visando modificar o alto índice de analfabetismo do campo, sendo essa a primeira etapa desse movimento. Essa foi a primeira etapa da Educação do Campo, outros processos de escolarização devem ser evidenciados nas conquistas pela implementação da Educação do Campo. Dessa forma, a escolarização nos níveis fundamental, médio, cursos técnicos, cursos de graduação e pós-graduação já são conquistas que vêm dando um significado nas conquistas do movimento Por Uma Educação do Campo. Martins (2009, p. 6). destaca que houve uma Ampliação da Educação de Jovens e Adultos; implementação de programas de formação para os educadores do campo; garantia da Educação Infantil e da Educação Fundamental nas comunidades do campo; formação técnica voltada às demandas de capacitação dos trabalhadores do campo; implementação de políticas públicas de valorização profissional dos educadores do campo; implantação de bibliotecas, brinquedotecas, salas de leitura, salas de informática com acesso à Internet nas escolas do campo; criação de secretaria ou coordenação da Educação do Campo no Ministério da Educação; criação de política de financiamento para a educação do campo, em todos os níveis. O Setor de Educação do Movimento exerce papel fundamental na construção e na luta por uma educação que atenda as demandas dos camponeses. As experiências de formação que mais se destacam na história da educação camponesa são: Curso de 97 magistério e Curso Técnico em Administração de Cooperativas - TAC, no Departamento de Educação Rural -DER, da Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Região Celeiro, no município de Braga e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. (FERNANDES, 1999). Foram as primeiras iniciativas concretas de formação em meados da década de 90, segundo Fernandes (1999, p.212), Esses cursos receberam alunos de todas as regiões do Brasil e, por sua amplitude, em janeiro de 1995, a Associação Nacional de Cooperação Agrícola - ANCA e a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil - CONCRAB - inauguraram o Instituo técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária - ITERRA, em Veranópolis, RS. [...] Em 1995, essas experiências tiveram o reconhecimento do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), quando o MST recebeu o Prêmio Educação e Participação - Itaú - UNICEF, pelo desenvolvimento do programa "Por uma escola pública de qualidade nas áreas de assentamentos"(grifos do autor). A construção dessas experiências foi fundamental para o amadurecimento do MST na formação camponesa e na luta pela educação. A territorialização do movimento permitiu a ampliação das demandas e a busca pelas conquistas, bem como a necessidade de criar um projeto de educação que se voltasse para a classe camponesa, destoando completamente da proposta de educação rural idealizada pela classe burguesa. Desse modo, o apoio da sociedade civil, representada pelas universidades, em destaque a Universidade de Brasília - UNB, pelo Fundo das Nações Unidas Para a Infância - UNICEF, pelo Conselho Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e pela Organização das Nações Unidas para a Infância, Ciência e a Cultura - UNESCO, foram fundamentais para conquistar programas que dessem subsídios para alimentar a nova proposta de educação camponesa, o que eles denominam de Educação do Campo. Essa proposta gerada no MST situa a educação em outra dimensão, não é mais uma educação mercadológica, bancária. É uma educação que [...] nos situa no terreno dos direitos, nos leva a vincular educação com saúde, cooperação, justiça, cidadania. O direito coloca a educação no terreno dos grandes valores da vida e da formação humana. [...] O movimento social no campo representa uma nova consciência dos direitos, à terra, ao trabalho, à justiça, à igualdade, ao conhecimento, à cultura, à saúde e à educação. O conjunto de lutas e ações que os homens e mulheres do campo realizam, os riscos que assumem, mostram quanto se reconhecem sujeitos de direitos (ARROYO, 1999, p. 9). 98 O papel do Movimento na educação tem se ampliado com sua territorialização. As propostas de formação humana também vão se ampliando à medida que propõem novas concepções de escolas, novas concepções de formação. Sua trajetória histórica é um grande exemplo de formação humana, pois suas ações vão criando e recriando a forma de pensar dos sem-terra. As ações empreendidas na luta proporcionam um novo repensar da condição de ser Sem-Terra. Cria-se, molda-se uma nova postura na sociedade, que permite compreender a condição de submissão e exploração que configura a vida camponesa na história do Brasil. O movimento do Movimento atribui uma formação humana ampla, pois permite ao camponês se reconhecer na história do país, e entender que é possível mudar essa trajetória destrutiva empreendida pelas relações do capital. O MST trabalha a formação dos sem-terra para além dos muros da escola, pois, para o Movimento, A formação dos sem-terra, não se dá pela assimilação de discursos, mas, fundamentalmente, pela vivência pessoal em ação de luta social, cuja força educativa costuma ser proporcional ao grau de ruptura que estabelece com padrões anteriores de existência social desses trabalhadores e dessas trabalhadoras da terra, exatamente porque exige elaboração de novas sínteses culturais (CALDART, 2012, p.166). A proposta de educação do MST vai se configurando em suas ações, que representam um movimento de formação humana, pois constroem novos valores e conhecimentos que só através da luta se obtêm. O Movimento torna-se, neste sentido, um sujeito pedagógico que contribui para a formação humana em sentido político, social e cultural. É sua forma de pensar a educação que dá sentido a formação da coletividade camponesa. Para Caldart (2012) as dimensões da educação camponesa estão estruturadas em três partes, as quais permitem ser atribuídas a partir da luta pela terra, pela formação humana e pelo reconhecimento e valorização da classe camponesa, segundo a autora essas dimensões são básicas para compreendermos a formação dos sem-terra. São elas: I - Formação para a contestação social ou para a rebeldia organizada; II - Formação para a consciência de Classe e III - Reencontro com a vida (CALDART, 2012, p.174). Essas dimensões estruturam o questionamento da injustiça social vivenciada pelos camponeses, porém através da formação humana reivindicada além dos espaços da escola esses sujeitos são levados a repensar a dimensão maior de sua formação, ou seja, a consciência de classe, a consciência de se reconhecer como sem-terra, a 99 compreensão da necessidade de luta contra a "ordem estabelecida", a necessidade de resistir contra a opressão e a negação das condições básicas de vida. As dimensões do Movimento no contexto da formação humana se ampliam à medida que reconhecem a necessidade de repensar quais as condições necessárias para contribuir com a formação de crianças, jovens e adultos dentro dessa realidade do Movimento. Para o MST, o papel da escola, nesse sentido, deve ser construído junto à sua realidade e não uma educação que esteja desligada do mundo real. É importante ressaltar que para este Movimento a "escola é mais do que escola, e essa compreensão é fundamental para apreendermos o sentido mais profundo de sua proposta de educação" (CALDART, 2012, p. 218). É preciso compreender que a escola ganha um papel secundário, os conhecimentos desligados da realidade não ocupam a centralidade da formação dos camponeses do MST. A necessidade de educar-se, de ampliar sua visão de mundo está além de frequentar a escola. O Movimento compreende que a luta pelo direito à educação é também a luta pelo dever de estudar, pois é o conhecimento que proporciona a mudança significativa na vida do ser humano. Entretanto, a essa consciência possibilita a busca pela formação mais ampla no sentido de buscar primeiro a compreensão da realidade e da necessidade de lutar por uma educação do Movimento e não para o movimento. Para Caldart (2012), o Movimento é um sujeito pedagógico sociocultural que tem contribuído significativamente para a formação dos camponeses sem-terra. O sentido do estudo adquire conotação para além da escola que pensa a formação mecânica de repassar conteúdos. O sentido do pensamento educacional do MST é que os sem-terra não conseguirão avançar na sua luta se não se dedicarem à sua formação, se não se dispuser a aprender e a conhecer de forma mais ampla a realidade que vivem. A educação ganha espaço no Movimento quando as mães e as professoras camponesas que estavam na luta pela terra começam a preocupar-se com a formação de seus filhos. A partir deste momento, a educação ganha espaço no conjunto das lutas do Movimento e o MST, Como organização social de massas, decidiu, pressionado pela mobilização das famílias e das professoras, tomar para si ou assumir a tarefa de organizar e articular por dentro de sua organicidade essa mobilização, produzir uma proposta pedagógica específica para as 100 escolas conquistadas, e formar educadoras e educadores capazes de trabalhar nessa perspectiva (CALDART, 2012, p.229). Para Caldart a expressão organicidade é para o Movimento um processo através do qual uma determinada ideia ou tomada de decisão consegue percorrer, de forma frágil e sincronizada, o conjunto das instâncias que constituem a organização, desde o núcleo de base de cada acampamento e assentamento até a direção nacional do MST, em uma combinação permanente de movimentos ascendentes e descendentes capazes de garantir a participação efetiva de todos na condução da luta em suas diversas dimensões (CALDART, 2012, p. 256-257). Assim, a educação e a escola começam a fazer parte das estratégias de luta e reivindicações dos camponeses, que passam a compreender que sem educação não vão a lugar algum, e que é preciso lutar por espaços de escolarização em seus territórios. É necessário garantir a formação nesses espaços criando, dessa forma, uma educação que seja pensada junto com a comunidade e atenda às demandas de sua realidade, possibilitando uma formação ampla que dê condições de compreenderem a conjuntura que se encontram e a necessidade de radicalizar a luta para efetivar a mudança necessária para a transformação da situação que o sistema do capital tem imposto nos territórios camponeses. Os camponeses sentem, historicamente, na pele a negação de direitos básicos de vida: educação, saúde, cultura. Em seus territórios, que são precarizados pelo próprio esquecimento do Estado – que não valorizam esses espaços a partir da concepção da vida, mas sim na concepção da mercadoria, na qual mercantilizar a terra é mais fundamental do que organizar os territórios camponeses para seu desenvolvimento – sentem a indignação diante das injustiças que a sociedade lhe impõe. Neste sentido, como afirma Freire (1987, p. 7), Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela (1987, p.7). É a partir desse reconhecimento de sua situação no mundo que os camponeses têm o Movimento como o maior sujeito pedagógico, pois a organicidade do Movimento, suas ações favorecem a ampliação da condição camponesa no mundo, seja por permitir a consciência de classe, seja por favorecer a construção de novas 101 perspectivas de vida neste mundo. Por isso, é preciso "pensar o movimento social como princípio educativo, ou seja, como base da concepção de educação construída através da experiência humana do ser do MST, ou de fazer-se um nome próprio Sem Terra" (CALDART, 2012, p.321, grifos do autor). É essa concepção de Ser do Movimento, ser Sem Terra que constrói a identidade dos camponeses sem-terra que estão no cotidiano da luta pela terra e que buscam, a partir de sua condição de oprimidos, mudar a realidade da educação como mercadoria. Buscam uma educação que vá além dos financiamentos dos projetos do Banco Mundial ou do Sistema da Indústria que, junto ao Ministério da Educação (MEC), tem financiado a educação do Brasil para formar mão de obra especializada para o mercado. O MST, neste sentido, procura diferenciar sua proposta educacional, pois o Movimento procura Olhar para a escola buscando ver nela ou com ela o Movimento social que garante a sua própria existência em determinados territórios, como os acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária, e atendendo a sujeitos bem particulares, como os Sem Terra, significa colocar algumas questões específicas para a sua reflexão pedagógica, ao mesmo tempo em que são universais em sua base de origem (CALDART, 2012, p. 382). A Educação do Campo pensada pelo Movimento se contrapõe à ordem estabelecida. É uma educação problematizadora das condições sociais dos sujeitos do campo, que procura favorecer um debate que questione a nossa condição social, a precarização educacional, a propriedade privada, concentração da terra, precarização da vida humana. Essa educação, baseada na luta, contrapõe-se à educação formal, que tem em si, segundo Caldart (2012, p. 344),"a ordem como valor mais precioso". É uma educação pensada para ir além da formação "passiva, de integração a sociedade, de aprendizado da obediência ou até do conformismo pessoal e social" (CALDART, 2012, p.344). A escola precisa estar além dessa perspectiva, ela precisa atender às demandas dos sujeitos que a compõe. A escola do campo deve ser construída para contribuir com a formação no sentido mais amplo, que procure pedagogicamente valorizar o sujeito camponês em sua realidade, que o permita reconhecer-se como sujeito de valores, que dá vida e movimento ao campo. O MST, como propulsor desse novo modo de pensar a escola e a educação, vem permitindo, através de sua organicidade, pensar a escola a partir de 102 [...] um sentido libertador, transformador, talvez mesmo revolucionário, para aquilo que a escola faz (ou poder vir a fazer), à medida que toma parte de uma dinâmica social que por sua vez está produzindo esse movimento sociocultural que projeta esse novo sentido. [...] A Pedagogia do Movimento, não cabe na escola. Mas a escola cabe nela, não como um modelo pedagógico fechado ou um método ou uma estrutura; e sim como um estilo, um jeito de ser escola, uma postura diante da tarefa de educar, um processo pedagógico, um ambiente educativo (CALDART, 2012, p.397 - 398). É nesta perspectiva de uma nova educação, de um novo pensar da formação humana que é preciso radicalizar o processo de luta para a conquista de novas possibilidades de formação dos camponeses sem-terra. É nesse sentido da formação humana que o MST tem construído propostas e conquistado políticas públicas, como veremos adiante, que tem territorializado o pensamento da Educação do Campo. Essa territorialização do pensamento da educação do MST já pode ser compreendida a partir 3 da Escola Nacional Florestan Fernandes , localizada no município de Guararema, São Paulo. Essa afirmação decorre por termos tido contato com a escola e conversado com seus militantes, entendendo, assim, a dinâmica de sua construção histórica e suas bases de fundamentação atual. O intercâmbio de mestrado sanduíche, ocorrido entre primeiro de outubro e primeiro de novembro, através do projeto Edital MCTI/CNPq/MEC/Capes - Ação Transversal nº 06/2011 - Casadinho/Procad, para a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Presidente Prudente, proporcionou conhecer a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e compreender que ela ocupa um papel significativo não só para o MST, mas para todos os movimentos sociais do campo e da cidade que lutam pela transformação social. Segundo Camacho (2014), a ENFF é um território que tem "as experiências mais frutíferas com relação á construção de uma Educação do Campo emancipatória". As ações informais desenvolvidas na Escola Nacional Florestan Fernandes pelo MST contribuem fundamentalmente para a formação política e humana de seus militantes. A escola surge a partir do pontapé inicial dado pela doação de Sebastião Salgado, que cedeu os recursos da exposição de suas fotografias sobre o MST para que a escola pudesse ser construída. Em parceria houve, também, recursos arrecadados através da doação de José Saramago e Chico Buarque, que doaram os direitos do livro 3 No YouTube, há um vídeo sobre a história da Escola Nacional Florestan Fernandes. Link: ENFF: um sonho em construção. Acesso:< http://www.youtube.com/watch?v=mUbdQYhu8r4>. 103 das fotos da exposição e do CD Terra que foi feito para acompanhar a exposição de Sebastião Salgado. O CD e o livro foram entregues para que grupos de amigos do MST e de organizações de todo o mundo pudessem vender com o objetivo de angariar recursos para a construção da escola (ENFF, 2012). A ENFF tem um papel importantíssimo para fundamentar a ideia sobre a Educação do Campo sobre a formação camponesa e sobre as lutas políticas que o movimento empreende pelo país. Em visita à escola, entre os dias 11 e 12 de outubro de 2013, pudemos constatar o sentido político e ideológico da ENFF. Em conversa com os militantes, compreendemos que a Educação do Campo vai além da educação na sala de aula, a luta é o maior processo formativo dessa classe, pois carrega em si a formação política e a consciência de classe. A Escola Nacional Florestan Fernandes é a materialização da luta pela institucionalização da Educação do Campo. É uma proposta que se ergue sob outra concepção de sociedade. Os cursos e as formações realizadas no ambiente da escola reconhecem as especificidades camponesas e enfatizam a importância da militância na busca por uma nova sociedade. A escola tem contribuído para ampliar a formação camponesa por meio das ações formativas que compreendem cursos de teoria política, seminários, núcleo de estudos, parcerias para a realização de cursos de graduação, especialização e mestrado. São ações que territorializam a Educação do Campo a partir de uma perspectiva ideológica, política de uma classe. Em entrevista com um dos militantes, em 12 de outubro de 2013, houve um relato sobre a organização da escola, segundo o entrevistado, A escola organiza-se por meio de cursos a partir da demanda e da necessidade do espaço nacional. São os seminários, os encontros, as reuniões, as visitas que movimentam a escola. Existe uma divisão de núcleos de estudos que fundamentam a formação da escola. Núcleo de Teoria Política, Núcleo de Estudos Latino Americanos, Núcleo Formal, Núcleo de seminários e debates, Núcleo de Estudos Urbanos. A Escola tem contribuído na unidade Latino Americana, abrange a formação de pessoas que vai mais além das organizações que militam e a escola cumpre com a formação da classe trabalhadora. Em seguida, mostramos duas imagens que destacam a escola. A primeira figura representa a frente da escola que chama bastante atenção por sua pintura que demonstra a construção de um sonho. Esse sonho em constante desenvolvimento tem levado o 104 espaço a ganhar destaque nacional e internacional, sendo considerado um lugar de aprendizados significativos que proporcionam, a quem nele entra, uma leitura política e ideológica muito forte contra a hegemonização do capital no Brasil e no mundo. Constata-se esse fator nos cursos que a escola promove e na vinda de vários militantes de alguns países da América Latina, como verificamos na visita à escola, pessoas de diferentes lugares, México, Peru, Argentina, que promoviam conjuntamente a realização do curso na ENFF. FIGURA 1. FRENTE DA ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES FOTO: Raqueline da Silva Santos. 11 de outubro de 2013. Guararema, SP. A figura dois representa o interior da escola. Adentrar além dos muros é perceber a força do movimento político existente nesse lugar. Há uma força que permeia os cursos, a forma de convívio em brigadas, cada um partilhando as atividades diárias, é o fruto de uma coletividade que tende a expandir-se e colaborar com a formação humana num viés mais solidário e de partilha. Sentir a força que há dentro da ENFF e em cada militante que conversamos foi como viver mentalmente a história de luta do Movimento pela conquista de um espaço tão significativo para os movimentos socioterritoriais brasileiros e da América Latina. Há muito mais que muros, há muito mais que uma construção material. É a vida em movimento por uma luta política que quebre o processo de exploração que os camponeses vivenciam. É a busca por um 105 mundo melhor que negue as relações de opressão materializada na territorialização do capital. FIGURA 2. PARTE INTERNA DA ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES FOTO: Raqueline da Silva Santos. 11 de outubro de 2013. Guararema, SP A visita à escola proporcionou compreender que sua implementação no Brasil e sua integração com a América Latina agrega a formação camponesa a partir da filosofia, economia, história, questão agrária, questão de gênero e teoria da organização numa visão ampla da necessidade de forma-se politicamente, fortalecendo a ideologia dos movimentos socioterritoriais na luta contra a opressão e exploração feita pelo sistema capitalista. Essa escola fortalece a ideia de classe para o combate ao capital. 2.3 Educação do Campo: quebrando as amarras da dominação A luta pela terra é a luta por educação, por moradia, por saúde, pela Reforma Agrária. A dimensão dessa luta tem ganhado espaço com o avanço das conquistas dos camponeses, seja no âmbito da conquista do território, seja no âmbito das políticas públicas, as quais são obtidas a partir das pressões e das várias reivindicações dos movimentos socioterritoriais na busca do reconhecimento da classe camponesa e da sua 106 condição de melhoria de vida na sociedade. O Paradigma da Educação do Campo diverge, como vimos, do paradigma da educação rural. A divergência entre esses paradigmas está na intencionalidade política e ideológica que permeia a luta de classes. Como práxis de uma proposta de educação revolucionária, que atenda e compreenda a realidade do território camponês, a Educação do Campo se materializa a partir da construção do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), que é considerado um exemplo de luta dos camponeses para conquistar um direito que lhe foi negado historicamente, a educação. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária consolida-se na parceria do Governo federal com as Instituições de Ensino Superior e com os movimentos socioterritoriais. Essa parceria surge das reivindicações dos movimentos, em específico o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Em 1997, é realizado o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA), com o apoio do Grupo de Trabalho de Apoio a Reforma Agrária da UNB e do UNICEF. A partir das análises feitas no evento sobre a conjuntura da educação nos territórios camponeses, foi identificada a necessidade de criar um projeto de educação para essas áreas que demandavam uma atenção especial, devido à precariedade educacional existente na formação dos camponeses. A criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) é considerado um exemplo de luta dos camponeses. Foi do I ENERA que surgiu a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo que foi promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em parceria com o Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Universidade de Brasília (UNB). Essa Conferência foi muito importante para viabilizar a construção de um novo Projeto de educação para os camponeses que ganhou espaço na agenda política do país. Para as organizações envolvidas, "a Conferência mostrou que somente será possível reverter a falta de políticas educacionais se avançarmos na construção de um debate sobre um novo projeto de desenvolvimento para o campo" (KOLLING et.al. 1999, p.8). Desde o começo da construção dessa conferência, os idealizadores representados pelas instituições supracitadas definiram um consenso para pensar a 107 construção do Projeto de Educação do Campo, discorrendo, especificamente, em defender as necessidades territoriais camponesas. Onde evidenciaram [...] o específico da "Educação Básica do Campo", ou seja, que leve em conta a cultura, as características, as necessidades e os sonhos dos que vivem no campo e do campo. Outro consenso entre os promotores referiu-se à vinculação da Educação Básica do Campo com um projeto popular de Brasil e com um projeto popular de desenvolvimento do campo. A proposta da conferência tem no seu horizonte a consecução de políticas públicas para o desejado desenvolvimento do campo e consequentemente educação básica adequada e, nesse sentido, tenta realizar uma mobilização da sociedade e do governo tendo em vista uma ampla conscientização a respeito de tal magno tema (KOLLING et.al. 1999, p.11). É desse debate que os educadores passam a quebrar o paradigma de que o território camponês é permeado pelo atraso, que não precisa de muitas letras para desenvolver o trabalho no campo, que os professores das escolas do campo não têm capacidade de ensinar. É dessa diferença que surge a necessidade de mostrar a realidade de que [...] o campo existe e está vivo, que está acontecendo um movimento social e cultural e também, junto a ele, um movimento educativo renovador. Esses educadores e os movimentos de que fazem parte estão atentos, sensíveis às dimensões culturais e identitárias que esse movimento cria e anuncia, tentam construir uma educação básica que dê conta desse movimento social, cultural e identitário (KOLLING et.al. 1999, p.7). Essa realidade vai colocando em pauta a necessidade de pensar uma educação para o campo, que evidencie a importância de uma pedagogia construída com os camponeses e voltada para a realidade destes. Nesse sentido, "a Educação Básica do 4 Campo é parte de um projeto popular que o povo brasileiro quer e é, ao mesmo tempo, um meio para fazê-lo acontecer" (KOLLING et.al. 1999 p.13). Vinculado ao MST, o pensamento da Educação do Campo está ligado ao caráter ideológico e político empreendido na construção da identidade do movimento camponês. 4 O conceito de Educação Básica do Campo leva em conta dois pontos para definir esse termo: 1. Considera Educação Básica o conceito retirado da LBD, Lei nº 9.394/96 que considera a educação básica os níveis de ensino infantil, fundamental, médio. Outros dois elementos são a educação de jovens e adultos e a escolarização profissional. O segundo ponto é Do Campo: a essa expressão foi preciso mudar a expressão do meio rural (expressão mais comum) para Do Campo, pois inclui uma nova reflexão sobre o camponês. Neste sentido, é a valorização "das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência deste trabalho" (KOLLING, et. al, 1999). 108 A Conferência é um grande passo para pensarmos a educação básica do campo, pois apresenta em seus debates o propósito de [...] conceber uma Educação Básica do Campo, voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que habitam e trabalham no campo, atendendo às suas diferenças históricas e culturais para que vivam com dignidade e para que, organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação, ou seja, este Do Campo tem o sentido do pluralismo das ideias e das concepções pedagógicas: diz respeito à identidade dos grupos formadores da sociedade brasileira (conforme os artigos 206 e 216 da nossa Constituição). Não basta ter escolas no campo; quer-se ajudar a construir escolas do campo, ou seja, escolas com um projeto político- pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo (KOLLING, et. al. 1999 p.18). O conceito de Educação do Campo vem sendo construído, segundo Ribeiro (2010), nos movimentos que lutam pela terra de trabalho, organizados na Via Campesina-Brasil. Apresenta-se esse conceito como uma conotação política que expressa a ideologia desses movimentos e a proposta de outra sociedade. Fernandes em entrevista a Araújo (2005) afirma que existe uma diferença entre a Educação Rural e Educação do Campo. Primeiro há uma confusão enorme entre os leigos, as pessoas que não estudam e entre os intelectuais também que não estudam, que acham que a Educação Rural e a Educação do Campo são a mesma coisa. São dois projetos políticos distintos, mas é fácil distingui-los. A Educação do Campo é construída pelos próprios sujeitos e Educação Rural foi construída pelos latifundiários, pelos empresários, pelos capitalistas para ser ensinada para os camponeses. Agora se você analisar um livro, você consegue saber se ele é voltado para a Educação Rural ao campo e do campo, pelos conteúdos, se quem tiver escrevendo os livros não forem os protagonistas da educação, não é Educação do Campo, porque essa é a marca da Educação do Campo. Quem faz a Educação do Campo são os protagonistas, então o método, a teoria e a metodologia serão sempre construídos pelos próprios sujeitos, essa é a diferença [...] (FERNANDES, 2004 op. cit. ARAUJO, 2005). Contudo, o PRONERA foi concebido em conflito como ainda há. Segundo 5 Fernandes (2013) , o principal conflito dentro do processo de construção do PRONERA 5 Entrevista realizada com o Professor Bernardo Mançano Fernandes no X Encontro Nacional da Associação de Pós-Graduação em Geografia no dia 08 de Outubro de 2013 na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - São Paulo como parte do plano de trabalho da Mobilização de Mestrado - Projeto Edital MCTI/CNPq/MEC/Capes - Ação Transversal nº 06/2011 - Casadinho/Procad - a UNESP - Campus Presidente Prudente. 109 [...] é que a ideia de Reforma Agrária que predominava na época era a ideia de Reforma Agrária distributivista, ou seja, Reforma Agrária, significava que as pessoas tivessem acesso a terra, distribuir terra, então, as pessoas a partir do momento que elas passassem ter a terra, o acesso a educação seria automático. [...] Então as pessoas não tinham acesso a educação. Então a Educação do Campo de certa forma ela revela isso. Porque que nós estamos brigando pela educação? Porque as pessoas não tem acesso a educação, principalmente porque com a imigração com o êxodo rural as escolas estão sendo fechadas, como estão sendo fechadas até hoje, então esse processo de eliminação da escola no campo foi um processo que não parou até hoje, ele continua sendo um processo que tem o sentido de eliminar as condições de vida no campo. Então a Reforma Agrária vinha na contramão da eliminação das condições de vida no campo, ela vinha criar condições de vida no campo. E para ela criar condições de vida no campo ela precisava da escola, precisava da educação. Então ela vem com esse tipo, ou seja, como que nos vamos criar as condições necessárias para ter o direito a educação. [...] Nós tivemos conflito dentro do INCRA, pois o INCRA não concorda que o papel dele é cuidar da educação e isso é papel do MEC, manter o PRONERA dentro do INCRA tem sido uma luta muito grande. Ele só tem sido mantido dentro do INCRA porque o MST e a CONTAG vem reivindicando essa permanência, o INCRA chega a lugares no sertão do interior do Brasil que o MEC não chega. O MEC também esta buscando criar políticas de Educação do Campo, as prefeituras também estão começando a criar essas políticas, os governos estaduais também. Tudo isso esta fazendo avançar a Educação do Campo (FERNADES, 2013). Esses conflitos não impediram que a formalização da proposta do um programa pensasse na valorização da formação a partir do contexto camponês que foi sendo construído pelas universidades junto ao MST. Em outubro de 1997,com o respaldo do I ENERA, representantes da Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade do Vale do Sul (UNIJUI), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP), reuniram-se para discutir a participação das universidades na educação dos camponeses. (BRASIL/PRONERA, 2011). O apoio das universidades, do INCRA, da UNICEF, da UNESCO contribuiu para a materialização do programa institucionalmente em 16 de Abril de 1998, por meio da Portaria nº. 10/98 que também regulamentou e aprovou junto ao programa seu Manual de Operações. (BRASIL/PRONERA, 1998). O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) em sua institucionalização era vinculado ao gabinete do Ministério Extraordinário da Política Fundiária, sendo de responsabilidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS), criado pelo Decreto 3.508 de 14 de junho de 2001. Esse Conselho era o responsável, na década de 90, pela aprovação das diretrizes, avaliações e 110 propostas do PRONERA. Contudo, em 27 de agosto de 2001, o PRONERA passa a ser vinculado ao INCRA a partir da Portaria/MDA/196. Essa medida foi criada para que o INCRA pudesse ser o propulsor do desenvolvimento do PRONERA, logo foi delegada, a partir desta portaria, toda autarquia de funcionamento do programa ao INCRA. (BRASIL/ PRONERA, 1998). O PRONERA é fundamentado a partir do seu Manual de Operações, que apresenta quatro edições. A primeira, em 1998, a segunda, em 2001, a terceira, em 2004 e, a mais atual, em 2011. Esses manuais apresentam os objetivos que devem ser alcançados, os princípios metodológicos do PRONERA, a estrutura de funcionamento do programa, sugestões de elaboração do projeto por parte das instituições de ensino superior para submeter ao INCRA. Ressaltamos que, com o avanço do PRONERA, cada manual traz suas especificidades e são essas que distinguem e mostram o avanço do programa em relação a sua execução nas áreas de assentamentos de Reforma Agrária O Manual de Operações de 1998 e 2001 destacam quais propostas de educação são importantes para o fortalecimento da educação nos territórios camponeses. Enfatizam a formação de jovens e adultos, a formação de professores e a formação técnica profissional para os jovens e adultos. Por sua vez, o Manual de Operações de 2004, além dessas proposições, amplia a necessidade de projetos de formação superior para jovens e adultos da Reforma Agrária. As modificações nos manuais refletem a mudança e o avanço, ainda que pouco, na situação educacional das áreas de Reforma Agrária. O Manual de Operações de 2011 amplia as propostas de educação e formação para jovens e adultos dessas áreas, pois além dos cursos superiores já propostos no ano de 2004 pode ser viabilizada a criação de cursos de especialização como é o caso da especialização em Residência Agrária e pós-graduação, caso mais recente em algumas universidades brasileiras, como a UNESP e a Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB). Como exemplo do avanço dos cursos pelo programa, temos [...] projetos de Educação de Jovens e Adultos, Cursos Técnico- Profissionalizantes de Nível Médio, Técnico em Administração de Cooperativas, Enfermagem, Técnico em Saúde Comunitária, Técnicos em Comunicação. Os de nível superior, Pedagogia, História, Geografia, Sociologia, Ciências Naturais, Agronomia, Direito e Medicina Veterinária, desenvolvidos por meio da alternância regular de períodos de estudos, que considera o contexto socioambiental e a 111 diversidade cultural do campo, em todos os Estados do território nacional. (LACERDA E SANTOS, 2011, p.19). O objetivo geral que permeou os Manuais de Operações de 1998, 2001 e 2004 foi o fortalecimento da educação nos Projetos da Reforma Agrária, era preciso estimular, propor e criar medidas que visassem o desenvolvimento de projetos educacionais para essas áreas, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento rural sustentável (BRASIL/PRONERA, 1998, 2001, 2004). Contudo, em 2011, o programa amplia esses objetivos, visando formar jovens e adultos das áreas de Reforma Agrária e beneficiários do crédito fundiário atuando em todos os níveis de ensino, desde a escolarização básica ao ensino superior e pós-graduação, pois é preciso proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais por meio da formação e qualificação do público do Programa Nacional de Reforma Agrária que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos assentamentos (BRASIL/PRONERA, 2011, p.13). Com essas novas abordagens do PRONERA, temos uma ampliação no desenvolvimento dos programas educacionais voltados para as áreas de assentamentos bem como o desenvolvimento de outros programas que surgem a partir do PRONERA. O programa é uma construção do conjunto de teoria e prática no contexto da Educação do Campo. O programa passou por algumas limitações jurídicas a partir de 2008, devido ao Tribunal de Contas da União (TCU) desautorizar a execução de convênios por parte do INCRA com instituições estaduais, municipais e privadas, onde o Acórdão 2.653/08 regulamentava que o INCRA, ao invés de estabelecer convênios com as instituições de ensino para a execução dos projetos, o faça por meio de contrato, precedido de procedimento licitatório. Dessa forma, essa imposição de deslegitimar as parcerias é o meio que o governo encontrou de enfraquecer a luta dos movimentos socioterritoriais por uma Educação do Campo que seja baseada na construção coletiva e que proporcione a esses sujeitos o direito de escolarizar-se a partir de sua realidade (MOLINA E AZEVEDO, 2011). Contudo, em 2009, foi aprovado o PRONERA em Lei, pelo Congresso Nacional e, no final de 2010, durante o IV Seminário Nacional do PRONERA, realizado em Brasília, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o Decreto 7.352, que trata da 112 Educação do Campo e institui formalmente o PRONERA no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), executado pelo INCRA. Isso significa que o PRONERA compõe a política de Educação do Campo, mas preserva sua especificidade de política pública de educação vinculada à Reforma Agrária. Nesta perspectiva, o PRONERA institui uma nova concepção de política pública, que se constrói não com sujeitos isolados, mas com sujeitos concretos, territorializados, sujeitos coletivos de direitos, capaz de instituir novos direitos e de universalizá-los. Universalizá-los a partir da sua concretude. E a sua concretude é a diversidade. Tal diversidade foi reconhecida pelo Estado brasileiro na publicação do Decreto Presidencial nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, ao instituir o PRONERA como um Programa integrante da política de Educação do Campo (art. 11º) e reconhecê-lo, ao mesmo tempo, como integrante da política de desenvolvimento do campo (MOLINA E AZEVEDO, 2011, p. 20). Nesse sentido, este programa vem se tornando um relevante instrumento de democratização do conhecimento formal em todos os níveis de ensino. O PRONERA apoia projetos nas áreas de alfabetização dos jovens e adultos, formação em ensino fundamental e médio, nível técnico, superior, especialização e pós-graduação e formação continuada dos educadores. A produção, edição e organização de materiais didático-pedagógicos" para especificidades que atendam ao programa e "realização de estudos, pesquisas, seminários" que visam o fortalecimento do programa são outras ações propostas e já realizadas pelo PRONERA (BRASIL/PRONERA, 2011, p.14). Os principais princípios político- pedagógicos são a "relação indissociável da educação e do desenvolvimento territorial como condição essencial para a qualificação do modo de vida da população assentada" (BRASIL/PRONERA, 2011). Esses princípios baseiam-se na articulação de quatro pressupostos básicos: inclusão, participação, interação e multiplicação. São esses princípios articulados que movimentam a construção e desenvolvimento do PRONERA, compreendendo que os territórios camponeses, a partir do seu modo de vida, da cultura, da relação do trabalho e das necessidades prementes deste território, buscam ampliar a inclusão por meio da participação da comunidade no processo de formação dos camponeses. Os princípios político-pedagógicos são assim definidos: Inclusão: a indicação das demandas educativas, a forma de participação e gestão, os fundamentos teóricos metodológicos dos 113 projetos devem ampliar as condições do acesso à educação como um direito social fundamental na construção da cidadania dos jovens e adultos que vivem nas áreas de Reforma Agrária. Participação: a indicação das demandas educacionais é feita pelas comunidades das áreas de Reforma Agrária e suas organizações, que em conjunto com os demais parceiros decidirão sobre a elaboração, execução e acompanhamento dos projetos. Interação: as ações desenvolvidas por meio de parcerias entre órgãos governamentais, instituições de ensino públicas e privadas sem fins lucrativos, comunidades assentadas nas áreas de Reforma Agrária e as suas organizações, no intuito de estabelecer uma interação permanente entre esses sujeitos sociais pela via da educação continuada e da profissionalização no campo. Multiplicação: a educação dos assentados visa à ampliação não só do número de pessoas alfabetizadas e formadas em diferentes níveis de ensino, mas também garantir educadores, profissionais, técnicos, agentes mobilizadores e articuladores de políticas públicas para as áreas de Reforma Agrária (BRASIL/PRONERA, 2011, p.15). São esses princípios que fundamentam a condição para a realização do PRONERA, contudo, há outro princípio metodológico que é importantíssimo para a espacialização do programa nos estados e municípios: é a Parceria, a qual contribui para o desenvolvimento de uma gestão compartilhada, participativa a partir de uma construção coletiva entre os movimentos socioterritoriais, as Instituições de Ensino Superior, as comunidades dos assentamentos, o INCRA, os governos estaduais e municipais e as secretarias de educação. É através desse princípio metodológico que o PRONERA Desenvolve-se por meio de uma gestão participativa, cujas responsabilidades são assumidas por todos em uma construção coletiva no acompanhamento e na avaliação dos projetos pedagógicos. A parceria é a condição para a realização das ações. Os principais parceiros são os movimentos sociais e sindicais do campo e as instituições de ensino públicas e privadas sem fins lucrativos, além dos governos municipais e estaduais (BRASIL/PRONERA, 2011, p.15). O programa se desenvolve sob uma gestão compartilhada e, com isso, descentraliza as ações institucionais. A participação conjunta dos atores envolvidos no PRONERA: governo federal, universidades, movimentos sociais, sindicatos dos trabalhadores rurais, governos estaduais e municipais, visa ao "fortalecimento do mundo rural como território de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais, ambientais, políticas, culturais, éticas, educacionais" etc. (BRASIL/PRONERA, 2011). Através da gestão compartilhada, procura alfabetizar e elevar a escolaridade de jovens e adultos, aperfeiçoar educadores e universitários (formadores) e formar recursos 114 humanos para atuar no desenvolvimento dos acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária, na formação de educadores do campo, técnicos agrícolas, universitários especializados em manejo, etc. Todos esses âmbitos têm como estratégia elevar a capacidade técnica e científica e, com ela, promover a sustentabilidade dos assentamentos da Reforma Agrária. No desenvolvimento dos princípios pedagógicos articulados com o papel das parcerias, é importante que o uso desses princípios seja desenvolvido para atender as demandas por uma formação problematizadora, que reconheça a realidade dos camponeses, que permita um diálogo no processo de formação, bem como uma participação mais ativa no ensino-aprendizagem. Esse tripé educação problematizadora, dialógica e participativa deve comportar três etapas básicas: - investigação dos grandes temas geradores que mobilizem a comunidade ou o grupo e que podem ser transformados também em eixos temáticos estruturadores do currículo. - contextualização crítica dos temas geradores identificados privilegiando uma abordagem histórica, relacional e problematizadora da realidade. - processo de aprendizagem-ensino que se vincule a ações concretas de superação das situações-limite do grupo (BRASIL/PRONERA, 2011, p.16). Em conformidade com os princípios e com as condições de uma gestão descentralizada, o PRONERA deve se desenvolver a partir da metodologia da Pedagogia da Alternância, que enfatiza a existência de diferentes tempos pedagógicos. É uma forma de adaptar a educação escolar à realidade do trabalho camponês, e caracteriza-se pela alternância de tempo-escola e tempo-comunidade. O Programa proporciona a milhares de jovens e adultos, trabalhadores e trabalhadoras das áreas de Reforma Agrária o direito de alfabetizar-se e de continuar os estudos em diferentes níveis de ensino (BRASIL/PRONERA, 2011). Em âmbito nacional, segundo Molina e Azevedo (2011), o PRONERA, ao longo desses anos, proporcionou a escolarização de 400 mil trabalhadores rurais nos diferentes níveis de ensino: da alfabetização à conclusão do ensino fundamental e médio, aos cursos técnicos e profissionalizantes e aos cursos superiores. São mais de 60 universidades parceiras e mais de 200 convênios firmados nesse período. O PRONERA é a construção teórica-prática da Educação do Campo. Ele está vinculado ao Movimento da Articulação Nacional Por uma Educação do Campo. Este programa tem como objetivo a construção 115 de uma educação adequada à lógica do trabalho e da cultura nos territórios dos povos do campo em busca de uma outra forma de desenvolvimento (CAMACHO, 2014, p.403). De acordo com a idealização do programa, os princípios pedagógicos e metodológicos, a gestão descentralizada e a pedagogia em dois tempos de escolarização, tempo escola e o tempo comunidade, são fundamentais para a melhoria da educação nos acampamentos e assentamentos. O PRONERA é operacionalizado de forma estratégica, associado ao desenvolvimento territorial, para contribuir com a elevação das condições de vida e de cidadania de milhares de brasileiros que vivem no campo. Compreende que esses povos têm especificidades quanto à maneira de se relacionar com o tempo, espaço, o meio ambiente, de organizar a família, a comunidade, o trabalho, a educação e o lazer que lhes permite a criação de uma identidade cultural própria. Por essa razão, o PRONERA é uma política pública executora das práticas e de reflexões teóricas da Educação do Campo, no âmbito do MDA/INCRA, que tem como fundamento a formação humana como condição primordial e, como princípio, a possibilidade de todos tornarem-se protagonista da sua história (BRASIL/PRONERA, 2011, p.11). Desde o seu período de institucionalização até a conjuntura atual, enquanto política pública O PRONERA foi responsável pela escolarização e formação de nível médio e superior de cerca de 400 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais, além de cerca de 300 técnicos, na ação denominada Residência Agrária, para atuarem na assistência técnica, social, ambiental, junto aos assentamentos de Reforma Agrária e agricultura familiar. São projetos de EJA, os Cursos Técnicos- Profissionalizantes de Nível Médio- Técnico em Administração de Cooperativas, Enfermagem, Técnico em Saúde Comunitária, Técnicos em Comunicação, para citar alguns exemplos; e os de Nível Superior- Pedagogia, História, Geografia, Sociologia, Ciências Naturais, Agronomia, Direito e Medicina Veterinária, entre outros, desenvolvidos por meio da "alternância regular de períodos de estudos" (um tempo na escola- um tempo na comunidade), que considera o contexto socioambiental e a diversidade cultural do campo, em todos os Estados do território nacional (MOLINA e AZEVEDO, 2010, p. 19). Desta forma, o PRONERA é o reflexo da territorialização da luta pela escolarização de milhares de jovens e adultos excluídos historicamente. Mesmo nas condições de fragilidade que os camponeses vivem devido ao modelo atual de agricultura que favorece o agronegócio em detrimento da produção familiar, a luta dos camponeses tem ganhado força e eles têm conseguido dentro desse sistema capitalista se 116 impor enquanto classe. A Educação do Campo pensada, valorizada e conquistada pelos sujeitos camponeses é uma resposta à hegemonia deste modelo de organização da agricultura nacional, que movimentos sociais e sindicais se organizam e lutam para construir estratégias coletivas de resistência, que lhes possibilitem continuar garantindo sua reprodução social a partir do trabalho na terra (MOLINA E AZEVEDO, 2010). Essa política pública tem sido a propulsora das reflexões acerca da teoria e da pratica da Educação do Campo. É um exemplo de enfrentamento político e jurídico que reflete na ação pela busca do [...] conhecimento por parte da classe trabalhadora, numa sociedade desigual, este carrega um grande significado de disputa de poder, principalmente pelo controle dos processos produtivos, da tecnologia e do mercado. O PRONERA é uma importante política que se materializa a partir de uma concepção de educação que não se separa do mundo do trabalho, da produção da cultura e da vida (SANTOS, MOLINA E AZEVEDO, 2011, p. 13). As barreiras existentes na formação dos camponeses em relação à educação escolar é parte do projeto hegemônico do capital que cada vez mais exclui e concentra a propriedade privada. Secularmente, essa história se perpetua. Contudo, consideramos o PRONERA, por meio de suas ações educativas, o indutor do Paradigma da Educação do Campo dentro da vertente campesinista, como defendido por CAMACHO (2014), em sua tese de doutorado. É importante deixarmos claro que, considerar o PRONERA dentro desta perspectiva é compreendê-lo como um grande parceiro na recriação do campesinato, pois ele permitiu "a materialização na prática da Educação do Campo". Essa conquista proveniente da luta dos movimentos socioterritoriais camponeses contribui para a difusão de uma prática entre educação e trabalho, bem como para outro projeto de sociedade, tanto do modelo produtivo quanto educacional (CAMACHO, 2014). O que é relevante na contextualização desse programa é que, por meio dele, podemos compreender o campo em sua transdiciplinaridade, pois não é possível pensar a Educação do Campo sem pensar o campo (CAMACHO, 2014). O PRONERA enquanto indutor dessa educação permite, a partir de suas diferentes modalidades de ensino, compreender que só foi possível de ser [...] implantado devido à garantia e a estabilidade para reprodução social dos camponeses assegurados pelo acesso a terra. Por isso, para podermos pensar o projeto pedagógico-político-ideológico da 117 Educação do Campo e o PRONERA temos que refletir acerca da questão agrária brasileira. Além do debate da construção de uma educação específica para os povos do campo, temos que pensar no caráter político da Reforma Agrária, tendo em vista que sem a mesma não existe PRONERA (CAMACHO, 2014, p.417) O PRONERA erguido junto aos movimentos socioterritoriais permite a construção de uma educação pensada a partir da realidade deles e não uma educação que se dá verticalmente. Essa política pública adquire um papel fundamental na disseminação das propostas de educação no campo, que valoriza o camponês a partir de sua relação com o trabalho e seu modo de vida. Nesse sentido, corroborando com CAMACHO (2014), [...] o PRONERA demonstra, concretamente, a possibilidade de criarmos políticas públicas que conciliem a inclusão e a justiça social com a preservação da diversidade geográfica, antropológica, etc., dos territórios camponeses. É a conjugação entre a educação e a sustentabilidade dos povos do campo, do seu espaço, da sua paisagem, do seu imaginário, enfim de suas relações materiais e simbólicas (CAMACHO, 2014, p.418) No projeto contra hegemônico, o PRONERA torna-se um instrumento político de educação importantíssimo para o aumento da potencialidade educacional nas áreas de assentamento da Reforma Agrária no Brasil. Áreas essas que o acesso ao conhecimento sempre foi precarizado, com isso o programa torna-se uma possibilidade concreta de viabilizar a educação camponesa, "numa sociedade desigual" (SOUZA, 2008). A partir da tríade Campo - Política Pública – Educação, destacada por Caldart (2012), o PRONERA é empreendido pela luta da classe trabalhadora, que, permeada pelo objetivo de buscar condições para sua reprodução social, encontra, além da luta pela terra, força na luta pela educação camponesa, que deve ser integrada ao modo de vida camponês, respeitando as especificidades, e, a partir disso, construir uma educação radical que tenha o "poder transformador das ideias, a elaboração e difusão na sociedade de uma nova filosofia e visão de mundo, elaborando a crítica à barbárie da sociedade do capital" (MOLINA E AZEVEDO, 2011). O PRONERA tem se disseminado nos territórios dos camponeses, mas, também, nas universidades, nas escolas, nas instâncias públicas. Essa ocupação do PRONERA em outros espaços que não seja o território camponês expressa o conflito entre as classes. Nesse conflito, o programa tem "ação provocadora, no sentido de 118 instituir novos espaços de disputa, de democratização da interlocução entre diferentes atores sociais" (MOLINA, AZEVEDO, 2011). Segundo o documento elaborado no Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), o resultado da luta dos movimentos socioterritoriais na busca do reconhecimento dos direitos da educação para os camponeses pode ser destacado a partir dos programas conquistados através dessas lutas, pois o PRONERA não é o único que tem contribuído com a formação camponesa, apesar de este ser o propulsor dessa formação. Em destaque a outros programas ressaltamos, o Programa Saberes da Terra e o Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo) e o Programa de Iniciação à Docência - PIBID Diversidade/CAPES (FONEC, 2012). O enfrentamento político e jurídico permitiu ao PRONERA ampliar seu espaço de conquistas no âmbito do marco legal e jurídico na Educação do Campo, que é subsidiada pelas seguintes leis: Constituição da República Federativa do Brasil, de maneira especial nos Art. 205, 206 e 207; Plano Nacional de Educação - Lei n.º 10.172, de 09/01/2001; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394, de 20/12/1996), regulamentada pelo Decreto n.º 2.208, de 17 de abril de 1997; o Decreto 7.352/2010, de 04 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo as Resoluções do Conselho Nacional de Educação relativas às normas para o Ensino Superior no Brasil, normas para os cursos Técnicos de Nível Médio e Graduação Tecnológica; a Resolução CNE/CEB n.º 01/2002, Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo; a Resolução CNE/CEB n.º 01/2006, relativa à Pedagogia da Alternância e o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 (FONEC, 2012). Mesmo com a criação dessas Leis, faz-se necessário que os movimentos socioterritoriais continuem lutando incansavelmente para que se faça cumpri-las, pois a pressão ao governo é necessária para garantir a oferta da educação escolar aos camponeses. Fazer cumprir a legislação exige continuidade da organização dos sujeitos coletivos do campo; pressão sobre os órgãos responsáveis; ampliação do imaginário da sociedade sobre a centralidade do desenvolvimento do território rural e da garantia dos direitos aos seus moradores, para efetiva promoção de igualdade e da justiça social no País (MOLINA, AZEVEDO, 2011, p.35). 119 Essa pressão, desencadeada pelos movimentos socioterritoriais, aponta para a tomada de consciência dos camponeses em relação à importância da Educação do Campo, uma vez que a realidade da educação no território campesino é lamentável. A I 6 Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (I PNERA) , em 2004, foi uma importante para desvendar a realidade educacional do campesinato brasileiro. Desenvolvida a partir do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em parceria com o INCRA no âmbito do PRONERA, através de pesquisas de campo entre outubro e dezembro de 2004, fez o levantamento das características de infraestrutura e das condições da situação educacional dos assentados. Foram utilizados três instrumentos para a coleta de informações: questionários, por meio de entrevistas aplicados a lideranças comunitárias, famílias assentadas e dirigentes de escola. Dessa forma, foi possível ampliar o perfil da realidade educacional camponesa no Brasil e regiões. Na época da realização da pesquisa, pudemos considerar que a I PNERA demonstrou a situação precária da oferta e da demanda educacional nas áreas de Reforma Agrária. Para compreendermos o universo da pesquisa temos a tabela abaixo. Essas variáveis foram fundamentais para conhecer o desenvolvimento da educação nos territórios camponeses, permitindo, com isso, reconhecer as dificuldades existentes nestes territórios e o descaso do Estado para com a educação camponesa no Brasil. TABELA 1 - BRASIL - UNIVERSO DA PESQUISA - PNERA 2004 Variáveis da Centro- Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Pesquisa Oeste Assentamentos 5.595 1.082 2.546 444 680 843 do INCRA Famílias 524.868 167.932 208.071 30.187 30.238 88.440 Assentadas População 2.549.605 842.303 1.067.145 141.301 136.122 362.734 Assentada Escolas 8.679 2.414 4.230 476 622 937 Estudantes 987.890 313.124 457.810 47.973 45.271 123.712 Assentados FONTE: MEC/INEP e MDA/INCRA/PRONERA - PNERA. Adaptado e organizado por Raqueline da Silva Santos 6 Já está em desenvolvimento a II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária - II PNERA. Não usamos dados dessa pesquisa, devido esses ainda não terem sido divulgados pelo INEP/MEC/UNESP. A II PNERA teve seu levantamento de dados entre agosto de 2012 a março de 2013. Atualmente encontra- se em fase de tratamento de dados. Por isso em nosso estudo priorizamos os dados da I PNERA de 2004. 120 A escolarização dos assentados na época da pesquisa era preocupante tendo em vista que, 27% da população assentada nunca havia frequentado a escola e 39% completou somente as séries iniciais do ensino fundamental, ou seja, são analfabetos funcionais. Da população que frequentava a escola, 48% estava matriculados nas séries iniciais, ainda havia um alto índice da população que não frequentava a escola e não escrevia, como podemos ver no gráfico 2 a seguir. FONTE: INEP/MEC/PNERA 2004. Elaborado por Raqueline da Silva Santos Contrastando os dados da tabela e do gráfico, temos uma contradição muito interessante. Quando analisamos o número de escolas vemos que no Nordeste na época existiam 4.320 escolas nos assentamentos rurais dos estados, porém quando olhamos o gráfico percebemos que é no próprio Nordeste que há o maior quantitativo de pessoas que não leem e não escrevem, 45 %. Esse fato reflete o descaso do Estado na promoção da Educação do campo no Brasil, para Molina e Azevedo (2011), a pesquisa demonstrou que essa situação é a imagem da ausência histórica [...] do Estado na garantia do direito a Educação aos sujeitos do campo: extrema precariedade no que havia de oferta educacional, tanto no que dizia respeito à formação de educadores, atuando sem a mínima formação legal exigida para os diferentes níveis de escolarização, quanto às condições de infraestrutura, com a existência de "escolas" sem energia, sem banheiro, com teto de zinco, em galpões, paióis e currais (MOLINA E AZEVEDO, 2011, p.40). 121 Esses dados nos mostram como é necessário políticas públicas que assegurem o desenvolvimento da educação nas áreas do campo, como o PRONERA, e outros programas de educação nas áreas de Reforma Agrária, pois são importantes para potencializar a formação educacional dos camponeses. Outro dado relevante da I PNERA é a formação das crianças, pois muitos assentamentos não tinham escola e, com isso, as crianças ficavam dependentes de transporte escolar e estudavam em escolas longes e cujo ensino era muitas vezes desestimulante e preconceituoso, como discorremos na discussão sobre a educação rural versus Educação do Campo. Segundo os dados da I PNERA Entre as famílias assentadas, 4,4% tinham crianças na faixa de 7 a 14 anos fora da escola. Os principais motivos alegados para essa situação foram: o fato de a escola estar situada muito distante do local de moradia (31%) e a inexistência de escolas que oferecem os níveis ou séries escolares pretendidos (27%). Nas Regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, uma parcela significativa das famílias que informaram ter crianças na faixa de 7 a 14 anos de idade fora da escola apontou como motivo o fato de as crianças não gostarem de estudar, com os percentuais, respectivamente, de 35%, 26% e 22% (INEP/MEC, 2004, p.59). Essa realidade destacada pela I PNERA (2004) é apresentada nesse estudo para relacionarmos essa defasagem da educação no território camponês com os avanços que as políticas públicas têm causado na formação educacional dos sujeitos camponeses. Enfatizamos o PRONERA, devido este já ter contribuído significativamente com a modificação e os avanços da realidade da Educação do Campo no Brasil. Os avanços do PRONERA são os avanços da Educação do Campo, mas estes são a materialização da transformação do espaço camponês. O sujeito camponês na luta pela educação e na luta pela terra resiste contra a territorialização hegemônica do capital, que, por sua vez, desterritorializa o camponês, o qual, através da resistência e da luta, reterritorializa-se e conquista novos espaços de produção, de cultura para a continuidade da sua vida, essa condição materializada na conquista dos assentamentos rurais carrega outras lutas como a da educação que deve ser um território imaterial que acumule a partir das novas práticas das ações educativas dos camponeses e dos movimentos socioterritoriais possibilidades de conquistar outros territórios. O PRONERA contribuiu ao longo desses 16 anos com a construção da intelectualidade da classe trabalhadora, permitindo aos camponeses buscarem sua 122 autonomia para o desenvolvimento do processo educativo. O programa vai além da formação escolar, pois a Pedagogia do Movimento, baseada em uma educação problematizadora, dialógica e libertadora contribui para que a educação seja uma tarefa de libertação contra a imposição da educação hegemônica. Neste sentido, [...] A educação contra-hegemônica da classe trabalhadora, numa sociedade onde esta classe é formada para ser passiva diante das condições de reprodução social impostas pelo capital, requer a formação de valores que construam nos sujeitos sua autonomia necessária para compreender seu próprio valor histórico, sua função enquanto classe social, seus direitos e potencialidades (MOLINA, AZEVEDO, 2011, p.55). O desafio que o PRONERA vem trilhando nesses anos permitiu que os camponeses ganhassem espaço na sociedade e ampliassem suas conquistas nas áreas de educação. É um novo projeto que se instala e que contribui para a territorialização da Educação do Campo na Reforma Agrária. 123 CAPÍTULO III - A QUESTÃO DA TERRA E O PRONERA EM ALAGOAS Primeira Lição Na escola primária Ivo viu a uva e aprendeu a ler. Ao ficar rapaz Ivo viu a Eva e aprendeu a amar. E sendo homem feito Ivo viu o mundo seus comes e bebes. Um dia num muro Ivo soletrou a lição da plebe. E aprendeu a ver. Ivo viu a ave? Ivo viu o ovo? Na nova cartilha Ivo viu a greve Ivo viu o povo. Lêdo Ivo [s.d.] Este capítulo objetiva discutir a problemática da terra em Alagoas e sua relação intrínseca com a construção e desenvolvimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária entre 1998 a 2008. A questão da terra em Alagoas é um fator essencial para compreender a manifestação do poder de classe nesta unidade da federação. O processo de desterritorialização dos camponeses causado pelo avanço do capitalismo no campo determina novas relações de produção que se destacam pela predominância da monocultura canavieira. Nesse sentido, a concentração de terras em Alagoas representada pelo índice de Gini em 0,871 pontos é confirmada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010. Em Alagoas, a centralização do poder se restringe a poucas famílias, e é, segundo MOURA (2013), a perpetuação das oligarquias agrárias que dominam os espaços econômicos, políticos, sociais e educacionais. Ao discutirmos a concentração da terra e do poder no estado e seu impacto nos territórios camponeses, evidenciamos o debate sobre a luta dos camponeses frente ao processo de desterritorialização provocado pelo capital no campo. É a luta dos camponeses sem-terra que destaca a opressão 124 exercida pelo Estado e do poder dos ruralistas sobre os territórios camponeses alagoanos. A luta pela terra em Alagoas é concretizada por vários movimentos socioterritoriais. Contudo, neste debate o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, enfrentam o Estado através de manifestações e ocupações. Essas ações são primordiais para a conquista dos assentamentos e de políticas públicas que deem garantia de potencializar os territórios camponeses. É por meio destas lutas que destacamos a luta pela Educação do Campo e evidenciamos nosso objeto de estudo, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, que se constitui em um programa que busca valorizar a identidade dos camponeses. Esse programa, hoje reconhecido como política pública, tem sido o propulsor de uma educação pensada pelos movimentos socioterritoriais que, através de parcerias com as instituições de nível superior, tem possibilitado o avanço do programa no Brasil. Em Alagoas, o PRONERA é um caso sui generis. Os cursos desenvolvidos são desvinculados dos princípios pedagógicos do programa. Os níveis de escolarização desenvolvidos pelo PRONERA no estado foram condizentes com a proposta de Educação do Campo do Movimento. Contudo, esses níveis foram articulados a programas que evidenciam outras propostas de educação. Programas com propostas educacionais desvinculadas das proposta de Educação do Campo, como o: Telecurso 2000 e o PROFORMAÇÃO. Estes não condizem com o pensamento de formação educacional do MST, grande propulsor de uma educação dialógica, problematizadora, que perpasse a descrição do conhecimento, havendo, assim, uma interação entre educação e vida, entre a teoria e a prática, levando em consideração o modo de vida do camponês. Partimos do pressuposto de que os cursos do PRONERA, em Alagoas, residem numa grande diferença com a proposta educacional do movimento Por Uma Educação do Campo. Nesse sentido, a análise deste debate é basilar para entendermos os conflitos de classe na luta pela terra e pelo território da educação, ou seja, o território imaterial enquanto lócus de poder. Nosso debate sobre a questão agrária em Alagoas, a luta dos movimentos socioterritoriais e a realização do PRONERA perpassa nesses pressupostos para compreendermos o processo de luta de classes manifestados na disputa por terra e modelos de educação. 125 3.1 A questão da terra em Alagoas Localizado na Região Nordeste do Brasil, o Estado de Alagoas ocupa uma área 2 de 27.778,506 km . Limita-se, ao Norte e Noroeste, com o Estado de Pernambuco, ao Sul, com o Estado de Sergipe, ao Sudeste, com o Estado da Bahia, e a Leste, com o Oceano Atlântico. Conta com uma população de 3.300.935 habitantes, que se distribui entre os 102 municípios alagoanos (IBGE, 2010). A economia de Alagoas, segundo Junior Silva (2012), é considerada subdesenvolvida. Para ele, a dependência de setores tradicionais, como a produção do açúcar e da pecuária, influenciam no subdesenvolvimento econômico do estado. Contudo, a existência do setor canavieiro é o que fortalece a economia do estado. Outros setores, como o complexo químico Salgema e o distrito industrial, localizado na capital alagoana, Maceió, que recebem empresas de diversos setores, influenciam também no desenvolvimento econômico do estado. Alagoas é um estado fisicamente pequeno, porém seu território diferencia-se por características econômicas, sociais, culturais e geográficas. Desta realidade, o IBGE dividiu o território alagoano em três mesorregiões: Sertão Alagoano, Agreste Alagoano e Leste Alagoano. A mesorregião do Sertão Alagoano abarca três microrregiões: Serrana do Sertão Alagoano, Sertão do São Francisco, Santana do Ipanema e Batalha. A economia é baseada na pecuária, principalmente na criação de gado para a produção de leite. Há industrialização nesta mesorregião é mínima. Assim, caracteriza-se pela grande dependência dos programas sociais de transferência, principalmente, o Bolsa Família. O Agreste Alagoano caracteriza-se pela pequena e média propriedade, as quais refletem a policultura desta mesorregião. Considerada como uma região de transição natural, é composta por microrregiões: Palmeira dos Índios, Arapiraca e Traipu. A economia predominante está na pecuária leiteira que se desenvolve marcando a presença da Bacia Leiteira Alagoana. As atividades econômicas na microrregião de Arapiraca abrangem uma agricultura diversificada, a pecuária bovina, caprina e ovina, além do crescimento do setor de comércio e serviços. Alguns municípios dessa mesorregião estão próximos do Rio São Francisco, o que permite o desenvolvimento da pecuária extensiva e agricultura. 126 A mesorregião do Leste Alagoano é a maior de Alagoas, se divide nas microrregiões: Serrana dos Quilombos, Mata Alagoana, Litoral Norte Alagoano, Maceió, São Miguel dos Campos e Penedo. Considerada uma região de solos férteis que favorece a prática da agricultura. Os principais produtos dessa agricultura são: cana-de- açúcar, feijão, milho, mandioca e as frutas variadas. Outro setor econômico que influência o desenvolvimento dessa região é o turismo, devido as aprazibilidades naturais inerentes ao litoral alagoano. Há, além desses setores, o crescimento da indústria, do setor de comércio e serviços, principalmente na microrregião de Maceió. É no Leste Alagoano que se encontram as terras alagadas do rio São Francisco, onde se desenvolve a cultura do arroz. Partindo desta realidade, nosso estudo, nesta parte, enfatiza, o processo de ocupação econômica desta mesorregião Leste, pois, nessa mesorregião, consideramos, que historicamente se estrutura a base do poder da elites. É nela que se territorializa a monocultura canavieira, que implica bastante na questão agrária alagoana. Nesse sentido, damos uma importância à discussão da monocultura canavieira e sua relação na luta pela terra em Alagoas. Partindo deste pressuposto, considera-se que em Alagoas a questão da terra tem sido pautada no conflito entre a classe camponesa e a burguesa. Há uma grande persistência dos camponeses expropriados da terra na luta contra a expansão do capitalismo no campo. Nesse estado da federação, a terra é um trunfo para alguns, pois caracteriza a centralização do poder. Historicamente, o estado é analisado pela monocultura canavieira que evidencia a exploração, a violência, a submissão e a concentração de terras. Alagoas foi moldada ao longo do processo colonial, definindo a forma de apropriação das terras, dando um perfil econômico e social baseado na concentração de terra e selando a exclusão social de muitos camponeses, negros, indígenas e mestiços dentro do estado, deixando raízes profundas em uma sociedade que se formou “a ferro e fogo”, baseada no trabalho escravo e nos engenhos de açúcar, formando uma oligarquia agrária hegemônica (MOURA, 2013, p.277). O estado de Alagoas forma-se a partir da economia da cana-de-açúcar. Esta “conformava a propriedade com seus engenhos, plantações e a casa-grande" (LUSA 2013). Nesse sentido, para alguns autores, como Diégues Junior (1980), “não se pode existir uma história das Alagoas sem a do açúcar”. A partir disso, subtende-se que o 127 processo de formação do Estado se deu sob a expropriação de muitos camponeses para dar lugar à expansão da economia canavieira, o que provocou impactos significativos na vida da população alagoana sentidos até então, pois a dependência econômica do setor sucroalcooleiro contribui para entraves na ampliação de melhores condições de vida. Segundo Lusa (2013), esses impactos caracterizam o campo alagoano, pois em Alagoas ainda existe [...] o predomínio da grande propriedade e a concentração fundiária; a presença da monocultura especialmente na zona da mata; a marca da violência nas relações sociais e políticas; as desigualdades de classe; os conflitos e lutas sociais, em especial a luta pela terra; e a marginalidade conferida à agricultura de subsistência, que mesmo assim, teima em existir (p. 355). Essas características são provenientes da formação alagoana, que se constitui na realização concreta da produção com sua lógica e suas contradições (SANTOS, 1978). Essa formação colabora para a desestruturação local em termos sociais. 7 [...] Alagoas lhe deve tudo. Deve ao bangüê sua evolução econômica, inclusiva com os altos e baixos que as situações alternadas da indústria do açúcar registram; deve-lhe ainda as linhas de formação de sua sociedade; e também lhe deve a fixação das vigas mestras dentro das quais nasceu e cresceu o rumo do povoamento, sua distribuição, sua condensação, sua fixação (DIÉGUES JUNIOR, 1980, p. 23-24). Esse destaque de Diégues ao desenvolvimento econômico de Alagoas por meio dos banguês revela uma estrutura econômica que fortaleceu os grupos oligárquicos da época e, consequentemente a concentração, de terras no estado. Dentro do contexto apresentado pelo autor, pode-se afirmar que essa estrutura proporcionou benefícios apenas aos senhores de terras. Logo, a afirmação de que "Alagoas lhe deve tudo. Deve tudo ao bangüê" é favorável ao crescimento de grupos oligárquicos que aos poucos foram dominando e apropriando-se do território alagoano, sendo os camponeses os maiores prejudicados com as transformações agrárias na crescente modernização da indústria canavieira. Assim, A exploração de terra e dos trabalhadores, a dominação de classe e o uso da violência como práxis nas relações sociais foram se transformando em características que, instaladas desde esses primórdios, firmaram-se como marcas na identidade deste estado (LUSA, 2013, p, 349). 7 Bangüê: tipo de engenho de cana-de-açúcar a vapor que utiliza o bagaço de cana como combustível. 128 Essas marcas expressam, a partir da centralidade da economia canavieira, o poder dos grupos dominantes, os quais são propulsores da segregação cada vez maior da população, que se vê a mercê de um sistema que favorece os latifundiários que decidem sobre a estrutura da sociedade alagoana.Para Pimentel (2010, p.7), A pequena unidade federativa brasileira sempre teve uma vida política bastante atribulada. Dominada por grupos familiares ligados à terra e ao latifúndio, o controle do poder político público sempre passou pelas mãos dessas famílias e nos raros casos que essa lógica foi alterada o resultado foi trágico. Reconhecendo o latifúndio como um território que expressa a concentração de terras, a exploração e o trabalho escravo (FERNANDES, 2004), compreendemos que em Alagoas ainda se faz presente esse território, tendo em vista que esses processos apontados por Fernandes se fazem atuais na relação de clientelismo e subserviência ainda existente nesse estado (FERNANDES, 2004). Contudo, há outro território considerado sagrado e tido como o grande propulsor do desenvolvimento econômico do estado. É o chamado agronegócio, considerado como um novo "modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária capitalista" (FERNANDES, 2004). O agronegócio surge como a renovação do latifúndio, pois, com o avanço tecnológico, ocorre a modernização da agricultura e esse território moderno passa a dominar os espaços de produção no campo. A exclusão do campesinato entre os territórios do latifúndio e do agronegócio se diferencia. Ao primeiro está a "exclusão pela improdutividade" e ao segundo a "exclusão pela intensa produtividade" (FERNANDES, 2004). Implantam-se novas relações de poder por meio dessa nova realidade no campo. O agronegócio em Alagoas, presente nas usinas de açúcar e álcool do estado, representa o aumento da desigualdade, pois tem contribuído para a maior concentração de terras através de suas especializações técnicas e expropriado o camponês de seus territórios. Ao compreendermos essa diferença entre esses dois processos distintos mais presentes no território alagoano, destacamos que nesse estado a formação econômica sob a forte concentração de terras através do cultivo da cana-de-açúcar é permeada pelo poder de famílias tradicionais que territorializam seu poder na estrutura social, econômica e política do estado. Em Alagoas, desde a época colonial, os pequenos produtores sofrem as duras consequências de estarem em uma formação social 129 politicamente dominada pelo latifúndio. Apesar de sua situação subordinada e débil, a pequena lavoura seguiu sobrevivendo ao lado da grande propriedade (em grande medida "dentro" do próprio latifúndio, no caso dos "moradores") e a proporção entre as áreas ocupadas pelos dois tipos de empreendimento foi diferente em cada conjuntura histórica e em cada região do Estado. É fundamental perceber que a estrutura agrária alagoana sempre foi baseada no domínio do latifúndio, mas também é decisivo notar que a sobrevivência da pequena propriedade em condições de penúria (tendendo, frequentemente, a tornar-se um minifúndio) é parte essencial da estrutura agrária baseada na grande propriedade exportadora (LESSA, 2011). O estado infelizmente tem, em sua história, um conjunto de dominações de poucas famílias sobre a sua organização social, econômica e política. Entretanto, hoje, isso não pode ser desconsiderado, pois atualmente essa situação não se diferencia muito. 8 Segundo dados de pesquisa realizada pelo jornal Gazetaweb , em 2012, que levantou informações em 101 municípios alagoanos sobre a predominância do nome das famílias tradicionais em Alagoas e sua relação com a política, 17 famílias dominam 30 municípios nas quatro regiões do Estado. Na pesquisa o predomínio político está na seguintes famílias: Beltrão, no litoral sul, os Malta Brandão, região do sertão e os Vilelas e Jatobá, no litoral Sul. O jornal gazeta afirmou que “cada uma dessas famílias chega a comandar até três municípios”. Os cargos ocupados pelos descendentes de donatários são os mais estratégicos. Como exemplo temos o governador Teotônio Vilela Filho (PSDB) que é usineiro e sócio da Usina Seresta. Até 2009, a pasta da Secretaria da Fazenda, arrecadadora de tributos que teve em 2013 mais de R$ 180 milhões para administrar e R$ 1,5 bilhão de encargos para supervisionar, não saiu do canavial, era chefiada por sua irmã Fernanda Vilela, advogada da Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e Álcool de Alagoas. Mulher do ex-senador João Tenório, sócio da Usina Triunfo, ela entregou o cargo para o secretário adjunto, o usineiro Maurício Toledo, do Grupo Toledo que, em Alagoas, reúne as usinas Capricho, Sumaúma e Paísa. Ainda na equipe de Vilela, o usineiro Alexandre Toledo, também sócio do Grupo Toledo, foi escolhido para comandar a Secretaria de Estado da Saúde. Em 2014, a pasta visa abocanhar a maior fatia do orçamento. A previsão é de mais de R$ 961 milhões à disposição do secretário, que já teve o nome ventilado para sucessão nas eleições de 2014. O volume de recursos é superior ao da Educação, que deverá ter R$ 797 milhões em 2013. (SERQUEIRA, 2013). 8 Jornal online e impresso do estado de Alagoas. 130 Dentro dessa realidade, o que de fato mudou foram as relações de produção em que essas famílias, além de dominarem grandes indústrias, passam a dominar outros setores da sociedade, como os culturais, educacionais e políticos. A economia canavieira, atrelada ao grande capital, expressa a territorialização do agronegócio no campo alagoano e está intrinsecamente vinculada à hegemonia dos grandes proprietários de terras, que direta ou indiretamente são agentes concentradores do capital e do poder do estado que contribuem para a geração de conflitos e de desigualdades, seja no campo e/ou na cidade (ALMEIDA, SANTOS, 2010). Historicamente a economia canavieira sempre teve o protecionismo do Estado, gerando acomodação por parte dos produtores, que resistem às mudanças, formando estruturas conservadoras e mantendo uma elite que ainda tem a terra como símbolo de status e poder (MOURA, 2013, p. 276). É preciso analisarmos a conjuntura agrária alagoana para compreender as mudanças na estrutura fundiária, cuja concentração é um componente antigo. Para comprovarmos esse fenômeno, tomamos como referência as estatísticas cadastrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), cujas informações são autodeclaras pelos proprietários de imóveis rurais. Até 2011, em Alagoas, tínhamos cadastrados 45.518 imóveis rurais no estado ocupando uma área de 1.598.562,34 hectares. Dessa realidade, as grandes propriedades configuram apenas 19.215 imóveis rurais e controlam mais da metade da área cadastrada, qual sejam 1.264.146,92 hectares. Enquanto que 26.177 imóveis rurais, considerados de pequeno porte, distribuem- se numa área de 106.901.92 hectares, como podemos ver na tabela 2. TABELA 2 - ALAGOAS - ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR MÓDULOS FISCAIS Classe de área Total de Imóveis Total de Área De 1 a menos de 10 26.177 106.901.92 De 10 a menos de 100 19.215 1.264.146,92 De 100 a menos de 100.000 126 227.513.50 Total 45.518 1.598.562, 34 FONTE: SNCR, INCRA. Organizado por Raqueline da Silva Santos. Apurado terça-feira, 26 de junho de 2012 A desigualdade existente no estado de Alagoas, proveniente da alta concentração de terras evidencia o intenso processo de exclusão da sociedade alagoana 131 dos direitos básicos à sobrevivência humana. A estrutura fundiária do estado apresenta forte concentração de terras, que é comprovada por caracterizar a manutenção da desigualdade existente na distribuição de terras em Alagoas. E é essa forte concentração que tem [...] formado as oligarquias agrárias dentro do estado. Essas terras foram sendo repassadas pelos antigos proprietários aos seus familiares, como herança do domínio, expropriação e violência (MOURA, 2013, p.282). Cavalcante afirma (2013, p. 56) que A alta concentração de renda e os intensos processos de exclusão social, aliados a concentração de posse da terra, fizeram com que grande parcela da população não tenha acesso à moradia e condições de subsistência dignas, e, provocam as manifestações na busca de condições que lhes são usurpadas. Com interesses tão distintos, os conflitos são inevitáveis. As relações entre o poder político e o econômico direcionam a organização política, econômica e social do Estado, e as condições às quais a população é submetida são frutos dessa estrutura. Na mesorregião do Leste está a concentração da cana-de-açúcar que reflete a efetiva territorialização do agronegócio no estado. As usinas são as grandes responsáveis pela territorialização da monocultura canavieira. Em Alagoas, existem 20 usinas distribuídas no estado, como veremos no quadro a seguir. QUADRO 2 - ALAGOAS - USINAS DE AÇÚCAR POR LOCALIZAÇÃO E FUNDAÇÃO Usinas Localização Fundação Usina Sinimbu Jequiá da Praia 1893 Usina Central Leão Rio Largo 1894 Usina Serra Grande São José da Laje 1894 Usina Capricho Cajueiro 1920 Usina Coruripe Coruripe 1925 Usina Camaragibe Matriz de Camaragibe 1943 Usina Roçadinho/Mendo São Miguel dos Campos 1952 Sampaio Usina Santa Clotilde Rio Largo 1952 Usina Santo Antônio São Luiz do Quitunde 1957 Usina Cachoeira Maceió 1959 Usina Caeté São Miguel dos Campos 1959 Usina Triunfo Boca da Mata 1959 Usina Sumaúma Marechal Deodoro 1970 Usina Porto Rico Campo Alegre 1973 132 Usina Seresta Teotônio Vilela 1973 Destilaria Porto Alegre Colônia Leopoldina 1974 Usina Paisa Penedo 1978 Usina Marituba Igreja Nova 1982 Usina Santa Maria Porto Calvo 2002 Bioflex Agroindustrial São Miguel dos Campos 2012 S/A FONTE: SINDAÇÚCAR-AL Organizado por Raqueline da Silva Santos Essas usinas são o retrato da territorialização da monocultura canavieira em Alagoas durante anos. Primeiro os banguês, depois os engenhos e, atualmente, a força do agronegócio tomam conta da paisagem alagoana. São grupos que centralizam o poder, tendo como base a monocultura canavieira. Esses grupos mantêm o domínio da terra e também da política do estado. Segundo o quadro histórico do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas (SINDAÇUCAR), os primeiros engenhos do estado foram o Escuria, Maranhão e o Bueno Aires, fundados por Cristovão Lins, por volta do século XVI. São esses engenhos que dão os primeiros passos para a implantação da indústria açucareira e, posteriormente, sucroalcooleira no estado. A primeira usina foi criada pelo Barão de Vendesment, francês que escolheu as terras de Atalaia para implantar a usina Brasileiro, em 1891. Em 1893, foi criada a Usina Cansanção de Sinimbu, que tinha como principal acionista a Cia. Tiuma de Recife-PE, cuja controladora era a empresa Williams & CO. A unidade Industrial foi instalada no município de São Miguel dos Campos – AL, porém com a criação da Lei nº 5.675 de 1995 o município de São Miguel dos Campos tem seu território desmembrado para a criação do município de Jequiá da Praia, local atual da Usina Cansanção de Sinimbu e seu Escritório Central localiza-se em Maceió-AL. Essa usina faz parte do grupo do proprietário Teotônio Vilela que além da Usina Sinimbu tem o domínio da Usina Seresta, que surgiu da união de dois grandes empresários do estado em 1973, Teotônio Vilela e Geraldo Gomes de Barros. Dessa aliança, que permanece até hoje, a usina instalou-se no município que tem o nome do proprietário, Teotônio Vilela. Outra usina que ainda tem reconhecimento no estado e foi fundada em 1894, por Luiz de Amorim Leão Filho, é a Usina Leão, localizada em Rio Largo, é uma das mais antigas e importantes de Alagoas, gera emprego e renda para 4.450 pessoas na safra e 2.250 na entressafra. Em nossa pesquisa, constatamos que a razão social dessa 133 empresa está direcionada ao grupo Leão Irmãos, grupo este, que não conseguimos identificar se tem algum respaldo na política local. Procuramos a informação tanto nos SINDAÇÚCAR quanto encaminhamos e-mails para a Usina porém não obtivemos sucesso. Contudo, a representatividade da usina no município de Rio Largo tem grande importância econômica para o desenvolvimento local. A Usina Triunfo foi fundada em 1950, situada no município de Boca da Mata, tem como grupo central João Tenório. É geradora de grande parte dos empregos da região e consolida-se como a responsável pela mudança local em várias aspectos econômicos e sociais, pois, desde sua instalação na cidade, houve modificações na configuração local. Grandes necessidades da cidade eram supridas em seu município vizinho, São Miguel dos Campos, porém essa dependência torna-se bem menor com o crescimento da usina. A Usina Serra Grande, localizada em São José da Laje (AL), foi fundada em 1894, pelo Cel. Carlos Benigno Pereira de Lyra. Em 1961, o controle acionário da Usina passou para o Grupo Dias Lins, comandado pelo Dr. Luiz Dias Lins, avô do atual diretor-presidente da empresa, Dr. Luiz Antônio de Andrade Bezerra, ainda hoje dono dessa unidade que centraliza-se na mesorregião do Leste Alagoano, na microrregião da Serrana dos Quilombos. A Usina Capricho foi construída em 1935, instalada no município de Cajueiro, foi a precursora do Grupo Toledo. Esse grupo centraliza o domínio sobre as Usinas Capricho, Paísa, Penedo e Sumaúma, em Marechal Deodoro. A Usina Sumaúma atualmente produz cerca de 6.200 Tc/Dia. A Usina Paisa, fundada em 1976, é outra usina que, localizada em Penedo, contribui para o esmagamento diário de 5.700 Tc/Dia na produção de açúcar. São essas usinas que produzem açúcar dos tipos VHP e Cristal e álcool anidro e hidratado, juntamente com outras do estado. A Usina Coruripe foi fundada no início do século 20, em 12 de fevereiro de 1925, por José de Castro Azevedo, a partir da união de diversos engenhos de banguê. Essa usina está centralizada no grupo Tércio Wanderley, que é o proprietário de uma das maiores usinas do estado. Segundo Lima e Garcia (2012) Trata-se de um império familiar onde cada membro administra uma das suas unidades, seja no Nordeste seja no Triangulo Triângulo Mineiro, onde a sua estratégia é a de conseguir o maior controle possível das terras da região, comprando-as e/ou arrendando-as (JUNIOR E GARCIA, 2012). 134 A Usina Camaragibe foi fundada em 1980, em Matriz do Camaragibe, a segunda empresa do Grupo Santo Antônio (do qual também faz parte a Usina Santo Antônio), criado por Ernesto Gomes Maranhão em 1957, quando este adquiriu a Central Açucareira Santo Antônio. A Usina Santo Antônio está localizada no Litoral Norte Alagoano. Criada em 1957, destaca-se por sua variedade de produtos: açúcar cristal e demerara; álcool hidratado carburante e neutro. A Usina Roçadinho enfrenta nos últimos anos, entre 2012 e 2014, uma intensa crise financeira. Em seu centenário de atuação, a usina consolidou-se no município de São Miguel dos Campos por suas terras férteis e por sua localização próxima a centros consumidores, estando centralizada no grupo Mendo Sampaio. A Usina Caeté é outra usina bastante importante para a territorialização da monocultura canavieira em Alagoas. Criada 1942, foi denominada companhia de melhoramento do Vale do Rio São Miguel (Cooperativa). Esta foi a primeira fábrica de Açúcar, pelo sistema de cooperativismo, inaugurada não apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul. Em 1965, a Companhia de Melhoramento do Vale do Rio São Miguel é adquirida pelo Dr. Carlos Lyra, o Sr. Adelmir Lima (Contador da Lagense) e o Sr. Edgar Soares, passando a se chamar Usina Caeté S/A. Esta usina reflete o poder da família Lyra nos municípios de São Miguel dos Campos, Maceió e Igreja Nova a partir de sua territorialização nos municípios supracitados e em usinas localizadas na região Sudeste. A Usina mais recente em Alagoas é a Bioflex Agroindustrial, do grupo GranInvest, controlada pela Gran Investimentos S.A., holding da família Gradin, a GranBio. Segundo o site da Granbio está é uma empresa de biotecnologia industrial 100% brasileira que nasceu com a visão de proporcionar uma revolução verde, capaz de transformar o real potencial de biomassa brasileira em riqueza energética. Criada em junho de 2011, a companhia foi a primeira a anunciar uma planta comercial de etanol de segunda geração no Hemisfério Sul. Prevista para entrar em operação no início de 2014 (já em operação), a unidade, localizada no Estado de Alagoas, vai produzir 82 milhões de litros do biocombustível, o que fará dela uma das maiores do mundo em operação (GRANBIO, 2014). Localizada no município de São Miguel dos Campos, a usina produtora de etanol a partir da celulose é primeira empresa a anunciar uma planta de biocombustíveis de segunda geração no país. Faz parte do Programa de Apoio à Inovação Tecnológica 135 Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), criado pelo BNDES em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2011 (SINDAÇÚCAR, 2014). Alguns dados sobre a Usina Santa Clotilde, Usina Cachoeira, Destilaria Porto Alegre, Usina Marituba e Usina Santa Maria não foram encontrados. Nem no que tange à razão social destas, nem quais famílias são as proprietárias. As referidas usinas constam no histórico do SINDAÇÚCAR como usinas ativas, porém não encontramos os nomes dos que mantêm o poder sobre o desenvolvimento dessas grandes empresas que se territorializam no Leste Alagoano. Segundo dados do SINDAÇÚCAR em Alagoas, o setor “sucroalcooleiro se transformou no mais importante da economia de Alagoas, sendo principal fonte de empregos e de desenvolvimento do Estado” (2014). Esse setor é atualmente o que mais contribui para o agronegócio. Para o Sindicato de Açúcar e Álcool de Alagoas, as usinas devem criar uma diversidade no agronegócio da cana-de-açúcar, organizando estudos, prestando assistência jurídica, elaborando convenções coletivas de trabalho, incentivando o melhoramento tecnológico, construindo e desenvolvendo propostas de ações sociais e participando da condução da política social (SINDAÇÚCAR, 2014). Há uma força nessa territorialização das usinas em Alagoas, pois ela demonstra que existe uma conjuntura de um modelo, [...] agrário herdado do período colonial, com pequenas adaptações, assentado basicamente na agroindústria sucroalcooleira, responsável pela consolidação do elevado padrão de concentração fundiária (LUSTOSA e PEIXOTO, 2011, p. 34). O mapa a seguir nos dá a dimensão da territorialização das usinas no estado. 136 Alagoas construiu-se na base da concentração da propriedade da terra, em que muitas áreas de grandes canaviais tomam conta da paisagem natural do estado e reflete o poder de grandes latifundiários, em função disto, há um detrimento da vida da maioria da população em aspectos necessários à sobrevivência, seja no campo da saúde, da educação, da cultura, do emprego, da moradia, etc. (SILVA, 2011). Tradicionalmente esse estado se apresenta como reduto da agricultura canavieira desde a época dos engenhos até a era atual, com a presença das usinas. A monocultura predomina como fonte de riqueza para o estado, que não cria mecanismos para a distribuição de renda, fazendo com que a qualidade de vida das pessoas seja péssima, originando a pobreza e a fome (MOURA, 2013, p. 281). Com a territorialização da monocultura canavieira, os camponeses foram sendo afetados ao longo do período histórico, esses muitas vezes se submetem à relações com 137 a indústria canavieira, para, dessa forma, adquirir sua sobrevivência. A expansão dessa commodity, segundo Santos e Santos (2010, p. 4), [...] assalaria o pequeno produtor familiar, pagando uma mísera quantia; em outra faceta, os assentamentos rurais do estado além de terem sua produção voltada para o autoconsumo familiar, lançando o excedente para o mercado, reservam a maior parte de suas terras agricultáveis para o plantio de cana, destinando-a para a venda a usinas açucareiras. Este último fato se torna um entrave para o camponês, pois a indústria se apropria da renda camponesa, definindo o preço pago pela cana. Dessa forma, o produtor familiar, quando integrado à agroindústria, se vê impossibilitado de escolher, característica que lhe é peculiar, pois esse poder de definir o que plantar não lhe é mais conferido, agora é definido pela agroindústria. Alagoas tem sua história marcada pela luta da terra. A luta histórica mais representativa de movimentos contra a opressão no estado pode ser lembrada a partir dos seguintes momentos: A epopéia do Quilombo dos Palmares, a heróica luta dos cabanos (1832-50) e a fantástica resistência dos povos indígenas ao esbulho de suas terras e do seu modo de vida. Contudo, a particular configuração da formação social alagoana tem sido, historicamente, uma verdadeira muralha contra o êxito político e econômico das lutas populares pela democratização da estrutura fundiária e do modelo agropecuário (LESSA, 2011). Essas lutas não modificaram o domínio latifundiário existente no espaço alagoano, que sempre foi determinante nas relações produtivas desse território. Em Alagoas, a produção da cana-de-açúcar tem predominado em 54 municípios, territorializando-se em 453 mil hectares de terras (SINDAÇÚCAR-AL). Segundo o Sindicato de Açúcar e Álcool de Alagoas, o estado ocupa o 4º lugar no ranking nacional e o 1º na Região Nordeste na produção de cana-de-açúcar. O setor canavieiro é o principal setor econômico do estado, cuja participação é em torno de 45% na economia (SINDAÇÚCAR-AL). A seguir, temos um mapa que identifica o predomínio da cultura canavieira no Leste Alagoano. 138 Essa territorialização da produção canavieira no Leste Alagoano é histórica, como nos mostra Silva (2013, p. 92), No Leste Alagoano, o latifúndio tem o domínio multissecular do principal setor produtivo; esta circunstância somou-se à relativa fragilidade da economia e das classes dominantes do Agreste e do Sertão e ao menor peso geográfico dessas regiões para estabelecerem, a partir de meados dos anos 1950, um domínio muito sólido dos usineiros na esfera política e no espaço da ideologia, dificultando as vitórias, mesmo que parciais, das classes oprimidas. É imprescindível destacar essa predominância da cultura canavieira, pois é a partir dela que entendemos a territorialização do agronegócio no estado de Alagoas, assim como a expropriação do camponês de seu território. [...] apenas no Leste Alagoano a concentração fundiária constitui uma variável decisiva, ou seja, a taxa estadual de concentração de terra é constituída basicamente pela região canavieira, o que acaba 139 encobrindo a relativamente menor incidência do latifúndio e o grave problema do minifúndio e da concentração da renda rural em outras partes do estado (SILVA, 2013, p.93). Com a expansão da cana-de-açúcar no território do Leste Alagoano, o fortalecimento na luta pela terra e as ações contra a expropriação, em objeção à exploração e à submissão presente nas relações do capital, foram avançando em Alagoas. Sendo a luta fortalecida pelos movimentos sociais, que têm contribuído para a desapropriação de terras no estado. Como exemplo, Bezerra (2009, p.12) afirma que [...] a maior desapropriação de terras já realizada no Estado perfaz, aproximadamente, vinte mil hectares de terras. Essas terras disponibilizadas devem ser voltadas para projetos que afirmem e inovem a agroecologia e a agricultura familiar, e que valorizem o trabalho camponês. São aproximadamente mil e oitocentas famílias de pequenos agricultores, organizadas sob a bandeira de três grandes movimentos sociais, que atuam em Alagoas: Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL); Movimento pela Libertação dos Sem Terra (MLST); Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Esse é um dos exemplos da luta contra a hegemonia do agronegócio no estado de Alagoas. É importante destacar que a sociedade representada pelos vários movimentos sociais que atuam no estado – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Fundação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado de Alagoas (FETAG/AL), Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) – tem contribuído para a conquista de assentamentos rurais. Com esses movimentos sociais os trabalhadores sem-terra respondem politicamente, economicamente e eticamente à superação do sistema social baseado no latifúndio regido pelo capitalismo do tipo colonial (SILVA, 2013). A luta dos movimentos sociais por terra, políticas agrícolas, direitos humanos, direitos trabalhistas, saúde e educação expressa a ação contra à concentração, contra à injustiça e contra à violência no campo. A maior luta representada no estado é empreendida [...] pelos camponeses contra os latifúndios, pela agricultura familiar contra a agricultura patronal, pela unidade produtiva contra o agronegócio, pela segurança alimentar, contra os transgênicos (MOURA, 2013, p.284). É através dessa luta que os movimentos socioterritoriais têm cobrado do poder estatal o direito a novos territórios. A ação dos movimentos de luta pela terra empreende 140 conquistas territoriais que procuram materializar a melhoria da condição da vida camponesa, buscando a conquista de políticas públicas que proporcionem o seu desenvolvimento econômico, político, social e educacional. Nesse sentido, a luta pela terra empreendida em Alagoas já vem conquistando outros territórios que têm ganhado espaço no estado, como os assentamentos rurais. 3.2 Os assentamentos rurais em Alagoas Segundo o Banco de Dados da Luta Pela Terra, em Alagoas, existem 173 assentamentos que abrangem uma área de 111. 448 ha e beneficiam 11. 448 famílias. Esses assentamentos foram criados entre 1979 e 2012. No mapa, a seguir, vemos que a maior parte da territorialização dos assentamentos está no Leste Alagoano, onde também há a maior concentração da produção canavieira. 141 É um paradoxo que precisa de atenção, pois como é possível na mesma mesorregião o predomínio da grande propriedade açucareira e dos assentamentos de Reforma Agrária, tendo em vista que são processos distintos e modelos de perspectiva de sociedade contrários? Para Silva (2013), isso é reflexo da falência das usinas nessa região, ocorrida devido "a reestruturação produtiva do setor canavieiro em meados da década de 1990", que impactou no avanço da Reforma Agrária nessa região, tradicionalmente dominada 142 por grandes propriedades canavieiras. Porém, mesmo com essa realidade, a monocultura canavieira é predominante, pois nesse território as "terras para desapropriação diminuiu de maneira radical, já que os grupos canavieiros sobreviventes são muitos sólidos" (SILVA, 2013, p. 103). A conquista dos assentamentos representa a materialização da luta pela terra no estado. O assentamento não é o fim da luta, pelo contrário, é o inicio de outras conquistas para que o camponês permaneça na terra e se reproduza enquanto classe. É preciso que os assentamentos tenham condições dignas de sobrevivência. O problema que se apresenta quando se trata da apropriação de terras pelos camponeses, em especial os acampados e assentados, é que a terra, considerada riqueza, tem, contraditoriamente, gerado pobreza, pois há um ciclo dentro desse sistema que contribui para a falta de políticas eficazes que ajudem esses trabalhadores ascenderem socialmente. A estes são negados direitos básicos que impõe muitas limitações no desenvolvimento da vida desses grupos excluídos da sociedade (SANTOS, 2011). Porém, mesmo dentro do contexto dessas contradições, ainda vemos os assentamentos, corroborando com a ideia de Medeiros e Leite (2004, p.20-21), como um meio de [...] fortalecer os movimentos de luta pela terra, uma vez que se constituem em prova de eficácia das pressões, em especial quando a referência são as ocupações de terra e acampamentos; provocam rearranjos institucionais, rebatendo na necessidade de um aparelhamento do Estado para lidar com essa nova realidade (não só no que diz respeito à criação de novos organismos ou reformulação dos existentes - nos governos federais, estaduais e municipais - mas também de novas leis e regulamentações); possibilitam a geração de empregos e, de alguma maneira, o aumento do nível de renda de boa parte das famílias assentadas (com reflexos nas economias municipais e regionais) tem potencial para alterar, em maior ou menor medida, as relações de poder local. Dessa realidade, as ocupações e manifestações realizadas pelos movimentos socioterritoriais representam sua força nas reivindicações sobre os direitos que lhes cabem seja para reconquistar a terra ou para permanecer nela. Em Alagoas, o número de manifestações entre 2000 e 2012 foi de 596, com a participação de 317.004 pessoas (DATALUTA, 2013). As manifestações são um espaço de reivindicar e denunciar as condições atuais do campo brasileiro. É uma estratégia política que dá visibilidade à luta dos movimentos socioterritoriais na sociedade. 143 As manifestações são um importante processo para a conquista da terra, pois estão contidas na resistência permanente dos camponeses, que bloqueiam estradas, ocupam órgãos públicos, realizam protestos, fazem caminhadas em datas comemorativas e buscam, a partir desse meio, mostrar à sociedade a expropriação de milhares de camponeses que têm se inserido na luta pela terra. Dessa forma, as manifestações expressam a situação camponesa no enfrentamento ao capital. Em Alagoas, essa situação não se diferencia, pois as várias reivindicações dos movimentos socioterritoriais têm lutado pela conquista da terra e mostrado à sociedade a situação em que vivem os camponeses do estado. O envolvimento das famílias camponesas aos poucos tem sido crescente, mas ganha destaque no último ano do primeiro mandato do governo Lula em 2006. Em relação às ocupações de terras em Alagoas, entre 1988 e 2012, o quantitativo foi de 580 com a participação de 66.315 famílias. O conjunto dessas ocupações está representado nas ações de vários movimentos socioterritoriais atuantes no estado. As ocupações são ações que potencializam as reivindicações, elas vislumbram a conquista do território dos assentamentos rurais. É através da oposição nas ocupações que o movimento socioterritorial resiste e se reafirma como um movimento contraditório as imposições do capitalismo no campo. No estado de Alagoas, podemos considerar essas ações como propulsoras do conflito entre o campesinato e o agronegócio, que tem se constituído como o principal fator da expropriação dos camponeses no campo alagoano. São ações que negam a imposição de relações paternalistas, coronelistas e de subalternidade que permeiam o estado de Alagoas durante séculos. A seguir, temos um quadro que representa as ocupações dos movimentos socioterritoriais entre o período de 2000 a 2012. QUADRO 3 - ALAGOAS - OCUPAÇÕES REALIZADAS PELOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS 2000 A 2013 Movimento Socioterritorial Número de ocupações Famílias MST 1888 23.583 CONTAG 13 1.843 MLST 58 5.329 CPT 60 2.988 Movimentos Indígenas 11 922 Ocupações Conjuntas 15 1.580 Outras 71 3.535 144 9 N.I 5 150 Total de Ocupações e 421 39.910 Famílias FONTE: Relatório Final 2013 do Banco de Dados da Luta Pela Terra. Organizado: Raqueline da Silva Santos Consideramos as ocupações uma força de espacialização da luta pela terra, são elas que impulsionam a conquista de novos territórios. As ocupações são tidas como a melhor maneira de enfrentar os grandes latifúndios. Por elas, os camponeses reaglutinam forças para lutar pela terra e pressionar o governo a tomar medidas frente à realidade do campesinato brasileiro. Em Alagoas, a espacialização desse fenômeno está contrariando o poder concentrador dos grupos canavieiros. São esses grupos que impactam na questão agrária de Alagoas. Reconhecemos que essa questão não se resolve apenas nas instâncias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária da Superintendência Regional de Alagoas (SR 22). Existe uma gama de relações políticas, econômicas, jurídicas, federais, municipais, estaduais na resolução do problema agrário no Brasil e em Alagoas. Por isso, a importância da luta dos movimentos socioterritoriais na conquista dos seus territórios. É um desafio a resolução da problemática agrária em um estado cuja predominância canavieira e propriedade das terras está marcada no poder oligárquico que direciona as relações econômicas, políticas e sociais do território alagoano. Nesse sentido, Um dos principais desafios da política da Reforma Agrária em Alagoas refere-se à inserção dos assentamentos em sistemas agrários (crédito, comercialização, assistência técnica, logística, eletricidade, etc.) adequados ao desenvolvimento a agricultura familiar. Esses sistemas estão para além da competência legal do INCRA. Cabe, então, à autarquia o papel de dialogar e agir em unidade com parceiros estatais e segmentos da sociedade civil na solidificação dos sistemas aludidos, tarefa particularmente difícil em uma Unidade Federativa marcada por sistemas agrícolas tradicionalmente focados no agronegócio canavieiro (SILVA, 2013, p.102-103). Do ponto de vista da situação agrária do estado de Alagoas, essa situação vem se perpetuando ao longo dos anos e se depender da centralização do poder político e 9 N.I. Não informado: corresponde ao registro de ações na qual a identificação do nome do movimento não foi possível. 145 econômico, nesse estado, nada mudará. Dessa forma, é preciso que os movimentos socioterritoriais pressionem continuamente a resolução da questão agrária em Alagoas, pois muitas famílias estão expropriadas dos seus territórios e sofrem com o desemprego, a pobreza, a falta de condições mínimas de sobrevivência. [...] o grande problema de Alagoas é a terra ou, na realidade, continua sendo a terra, o modo como a propriedade guarda em si a representação estratégica das contradições estruturais; é esta persistência do agrarismo alagoano que nos leva à existência de um modo típico de organização do poder local, aquele que domina sobre o direto do cotidiano, integrado às suas formas de vida e que devem, por consequência, serem refeitas (ALMEIDA, 2010, p.19). Segundo dados do INCRA/AL, o número de famílias assentadas por regiões é um número expressivo diante do poder concentrador dos grupos canavieiros, que dificulta a conquista da terra em Alagoas. "Temos assentamentos em torno de 40% dos municípios do Estado e eles estão em todas as mesorregiões, com maior número no leste alagoano" (ALMEIDA, 2010, p.21). Entretanto, é importante termos clareza que, nesse estado, O problema que se apresenta quando se trata da apropriação de terras pelos trabalhadores rurais, em especial os acampados e assentados é que a terra, considerada riqueza, tem, contraditoriamente, gerado pobreza, pois há um ciclo dentro deste sistema que contribui para a falta de políticas eficazes que ajudem esses trabalhadores ascenderem socialmente. A estes são negados direitos básicos que impõe muitas limitações no desenvolvimento da vida desses grupos excluídos da sociedade (SANTOS, 2011, p, 29). É na conquista desse território que os camponeses veem a esperança de reconstruir sua vida a partir de suas particularidades. O desafio de permanecer no assentamento, conquistar políticas públicas para o desenvolvimento desse território constrói novas resistências de permanecer na terra e fortalecer o assentamento e o modo de vida camponês. Nesse sentido, a luta dos movimentos socioterritoriais é imprescindível para que o estado tome medidas que contribuam para o desenvolvimento camponês. A constante luta pela realização da Reforma Agrária é um caminho para que os camponeses consigam ampliar seu território a partir de políticas públicas que deem garantia de um desenvolvimento articulado, ou seja, possibilidades de ampliar a produção, formação educacional, assistência técnica, segurança alimentar. É a partir da 146 organização que os movimentos socioterritoriais têm dado significado aos seus territórios de luta e os territórios já conquistados. São os camponeses que têm dado outro sentido à questão agrária no Brasil e em Alagoas. São os movimentos socioterritoriais que colocam em pauta a construção de outro modelo de desenvolvimento agrário. Em Alagoas esse modelo ganha força com o MST. É a articulação dos camponeses que os faz compreender a necessidade de aglutinar forças para desenvolver manifestações, ocupações, reivindicações e enfrentamentos. Os camponeses, a partir do trabalho de base, vão abrindo seus horizontes e compreendendo a importância da luta pela terra no estado. Em Alagoas, o MST vai sendo constituído como a principal força de luta no campo alagoano. Essa luta política que a Educação do Campo vai sendo constituída é a luta pela construção de uma educação pautada na realidade camponesa que vem contribuindo para que os camponeses através da formação educacional consigam oportunidades antes inexistentes. As políticas de educação têm sido uma grande aliada para potencializar o território imaterial dos territórios camponeses, pois, à medida que melhoram sua condição de leitura do mundo e da palavra, esses ocupam novos espaços que permitem a geração de novas oportunidades. Essa realidade é permeada pelo avanço do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária que já conquistaram vários espaços em cursos superiores em algumas universidades no Brasil, como na UNESP, UFRB, UFG, UFCG, UFAL etc. O PRONERA vai aos poucos tomando espaço no Brasil a partir dos seus cursos de alfabetização, cursos de formação docente, porém atualmente se configura como uma política pública diferenciada no que tange ao processo de formação camponesa. No estado de Alagoas o programa surge da parceria do MST com a UFAL que ampliou as possibilidades da escolarização no campo alagoano. Contudo, em Alagoas o PRONERA foi desenvolvido através de programas desarticulados dos princípios da luta pela Educação do Campo. É nesse sentido que abordaremos o debate sobre o desenvolvimento do PRONERA em Alagoas e suas contradições. A análise sobre o programa parte do pressuposto que no estado a conflitualidade da luta pela terra e pela educação perpassa a conflitualidade territorial. É na luta pela conquista e afirmação da classe camponesa que o PRONERA é um objeto de estudo peculiar, pois este foi desenvolvido visando quebrar a lógica da educação mercantilizada. 147 3.3 As contradições da implantação do PRONERA em Alagoas Este subcapítulo discute as condições da implantação do PRONERA em Alagoas. Consideramos que esse projeto foi desenvolvido dentro de uma educação hegemônica baseado no desenvolvimento de um currículo dissociado da realidade do educando. Nesse sentido, esse projeto nega a possibilidade de uma educação transformadora, dialógica, problematizadora que favoreça ao educando a compreensão de sua realidade, e que a partir da leitura do seu próprio território seja possível sua interferência nos processos de luta e reivindicações para que se imponha contra a lógica destruidora do projeto hegemônico do capital. Insere-se nessa contraposição a Educação do Campo, como já debatemos, ela reconhece os camponeses como sujeitos construtores do seu próprio desenvolvimento, e que, através da resistência e persistência, têm ampliado e fortalecido o território camponês na sociedade, dando respaldo às suas práticas objetivas e subjetivas que já interferem no pensamento sobre a Reforma Agrária, sob as novas condições de pensar a educação para o campo. São os camponeses os protagonistas da história de materialização de outra possibilidade de educação para o campo. O campesinato insere na agenda política um novo paradigma educacional que, através da luta pela terra, coloca o debate do Paradigma da Educação do Campo. Dessa forma a relação entre a luta pela terra e pela 10 Educação do Campo no Brasil é, segundo Fernandes , [...] uma luta territorial. A luta pela terra, ela contém várias outras lutas. E uma delas é a luta pela educação. Uma educação que permita o próprio desenvolvimento territorial. A construção da Educação do Campo ela é uma construção de uma política de desenvolvimento com base na dimensão da educação. Ela é importante para a própria luta pela terra, para o próprio desenvolvimento do campo. Ela é fundamental. (FERNANDES, 2013). Nesse sentido, podemos pensar a constituição da Educação do Campo como meio de fortalecer a classe camponesa, pois esse paradigma nasce de baixo para cima, surge a partir da necessidade de quem conhece a realidade do seu território e 10 Entrevista realizada com o Professor Bernardo Mançano Fernandes no X Encontro Nacional da Associação de Pós-Graduação em Geografia no dia 08 de Outubro de 2013 na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - São Paulo como parte do plano de trabalho da Mobilização de Mestrado - Projeto Edital MCTI/CNPq/MEC/Capes - Ação Transversal nº 06/2011 - Casadinho/Procad - a UNESP - Campus Presidente Prudente. 148 compreende a importância da mudança das relações de subordinação tão presentes nos 11 espaços do campo brasileiro. Para Fernandes (2013) , a Educação do Campo [...] é original, ela tem uma genuinidade, ela é uma política muito séria, tanto é que ela tem 15 anos de idade e ela emplacou. Então o conjunto hoje de políticas de educação do campo está no Brasil inteiro e ela, está se tornando referência para outros países. O Brasil tem hoje uma educação que esta sendo vista por outros movimentos como referência (FERNANDES, 2013). É essa educação que permite ao território camponês alagoano a viabilização do PRONERA no estado de Alagoas entre 1998 e 2008. Em Alagoas, o programa foi sistematizado e pensado a partir de parcerias entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/AL), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES), a Secretaria de Educação do Estado de Alagoas (SEE/AL) e a Escola Agrotécnica Federal de Satuba. Essas parcerias contribuíram para a implantação dos cursos de alfabetização, formação de professores e curso técnico em agropecuária. Os cursos financiados pelo PRONERA em Alagoas foram um desafio para a execução dos princípios político- pedagógicos do PRONERA. Esses cursos colocaram em evidência outros projetos pedagógicos que se diferenciam da proposta de Educação do Campo. Na formação de educação de jovens e adultos houve a criação do Projeto de Educação de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária em Alagoas (PROJERAL), que foi desenvolvido em quatro etapas. No que tange à formação de professores, foi preciso criar parcerias com a SEE/AL para viabilizar a elevação da escolarização dos educadores, pois a maioria deles ainda não tinha o nível fundamental 12 completo , com isso houve a inserção do Telecurso 2000 para que estes pudessem finalizar essa etapa da educação e inserir-se no curso de nível médio com habilitação para o magistério, que foi um curso viabilizado pela parceria com a SEE/AL, o Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO). A formação técnica dos assentados foi estabelecida pela parceria do INCRA com a Escola Agrotécnica Federal de Satuba (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IF- Campus Satuba). 11 Ibid. 12 Iremos aprofundar o debate de cada curso em tópicos neste capítulo. 149 No que tange ao papel de cada instituição, a UFAL, enquanto proponente do projeto, desenvolveu suas atividades através do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Alfabetização (NEPEAL) do Centro de Educação (CEDU). A responsabilidade da instituição se voltou para elaboração e execução do projeto em conjunto com as instituições parceiras. O papel central da UFAL/CEDU/NEPEAL, como coordenadora do programa, foi acompanhar e avaliar o projeto bem como prestar assessoria técnico- pedagógica ao projeto e supervisão acadêmica dos estagiários. O INCRA, através da sua Superintendência Regional (SR 22), tinha como encargo acompanhar e participar da elaboração, implantação, execução e avaliação do projeto, bem como acompanhar a aplicação dos recursos financeiros e promover a articulação com os demais parceiros na execução. Ao MST, coube a participação na coordenação e acompanhamento da avaliação do mesmo. O MST foi o movimento beneficiado pelo programa. Os seus militantes participaram do curso de formação de jovens e adultos, Ensino Fundamental 1ª a 4ª série e do Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO). A Secretaria Estadual de Educação de Alagoas contribuiu com a participação na elaboração e execução do projeto. Foi responsável pela certificação dos participantes do convênio ao final de cada etapa dos processos de complementação de escolaridade básica. Teve o papel de coordenar, acompanhar e avaliar as turmas de alfabetização de Jovens e Adultos, organizadas nos assentamentos da Reforma Agrária em Alagoas. Coordenou a execução do Curso Normal Médio para os monitores alfabetizadores, através de Agências Formadoras (AGF), conforme as normas estabelecidas pelo PROFORMAÇÃO pela Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação (MEC). A Fundação Universitária de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES) foi responsável por administrar os recursos financeiros do projeto, conforme os termos do convênio firmados entre o INCRA, UFAL/CEDU/NEPEAL, SEE/AL. A elaboração do projeto para ser apresentado ao INCRA e sua operacionalização ficaram sob a responsabilidade da UFAL. A primeira ação efetiva do PRONERA em Alagoas ocorreu entre 1998 - 1999. O programa teve como objetivo inicial diminuir o analfabetismo no campo alagoano entre jovens e adultos acampados e assentados da Reforma Agrária, pois a realidade da escolaridade de Alagoas é lamentável. Como podemos ver na tabela abaixo, os índices educacionais do estado em relação ao Brasil no ano de 2000. 150 TABELA 3 - NORDESTE - PESSOAS NÃO ALFABETIZADAS – 2000 REGIÃO NORDESTE TOTAL Brasil 18.637.633 Nordeste 9.336.590 Alagoas 697.605 Ceará 1.404.855 Maranhão 1.304.473 Pará 1.027.732 Paraíba 732.848 Pernambuco 1.457.098 Rio Grande do Norte 548.983 FONTE: SIDRA/PNAD/IBGE, 2000. Organizado por Raqueline da Silva Santos Em Alagoas o percentual de pessoas não alfabetizadas em relação ao Brasil é de 35,97 % em relação ao Nordeste está taxa é altíssima, sendo este considerado o pior estado em nível de escolaridade com 74,63% de pessoas não alfabetizadas. Essa peculiaridade do Estado reflete a necessidade de implementar políticas públicas que contribuam para o desenvolvimento potencial da escolaridade da população alagoana. Foi a partir dessa realidade que o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária foi introduzido em Alagoas como forma de viabilizar a diminuição do analfabetismo no campo alagoano, atingindo as áreas de Reforma Agrária do estado. Foram beneficiados 11 municípios pelo programa ao longo do desenvolvimento do PRONERA no estado atingindo uma meta de 11 assentamentos, como podemos ver no quadro a seguir. QUADRO 4 - ALAGOAS - MUNICÍPIOS E ASSENTAMENTOS BENEFICIADOS PELO PRONERA 1998 - 2008 REGIONAL DO MST MUNICÍPIO ASSENTAMENTO Porto Calvo Maciape Paulo Freire Matriz do Camaragibe Santa Cruz Do Riachão São Luiz do Quitunde São Frutuoso Canudos Atalaia São Macário Branquinha Nova Esperança I Zumbi dos Palmares Murici Dom Hélder Câmara União Dos Palmares Chico Mendes Arapiraca Dandara Maria Bonita Girau do Ponciano Dom Hélder Câmara Traipu Sol Nascente Virgulino Ferreira Olho D'água do Casado Nova Esperança 151 TOTAL 11 11 FONTE: Relatório Final PROJERAL 2000/2001. Organizado por Raqueline da S. Santos Podemos ver nesse quadro uma diferença na divisão regional oficial estabelecida pelo IBGE para Alagoas. Em Alagoas, as microrregiões estão dividas em três: Agreste Alagoano, Leste Alagoano e Sertão Alagoano. Contudo, o MST dividiu as regionais do estado em cinco: Paulo Freire, Canudos, Zumbi dos Palmares, Maria Bonita e Virgulino Ferreira. Procuramos o movimento para que pudéssemos explicar tal divisão, contudo, não obtivemos respostas por parte das pessoas procuradas. Porém destacamos que na Regional Paulo Freire, Canudos e Zumbi dos Palmares temos municípios que estão dentro da Mesorregião do Leste Alagoano, onde há a maior territorialização tanto do agronegócio como a maior concentração de assentamentos, onde também se concentrou as ações do PRONERA na época delimitada para esse estudo. A regional Maria Bonita é composta por municípios da microrregião do Agreste Alagoano, cuja diversidade econômica está na agricultura, prevalecendo a pecuária leiteira e as policulturas centralizadas em pequenas propriedades que contribuem para a alimentação do estado, no que tange à frutas e à hortaliças. Por fim, temos a regional Virgulino Ferreira que abrange um único município da microrregião do Sertão Alagoano que é mais dependente de programas sociais de transferência de renda. Essa regionalização do MST parte de sua organização política e ideológica, pois o movimento se organiza para criar estratégias de lutas que o ajude a permanecer na terra conquistada. Dessa forma, compreendemos que essa regionalização é uma organização interna que permite e facilita a comunicação entre as áreas dos assentamentos do movimento, dando-lhes maiores possibilidades, devido à proximidade de localização dos assentamentos, de aglutinar forças para demandas necessárias ao desenvolvimento local. Essa regionalização usada no trabalho foi mostrada para visualizarmos as áreas de desenvolvimento do PRONERA. Em Alagoas, como vimos, temos 102 municípios e 174 assentamentos distribuídos neste território, porém apenas 11 assentamentos foram beneficiados com a implantação do programa no estado. Vários fatores podem ser destacados, pois, nem todos os assentamentos são do MST. Com isso, limita-se à área 152 de abrangência do projeto, tendo em vista que o “domínio” sobre a política pública esteve direcionado na gestão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Nesse sentido, se atentarmos para esse fator podemos explicar razões de centralidade sob o desenvolvimento do programa no estado. Esse que desenvolvido sob conflitos diversos: burocracia intensa, rotatividade dos agentes articuladores e dos próprios educandos e educadores, falta de continuidade do projeto o que o fez perder credibilidade entre a comunidade envolvida, problemas de infraestrutura precarizada, falta de pessoas qualificadas nas áreas dos assentamentos. São alguns dos possíveis fatores que levaram ao PRONERA de Alagoas ser desencadeado por programas desvinculados da proposta da Educação do Campo. É nesse quadro que o PRONERA de Alagoas é desenvolvido e são esses fatores que fazem com que os movimentos socioterritoriais lutem pela terra e pela educação na disputa pela conquista de políticas públicas que desenvolvam o potencial dos camponeses e consequentemente de seus territórios. A luta pelo PRONERA é uma luta contra hegemônica. O PRONERA como instrumento da luta de classes viabiliza uma formação por dentro de conflitos buscando a superação da dominação. Tendo em vista o debate já desenvolvido sobre o Paradigma da Educação do Campo e os princípios político-pedagógicos do PRONERA, lançamos a hipótese de que os cursos do PRONERA em Alagoas negam algumas condições de pensar a educação camponesa a partir de suas especificidades quando criam parcerias com programas como Telecurso 2000 e o PROFORMAÇÃO, os quais apresentam propostas pedagógicas diferenciadas e objetivos distantes da conjuntura pensada pela vertente campesinista do Paradigma da Educação do Campo. Compreendemos que esses programas foram uma adaptação ao paradigma da educação rural ou urbana, que é carregado de outros pressupostos políticos e ideológicos que direcionam a formação para outra perspectiva que não é a formação para a emancipação. Com isso, consideramos pertinente analisar cada projeto de formação do PRONERA em Alagoas, individualmente. Primeiro, atentamos para a formação do professores que foi realizada pelo Telecurso 2000 e posteriormente pelo Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO). Este, vinculou-se ao Programa de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos da Reforma Agrária (PROJERAL, realizado em quatro etapas). Por fim, analisamos o Curso 153 Técnico em Agropecuária que foi o último curso financiado pelo PRONERA no estado em 2008. A questão central que embasa nossa discussão está na busca de quais foram as condições que levaram a UFAL/CEDU/NEPEAL, junto ao INCRA, proporcionar ao movimento uma educação descontextualizada da luta por uma Educação do Campo, vinculando-se à parcerias que se distanciam do projeto de vida empreendido pelos movimentos socioterritoriais, em destaque o MST. Partindo deste pressuposto, analisamos a primeira iniciativa em formar educadores do campo que não tinham o nível fundamental completo a partir do curso da Fundação Roberto Marinho. Estamos falando do Telecurso 2000, programa de ensino por Teleaula desenvolvido sob o prisma da iniciativa privada que, no âmbito da Educação a Distância, visava formar em nível fundamental, médio ou técnico. É um programa que passa a ser reconhecido pelo Estado para formar jovens e adultos que não atingiram ou não tiveram possibilidades de terminar os estudos, dessa forma, parte do pressuposto que a Educação a Distância (EAD), por meio da Teleaula, seria uma medida paliativa que contribuiria para a escolarização básica dos brasileiros, tendo em vista que a televisão passa a ser considerado por este programa como uma possibilidade de ensino através das Teleaulas desenvolvidas pelo Telecurso. Em Alagoas, o uso desse recurso foi necessário para dar continuidade a educação das pessoas escolhidas para serem educadoras do projeto do PRONERA, pois, a realidade educacional na época era bastante precária, tendo em vista que, a maioria das pessoas escolhidas para atuarem como educadores do projeto não tinham ainda complementado o ensino fundamental. Dessa forma, o Telecurso foi incluído como uma medida paliativa para avançar na formação dos educadores, tendo como foco principal a certificação. Nesse sentido, precisamos nos preocupar com que qualidade foi atribuída a esse processo de ensino- aprendizagem. Dois fatores merecem atenção: o Telecurso 2000 não é um curso que tem demandas para o contexto da luta pela Educação do Campo. Há uma contradição na relação política e ideológica desse curso frente à construção do PRONERA no Brasil. O Telecurso 2000 é uma educação de longe, que não integra o pensar coletivo, que não trabalha baseado numa organização sociopolítica. Distancia-se dos ideais dos movimentos socioterritoriais, na prática, nega o princípio de uma escolarização pautada na realidade. É uma educação pronta, que é imposta ao educando, que não se questiona. 154 Não se constrói a partir da realidade, mas se fragmenta, é descontextualizada do cotidiano do educando. Por sua vez, a Educação do Campo, é o contrário desse sistema, pensa além, pensa conjuntamente. O pensar da Educação do Campo está em desenvolver o potencial dos camponeses para contribuir com o desenvolvimento do seu território. O processo de ensino-aprendizagem deve ir além da reprodução de conhecimentos, ele deve englobar toda a comunidade, a realidade local. É uma educação pensada dentro da contextualização da vida camponesa. Nesse sentido, procuramos, no próximo item, discutir a cerca do programa do Telecurso 2000 em Alagoas por dentro do desenvolvimento do PRONERA. 3.3.1 Telecurso 2000 O Telecurso 2000 foi desenvolvido na última década do século XX, mas sua primeira formulação aconteceu ainda nos anos de 1970, com o nome Telecurso de 2º Grau. Tem como contexto imediato o Brasil com regime democrático com a abertura política e de mercado, mas em contexto amplo está para o Brasil do regime autoritário, de ditadura, ancorado pela memória do Telecurso de 2º Grau (SIEBERT, [s/d]). O Telecurso 2000 é considerado uma tecnologia educacional que proporciona Educação Básica para quem apresenta defasagem em relação a idade-ano. Fundado pela Fundação Roberto Marinho (FRM) em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o programa foi concebido com o objetivo de proporcionar aos brasileiros que ainda não tinha o ensino fundamental e médio a conclusão do ensino por meio de uma nova metodologia de educação. Esse programa é fruto de experiências anteriores desenvolvidas pela Fundação Roberto Marinho (FRM) por meio do Telecurso de 2º grau e o Telecurso 1º grau. Essas experiências foram importantes para unir a FRM à FIESP que, juntas, desenvolveram a produção dos cursos para milhões de brasileiros (FMR, 2014). Segundo o site da Fundação Roberto Marinho, "desde 1995, o Telecurso vem sendo reconhecido mundialmente como uma metodologia que promove um salto de qualidade na educação, tendo beneficiado 5 milhões de pessoas nas 27.714 telessalas implantadas em todo o Brasil" (FRM, 2013). 155 É uma produção difundida pela maior rede de comunicação do país, a rede Globo. Expande-se a por meio do rádio e da TV, como canais de ensino para o povo brasileiro. Torna-se uma alternativa de escolarização que liga-se a dois sistemas: midiático e econômico. O midiático são as instituição (FRM, Rede Globo) o econômico liga-se ao sistema Fiesp. Segundo Siebert (s/d), Há uma equipe de especialistas, professores, consultores ligados à escola tradicional envolvida no processo de produção (escolha dos conteúdos, materiais de referência para a elaboração dos roteiros), bem como na avaliação do telealuno (realizada por meio das Secretarias Estaduais de Educação) que dá sustentação ao discurso pedagógico. Mas esses sujeitos além de marcarem o texto com textualidades originárias do discurso pedagógico, são determinados pelo modo de produção da mídia. Sendo todo o processo de produção e circulação de sentido, do Telecurso 2000, legitimado pelo Estado, quando da avaliação realizada pelas Secretarias Estaduais de Educação, para a emissão dos diplomas de conclusão de curso. Essa realidade é apoiada pelo Estado, pois é a ele que cabe a certificação. O Estado dentro desse programa tem papel secundário, pois ele não participa da elaboração, é apenas parte burocrática do processo. Dadas essas condições, é possível dizer que o Estado isenta-se da responsabilidade sob o curso. O direito de desenvolvimento desse programa educacional está sob a égide de uma instituição criada na ditadura militar em 1977, cujo discurso é de uma missão preocupada com a educação no Brasil. Essas características do programa estão distantes da Educação do Campo. A Educação do Campo é pensada na contramão da hegemonia capitalista. É construída longe de instâncias privadas, ela é um projeto sociopolítico que evidencia-se na luta pela terra, que se realiza inicialmente nos espaços de exclusão. Distantes da mídia que criminaliza os movimentos socioterritoriais, a educação camponesa está para potencializar não para dominar. Diferentemente do Telecurso 2000, a Educação do Campo é permeada na luta, no enfrentamento, na construção conjunta, na base política e na militância. Desenvolver o Telecurso 2000 para formar os educadores do PRONERA alagoano é uma afronta a construção histórica da Educação do Campo. É não levar em consideração o histórico da luta pela terra e pela conquista do programa. É preciso atentarmos para o fato de que, mesmo em condições de precariedade educacional no campo alagoano, devia-se ter a preocupação em criar condições de viabilizar uma formação contextualizada, em experiências camponesas, que estivessem direcionando 156 aos educadores do PRONERA para irem além da reprodução do conhecimento e da certificação. É preciso destacar o currículo do programa Telecurso 2000 e compará-lo ao currículo da Educação do Campo que deve levar em consideração as especificidades do território camponês, pois, a formação dos professores, no que tange ao ensino fundamental, devia fundamentar-se numa construção sólida para avançar na discussão da Educação do Campo no território camponês alagoano. O Telecurso 2000 é adotado de maneira absolutamente distinta da formação da Educação do Campo, pois a metodologia de ensino do Telecurso é desenvolvida em Telessalas diferente da metodologia do Paradigma da Educação do Campo, que é a Pedagogia da Alternância. São contradições constantes que se vai encontrando na análise do Telecurso na formação dos educadores do PRONERA, pois a metodologia do Telecurso 2000, segundo a Fundação Roberto Marinho, foi elaborada para se desenvolver em videoaulas. Em Alagoas, o Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Alfabetização (NEPEAL), no Centro de Educação (CEDU) na UFAL foi responsável pelo desenvolvimento do PRONERA no estado. Um dos materiais pedagógicos eram fitas cassetes que foram compradas para formar as turmas da escolarização dos educadores do campo que atuariam no PRONERA. Assim, pode-se formar turmas que eram mediadas por um tutor que acompanhava a aula nas telessalas. Contudo, é bom atentarmos para a metodologia proposta pela Educação do Campo. A Pedagogia da Alternância desenvolvida em dois tempos pedagógicos: tempo escola e tempo comunidade precisa ser mediada por um diálogo construtivo diariamente, pois é a prática que direciona a teoria na formação camponesa. É a realidade que fundamenta o processo de ensino nessa educação. Diferentemente da educação imposta pelo Telecurso 2000, que vem fechada, sem discussão conjunta e permeada por uma ideologia diferenciada dos movimentos socioterritoriais que lutam pela terra. Segundo o site da Fundação Roberto Marinho, a metodologia em telessalas é "resultado de um conjunto de processos, métodos, procedimentos e materiais", cujas raízes estão "fincadas em práticas inspiradas em Dom Hélder Câmara, Paulo Freire, Célestin Freinet e Jean Piaget". 157 Pensar na educação libertadora em uma metodologia audiovisual é contraditório, uma vez que Freire destaca que a educação para os oprimidos deve partir da sua realidade, da prática dialógica e problematizadora, diferente do Telecurso, pois suas aulas são fechadas, não abertas ao debate. O aluno não participa da construção do currículo, mas sim é mediado pelo professor formador em Metodologia Telessalas que auxilia aos alunos na formação educacional por vídeos-aula. O acesso ao programa é possibilitado também por meio do canal livre da TV "Globo, Canal Futura, TV Educativa, TV Cultura, Rede Minas, Rede Vida e Globo Internacional e em circuito fechado e redes setoriais" (FRM, 2013). Os objetivos do Telecurso voltam-se para a inserção do jovem e do adulto no mundo do trabalho, mundo este que se distancia do trabalho camponês, uma vez que é delimitado os seguinte objetivos: oferecer cursos supletivos de 1º e 2º graus, articulados com cursos de Iniciação e habilitação profissionais; desenvolver e operar, a partir dos Telecursos, uma sistemática de “Educação Permanente”, que se integre à vivência pessoal e profissional tanto dos que participam do projeto como dos que forem por ele mobilizados (CAMARGO, 2007). O programa direciona-se para além da escolarização básica, visa formar mão de obra para o mercado de trabalho. A concepção de educação/aprendizagem desse projeto não se direciona para uma educação que repercuta na mudança do ser, mas na necessidade de investir nessa área para que haja mão de obra especializada para atuar no mercado de trabalho, principalmente nos cursos direcionados para a especialização técnica. Camargo (2007, p.77), destaca que neste projeto os empresários têm uma função social de investir nesta área, pois torna-se uma cadeia que repercutirá na sociedade como um todo, garantindo aumento da produção e da renda, o que contribuirá, assim, para a melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores. Assim, os empresários, numa visão capitalista do mercado de trabalho, ao investirem na educação e na qualificação desses jovens e adultos, estão investindo por tabela, em si mesmos, ou seja, na melhoria e aumento da produção e, consequentemente, no crescimento de seus lucros. Vemos uma contradição extrema na concepção desse programa frente à concepção da educação camponesa, realizada no PRONERA, pois os objetivos da Educação do Campo se colocam dentro do projeto da agricultura camponesa 158 contrariando a lógica do capital, principalmente no que tange à modernização do campo, refletida no agronegócio. Devemos compreender que a Educação do Campo dever ser formulada a partir da compreensão dos sujeitos que estão no campo e não dos que estão fora e não conhecem a realidade do campesinato brasileiro. A realidade da formação dos educadores do campo alagoano na época era difícil, pois a maioria dos educadores escolhidos não tinha o nível fundamental completo. Essa realidade, apontada no relatório do final do programa em Alagoas, mostra que as condições de seleção dos educadores dos assentamentos para atuarem no PRONERA não foi possível dentro do que propõe o programa, ou seja, que tivessem o nível médio. Isso foi um desafio apresentado pela gestão do PRONERA, que, na época, ressaltou essa falta de condições que levantou outras demandas. Era preciso escolarizar os educadores e a alternativa foi aderir ao Telecurso 2000. Aqui, destacamos a contradição desse processo de sanar as dificuldade no imediatismo, distanciando, dessa forma, o direito dos educadores e educandos dentro de um debate com a comunidade acadêmica e com os movimentos socioterritoriais de pensar currículos específicos que os ajudassem a melhorar seu nível educacional dentro de sua realidade territorial. Vejamos o que diz o relatório final do programa sobre as condições educacionais dos educadores escolhidos. [...] não houve condições de selecionar professores com a habilitação profissional mínima: Curso Normal - Nível Médio, conforme determina a legislação. A tentativa inicial era de termos alfabetizadores que tivessem concluído o Ensino Fundamental, e estivessem aptos a cursar o Ensino Médio. No entanto, também, não foi possível (Relatório Final PROJERAL I- 2000/2001, Fragmento do Anexo). Esse trecho direciona a explicação dada para articular o Telecurso ao programa, afirmando que, no PRONERA, há uma exigência para atuar como educador. Estes devem ser dos assentamentos rurais e devem estar em exercício, bem como terem o maior nível de escolaridade entre os assentados. Contudo, em Alagoas, esse quadro, como vimos na citação acima, não foi possível, por isso, segundo o mesmo relatório, foi inserido a parceria com o programa do Telecurso 2000. A coordenadora da primeira etapa do projeto, que teve início em 1999, em entrevista, relatou que havia uma precariedade na formação dos educadores escolhidos. 159 Uma limitação que precisava ser superada. O fato da maioria não ter o nível médio completo direcionou a equipe e os estudantes (educadores) do PRONERA para criar estratégias que modificassem esse quadro em tempo hábil para poder desenvolver o programa. Nesse sentido, a Universidade Federal de Alagoas, representada pelo Núcleo de Pesquisa e Estudos em Alfabetização (NEPEAL) do Centro de Educação, estabeleceu a parceria com a Secretaria de Educação do Estado de Alagoas (SEE/AL) para formar os educadores do campo. Nesse sentido, proporcionou aos estudantes/educadores possibilidade de elevar o nível educacional para atuarem no PRONERA, alfabetizando jovens e adultos camponeses que enfrentavam as dificuldades da falta de escolarização. Remetemos-mos ao trecho da entrevista com a coordenadora, explicando o porquê da parceria com a SEE/AL para viabilizar o Telecurso 2000. Devíamos ter a formação de professores com nível médio. Procuramos no assentamento zero. Não tínhamos pessoas com formação de nível médio, nem com o nível médio completo. Então começamos a negociar e fomos ver quem tinha ensino fundamental completo, também não. Então com essa realidade a gente terminou fazendo a formação básica dos professores, a formação pedagógica dos educadores e o acompanhamento pedagógico das classes de alfabetização. Três processos de formação em andamento com todas as dificuldades possíveis para encaminhar, porque tínhamos que caminhar, ai nesse processo entramos em parceria com o estado. Foi o momento em que o estado começou a ter uma política voltada para o campo, nesse processo tínhamos outra gestão na SEE/AL. Então conseguimos fazer uma parceria com a SEE/AL e criou-se um diálogo, depois criou o programa. Tivemos um trabalho no campo através da rede estadual. Então começamos a dialogar com o estado, mais ainda com a equipe de Educação de Jovens e Adultos do estado, quais eram as alternativas para certificação do pessoal. Ai fomos utilizando o Telecurso como meio de certificação. O Telecurso foi complementação da escolaridade dos professores. Era bem interessante, tínhamos um grupo de jovens e um grupo já bem mais adulto de professoras leigas, que elas eram professoras das escolas rurais que não tinham formação e que tinham ficado por um motivo ou por um outro de fora de um processo que o próprio estado estava fazendo de revitalização, através do PROFORMAÇÃO que era um programa nacional para esse professorado leigo. Então o grupo tinha essa coisa, um grupo de professoras que já eram alfabetizadoras, mas que não tinham formação específicas e precisavam complementar sua formação e um grupo de jovens que não tinham também uma escolaridade básica, que dizer que não tinham educação básica ou ensino médio, então a gente dialogou muito com a equipe de EJA do estado e vendo formas de trabalhar a formação deles e a certificação. Então fomos usando essas estratégias possíveis naquele momento pra 160 gente fazer a certificação. A parceria foi com a SEE/AL num processo onde havia a sensibilidade da gestão para o tema campo, um momento diferenciado, o governo era Ronaldo Lessa, a secretaria era Maria José Viana, então a gente tinha pessoas que tinham um compromisso com os movimentos sociais, então era um diálogo nosso com os movimentos sociais, então a gente fez uma triangulação política para poder ver como a gente ia viabilizando isso. (Joana, UFAL, 19 de setembro de 2013). Segundo a coordenadora, há uma precariedade no nível de escolaridade nos assentamentos envolvidos no projeto. Era preciso desenvolver estratégias que viabilizassem a escolarização, ou como podemos constatar também através de sua fala, a certificação. Não vemos uma preocupação em trabalhar os princípios da Educação do Campo, não vemos também como o MST foi inserido na discussão para construção dessa parceria. Há uma problemática muito grande nessa pesquisa, que é a ausência de respostas às perguntas efetuadas, tanto no âmbito do Movimento, quanto da Universidade. Ao ter contato com os vários sujeitos, percebe-se um aversão a esta pesquisa. Contudo, ressaltamos que esse diálogo mediado por uma entrevista semiestruturada nos proporciona a seguinte conclusão. O foco da aprendizagem era apenas elevar o nível de escolarização, não se tem um debate para um projeto a longo prazo, que pudesse sanar as deficiências desses educadores, tanto é que, ao término do Telecurso, eles puderam ingressar em outro programa, o Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO) que habilitava professores leigos à conclusão do nível médio e ao magistério. Vemos que há o desejo de avançar na certificação com pressuposto para o avanço da escolarização, pois com esses educadores formados no nível fundamental, eles iriam participar do PRONERA e estariam vinculados ao PROFORMAÇÃO, que é outra fase da formação destes educadores. Os educadores foram inseridos no Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO), outra parceria com a SEE/AL. Essas medidas paliativas para a formação dos educadores são um risco para a política pública do PRONERA, pois não é possível pensar a Educação do Campo dentro de um paradigma que destoe a perspectiva das lutas e reivindicações camponesas. Porém, a coordenadora afirma que a UFAL teve papel fundamental nessa construção. Segundo ela, o Telecurso 2000, servia com certificação apenas e a equipe da UFAL dava as capacitações. De fato, quando se lê o relatório final do programa, 161 constata-se o desenvolvimento das capacitações da UFAL na formação dos educadores. Mas é importante ressaltar que houve a compra de materiais do Telecurso 2000, com os recursos do PRONERA e eles estudavam também em Telessalas, mediados por um tutor que auxiliava nas videoaulas. Merece atenção essa parte da história do Telecurso 2000, porque tanto na pesquisa sobre o desenvolvimento do curso, quanto no diálogo com os entrevistados, ao falarmos do programa não há uma explicação clara, que nos é atribuída sentido a essa parceria. Pois, se a UFAL tinha uma equipe capacitada para formar os educadores, porque o Telecurso 2000, entra? Apenas para certificação? Como se explicam os materiais comprados e a formação das Telessalas? Há, nessas contradições, um diálogo maior. Era preciso que o Movimento tomasse posicionamento diante desse ocorrido, porém não vemos um protagonismo do MST, analisando na fala da coordenadora. Há sempre um direcionamento para a equipe da UFAL. Onde está a formação da educação dialógica, construída com os sujeitos do campo, tão evidenciada na luta pela terra? Há um ciclo de programas compensatórios por dentro do PRONERA (Telecurso 2000, PROFORMAÇÃO). Qual o papel do PRONERA por dentro desses programas, já que são programas prontos, que não dialogam com o sujeito? O PRONERA deve ser construído, mesmo que em parcerias, no direcionamento de pensar a educação para os camponeses, trazendo debates de interesses da comunidade por dentro da teoria e da prática. Porém, ao analisarmos essas entrevistas não encontramos a preocupação com o desenvolvimento da luta pela política de educação camponesa, vemos a necessidade de sanar os problemas em tempo recorde com cursos compensatórios. Vejamos, A classe do Telecurso era nossa, o que fizemos foi, assinar um papel dizendo que a UFAL tinha uma classe Telecurso, e utilizamos o Telecurso como certificação. A UFAL deu a capacitação, tudo foi feito por nós. Compramos o material do Telecurso (com recursos do PRONERA) mas quem trabalhou a formação fomos nós, e obvio né buscar também, nessas discussões buscar também a formação da educação básica. A nossa concepção, a matemática era um caos, vamos ver quem buscamos na própria matemática para trabalhar isso, ainda não tinha movimento de educação matemática, ai trouxemos uma pessoa de educação matemática para fazer trabalhos com eles. Quando fomos fazer a discussão da formação, mas pela perspectiva da sociolinguística, não só o conteúdo pelo conteúdo, mas como fazer aquela abordagem metodológica, ai foi onde fomos fortalecer, ou dentro ou fora, mas que estava no entorno para fazer a formação da equipe numa perspectiva metodológica de abordagem de conteúdo que 162 trouxesse outra perspectiva, uma compreensão mais global, mais política. Quando fomos discutir questão metodológica, fizemos oficinas para eles entender o que era a didática, qual era a perspectiva da didática que estávamos discutindo. Então a gente foi tentando fazer realmente uma equipe, então assim, não era uma coisa que estava pronta, acabada, íamos dialogando com os colegas, aprendendo, então as pessoas que passaram naquele período, falou que aquele período foi uma escola pra nos na construção da formação. Uma coisa é você teorizar, outra coisa é você conviver com pessoas do campo, que estavam sentados em cadeirinhas da UFAL e que a gente tinha que assegurar para eles o conteúdo da educação básica que eles não tinham, e não era só o conteúdo pelo conteúdo, que abordagem política, metodológica, de concepção que a gente estava trabalhando com eles, principalmente nós que somos formadores dos cursos da licenciatura, então qual era a abordagem da história, e ao mesmo tempo discutíamos com o pessoal da coordenação. Gente calma, esse pessoal não tem a sua educação básica completa, então eu não posso chegar com um texto que o pessoal só lê na pós-graduação e jogar na mesa deles, eles não vão ler. Então como é que a gente vai trazer as temáticas, as perspectiva críticas, considerando que eles estão no seu processo de formação de educação básica. Então foi um grande desafio, um desafio mesmo, e ao mesmo tempo esse conjunto de políticas estava se batendo dentro do assentamento. Nada funciona concretamente, começo, meio e fim, é uma loucura, o povo se virando, sai pulando de programa em programa. Quando a prefeitura pegava os programas federais coloca lá também, é impossível saber quantas pessoas passavam nos programas de alfabetização, eram todos desconectados. Eram tantas turmas dentro dos assentamentos, dos municípios, comunidades rurais, um monte de gente fazendo a mesma coisa e não existia um fórum para dialogar. Fomos para dentro do processo e fomos para luta (Joana, UFAL, 19 de setembro de 2013). Para a coordenadora, os próprios educadores dos assentamentos não tinham uma postura de firmeza no programa, pois, segundo ela, bastava aparecer outros programas que eles mudavam de curso, contudo, enfatiza que a institucionalização do PRONERA no estado e a formação dos educadores, através do Telecurso, foi uma luta, um processo de constantes desafios. Apesar da fala da coordenadora em afirmar que o Telecurso foi apenas para a certificação, constatou-se, na leitura do relatório final do programa, que houve a compra de materiais do Telecurso 2000 e tínhamos complementado essa formação dada pela UFAL, as Telessalas com o auxílio do tutor. Portanto, a formação dos educadores do PRONERA, por meio desse programa, diverge da luta dos movimentos socioterritoriais cuja essência da luta pela educação está na conflitualidade, no confronto, na negação de um paradigma educacional que segrega o indivíduo de sua própria realidade. O Telecurso 2000 é uma educação hegemônica 163 idealizada para a formação técnica que direciona o indivíduo ao mercado de trabalho. Diferente do PRONERA, que é contrahegemônico e pensa a formação para além da certificação. Por fim, entende-se que o Telecurso 2000 é uma contradição dentro dos princípios do PRONERA. Outro curso que precisa de análise é o PROFORMAÇÃO, desenvolvido como a segunda etapa de formação dos educadores, que foi realizado em parceria com o estado e os municípios. 3.3.2 Programa de Formação de Professores em Exercício (PROFORMAÇÃO) O Programa de Formação de Professores em Exercício foi outra parceria criada por dentro do desenvolvimento do PRONERA, em Alagoas, para desenvolver o segundo ciclo da formação dos educadores do campo alagoano. Foi considerada uma segunda etapa, pois tinha como objetivo proporcionar aos educadores a formação em nível médio e depois em magistério. Deixamos claro de imediato que esse curso é outra parceria que não tem vínculos com o PRONERA, foi construído sob o direcionamento do Ministério da Educação através da Secretaria de Educação à Distância (SEED). Portanto, o PROFORMAÇÃO diferencia-se extremamente do PRONERA, tanto na sua criação como na sua estrutura. A estrutura do PROFORMAÇÃO, em nível nacional, ampara-se na Coordenação Nacional do PROFORMAÇÃO (CNP) e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola (FNDE). Dentro do contexto estadual, a Secretaria Estadual de Educação (SEE), a Equipe Estadual de Gerenciamento do PROFORMAÇÃO (EEG) e Agências Formadoras (AGF), que em Alagoas ficava localizada no município de União dos Palmares. Na esfera Municipal, agem os órgãos: Secretaria Municipal de Educação (SME), Órgão Municipal de Educação (OME) e Corpo de Tutores. O PROFORMAÇÃO, que surgiu em 1991, com objetivo de destinar aos professores sem habilitação mínima que atuam nas séries iniciais, classes de alfabetização e pré-escola o curso de nível médio com habilitação em Magistério. O curso funcionou na modalidade de educação a distância, incluindo atividades de estudo individuais e coletivas, a serem desenvolvidas com o apoio de um tutor e de um serviço de comunicação que orientava e auxiliava a aprendizagem do professor cursista. O 164 Programa resultou da negociação entre a União, estados, municípios e entidades representativas na área da educação (CUNHA, 2000). Na época de institucionalização do programa, havia uma proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de que os professores com habilitação em magistério até o ano de 2006 deveriam completar seus estudos e habilitar-se a partir do nível superior. Contudo, a realidade dos professores de regiões como o Norte, Nordeste e Centro Oeste (CUNHA, 2000) não atendiam as especificidades da LDB, alguns ainda não tinham sequer complementado o ensino médio, porém lecionavam em escolas municipais, estaduais tanto no campo quanto na cidade. Partindo desta realidade, foi preciso criar um curso que possibilitasse a formação continuada, ou seja, a conclusão do Ensino Médio articulada ao Magistério. Surge, com isso, o PROFORMAÇÃO que se torna regulamentado pela Lei nº 9.424 de 1996, pois o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) "assegurava aos professores leigos o prazo de cinco anos para obtenção da habilitação necessária ao exercício das atividades docentes" (CUNHA, 2000). O PROFORMAÇÃO tinha como objetivo se desenvolver em dois processos, na formação do educador e na análise deste em sala de aula. Para CUNHA (2000), esse processo do programa se vale dos [...] benefícios da formação em serviço, que torna possível a observação e o tratamento adequado das condições em que se dá a prática do Professor Cursista, considerando as características, necessidades, limites e facilidades apresentados pela escola onde ele atua. Dessa forma, a própria escola fundamental torna-se o lugar privilegiado de formação do professor, com efeitos claros e rápidos sobre a sua prática pedagógica (CUNHA, 2000, p.12). O programa é reconhecido como uma possibilidade para melhoria da aprendizagem dos educadores. Os professores passam a ampliar seu leque de conhecimentos e adquirem credibilidade entre os assentados e educandos. Diante da sociedade, estes passam a ter possibilidades antes inexistentes. A legitimidade desse processo não foi aceita de imediato, uma vez que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação mostra claramente, em seu artigo 62º, que a formação docente deve ser feita em nível superior. Porém, sabemos que no Brasil muitos professores foram formados a partir do magistério com o nível médio ou muitos ainda não o tinham completado. 165 Nesse contexto, o PROFORMAÇÃO é tido como uma via legal para a formação dos professores que ainda não tinham suas formações completadas. O PROFORMAÇÃO levou aos professores sem formação específica conhecimentos básicos tanto das áreas de estudo do Ensino Médio, quanto da área pedagógica para o exercício do Magistério. O Programa se valeu dos benefícios da formação em serviço, que torna possível a observação e o tratamento adequado das condições em que se dá a prática do Professor Cursista, considerando as características, necessidades, limites e facilidades apresentados pela escola onde ele atua. (MANUAL DO PROFORMAÇÃO, 2002, p. 11). Essa formação em serviço significa que o educador ao mesmo tempo que estuda, já atua nas classes de alfabetização. Em Alagoas, os educadores dos assentamentos atuavam por dentro do Projeto de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos das Áreas de Reforma Agrária (nome do projeto dado ao desenvolvimento do PRONERA em Alagoas). A metodologia do PROFORMAÇÃO é em Educação a Distância (EAD), modalidade que caracteriza-se diferenciada do PRONERA, que tem a Pedagogia da Alternância em sua fundamentação. É importante ressaltarmos que a educação a distância nada se compara com a Pedagogia da Alternância, pois esta se caracteriza por dois tempos de aprendizagem, o tempo escola e o tempo comunidade, ligando à formação a contextualização da realidade na práxis cotidiana. Contudo, a educação a distância não viabiliza essa dinâmica, o educando com seus materiais de estudo vai aos centros de formação para complementar a carga horária exigida ou realizar atividades de avaliação. No PROFORMAÇÃO, essa metodologia organiza-se a partir dos seguintes elementos: Utilização de uma sistemática envolvendo material impresso e fitas de vídeo, que são completados pela orientação de tutores e por um serviço de comunicação permanente entre os professores cursistas, tutores e agências formadoras. Material auto-instrucional impresso e vídeos de alta qualidade técnica e pedagógica, que foram especialmente criados para o curso. São eles: Guia Geral do PROFORMAÇÃO; 32 Guias de Estudo das áreas temáticas, que contêm os textos para os estudos individuais correspondendo à parte auto-instrucional do curso; 32 Cadernos de Verificação da aprendizagem contendo exercícios baseados nos Guias de Estudo; 32 vídeos por Módulo, correspondendo cada um a uma de suas unidades. Manual do Tutor. Serviço de tutoria, por meio do qual um orientador de aprendizagem - Tutor - acompanha o processo de desenvolvimento do Professor Cursista. O Tutor acompanha não só as atividades auto- instrucionais que o cursista desenvolve a partir dos Guias de Estudo, 166 mas também a sua atuação em sala de aula e outras atividades do curso. Ele é uma pessoa chave para ajudar os alunos individualmente a cumprir as atividades do curso e alcançar sucesso. Serviço de Comunicação, por meio do qual será possível uma comunicação constante entre professores cursistas, tutores e agências formadoras. Período de ensino presencial de duas semanas, no início de cada Módulo, onde o cursista é preparado para desempenhar as atividades do curso naquele Módulo (MANUAL PROFORMAÇÃO, 2000, p. 14). Há uma diferença gritante entre esses programas. O PROFORMAÇÃO não é um projeto criado para ser desenvolvido no território camponês. Ele é pensado a partir da lógica neoliberal que centraliza o controle pedagógico, em nível curricular, avaliação e formação. Esses programas paliativos, são idealizados na lógica neoliberal, esses programas de ajuste tendem a expressar o protagonismo dominante das instituições estatais (GENTILI, 1998). Considerando o PROFORMAÇÃO como uma política de ajuste das condições de escolarização dos educadores leigos, elaborada pelo neoliberalismo, corroboramos com Gentili (1998) quando afirma que o impacto dessas políticas de ajuste causam [...] uma intensificação dos mecanismos históricos de segmentação e dualização dos sistemas educacionais que se verifica: um mais reduzido acesso dos setores populares urbanos e rurais ao sistema, num estancamento ou piora dos índices de transição entre o subsistema primário e o secundário [...] na manutenção ou no brutal aumento das taxas de inércia e retenção do sistema e na persistência do analfabetismo funcional em que se encontram submersos amplos setores sociais (GENTILI, 2008, p.34). A proposta pedagógica do PROFORMAÇÃO está fundamentada em algumas concepções, a saber: concepção sobre educação, escola, aprendizagem, conhecimento escolar, prática pedagógica, interdisciplinaridade e identidade profissional. Destacamos dessa proposta pedagógica as duas primeiras, pois as analisando notamos divergências em relação às concepções de educação e escola disseminados pelo Paradigma da Educação do Campo e pela Política Pública do PRONERA. Em relação ao PROFORMAÇÃO, a concepção de escola baseia-se em considerar esta como uma instituição social [...] que concretiza as relações entre educação, sociedade e cidadania, sendo uma das principais responsáveis pela formação das novas gerações. Expressa-se em uma organização concreta, com objetivos e funções e estruturas definidas. Faz a mediação entre as demandas sociais por cidadãos escolarizados e as necessidades de auto- 167 realização das pessoas. É parte da sociedade, existe nela e interage com os diferentes grupos sociais. Transforma-se junto com a sociedade, mas também colabora para essa transformação (MANUAL PROFORMAÇÃO, 2000, p.19, grifos dos autores). Considerar a escola como uma instituição social que é a principal responsável pela formação das gerações é tirar o papel da formação além dos muros da escola, é desconsiderar que a formação humana deve ocorrer por ações libertadoras. A concepção de escola engendrada pelo PROFORMAÇÃO em nada se articula com a concepção da Educação do Campo, a qual acredita que a educação deve se posicionar frente as demandas dos territórios camponeses. Não é a escola que interage com a sociedade, ela é parte desta, mas ela não se desenvolve por princípios de interação e sim de imposição da lógica de uma educação que qualifique para o mercado e é na contradição dessa proposta que a Educação do Campo se constrói e busca se territorializar nas áreas de assentamentos da Reforma Agrária. Em relação a Educação, o PROFORMAÇÃO reconhece que a educação deve ser vista como um [...] um processo construtivo e permanente, que vai da vida para a escola e da escola para a vida, articulando conhecimentos formalmente estruturados e saberes adquiridos com a prática. Tem caráter histórico e cultural, formando as novas gerações de acordo com as necessidades da sociedade e, ao mesmo tempo, promovendo a auto-realização e o desenvolvimento das pessoas. É atribuição e responsabilidade de múltiplas agências: a família, a igreja, a empresa, o sindicato, a associação profissional e, é claro, a escola (MANUAL PROFORMAÇÃO, 2000, p.18 grifos dos autores). A concepção de educação para o PROFORMAÇÃO está em formar gerações para o mercado de trabalho. A educação é pensada como um pressuposto para formar mão de obra, especializar os professores para atuarem nas escolas, além do que o programa destaca a auto-realização. Não é um projeto que visa o desenvolvimento conjunto para pensar na coletividade social, e sim um projeto que busca enfatizar o individualismo e seu próprio desenvolvimento, descaracterizando-se, dessa forma, do projeto de Educação do Campo, que é regido através do PRONERA, pois esse é o indutor maior deste paradigma educacional. A educação, nesse paradigma, tem como foco a formação desalienante. É preciso que a educação direcionada aos camponeses permita-os compreender sua condição de "oprimido" dentro das relações do capitalismo, é radicalizando com o 168 projeto hegemônico do capital que a Educação do Campo se constitui e tem ganhado espaço na formação de jovens e adultos. É preciso compreender que analisando os princípios do PRONERA e sua relação com o PROFORMAÇÃO vemos a distinção das práticas políticos ideológicas de cada programa. O primeiro programa procura fortalecer os territórios camponeses, e o segundo busca, por meio do discurso de auto-realização, firmar a prática de dominação pela escola, principalmente, quando atribui outros espaços de formação como "a igreja, a empresa", tidos aqui como espaços de alienação. Nesse contexto, vamos caracterizar o desenvolvimento do PROFORMAÇÃO em Alagoas, compreendendo-o como uma negação ao Paradigma da Educação do Campo. Em Alagoas, o PROFORMAÇÃO foi realizado concomitantemente ao Projeto de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos da Reforma Agrária (PROJERAL), pois era uma formação em serviço, ou seja, os educadores ao mesmo tempo que se formavam estavam atuando em sala de aula. Esse processo também era avaliado pelo monitor-tutor em visitas de acompanhamento agendadas. Segundo o relatório final do PROFORMAÇÃO, entende-se que no âmbito do PROJERAL era garantir o acesso dos professores leigos ao processo de habilitação como um fator que contribui para garantir a melhoria da Educação do Campo. Dessa forma, não bastam medidas paliativas para a formação desses educadores, é preciso que se estabeleçam formação continuada que ampliem o processo de aprendizagem e lhes deem novas possibilidades de formação no âmbito da vida profissional. (RELATÓRIO FINAL, PROFORMAÇÃO, 2005). Foram inseridos 26 monitores na primeira etapa do PROFORMAÇÃO. Essa turma vivenciou o processo de ensino-aprendizagem junto a outros educadores das escolas públicas municipais da cidade. A metodologia em Educação a Distância (EAD) também era articulada às aulas presencias nas primeiras semanas do curso que foram ministradas na Agência Formadora de União dos Palmares. A estrutura do curso do PROFORMAÇÃO em Alagoas apresenta peculiaridades em relação a estrutura do território da prática docente dos camponeses. No processo de formação, os educadores contaram com uma infraestrutura necessária para o desenvolvimento do curso, salas de aulas amplas, auditórios, boa iluminação do espaço de formação que ocorria em escolas públicas das cidades pólos, Olho D'água do Casado, Girau do Ponciano e Matriz do Camaragibe. Contudo, seus espaços de trabalho divergiam da realidade de sua formação. 169 Não havia uma infraestrutura para o desenvolvimento das aulas do PRONERA no território dos assentamentos, pois as escolas do campo não dispunham de uma estrutura física que permitisse um melhor desenvolvimento das aulas, isso quando havia escolas nos assentamentos. Muitas vezes os professores davam aulas em galpões de sua casa, desempenhavam suas atividades em espaços precários que não dava o conforto necessário para que os alunos pudessem se acomodar para aprender depois de um longo dia de trabalho. Os recursos humanos envolvidos no desenvolvimento deste projeto foram definidos pelas parcerias da UFAL com o INCRA, a SEE/AL, o MST, a FUNDEPES e o MEC. O primeiro módulo do curso, com carga horária de 800 horas, foi realizado no último semestre do PROJERAL III. Esse contou com a participação de 26 educadores que desenvolviam suas aulas em 24 turmas organizadas nos assentamentos rurais na modalidade de educação de jovens e adultos, na etapa do ensino fundamental. (RELATÓRIO FINAL, PROFORMAÇÃO, 2005). Segundo a Coordenadora Joana, o PROFORMAÇÃO foi uma luta e uma conquista, pois, para que pudesse inserir os professores camponeses nesse programa, era necessário haver um compromisso desses educadores e dos próprios professores da UFAL e tutores do PROFORMAÇÃO que precisam ter uma dedicação maior ao grupo dos educadores dos assentamentos rurais. O desenvolvimento do PROFORMAÇÃO gerou para os coordenadores do PRONERA em Alagoas uma luta de [...] três anos, mesmo com todo o apoio interno da secretaria teve uma dificuldade de montar uma turma, porque a gente montou uma turma, uma turma específica do PRONERA dentro do PROFORMAÇÃO, então nosso compromisso era da um acompanhamento a eles com alguns elementos a mais dentro da perspectiva pedagógica da Educação do Campo que a gente estava discutindo com eles. Então o PROFORMAÇÃO foi o viés da certificação, até porque o modelo que eles faziam semipresencial, uma parte não presencial, tudo isso facilitou que houvesse esse avanço, a gente teve um grupo que conseguiu se formar. Um tempo atrás encontrei uma menina que hoje esta fazendo a licenciatura em Educação do Campo na Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Tem gente que fez outra licenciatura, como o curso de teatro na residência universitária, as pessoas vão trilhando vários caminhos e foi da turma do PRONERA (Joana, 19 de Setembro de 2013, UFAL). Nesse sentido, o PROFORMAÇÃO foi considerado pelos coordenadores da UFAL e dos próprios educandos como uma boa experiência, sendo considerado por estes sujeitos como um programa que contribuiu metodologicamente para o avanço da 170 formação dos educadores do campo, para eles foi fundamental essa parceria. A educadora Luiza, em análise sobre sua participação no PROFORMAÇÃO, afirma que este programa foi essencial para melhorar sua vida. Aprendi demais, com esse programa, minha tutora me ajudou muito e eu me arrependo por não ter explorado tanto ela, ela queria o máximo da gente. [emocionou-se e disse] Agradeço muito por ter encontrado uma pessoa com tanta criatividade. Ela foi maravilhosa, ela me ajudou a trazer a aula para o papel e isso eu não sabia. Na época do PROFORMAÇAO eu ensinava a noite. Lá temos uma escola. Mais de manhã funciona de 1 a 4ª serie e a professora agora é da prefeitura, eles não aproveitaram os educadores do assentamento, fruto do PRONERA. [...] O curso abriu muito nossos caminhos, ficamos outra pessoa. Dar uma aula pra não temer, eu não sabia tirar de uma receita uma aula e eu aprendi de um pedaço de jornal fazer uma aula. Antes do PROFORMAÇÃO eu sabia copiar, mas hoje cresci. O curso era muito legal, os professores aprendiam com a gente, porque eles não tinham uma dinâmica. Parecia que os professores tinham medo de nós, devido às coisas que eles sabiam do Movimento sobre a televisão. Mais depois eles disseram que estavam aprendendo com a gente. Na prática educativa o que ficou de bom foi que os alunos aprenderam a ler, mais aprenderam e procuraram até a cidade para continuar os estudos. As pessoas aprenderam a assinar o nome, muitas pessoas mudaram a identidade, pois antes era o polegar, e mudaram para assinar o nome. Pra mim o PRONERA é ótimo, nunca devia faltar nos assentamentos, devia ser contínuo, mas Alagoas não tem avanço não (Luiza, 12 de Janeiro, Maceió, 2014). Outra educadora coloca o PROFORMAÇÃO como a possibilidade de garantia de sua sobrevivência. Para ela, a credibilidade que ganhou entre os assentados foi outra maneira de se afirmar como educadora, hoje ela faz um curso superior na Universidade Estadual de Alagoas através do PROCAMPO, licenciatura em Educação do Campo, e afirma que foi o PROFORMAÇÃO que possibilitou ela estar hoje na universidade. O PROFORMAÇÃO foi a forma da minha sobrevivência até hoje, se não, eu não teria a oportunidade de dar aula lá. Com o programa as pessoas foram tendo credibilidade na escola, iam com mais frequência, eles gostavam da metodologia que aprendíamos no curso e levávamos pra lá, levávamos novidade e eles gostavam e as pessoas foram participando, aprendendo a ler e a escrever e isso tem ajudado até na associação, porque muitas pessoas eram enganadas e hoje como sabem ler já foram lendo e tendo noção e tendo noção crítica e política, pois nas aulas buscávamos isso também (Carina, 22 de janeiro, Delmiro Gouveia). Segundo a fala da coordenadora da etapa 2002, responsável pelo andamento do programa, 171 O PROFORMAÇÃO era muito organizado sabe, as dificuldades que nos tínhamos em relação ao PROJERAL, nos tínhamos menos dificuldades, devido toda estrutura montada pelo PROFORMAÇÃO. Era muito organizado. Eu penso que isso contribuiu bastante, quem teve condições e se interessou conseguiu concluir, mas nem todos conseguiram finalizar o curso (Barbara, 18 de setembro de 2013, UFAL). Contudo, é importante ressaltar que houve receio por parte dos educadores e educandos do PROFORMAÇÃO para receber grupos do MST. A coordenadora Barbara afirmou que Ainda tinha uma questão muito complexa que era da relação com os educadores que estavam iniciando o processo de formação e a imagem que se tinha do movimento sem terra. Existia muito preconceito ao movimento sem terra, a luta pela terra. Depois de um certo tempo do pessoal inserido no PROFORMAÇÃO uma das coordenadoras disse que se surpreendeu com a atuação do movimento, pois tinha uma ideia muito preconceituosa do mesmo (Barbara, 18 de setembro de 2013, UFAL). É interessante essa relação que a professora coordenadora destaca, pois é justamente no âmbito da Educação do Campo que está a luta contra esse preconceito instituído historicamente na sociedade. A relação dos camponeses com a escola urbana, principalmente para as crianças, gerava um desconforto, um receio, pois nas escolas esses eram tidos como atrasados, sem-terra, matutos, entre outras denominações que revelavam o preconceito social para com os camponeses. É na contraposição desse viés de criminalização dos movimentos e dos sujeitos que os compõem que a Educação do Campo tem desenvolvido estratégias voltadas para potencializar a formação dos camponeses. Não devemos pensar aqui numa dicotomia entre campo e cidade, ou entre a necessidade de diferenciação na formação da classe trabalhadora urbana e da classe camponesa, essa diferenciação vai além de um processo dicotômico, é a reafirmação de uma classe que se direciona para outro projeto de sociedade que beneficie não só os camponeses, mas a sociedade como um todo, portanto, o PROFORMAÇÃO, como vimos nas falas das educadoras potencializou a elevação da escolaridade, contudo, é uma proposta que se materializa sob outra concepção de educação, de sociedade e de formação humana. Podemos visualizar, no quadro a seguir, a espacialização do PROFORMAÇÃO nas áreas das cidades polos e os territórios camponeses que os educadores do campo atuavam na formação dos jovens e adultos. 172 QUADRO 5 - ALAGOAS- ESPACIALIZAÇÃO DO PROFORMAÇÃO –2005 ÁREA DE Município ATUAÇÃO/ASSENTAMENTO Dom Hélder Câmara Girau do Ponciano Sol Nascente Traipu Marcação Traipu Serrana Joaquim Gomes Chico Mendes União dos Palmares Parari Flexeiras Santa Cruz do Riachão Matriz do Camaragibe São Frutuoso São Luiz do Quitunde Macíape Porto Calvo Nova Esperança II Olho d'água do Casado FONTE: Relatório Final do PROJERAL, etapa IV, 2005. Organizado por Raqueline da Silva Santos A sede dos municípios que o PROFORMAÇÃO abrangeu para o desenvolvimento dos encontros quinzenais eram "próximos" aos assentamentos. O deslocamento dos educadores era realizado através de transportes alternativos, os quais em épocas de chuva dificultavam a saída dos territórios camponeses bem como o acesso para entrar nesses espaços, dificultando, às vezes, a ida dos educadores nessas épocas, pois o PROFORMAÇÃO pela análise dos relatórios não relata adaptações às condições naturais que interferem na mobilidade dos assentamentos. As cidades polos eram centros importantes de formação. Mesmo em realidade diferenciada, conseguiu-se adaptar algumas atividades do MST no programa. Os encontros presenciais passaram a ser iniciados com Hino do MST, que se faz criar um respeito dos educadores da cidade e dos professores formadores dos cursistas do PROFORMAÇÃO. Os encontros presenciais eram mediados pelo recolhimento dos Cadernos de Verificação de Aprendizagem (CVA) dos educadores, na análise do seu memorial, exercício instituído pelo Manual do PROFORMAÇÃO, como um instrumento de registro das reflexões dos educadores sobre o processo que estavam vivenciando no curso, e a análise dos planos de aulas criados por eles para desenvolvimento de suas aulas nos assentamentos. Esses procedimentos direcionavam os encontros com leitura dos CVAs para esclarecimentos, dúvidas, e pontuação com o número de acertos e erros. Analisamos que esta metodologia dentro do Paradigma da Educação do Campo não proporciona ao educador a aprendizagem além da reprodução dos conteúdos, não os orienta para 173 compreender sua situação em relação aos processos de subordinação que o capital impõe. A educação precisa ir além da verificação, ela precisa ampliar o debate que fundamente a possibilidade do educando compreender sua realidade. Os cursos do PRONERA nascem com esse objetivo de assegurar uma metodologia que defendesse o território camponês e que a formação educacional fosse orientada para uma prática libertadora, revolucionária, que relacionasse o trabalho, o modo de vida, a cultura, os processos de luta do movimento como espaço de formação, como ações educativas que contribuem para potencializar a compreensão de mundo do educador para além de conteúdos que permitam verificar seu avanço no processo de aprendizagem. Não desmerecemos a importância do PROFORMAÇÃO na escolarização dos educadores, pois este programa mesmo distante da proposta paradigmática da Educação do Campo proporcionou aos educadores leigos a condição de formação em nível médio e magistério, dando a esses, novas possibilidades de continuar sua formação através de outros processos que ampliassem sua escolarização enquanto educador. O PROFORMAÇÃO para os educadores foi muito importante, pois compreendemos que, mesmo distante da realidade do campo, esse programa contribuiu para que os educadores ampliassem sua escolarização. Esse processo deu possibilidades concretas para esses educadores melhorarem de vida, pois muitos deles hoje estão inseridos em escola públicas dos municípios onde residem, outros estão fazendo cursos de graduação em universidades públicas de Alagoas. Essas conquistas são sinais de que o curso foi importante para os educadores, contudo, reafirmamos que este não se pautou em princípios da Educação do Campo, e, nessa perspectiva, há um processo de reafirmação de outro projeto de educação, de sociedade, evidenciado pelo próprio estado por meio de suas políticas paliativas, como é o caso do PROFORMAÇÃO. Realizamos uma entrevista semiestruturada com a estagiária do PROFORMAÇÃO, Morgana, que na época era aluna do curso de Letras da Universidade Federal de Alagoas, e por meio de análise de currículo, prova escrita e entrevista foi uma, dentre os cinco estagiários necessários para acompanhar a prática do professor educador do PROFORMAÇÃO. A entrevistada afirmou que o programa teve grande evasão dos educadores porque a metodologia do PROFORMAÇÃO era pesada, 174 devido a serem mais questões teóricas, assim, os educadores muitas vezes desistiam, segundo a estagiária, [...] no PROFORMAÇÃO a gente teve grande evasão por conta da metodologia do PROFORMAÇÃO que acabava não atendendo as pessoas. A metodologia era mais pesada, eram questões teóricas. Ficava mais chatinho para o pessoal que estava distante da escola, então acabavam desistindo por causa do peso da escolarização (Morgana, 13 de setembro de 2013, entrevista realizada na Feira da Reforma Agrária, Maceió). Ao nos remetermos à prática pedagógica do PRONERA em relação com a Educação do Campo, observamos que o PROFORMAÇÃO não condiz também com os pressupostos político - pedagógicos do Paradigma da Educação do Campo. Mediante à análise do programa vemos que o currículo do curso é criado a partir de especialistas que organizam os módulos, as práticas de formação, a metodologia, os assuntos em módulos, sem nenhuma participação dos educandos na construção de sua formação. São materiais prontos que, muitas vezes, não condizem com a realidade do educador, como é o caso dos educadores do PRONERA, em Alagoas. Pela lógica da Educação do Campo, os cursos devem ser criados e discutidos juntos aos movimentos socioterritoriais, a partir de um diálogo e uma gestão participativa. As ações do PROFORMAÇÃO não são efetivadas a partir deste modelo pensado na luta pela terra e pela educação. O currículo do curso do PROFORMAÇÃO "foi definido por equipe de especialistas, acatando diretrizes curriculares para o Ensino Médio e as concepções teóricas que orientam a formação de professores" (CUNHA, 2000). O currículo do curso está estruturado em seis grandes áreas temáticas: Linguagens e Códigos; Identidade, Sociedade e Cultura; Matemática e Lógica; Vida e Natureza; Fundamentos da Educação; Organização do Trabalho Pedagógico. Em Alagoas, o quadro das seis grandes áreas era de responsabilidade de educadores com nível superior e especialização, exceto a professora de Matemática e Lógica. A formação do professor responsável pela disciplina em Organização do Trabalho Pedagógico era em educação artística; a professora da disciplina de Fundamentos da Educação tinha como formação o curso de Pedagogia; a da disciplina de Linguagens e Códigos, formado em Letras; a educadora da disciplina Vida e Natureza era formada em Ciências e o professor de Identidade, Cultura e Sociedade era 175 formado em Estudos Sociais. Analisando o currículo proposto pelo PROFORMAÇÃO e analisando as propostas educacionais do paradigma da Educação do Campo, vemos que não há uma conexão entre o debate político, problematizador que vise uma educação dialógica e libertária. É um currículo fechado que não proporciona uma construção com os sujeitos em processo de formação. Contudo, mesmo com essa estrutura, merece destaque nesse curso uma particularidade, pois além dessas áreas temáticas o curso possibilitou ao educador proveniente do MST que estava em processo de formação desenvolver um trabalho de conclusão ao final do curso, como metodologicamente exigido pelo PROFORMAÇÃO, que direcionava os trabalhos para conteúdos específicos, como história, geografia, literatura, linguagem oral, aspectos da cultura e questões ambientais locais ou outros campos do conhecimento, complementando-se aos conteúdos da base nacional "sob a forma de pesquisa e/ou ação pedagógica no campo dos conteúdos" (MANUAL DO PROFORMAÇÃO, 2000, p.15). Em Alagoas, os educadores dos assentamentos que concluíram o curso realizaram esse trabalho a partir da temática do campo. É importante destacar que estes não tinham caráter de um trabalho cientifico, baseado em estudos teóricos, mas foi um trabalho em que, a partir de experiências cotidianas, os alunos buscaram construir seus estudos e assim concluírem o curso. Todos os trabalhos continham temas relevantes para os assentamentos. Todos se propunham a debater temas relativos à Reforma Agrária nos mais diversos âmbitos: Produção, Educação e Cultura. Os temas foram os seguintes: 1. Cultivo de inhame no assentamento Nova Esperança. 2. O cultivo da cana-de-açúcar no assentamento Maciape. 3. Princípios da Educação do MST. 4. Cultivo da mandioca no assentamento Dom Hélder Câmara. 5. Agricultura das lavouras brancas nos assentamentos do MST em Alagoas. 6. Agricultura familiar no assentamento São Frutuoso. 7. Cultivo de flores tropicais como proposta de geração de renda no assentamento Dom Hélder Câmara. 8. A importância da lavoura de subsistência no Assentamento Santa Cruz do Riachão. 9. O plantio e a colheita da pimenta do reino no assentamento Maciape. Esses trabalhos foram relevantes dentro dos cursos do PROFORMAÇÃO em Alagoas, pois mesmo o programa sendo desarticulado dos princípios básicos do paradigma da Educação do Campo os professores tiveram a preocupação de trabalhar com os alunos/educadores do curso a análise de sua realidade a partir do seu trabalho na 176 produção familiar. Contudo, esse fator não exime o papel do PRONERA na formação dos educadores do campo. É imprescindível que os programas que são viabilizados pelo PRONERA sejam construídos a partir de sua prática político-pedagógica, pois os cursos empreendidos pelo programa devem atender aos critérios da educação camponesa com ações educativas que os permita compreender sua realidade, seu modo de vida e torne- os construtores de sua própria história. A realização do PROFORMAÇÃO como medida paliativa implica na negação dos princípios da Educação do Campo no território alagoano. Porém, foi a única medida desenvolvida no estado para possibilitar aos educadores a titulação do magistério. Não estamos negando a importância do PROFORMAÇÃO no aperfeiçoamento do professor. Questionamos até que ponto a política pública de educação para os camponeses não vai atuar como protagonista de sua história, pois é por isso que se luta. Quando há a inversão desse objetivo, compreendemos que há uma negação da conquista de uma educação direcionada e pensada para o campo brasileiro. O único processo que foi construído, enquanto um projeto de formação idealizado pela universidade em diálogo com o MST foi o Programa de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos (PROJERAL), que esteve direcionado para a escolarização dos assentados em quatro etapas de formação. Como veremos adiante, sobre o desenvolvimento do curso, compreenderemos que houve um avanço, mesmo que pequeno, no quadro da educação no território camponês alagoano. 3.3.3 Projeto de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos nas áreas de Reforma Agrária (PROJERAL) O Projeto de Capacitação e Educação de Jovens e Adultos nas áreas de Reforma Agrária (PROJERAL) foi desenvolvido em quatro etapas: PROJERAL I, II, III e IV, as duas primeiras etapas ficaram para o desenvolvimento da alfabetização, a terceira e a quarta para a formação do ensino fundamental primeiro ciclo (atual 1º ao 5º ano), tendo em vista que a formação dos educadores foi incluída na etapa três e finalizada na etapa do PROJERAL IV, pois, como já ressaltamos, os educadores que lecionavam no Projeto de Educação de Jovens e Adultos foram capacitados pelo PROFORMAÇÃO, à medida que aprendiam lecionavam. 177 Esse projeto no desenvolvimento de sua primeira etapa teve o financiamento do Ministério extraordinário de Política Fundiária (MEPF). A execução pela UFAL junto com a parceira do INCRA e do MST/AL estabeleceu o Convênio com a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC), em 30 de setembro de 1998 (RELATÓRIO FINAL PROJERAL I, 1998/2000). A meta inicial do programa era que este fosse desenvolvido em 12 meses na etapa de escolarização básica, contudo, os problemas estruturais, como educadores sem formação, falta de infraestrutura para abarcar as classes de alfabetização nos assentamentos foram problemas que fizeram com que houvesse uma prorrogação de seis meses na etapa de escolarização, sendo finalizado em 18 meses. Com o objetivo de diminuir o analfabetismo nas áreas de assentamentos em Alagoas, o projeto teve como meta alfabetizar, de acordo com o relatório final do PROJERAL I, "1.000 jovens e adultos, capacitar 50 monitores, 5 coordenadores pedagógicos das áreas de assentamento e 5 alunos estagiários da UFAL". A primeira etapa abrangeu 20 assentamentos. O projeto iniciou suas atividades em agosto com o processo de seleção dos recursos humanos para trabalhar nas atividades pedagógicas de acompanhamento e de coordenação. Com esse processo finalizado, a primeira turma de alfabetização foi implantada em outubro de 1999 e finalizada janeiro de 2000. Na análise desse programa é preciso olhar a problemática estrutural das condições de vida dos assentados. Nesse sentido, a discussão requer primeiro que se demonstre a situação do PROJERAL em suas fases de execução para fazer uma análise mais específica da problemática do programa dentro do Paradigma da Educação do Campo. A realidade precarizada dificultou o desenvolvimento do projeto, os parceiros na solicitação de apoio ao Estado para amenizar as problemáticas existentes nos territórios camponeses não obtiveram sucesso, apenas uma prefeitura, a da cidade de Maragogi, viabilizou cadeiras, quadros de giz e merenda escolar para as classes de assentamentos do município. A concepção educacional que orientou esse programa, segundo o relatório final da primeira etapa, foi "considerar o adulto um trabalhador como um sujeito produtor de cultura, portanto portador de um saber que deve ser levado em conta como ponto de partida e objeto de estudo para a aquisição do conhecimento letrado". 178 Essa concepção tem pontos em comum com a Educação do Campo presente no MST, contudo, a realidade sociocultural e socioeducacional, presente nos assentamentos rurais de Alagoas tem como base formar para aprender a ler e escrever. É preciso superar as condições básicas de escolarização. O foco não é ensinar apenas a fazer o nome. O direcionamento da educação deve voltar-se para que o camponês consiga compreender sua realidade e use a educação para potencializar sua condição de ser, seja no assentamento, na produção, no cotidiano diante das relações sociais, na sua leitura de mundo, pois é preciso potencializar o conhecimento desses sujeitos. Esse pensar a educação para ir além das condições básicas é o caminho para proporcionar aos camponeses o gosto pelo aprendizado e diminuir sua condição de exclusão dentro da sociedade. A alfabetização não deve ser um processo desligado da realidade, ela também precisa ajudar na conscientização do aluno, deve ser uma "atividade também de conteúdo e natureza política" (RODRIGUES, 1941). Para Rodrigues (941, p.51), no processo de alfabetização é preciso colocar a [...] criança, o adolescente e o jovem - e também o adulto, grifos nossos- camponês no exercício legítimo de sua capacidade de reflexão desde as primeiras letras, garantindo-lhes assim, o direito de serem sujeitos de sua alfabetização, de dizerem a sua palavra, de mobilizarem seu mundo na própria aprendizagem e de, com isso, garantirem a si e ao campesinato em geral o uso pleno de suas emoções e inteligências no reconhecimento e trato das contradições do sistema em que nasceram, vivem e morre. Neste sentido, o PROJERAL I não atendeu a realidade como forma de potencializar o educando, pois a dificuldade de acompanhamento da UFAL, do INCRA, do próprio MST na formação desses educadores inviabilizou um ânimo na continuidade dos estudos, pois, além de se defrontarem com as condições precárias de infraestrutura local nos assentamentos, a falta de acompanhamento por parte dos responsáveis agravava ainda mais o problema. A meta inicial não foi alcançada, das 55 classes instaladas apenas 39 ficaram ativadas com 622 alunos no total. A desistência de 304 alunos e a desativação de 16 salas é um quadro que revela que é necessário investir mais no campo da educação no território do campesinato em Alagoas, pois, mesmo com essas dificuldades, os camponeses que concluíram ficaram muito felizes porque aprenderam a escrever seu próprio nome, como podemos ver na fala da educanda Eliane, "eu só aprendi a escrever meu nome, mais tô satisfeita" (Eliane, em entrevista 179 no assentamento Dom Helder Câmara, município de Girau do Ponciano, janeiro de 2014). É preciso que a alfabetização vá além do processo mecânico de ler e escrever. O avanço educacional não pode ser apenas no reconhecimento das letras, palavras soltas que não relacionam a realidade da vida do aluno com o processo de aprendizagem. A alfabetização também precisa ser um processo que auxilie o educando na crítica, na reflexão, na compreensão de sua própria realidade (RODRIGUES, 1941). O PROJERAL usou a alfabetização escolar no território camponês dentro da prática tão comum na educação rural: alfabetizar para memorizar, um ensino mecânico que desvincula-se da realidade social do educando. Deve-se frisar aqui que a alfabetização é desestimulante quando parte dessa metodologia, pois os adultos já cansados de um dia de labuta ao chegar na escola ou nos espaços criados nos assentamentos para serem escolas, como as casas dos moradores, galpões construídos com lonas ou palhas para que houvesse o desenvolvimento do programa, desestimula o processo de aprendizagem. A alfabetização precisa ser totalitária para os adultos, ela deve "constituir-se como o primeiro grande princípio motivador para a aprendizagem da leitura e da escrita" (RODRIGUES, 1941). Em reunião realizada na UFAL, no ano de 1999, para fazer avaliação do desenvolvimento do PRONERA em Alagoas, um membro do MST afirmou: O PRONERA em Alagoas teve método incorreto, mesmo com a nossa presença na avaliação e seleção dos monitores isso deve ser repensado. É preciso buscar a realidade dos assentamentos. Em relação a capacitação devemos dar uma nova dinâmica, muitos problemas poderiam ter sido resolvidos se a capacitação estivesse voltada para a realidade dos assentados (RELATÓRIO FINAL PROJERAL I, 1999/2000). Nessa fala, constatamos que a inquietação por parte do MST com uma educação que não atendia a realidade camponesa já era evidente. Contudo, o PRONERA em Alagoas na formação dos professores e dos educandos em alfabetização e EJA no período de 1998 a 2007 foi desenvolvidos distante do Paradigma da Educação do Campo. Isto posto, era preciso que a alfabetização fosse vinculada a realidade camponesa, que proporcionasse aos sujeitos envolvidos no processo de formação uma ampliação na compreensão de sua realidade pois, "a alfabetização é, mais que um ato de conhecimento, um ato essencialmente político, porque é com ela que se inicia, no 180 projeto educacional, a conscientização de cada um sobre si e sua realidade (RODRIGUES, 1941, p.54). O PROJERAL I finalizado em 2000 revelou uma formação mecânica, pois, ao analisarmos, ele destaca a avaliação da aprendizagem em três níveis desconsiderando, assim, o todo da compreensão de mundo dos alunos, colocando-os em três níveis de aprendizagem: pré-silábico, silábico-alfabético e alfabético. Ainda segundo o mesmo relatório, somente "58,90% demonstraram atingir o nível alfabético; 24,66% o nível silábico-alfabético e 11,51% permaneceram no nível pré-silábico". A frieza dos números não mostra a qualidade da aprendizagem dos alunos, colocando-os em um grupo específico desconsidera outras possibilidades de avaliar esse educando. O camponês em sua relação com o trabalho e seu modo de vida específico deve ser formado para além do letramento, não deve ser avaliado por um modelo fragmentador. A riqueza presente no território camponês, a riqueza do trabalho dessa classe, as peculiaridades de seu modo de vida devem ser levadas em consideração na avaliação de seus aprendizados. O processo de alfabetização é movido pela consciência de si e do mundo (RODRIGUES, 1941). A alfabetização é, pois, nessa conjugação, um processo crítico e transformador, tão essencialmente político quanto o é a própria educação, que dispensa as palavras saídas de outra realidade que não a do próprio agente do processo e que se inspira no alfabetizando para fazer emergir no próprio plano de escolarização as palavras de sua vida, de suas lutas e de sua paixão (RODRIGUES, 1941, p.55) Nessa compreensão da escolarização, o PROJERAL I não atende aos processos de formação para além do aprendizado das letras, uma vez que a formação precária do educador não contribui para que este eleve o processo de formação do educando. Contudo, compreende-se que o PROJERAL I foi um trabalho de formação dupla, pois o educador foi se descobrindo na tarefa de educar a quem via nele a possibilidade de aprender a escrever apenas o próprio nome. Essa realidade do território camponês na época do desenvolvimento do PROJERAL I direciona para a necessidade de capacitar cotidianamente esses educadores ampliando sua formação, bem como ampliando o desenvolvimento da formação dos estudantes em etapas seguintes, como pode ser analisado a partir da etapa do PROJERAL II, que foi desenvolvido entre o ano de 2000 a 2002 para dar continuidade as classes de alfabetização, devido à precariedade educacional existentes nos assentamentos alagoanos. 181 A segunda etapa do PROJERAL ficou estabelecida para ser continuada em 2000, contudo, com o atraso burocrático na liberação dos recursos do PRONERA, foi iniciada em 2001. Isso gerou uma quebra na ação contínua do projeto e provocou uma grande desmobilização dos educandos jovens e adultos. Para a retomada do processo, foi necessário que os educadores se mobilizassem para formar novas classes. No referido ano, em alguns assentamentos, estava ocorrendo o Projeto de Alfabetização Solidária (criado para diminuir o alto índice de analfabetismo no país, nas regiões onde apresentam o maior número de jovens e adultos que não sabem ler e escrever, hoje tem o nome de Brasil Alfabetizado), em decorrência disso, foi modificado a disponibilização das classes de alfabetização. (RELATÓRIO FINAL, PROJERAL II, 2000/2001). A UFAL, junto ao MST, reformulou o projeto para a segunda etapa, visando garantir melhor qualidade do curso, tendo em vista a precariedade de realização das atividades do PROJERAL I. Foram adquiridos novos materiais pedagógicos voltados para escolarização de jovens e adultos. Esses materiais, comprados com os recursos do PRONERA, foram adquiridos pelo Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular, Infância e Juventude (NUPEP), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma vez que esse material era composto de textos para a alfabetização de jovens e adultos da região Nordeste (RELATÓRIO FINAL, PROJERAL II, 2000/2001). A UFAL procurou viabilizar melhorias na infraestrutura das salas, usando os recursos do PRONERA para comprar material para a iluminação, fato que foi muito problemático na primeira etapa. Na análise dos relatórios parciais e finais do programa são evidenciados a problemática da burocracia do INCRA na liberação dos recursos do PRONERA, o atraso das atividades, a precariedade da infraestrutura, as dificuldades de acompanhamento por parte da UFAL, tanto dos coordenadores quanto dos estagiários, devido à dificuldade de acessar as áreas de assentamento. Essa conjuntura elencada nos relatórios destaca que o processo de alfabetização é dificultado em vários aspectos. Esse processo que devia ter sido continuo é impossibilitado devido às questões burocráticas, bem como das dificuldades estruturais. Com isso, essa escolarização fica a mercê de um poder maior que não está nas mãos apenas dos coordenadores dos programas, mas que está no próprio Estado quando não viabiliza condições mínimas de potencializar uma escola nas áreas de assentamentos rurais, isto é um projeto mesmo do poder hegemônico precarizar cada vez mais a 182 condição humana para poder dominar. O processo de alfabetização de jovens e adultos não pode ter cortes de continuidade, pois o desestímulo é grande nesse grupo, tendo em vista que muitos já não acreditam na sua capacidade de aprender e, dessa forma, desistem de estudar, bem como não dão mais crédito ao programa. A realização desse programa atingiu a necessidade da realidade educacional dos assentamentos de Alagoas, mesmo distanciando-se do paradigma educacional que defendemos para o campesinato. Contudo, essa análise descritiva de algumas condições do curso, bem como as entrevistas com educadores, educandos, coordenadores de área e coordenadores da UFAL nos possibilita compreender o esforço para a realização desses cursos frente a uma realidade tão dura existente nos assentamentos alagoanos, como relatado acima. Porém, é preciso pensar no papel da Política Pública do PRONERA, bem como focalizar que os processos burocráticos, os gestores, os coordenadores têm intencionalidades distintas e a direção dada a qualquer programa de educação ocorre de acordo com a intencionalidade dos grupos. Nas primeiras etapas do programa, a UFAL reformulou o projeto visando atingir as metas estabelecidas: formar os 1.000 jovens e capacitar os 50 monitores. A burocracia existente nos trâmites legais para a execução do PRONERA delimitou o tempo e o espaço da realização do curso, porém, isso não exime a UFAL de ter criado possibilidades, já que se tornou responsável pelo programa, de proporcionar uma alfabetização mais ampla e que permitisse ao educando o avanço no processo de compreensão da sua própria realidade, que viabilizasse um curso que pensasse na educação para além do letramento. É preciso que as universidades, junto com os movimentos socioterritoriais, busquem constantemente meios que permitam aperfeiçoar a qualidade da educação para os acampados e assentados da Reforma Agrária, possibilitando-os alcançar uma melhor qualidade educacional. A educação nos assentamentos é uma resistência dos movimentos socioterritoriais, frente aos desafios de políticas compensatórias que distanciam da sua realidade (SANTOS, 2011). A terceira etapa do PROJERAL, em 2003 foi, o início do processo de escolarização em ensino médio e o inicio da formação dos professores através do PROFORMAÇÃO. Não encontramos relatórios nas instituições parceiras que explicassem o desenvolvimento dessa etapa, nas entrevistas foram feitas perguntas para compreender quais foram os pressupostos para a fundamentação da terceira etapa; no 183 entanto,a fala dos coordenadores explica o PROJERAL de forma conjunta, como afirma a coordenadora Barbara Nesse período [...] do PROJERAL III, nós tivemos várias etapas do PRONERA aqui (em Alagoas). Em seguida, a gente elaborou o PROJERAL IV, que tinha como objetivo dar continuidade ao processo de escolarização desses jovens e adultos dos assentamentos e também realizar a formação de nível médio dos professores, que foi o PROFORMAÇÃO (Barbara, 18 de setembro de 2013, UFAL). A estagiária do programa na época faz o seguinte relato quando lhe perguntamos como foi sua participação no acompanhamento das práticas pedagógicas dos educadores no PROJERAL III: Em 2003 continua o PROJERAL III. Nesse período os professores começaram a fazer a prova do supletivo, os professores que tinham menos que a 8ª série para poder entrar no magistério, pelo PROFORMAÇÃO. Quando encerrou o PROJERAL III em 2003, a gente teve só o PROJERAL IV. O PROJERAL V foi pra escolarizar em magistério os educadores desses educandos do PROJERAL IV (Morgana, 13 de setembro de 2013, entrevista realizada na Feira da Reforma Agrária, Maceió). Desse modo, nossa avaliação sobre a etapa do PROJERAL III fica comprometida nos levando a descrever o PROJERAL IV e analisar, a partir de suas propostas pedagógicas, qual a relação com o Paradigma da Educação do Campo, que tem como indutor principal o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. O PROJERAL IV foi desenvolvido no período de 2005 a 2007 para dar continuidade a escolarização de educação de jovens e adultos no segmento de ensino fundamental. Sabe-se que o PROJERAL III, entre 2003 e 2004, teve como meta escolarizar 1.000 jovens e a continuidade da quarta etapa seria para viabilizar essa demanda. No entanto, esta última etapa propôs escolarizar apenas 480 jovens devido às dificuldades e desafios da execução do PRONERA no território camponês alagoano. Assim, foi proposta a criação de 24 salas nos assentamentos rurais para atender a demanda da escolarização. No relatório da quarta etapa, as informações sobre a formação de jovens e adultos se referem apenas à criação das salas de aulas e o número de educandos envolvidos no projeto, este relatório delimita-se a explicar o desenvolvimento da meta de escolarização dos monitores educadores, explicando o PROFORMAÇÃO e seu desenvolvimento, como já abordarmos neste estudo. 184 Vê-se claramente que o Telecurso 2000, o PROFORMAÇÃO e as etapas do PROJERAL no desenvolvimento do PRONERA em Alagoas não condizem com a Pedagogia do Movimento Sem Terra nem com as proposições do PRONERA no que se refere aos processos político-pedagógicos do PRONERA, entretanto, a burocracia foi respeitada no andamento do projeto. Essa realidade não pode ser ignorada, pois a luta pela consolidação de uma educação para os camponeses é necessidade premente, sejamos francos para não mascarar a realidade. O estado de Alagoas, permeado por uma dominação política e centralização dos poderes, é o instrumento maior de dominação das classes; por outro lado, os movimentos socioterritoriais são experientes na luta contra a homogeneização. Retomando a fala do membro do MST, na primeira etapa do PROJERAL I, vemos que é preciso repensar o PRONERA em Alagoas, haja vista que o programa não atende a realidade dos assentados. Foi necessário situar a condição do desenvolvimento do PRONERA em Alagoas, pois não condiz com o que de fato é o programa, o qual é [...] direito a diversidade contrapondo-se à uniformidade do direito. Nesta perspectiva, o PRONERA institui uma nova concepção de política pública, que se constrói não com sujeitos isolados, mas com sujeitos concretos, territorializados, sujeitos coletivos de direitos, capaz de instituir novos direitos e de universalizá-los. Universalizá-los a partir da sua concretude. E a sua concretude é a diversidade. Tal diversidade foi reconhecida pelo Estado brasileiro na publicação do Decreto Presidencial nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, ao instituir o PRONERA como um Programa integrante da política de Educação do Campo (art. 11º) e reconhecê-lo, ao mesmo tempo, como integrante da política de desenvolvimento do campo. (SANTOS E LACERDA, 2011, p. 20) O programa por si só não dá conta de resolver a problemática educacional dos assentamentos rurais de Alagoas, pois esse problema é estrutural, é social. Segundo a coordenadora da segunda etapa do programa, [...] o programa deveria ser uma etapa de uma redefinição de uma política pública de educação aqui no estado e no Brasil, para ter uma ação contínua. Então assim, considerando as especificidades desse grupo, do Movimento Sem Terra, eu penso que o programa foi relevante, porque não dá para homogeneizar os processos de formação das pessoas na sociedade, não dá para padronizar. Mas, ele por si só na minha avaliação não dá conta. Eu penso que o grande desafio seria articular esse programa com um compromisso maior do estado, com a Secretaria Estadual de Educação. Mais o estado acha que está fazendo sua parte por apoiar, mais quando se pensa numa continuidade, numa 185 transição de outro momento. Mais se passássemos a uma política pública do estado aí este fica ausente. O programa é importante, ele deve ser continuado, mais que deve existir um outro engajamento do estado para que os resultados sejam melhores. Mais eu acho que ele traz ganho sim. Não dá pra dizer porque poucas pessoas foram formadas, porque poucos assentados foram formados, não devemos dizer que o programa não serve pra nada. Mais por outro lado é importante avaliar o montante de recursos gastos nesse programa e o resultado que foi atingido. O que se investe para nós é um montante enorme, para nós é um montante elevadíssimo. É preciso ver até que ponto esses recursos investidos dessa maneira esta atingindo. Será que não existe outra maneira de utilização desses recursos e os resultados serem atingidos. Será que o caminho não é realmente partir do contato com a universidade, com a Secretaria Estadual de Educação e com o movimento no qual parece que a dificuldade muito maior é da universidade, porque ela sempre ocupa um papel de maior destaque. Como está o movimento sem terra em nosso estado, qual o nível de autonomia, de vivência, do movimento no estado? Nossa relação com o movimento é muito difícil. Eu entendo que precisamos nos colocar no lugar do movimento, eles tem que se defender, e tudo que coloca ele em um ponto negativo enfraquece o movimento, porque eles precisam se fortalecer. Eu desconfio que o Movimento Sem Terra de Alagoas não é igual ao movimento do Rio Grande do Sul, de Pernambuco, eu desconfio que a falta de escolarização prejudica muito o movimento. É difícil. Quem não tem a vivência do movimento e habilidade com o pessoal vai ter muita dificuldade para viver com o movimento. Eles não querem mostrar fragilidade. Talvez eles estão desorganizados em outros estados e por conta disso eles não quer que as pessoas saibam, eles se auto avaliam e eles sabem o que deve colocar o que não deve, eles não sabe a intenção do outro (Bárbara, 18 de setembro de 2013, UFAL). Esse depoimento de Bárbara mostra-nos um questionamento importantíssimo sobre o papel do MST no desenvolvimento do PRONERA em Alagoas. A fala da coordenadora nos mostra outro viés ainda não destacado neste estudo. O questionamento que ela faz sobre o MST em relação à sua organização, às suas estratégias políticas e a seu nível de autonomia requer uma leitura ampla sobre o papel do MST tanto no PRONERA, quanto na sua organização no contexto do território alagoano. Direcionamos nossa análise para esse depoimento. Relacionando a fala da coordenadora Bárbara com o momento o qual procuramos o MST para fazermos a entrevista, com seu representante na época do PRONERA. Naquele momento, fomos questionados sobre a nossa participação na II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (II PNERA, 2012-2013), devido uma fala da coordenadora da 186 pesquisa de Alagoas em um seminário da II PNERA, quando ela destaca os problemas que estiveram presentes no desenvolvimento do programa no estado entre 1998 – 2007. Nesse sentido, o movimento não queria responder aos nossos questionamentos, ou seja, eles não gostaram porque foram apresentadas as fragilidades em âmbito nacional. Contudo, mostramos que a fala da coordenadora da II PNERA, em Alagoas, não representava o nossa fala neste estudo. Essa reflexão conjunta ao depoimento da coordenadora Barbara me fez lembrar a atitude do movimento quando procurado por nós, em não querer mostrar-nos as fragilidades do processo do programa. Destacamos que o programa teve seus pontos positivos. Porém, direcionamos nosso debate para analisar o desenvolvimento do PRONERA em Alagoas destoado da perspectiva da Educação do Campo. Voltando ao depoimento de Bárbara, compreendemos uma crítica direcionada ao movimento. Aparenta-se que a culpa dos obstáculos do programa também esteve no Movimento e não apenas na UFAL, tirando dessa forma, a ideia de que o Movimento foi vítima desse processo. Entretanto, ao criticar a autonomia do movimento e sua organização política, quando comparada à realidade do movimento em outro espaço, há um posicionamento crítico forte ao MST de Alagoas. Desse modo, compreendemos que o PRONERA em Alagoas, com toda a sua problemática, abrange conflitos políticos e ideológicos entre os parceiros envolvidos no programa, afetando principalmente o lado mais fraco e mais importante desse processo: os educadores e educandos do campo. Esse posicionamento da coordenadora nos faz refletir qual o papel do próprio movimento no desenvolvimento do programa, até que ponto o movimento se envolveu para não permitir que cursos desvinculados do PRONERA fossem desenvolvidos no estado. Contudo, mesmo nessa conjuntura de distinção das práticas do Paradigma da Educação do Campo, os programas financiados pelo PRONERA em Alagoas tornaram possível a elevação da escolarização de jovens e adultos e dos educadores. Destacamos a fala da coordenadora da etapa do PROJERAL IV que – mesmo diante dos problemas da execução dos programas, atraso de recursos, falta de pagamento dos monitores, dificuldade de cumprir com o calendário, devido a burocracia, falta de infraestrutura, dificuldades de acompanhamento pedagógico – ressalta o quanto o impacto do PRONERA é entristecedor 187 [...] porque é uma ação de tantos anos na universidade e não conseguimos construir raízes para dentro da universidade, eu acho que não é apenas uma conjuntura só da UFAL eu acho que é a nível nacional. Se em 2003, tivemos uma abertura para essa questão, de certa forma a gente também teve a multiplicação de muitas ações voltadas para o campo e de certa forma isso lhe ocupa tanto e você fica tão fragmentado e quando você amarra essa várias ações, a gente teve nesse contexto o enfraquecimento do nosso fórum de Educação do Campo. Parece contraditório. Como é possível num contexto favorável a Educação do Campo que os espaços de Educação do Campo estejam sofrendo essa quebra, essa diminuição do debate, e o retrocesso dentro do próprio estado que quebra a gestão da Educação do Campo, ela esta diluída. Então eu me entristeço e acho que as raízes do PRONERA para dentro da UFAL elas deveriam ter sido mais fortes, mas acho frágil. Por outro lado se você pensa no impacto do programa para dentro do assentamento, o PRONERA sozinho não consegue, mas a própria formação dos educadores e dos alunos isso tem um impacto. A gente tem que pensar se estrategicamente é mais vantagem pulverizar a ação do PRONERA em vários assentamentos ou devemos concentrar em um assentamento, uma ação mais concentrada, onde a gente possa acompanhar. Eu acho que a universidade tem que construir a estrutura de pessoal para dar um acompanhamento maior, eu acho que é fundamental (Wilma, 18 de setembro de 2013, UFAL). Compreende-se que o PRONERA não pode ser considerado dentro desses programas de educação desenvolvidos em Alagoas. Contudo, eles foram essenciais para que fossem direcionadas novas propostas que atendessem às especificidades do território camponês, não destoando dos princípios educativos da Educação do Campo, nem da própria Pedagogia do Movimento Sem Terra. Direcionamos nosso debate a um outro programa desenvolvido com os recursos do PRONERA, que ocorreu de maneira isolada a partir da parceria do INCRA a Escola Agrotécnica Federal de Satuba, por isso, dedicamos uma outra atenção para essa problemática. 3.3.4 O Curso Técnico em Agropecuária: Convênio Incra/Escola Agrotécnica Federal de Satuba O curso técnico em agropecuária para os assentados e filhos de assentados foi realizado em 2008 através da parceria do INCRA com a Escola Agrotécnica Federal de Satuba. Esse curso foi viabilizado para formar os assentados a partir do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), firmado através do convênio 188 nº 54360.000956/2007-26 no dia 05 de Maio de 2007. A parceria da escola e do INCRA foi estabelecida por meio da Cooperativa Escola dos Alunos da Escola Agrotécnica Federal de Satuba (COETAGRI). Segundo o projeto, esse convênio com a Escola Agrotécnica foi de suma importância para os camponeses envolvidos no processo, pois colocou o aluno apto ao mercado de trabalho, voltado para as áreas de assentamento, contribuindo, assim, com a sua permanência no campo e com o desenvolvimento sustentável local das áreas (CONVÊNIO INCRA/EAFS). A parceria do INCRA com a Escola, mediada através da COETAGRI, definiu que os assentados teriam acesso à escola através do processo seletivo anual definido em edital para a inserção de alunos. Com isso, foi estabelecido, no edital de seleção de 2007 para ingresso em 2008, que das vagas disponíveis cinco seriam para os assentados e filhos de assentados que desejassem cursar o nível médio com habilitação no curso técnico em agropecuária. O curso foi uma alternativa de formar esses camponeses, contudo, a pouca quantidade de vagas limitava o acesso desse grupo em função da demanda existente de escolarização nas áreas de Reforma Agrária. Essa proposta do curso em parceria com a EFAS destinou-se ao âmbito do Programa Vida Digna no Campo. Este programa foi desenvolvido a partir do regime de parceria do INCRA com as Instituições de Ensino Federais definido pela Portaria 10/98, que regulamentou a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Dessa forma, o convênio foi permitido para a realização de atividades para os camponeses, direcionadas pelas propostas do PRONERA e financiadas por este programa em Alagoas. O financiamento do programa junto a COETAGRI foi de R$ 3.943, 40 (três mil novecentos e quarenta e três reais e quarenta centavos). Este recurso esteve destinado para Atender as despesas com o projeto de inclusão anual de 05 (cinco) vagas através do processo seletivo na Escola Agrotécnica Federal de Satuba para o curso técnico em agropecuária, para assentados e filhos de assentados das áreas de Reforma Agrária no estado de Alagoas, período de execução de janeiro a dezembro de 2008 (CONVÊNIO/INCRA/EAFS). No ano de 2009, a parceria continuou mediante o mesmo processo, porém houve aumento nos recursos destinados para contribuir com a permanência dos alunos no curso. Entre janeiro de 2009 a dezembro de 2009, o recurso liberado pelo INCRA foi de 6.320.00 (seis mil trezentos e vinte reais). Esse recurso concedido à COETAGRI não 189 foi totalmente aplicado no referido ano, pois houve o cancelamento do convênio por parte da Escola. Mediante a um ofício dirigido ao INCRA em 10 de setembro de 2009, a escola cancela o convênio com base na Lei nº11. 892 de 29 de dezembro de 2008, publicada no Diário Oficial da União de 30 de dezembro de 2009, que estabelecia a integração da Escola Agrotécnica Federal de Satuba ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas, recebendo o nome de Campus Satuba. Essa mudança alterou a forma de ingresso na escola, cuja cota do processo seletivo não é mais dos assentados da Reforma Agrária, mas dos alunos da escola pública. Em nota emitida pelo INCRA à Escola Agrotécnica Federal de Satuba (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas - Campus Satuba) para questionar a maneira de cancelamento através de ofício, a escola afirmou que esse fato ocorreu apenas por mudança na estrutura da escola. Porém, o INCRA procurou informar-se sobre em que condição os alunos em curso ficariam, tendo em vista que com o cancelamento da parceria os recursos não seriam mais concedidos à escola através da COETAGRI. Nesse sentido, a escola se comprometeu a não prejudicar a conclusão dos cursos dos alunos, porém eles teriam que arcar individualmente com as despesas de seus estudos. Esse fato torna-se problemático, pois retira do camponês o direito de conseguir a escolarização por meio das vagas ofertadas no processo seletivo. Outro fato merece nossa atenção é a retirada dos recursos para que os alunos permanecessem na escola. Há uma contradição nessa parceria bem como na sua destituição por meio de ofício, sem um debate profundo sobre as condições de realização do programa e de continuidade deste. Quais os pressupostos de financiar, através dos recursos do PRONERA, um número ínfimo de educandos em uma realidade que não abrange às suas. É mais uma contradição desse processo de desenvolvimento do PRONERA em Alagoas. Qual o tratamento dado à importância do desenvolvimento do programa no estado? Compreendemos que a escola técnica é uma grande parceira na formação do técnico agrícola, sendo a escola que mais forma técnicos no estado para esta área. Então devia- se ter criado um projeto junto à escola direcionado para um grupo maior de assentados, tirando esse papel de dependência da escola, bem como o desrespeito ao desformalizar a 190 parceria, apenas por meio de ofício, prejudicando, assim, aos estudantes envolvidos no processo. Os dados referentes ao desenvolvimento do curso técnico em agropecuária ficaram limitados ao documento do convênio estabelecido entre as instituições e cedidas pelo INCRA para a II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária. A leitura do documento nos foi permitida pela coordenadora da pesquisa em Alagoas, professora Dr. Cristiane Pepe. Esse convênio nos direcionou a contatos com a escola e com o diretor da escola na época. Nessa busca de maiores informações sobre o desenvolvimento do curso, o projeto político pedagógico, a metodologia de seu desenvolvimento, quais os princípios do PRONERA adotados no desenvolvimento do curso e como este colaborava para os assentados e acampados foi sem sucesso, pois a conversa com o diretor, procurado duas vezes pela pesquisadora, não obteve resultado. No primeiro encontro, o mesmo afirmou que não se lembrava da parceria, mas procurando lembrá-lo ele disse que poderíamos ir em outro momento. Assim fizemos, e o mesmo não estava mais em exercício, pois se encontrava de férias. Os e-mails encaminhados até o momento da finalização da pesquisa não foram respondidos e a volta à secretaria da escola não suscitou resultados. Além do ex-diretor, procuramos a própria escola que afirmou só poder liberar a documentação com o ofício do diretor que esteve em gestão na época. Essas dificuldades não nos eximem de discutir o programa. No INCRA, foram procurados os dois asseguradores que eram responsáveis, na época, pelo acompanhamento do programa. Não foi possível conversar com nenhum, pois ambos se eximiram de conversar conosco. Um deles não respondeu ao meu e-mail; o outro – que atualmente encontra-se em outra regional do INCRA –, porém, em conversa pelo e-mail nos solicitou que encaminhássemos primeiro o questionário da pesquisa, assim fizemos e a resposta do assegurado foi a seguinte: "Ficamos combinado de eu te enviar o questionário, mas não me sinto confortável para fazê- lo tendo em vista que a maioria das questões ficaria sem resposta, pois estou há mais de 5 anos afastado do PRONERA e não tenho ideia de muita coisa que você perguntou, sinto muito por não poder ajudá-la". Mediante essas dificuldades, nossa análise limita-se à análise do documento do convênio. Dessa forma, afirmamos que a inserção dos alunos dos assentamentos foi um número insignificante. Porém, analisando o convênio, percebemos que nesse processo há um grande distanciamento das proposições do PRONERA que objetivam 191 Fortalecer a educação do campo nas áreas de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável (Manual de Operações do PRONERA, 2012, p. 17). Como vimos neste trabalho, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária tem uma forma própria de funcionamento, é definido a partir de uma bandeira de luta específica dos movimentos socioterritoriais. Não é um projeto de educação alheio à realidade camponesa. É preciso viabilizar a educação em uma condição de vida através da relação trabalho e escola. É importante que o movimento socioterritorial acompanhe e esteja juntamente na construção da educação pensada para o campo. Vimos, porém que não há nenhum relato que indique a participações dos movimentos socioterritoriais de Alagoas. Não há, com isso, uma garantia da divulgação dessas vagas e da apropriação destas por parte dos assentados. A parceria do curso deixa a desejar quando analisamos que o curso funcionou como uma turma regular da escola técnica, com um pequeno acréscimo de estudantes camponeses. É preciso superar essa limitação de acesso a educação por parte dos camponeses. Estes merecem uma educação que seja pensada para sua realidade e viabilize e potencialize desta forma o território imaterial dos camponeses. É preciso que a escola seja pensada para desenvolver as áreas camponesas em todas as suas necessidades, principalmente as mais urgentes, que supere a condição de pobreza e miséria que muitas vezes estão relegados em seu território devido ao processo de intensificação do capitalismo no campo. A estrutura curricular do curso esteve baseada nas seguintes disciplinas: Literatura, Educação Física, Informática, Matemática, Química, Língua Portuguesa, Artes, Biologia, Física, Filosofia e Língua Inglesa. Sendo essas disciplinas complementadas com conteúdos específicos do ensino Técnico Agropecuário: Administração e Economia Rural, Mecanização Agrícola, Associativismo e Extração Rural, Agricultura Geral, Agricultura I, Agricultura II, Agricultura III, Zootecnia I, Zootecnia II, Zootecnia III, Desenho e topografia, Construção e instalações, Empreendedorismo, Agroindústria e Irrigação e Drenagem. O PRONERA é desenvolvido sob uma metodologia específica que compreende dois tempos de formação: o tempo escola e o tempo comunidade. O curso técnico não atendeu essa metodologia, a dinâmica do curso foi permeada pela estrutura da escola. É 192 preocupante esse fator, pois, vemos que não há uma relação escola-comunidade, bem como constatamos que não há uma relação da própria escola com os movimentos socioterritoriais, uma vez que no próprio relatório não se menciona a participação de nenhum movimento, fator essencial para o desenvolvimento do PRONERA, como aponta-se em sua gestão descentralizada. Em virtude dos fatos mencionados, percebemos que o PRONERA, em Alagoas, foi um programa que não levou em consideração o território camponês e suas demandas. Dado o exposto, podemos afirmar que o programa não possibilitou uma mudança significativa nos territórios camponeses frente às condições de limites de desenvolvimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária em Alagoas. 193 CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando em consideração os aspectos da luta pela terra, da Educação do Campo e a conquista do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária percebemos que a luta dos movimentos socioterritoriais contra o avanço do capitalismo no campo através das ocupações, manifestações, reivindicações não têm sido enfraquecida com os processos de dominação postos com o avanço do capitalismo no campo. É imprescindível que todos se conscientizem que a luta pela terra não deve ser criminalizada, ela é válida e é através dela que os movimentos socioterritoriais denunciam a centralização do poder. São os responsáveis pela ruptura de um sistema que explora o homem em função da concentração das riquezas. Diante o exposto do nosso estudo, acreditamos que a questão agrária, problema insuperável do capitalismo, ainda está em pauta devido às ações dos movimentos socioterritoriais, que são os propulsores das lutas sociais pela Reforma Agrária. Essa luta denuncia não só a concentração de terras, mas a corrupção, a negação dos direitos sociais, a problemática ambiental, a problemática educacional, como vimos ao longo deste trabalho. As ações dos movimentos mostram que só a luta organizada permite a conquista de direitos à classe camponesa. É o movimento socioterritorial que luta por outro projeto de Nação. Portanto, evidenciamos os movimentos socioterritoriais camponeses que se organizam em uma classe e resiste ao avanço do capitalismo no campo. Esse avanço modifica os territórios camponeses e transforma seu modo de vida. As novas correlações de forças dentro dos territórios camponeses dinamizam a relação de trabalho, produção e cultura, pois têm um modo de vida peculiar, uma vez que o avanço do capitalismo desterritorializa muitos camponeses que, com isso, buscam adaptar-se à nova lógica de produção e, quando não conseguem, submetem-se a vender sua força de trabalho, ou resistem. E é nessa resistência que dão vida a luta e a (re)criação do campesinato por dentro do capitalismo. Esse processo gera conflitualidades entre as classes. Nessa conflitualidade, o capital não mede forças para enfraquecer a luta do campesinato. É por meio da modernização do campo e da mudança na forma de produzir que esse processo tem complicado a vida camponesa. Contudo, os camponeses por meio de relações não capitalistas de produção, resistem a esse sistema. É o campesinato uma classe que vem 194 reestruturando a história do campo brasileiro, que coloca em pauta a problemática agrária, criando processos de conflitos com o capital. Nesse contexto, a luta pelo território entre o agronegócio e o campesinato ressignificam o campo brasileiro e a diferença entre classes e modelos de vida e produção são fortemente vistas em cada território, onde cada um expressa seu poder de classe frente à sociedade. O campo vem sofrendo com o avanço do capitalismo. As políticas de desenvolvimento para o campo brasileiro não são voltadas para potencializar os territórios camponeses, elas visam o benefício do território do capital. São as grandes empresas agropecuárias que intensificam os processos de exploração no campo brasileiro através do apoio do Estado, seja na produção monocultora, ou na exportação. Enquanto o campesinato sofre as duras penas desse processo, que tem contribuído para a intensificação das desigualdades sociais, o capital passa a ter controle não só sobre o território do campo, mas, também, sobre a própria população rural, intensificando a precarização do trabalho e a destruição dos territórios camponeses. Ao campesinato cabe estabelecer lutas para reconquistar seu território. Mediado por essa necessidade, ele, através da luta pela terra, fortalece as ocupações como forma de conquistar novos espaços para se reafirmar enquanto classe, exemplo claro, é a conquista dos assentamentos rurais. São os assentamentos rurais que promovem a condição de redefinir o território, são eles que criam um novo reordenamento no uso da terra, criando novas possibilidades de vida aos camponeses. É pela conquista do assentamento que a luta camponesa é direcionada e territorializa-se por dentro dos conflitos entre as classes. Esse processo contribui também para novas condições de produção e conquista de políticas públicas que contribuam para o desenvolvimento do assentamento. Mesmo com a conquista dos assentamentos rurais, a Reforma Agrária continua em pauta na luta pela terra, pois a regularização fundiária não pode ser considerada como uma política de Reforma Agrária, haja vista que ela tem sido conquistada pela constante pressão dos movimentos socioterritoriais aos governos que negam reconhecer a importância da realização da Reforma Agrária no Brasil. Nesse processo, a luta pela terra envolve uma discussão ampla sobre os setores da sociedade, desde as questões econômicas, políticas, sociais, educacionais e de saúde. É uma discussão ampla que requer uma luta incessante para que o Estado olhe o território camponês enquanto lócus de vida. 195 O campesinato tem assumido um papel importantíssimo no debate acerca da Reforma Agrária no Brasil. É a luta pela Reforma Agrária que tem permitido aos camponeses reestruturarem seu modo de vida por dentro do capitalismo. Contudo, eles sabem que essa luta não pode cessar, uma vez que o próprio Estado nunca realizou e não tem pretensão alguma de realizar a Reforma Agrária. É evidente que para o Estado o modo de produção capitalista é o sistema que possibilita o desenvolvimento socioeconômico, sociocultural, sociopolítico e socioeducacional no Brasil. Porém, os camponeses que enfrentam esse sistema, mostrando a realidade opressora que o país vive, sabem que só a Reforma Agrária possibilitaria a igualdade, a melhor distribuição de terras e de renda, bem como possibilitaria aos camponeses e a toda sociedade melhores condições de sobrevivência. Para o campesinato, a Reforma Agrária possibilitaria novas alternativas de vida. Consideramos essas alternativas como um projeto de Nação de uma classe que visa o desenvolvimento social em todas suas instâncias. A luta camponesa, materializada em ocupações, manifestações, reivindicações, passeatas, marchas, congressos, seminários, espaços que tem mostrado a realidade agrária brasileira, são possibilidades de pensar uma nova vida para a sociedade brasileira como um todo. O campesinato, através desses processos, tem retirado milhões de camponeses da miséria, da exploração. Mesmo que ainda em poucas condições, existem novas possibilidades para viver na terra, pois a conflitualidade entre as classes gera esse movimento que carrega em si uma força política que tem possibilitado ao campesinato se reafirmar enquanto classe. O papel que os movimentos socioterritoriais vem adquirindo na sociedade, em destaque, como vimos, o MST, tem possibilitado avanço das lutas e reivindicações. Com a luta pela terra surgem outras demandas que precisam ser adquiridas para potencializar os territórios camponeses, bem como a própria vida do camponês, pois o capitalismo em sua crueldade, ao intensificar a desapropriação, contribui para que o campesinato também não perca outros territórios. Além do território material o território imaterial também passa a ser apropriado pelo sistema, que atribui à formação camponesa aos seus interesses e às suas ideologias. Contudo, o campesinato enfrenta não só a luta pela terra como a luta pelo território imaterial da educação. Pelos aspectos analisados no debate da educação rural e da Educação do Campo, vimos que o Estado formalizou a educação camponesa tardiamente. O projeto de educação para o campo, 196 denominado de educação rural, foi idealizado de forma desintegrada da realidade de vida camponesa, a educação idealizada nesse projeto foi fundamentada no modelo de escolarização urbana. É contrariando esse processo que o campesinato luta, afirma e reafirma que é preciso perpassar a educação imposta pelo Estado. Dessa forma, o debate da construção de uma educação que perpasse essa condição de imposição é uma luta constante dentro das relações ideológicas no enfrentamento entre as classes. O projeto de Educação do Campo em relação ao projeto de educação rural é uma nova proposta de educação que busca perpassar o currículo da escola urbana e do projeto político e ideológico do capital que tem tornado a educação em um sistema de mercadoria. A educação deve formar para a vida não para o mercado. Esse projeto de uma educação que está voltada para formar mão de obra específica, que aceite as relações de trabalho imposta pelo capital é fruto do projeto de dominação deste sistema. No entanto, as críticas feitas a esse processo de uma educação fechada, pautada na formação desligada da realidade proporcionam ao movimento socioterritorial construir outra forma de pensar a educação. Porém, para chegar esse processo foi preciso superar as cercas da ignorância que o próprio capital submeteu o campesinato. A problemática no ensino do espaço rural inicia-se com o projeto político e pedagógico desenvolvido para este território. O projeto permeou uma realidade diferenciada, foi criado para fixar os camponeses em seus territórios no intuito de proporcionar a estes trabalhos provenientes do avanço industrial no país, logo frente a esse processo, a regulamentação da educação para o campo institui-se tardiamente. É o Estado o responsável pelas condições de precariedade da educação do espaço rural. O projeto do Estado não é valorizar o território camponês, pelo contrário, em detrimento deste apoiou o desenvolvimento do agronegócio, financiando de maneira insolente o avanço do capitalismo no campo, prejudicando o modo de vida camponês. Frente a esse processo, vimos que a luta pela terra e pela educação camponesa é um projeto de enfrentamento ao Estado e, consequentemente, ao capital que são os maiores responsáveis pela precariedade do território camponês. Reconhecer o modo de vida específico, as particularidades do campesinato é dar a estes possibilidades de romper com a negação de sua identidade e de sua classe. O espaço do campo é constituído a partir de uma peculiaridade que difere do mundo urbano. A práxis cotidiana na relação cidade-campo nos mostra as diferenças gritantes entre esses 197 territórios, com isso é preciso que o campesinato continue se posicionando contraditoriamente ao capitalismo. Essas circunstâncias aguçam as conflitualidades entre as classes. São os movimentos socioterritoriais que difundem esse enfrentamento histórico. A resistência camponesa tem sido a maior força na luta pela terra e pela educação. Pensar um projeto de educação que se diferencie do projeto hegemônico do capital é um desafio. No entanto, esses movimentos resistem e a cada dia reaglutinam forças para enfrentar as amarras que o prendem. É neste processo que a Educação do Campo é empreendida e com isso o campesinato vai se distanciando da educação rural. Os camponeses têm com isso ocupado espaços que nunca ocuparam. Universidades, escolas técnicas, cursos de graduação e de pós-graduação voltados para a realidade camponesa é a maior conquista que esta classe tem adquirido com a territorialização da luta pela terra e pela educação. A ocupação desses espaços tem sido fundamental para o crescimento do território imaterial do campesinato. Para o MST, que tem levado essa luta para a agenda política, tem proporcionado a ampliação do projeto de vida e de sociedade do Movimento. O apoio da sociedade civil, concebido pelas universidades, como vimos em nosso estudo, foi fundamental para que o Movimento Por uma Educação do Campo ampliasse as conquistas da escolarização para os camponeses. A trajetória camponesa é o caminho para a formação humana. É a histórica luta dos movimentos que criam a forma de pensar do ser sem-terra. O movimento de luta cria possibilidades de repensar sua condição de ser no mundo e o papel que o camponês deve exercer na luta pela conquista da terra, da educação, por políticas de assistência, por condições dignas de sobreviver em seu território. É uma nova postura dentro da sociedade que ressignifica o espaço do campo, nesse processo, o campesinato compreende que só por meio da luta é possível mudar a trajetória de vida condicionada ao homem do campo. Nessas lutas reafirmamos a conquista do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária como a principal política pública que tem direcionado o desenvolvimento do projeto de Educação do Campo no Brasil. Nesse sentido, os movimentos socioterritoriais, ao apresentarem outra proposta de sociedade, movem-se por meio da coletividade. A compreensão dessa necessidade vem da luta de classes. É um basta na situação de exploração vivida dentro do capitalismo, mas é por dentro desse processo que recriam e trabalham pela construção de um projeto de sociedade diferenciado do projeto hegemônico do capitalismo. 198 Em vista dos argumentos apresentados, é necessário que relacionemos esse debate à questão da terra em Alagoas, juntamente com a institucionalização do PRONERA no estado. A concentração de terras em Alagoas é a marca central da exploração e expropriação dos camponeses de suas terras. A territorialização da monocultura canavieira em 54 municípios do estado reflete a força que esse setor tem na economia alagoana. É um impacto significativo na vida da população, uma vez que há um privilégio pelo próprio estado que beneficia o avanço e a permanência deste setor que expropria os camponeses e provoca impactos na sociedade alagoana como um todo. É a luta dos movimentos socioterritoriais que atuam no estado – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Fundação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado de Alagoas (FETAG/AL), Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) – que tem contribuído para denunciar a concentração que gera violência no campo e injustiças sociais. A união dos movimentos carrega a força para as conquistas de suas reivindicações e seus territórios. É na luta contra o agronegócio que os movimentos empreendem um projeto de outra modelo de sociedade para Alagoas. Nesse sentido, vimos que as ocupações são as ações mais emblemáticas para a conquista de direitos que eles reivindicam. Elas são as responsáveis no avanço dos movimentos e de suas conquistas, sendo, no que tange ao MST, as forças mais emblemáticas para lutar contra a opressão do capitalismo. As lutas pautadas no ensejo da realização da Reforma Agrária dão abertura a outras lutas, como vimos, a luta pela Educação do Campo, desenvolvida como necessidade de potencializar os territórios imateriais dos territórios camponeses. É esse ensejo que viabiliza a construção de políticas direcionadas para a realização de um programa pautado nos princípios ideológicos camponeses. Com isso, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária é considerado a oportunidade dos camponeses estudarem e articularem sua formação mediada por sua realidade. É uma concepção de educação revolucionária, mas que tem atendido às perspectivas e anseios dos camponeses em cursos de formação pautados em sua realidade. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, além de ser um projeto ideológico, também se tornou um projeto político. Ao torna-se política pública, o referido projeto garante a sua continuidade nos territórios camponeses, além do que assegura aos camponeses o direito a escolarização em todos os níveis do ensino, através 199 de uma metodologia que atenda suas necessidades. As particularidades do PRONERA o tornam um instrumento político que passa a ser um grande aliado da formação camponesa. Sua ação é provocadora ao modelo de educação do Estado. O programa proporciona, a partir de suas ações de formação, a criação de novos espaços de disputa, e, com isso, vai democratizando a formação camponesa em espaços antes apenas tomados pela elite, como nas universidades, como nos cursos de Direito, por exemplo. É um programa que, no Brasil, tem suscitado a formação de muitos camponeses, porém, em Alagoas, diante da realidade apresentada por nós no capítulo três, o PRONERA foi desenvolvido por um viés diferenciado. Adotou programa cujas metodologias divergem da luta camponesa e do projeto político-pedagógico da Educação do Campo. Em Alagoas, a educação dos camponeses existe por persistência dos movimentos que procuram ampliar as condições de acesso ao direito fundamental à formação do sujeito. A socialização e apropriação dos conhecimentos são processos que podem mudar a vida dos marginalizados e lhes permitir o acesso às riquezas produzidas socialmente. Este é o sentido das lutas dos movimentos socioterritoriais pela Educação do Campo. A conjuntura atual de Alagoas pode ser explicada pelo processo histórico de dominação de poucas famílias sobre a organização social, econômica e política do estado. Os resultados desse estudo foram essenciais para afirmarmos que a territorialização do PRONERA em Alagoas não conseguiu superar a negação dos conhecimentos aos homens e mulheres do campo. Entendemos que, por ter sido executado distante das perspectivas da Educação do Campo, gerou-se um impedimento real dos assentados terem acesso à formação e se reconhecerem como sujeito do campo, pois a Educação do Campo contrapõe-se à educação imposta pelo currículo do Estado. A parceria com o estado pressupõe a atuação de relações de interesse no desenvolvimento desse programa em Alagoas, negando a realização de uma educação que valorize o território camponês e contribua para a autonomia da formação camponesa. A importância da luta pela terra e pela educação para os camponeses reafirma- os enquanto uma classe que vem reconfigurando o campo brasileiro. Essas lutas trilham um desafio aos movimentos socioterritoriais, que pensam numa nova proposta de educação e se articulam para construir esse projeto como para o próprio Estado, o qual é pressionado para criar políticas que evidenciem a necessidade da Educação do Campo. 200 Consideramos que esse projeto devia ter sido instalado com mais vigor no estado de Alagoas. Há uma ampla necessidade de mudar o quadro educacional desse estado, pois os espaços dos assentamentos do estado, são isolados e grandes dificuldades são vivenciadas. A falta de infraestrutura e o descaso do estado para com esse território implica em negar esses sujeitos. Faz-se necessário que, ao construir um projeto para o campo, devamos pensar na realidade em que vivemos, articulando-se e aglutinando forças para superar as condições de precarização e descaso para com o campo alagoano. O PRONERA, nesses 16 anos, já ampliou a escolarização de milhares de assentados em diversos níveis educacionais. Em Alagoas, como vimos, esse processo foi sendo fragmentado por etapas, por projetos desvinculados da realidade camponesa e por um conflito claro, visto em alguns depoimentos, entre a universidade e o Movimento. O próprio Movimento, ressaltamos em uma fala do membro do MST, não estava satisfeito com o desenvolvimento do programa no Estado. É preciso pensarmos a Educação do Campo além da ordem estabelecida. Devemos problematizar as condições atuais do campo alagoano para não cometer os mesmos erros do PRONERA nesse período de seu desenvolvimento. O PRONERA no contexto alagoano devia ter divergido claramente da educação desarticulada da realidade camponesa. Devia-se ter criado, mesmo que a longo prazo, possibilidades de criar um PRONERA, mesmo se em parcerias, como uma proposta que atendesse a realidade camponesa. Porém, a divergência de programas desvinculados dos objetivos da Educação do Campo reflete na continuidade de uma educação imposta, sem um diálogo, sem questionamentos, sem mudanças estruturais. É preciso construir políticas que direcionem para um fluxo contínuo, porque a educação é processo e em pequenos ciclos ela avança. Reconhecemos que o PRONERA em Alagoas progrediu pouco, que os resultados poderiam ter sido mais satisfatórios se houvesse uma gestão contínua que pensasse a longo prazo para investir os recursos em demandas essenciais, materiais, estruturas, formações. Essa divergência de paradigmas educacionais causa um conflito entre as classes, que talvez não fosse compreendida pelos assentados, mas que é bem compreendida entre as instâncias maiores (UFAL, INCRA, MST, FUNDEPS, SEE/AL). A Educação do Campo, em suas especificidades, procura levar em conta a cultura, as necessidades e um projeto de longo prazo para o desenvolvimento desse 201 projeto educacional. Articular programas paliativos é destoar da proposta de luta dos movimentos socioterritoriais. O PRONERA foi concebido em conflito, como ainda há. É preciso criar propostas que fortaleçam a Educação do Campo. Quando vinculamos a educação dos camponeses à propostas divergentes estamos dando continuidade ao processo de educação negado pelos movimentos. Portanto, em Alagoas, houve uma negação a luta pela Educação do Campo. Temos consciência do esforço dos atores envolvidos no programa para lidar com as diversas situações no desenvolvimento do programa no estado. Não estamos desmerecendo o trabalho dos sujeitos que dedicaram-se para o avanço do PRONERA, mesmo em um caso particular no estado. Estamos questionando qual foi a intencionalidade dos cursos com propostas totalmente adversas da luta dos movimentos socioterritoriais. Estamos questionando o porquê do MST ter aceito que o programa ocorresse nessas condições. Questiona-se até que ponto se discutiu a educação dentro da realidade camponesa alagoana quando se coloca programas prontos e desvinculados da luta pela terra e no confronto com o capitalismo. O PRONERA deve fortalecer a educação nos territórios camponeses. Esse fortalecimento deve estar direcionando para a ampliação da escolarização do campo, perpassar os níveis de alfabetização. É preciso que o próximo curso do PRONERA em Alagoas avance na escolarização dos assentados, bem como na formação dos professores. Nesse sentido, ele deve se tornar um instrumento de democratização do ensino no campo alagoano, deve, também, apoiar projetos voltados para as concepções educacionais do campo. É preciso por em prática os princípios do programa: inclusão, participação, interação e multiplicação. São eles que promovem a construção do desenvolvimento do programa. O movimento socioterritorial deve ser o protagonista dessa história, a universidade, uma parceira que auxilie na construção desse projeto educacional, não deve desvincular os processos de luta e necessidades da educação camponesa, colocando-os a processos educacionais já superados pelo Movimento de Educação do Campo. É preciso compreendermos que os territórios camponeses, a partir do seu modo de vida, da cultura, da relação do trabalho e das necessidades prementes deste território, buscam ampliar a inclusão por meio da participação da comunidade no processo de formação dos camponeses. Em Alagoas, o avanço do PRONERA teve seus resultados positivos divergentes com a proposta dialógica junto aos camponeses. Porém, 202 esperamos que, ao serem criadas novas propostas de educação para o campo alagoano, priorizemos o debate da Educação do Campo, pois com um número tão significativo de assentamentos no estado não podemos negar essa luta que vem dando grandes resultados em outros estados do Brasil. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária deve ser deixado de ser compreendido dentro de uma perspectiva legalista e formal, e deve passar a ser visto como um projeto associado ao Plano de Desenvolvimento do Assentamento. Esta possibilidade já existe latente nos assentados, nos educadores e educadoras dos assentamentos, há, então, a urgência de se construir um processo de gestão compartilhada nas novas experiências que venham surgir no estado e possibilitem o avanço da Educação do Campo em Alagoas. 203 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. 2ª edição. São Paulo- Campinas. HUCITEC. 1998. ALBUQUERQUE, Joelma de Oliveira. 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