UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO EM SOCIOLOGIA VIOLÊNCIA E GÊNERO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERITOS MÉDICO- LEGAIS DO IML/SE SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL LILIANA ARAGÃO DE ARAÚJO São Cristovão – SE 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO EM SOCIOLOGIA VIOLÊNCIA E GÊNERO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERITOS MÉDICO- LEGAIS DO IML/SE SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL Liliana Aragão de Araújo Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe, para a obtenção do Grau de Mestre em Sociologia. Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Santana Cruz. São Cristovão – SE 2013 3 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Araújo, Liliana Aragão de A663v Violência e gênero: representações sociais de peritos médico-legais do IML/SE sobre a violência sexual / Liliana Aragão de Araújo ; orientadora Maria Helena Santana Cruz. – São Cristóvão, 2013. 185f. : il. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Sergipe, 2013. 1. Representações sociais. 2. Violência sexual. 3. Perícia (Exame técnico). 4. Instituto Médico Legal – SE. I. Cruz, Maria Helena Santana, orient. II. Título. CDU 392.6:343.541 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA LILIANA ARAGÃO DE ARAÚJO VIOLÊNCIA E GÊNERO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PERITOS MÉDICO- LEGAIS DO IML/SE SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL Aprovada em: ___/___2013 Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe e aprovada pela Banca Examinadora ______________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Helena Santana Cruz (Orientadora) Programa de Pós-Graduação em Educação - UFS ______________________________________________________________ Profª. Dra. Maria Mary Ferreira Universidade Federal do Maranhão -UFMA ______________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves NPPCS - UFS ______________________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Ennes (Suplente) NPPCS - UFS São Cristóvão (SE) 2013 "Medicina Legal como Ciência aplicativa tem sua mais genuína aplicação na peritagem. O Legista não é perito das partes, e sim, perito da verdade”. João Bosco Penna AGRADECIMENTOS Enfim, após dois anos de estudos, pesquisas, leituras, leituras e mais leituras encerra- se o meu mestrado em sociologia, e “quantos caminhos percorri para chegar até aqui”, de quantas pessoas e instituições precisei... Obrigada Senhor Pai Santo, pela minha vida, minha saúde e pela vontade de estudar que surgia em mim quando pensava em desistir, quando imaginava que não iria conseguir. A fé em Ti sempre me auxiliou quando mais necessitei. À minha MÃE, que, mesmo na ausência física, se fez tão presente. Sempre carregarei em minha mente e coração os ensinamentos que me destes, hoje consigo compreender toda a preocupação com a minha educação, pois sempre teve como intuito um futuro melhor para mim. Dedico mais esta vitória à senhora, por ter sido a minha luz quando tudo que via era escuridão, por ter me guiado sempre que precisei, ter sido minha força nos momentos de fraqueza e minha alegria quando as lágrimas teimavam em cair. Ao homem da minha vida, Igor, por ter me tornado uma pessoa melhor. Você é parte primordial desta pesquisa, esteve comigo não só nos bastidores me acalmando, incentivando e acreditando em mim, compreendendo as minhas ausências, inseguranças e estresse. Mas também foi peça fundamental na concretização da pesquisa; de certeza, sem a sua colaboração não teria nem iniciado, quiçá chegado ao fim.Obrigada por ter dedicado seu tempo, em meio à correria dos plantões, em ir comigo, várias vezes, ao IML/SE e contatar os peritos médico- legais. Quero deixar registrada também a minha admiração, respeito e o meu eterno agradecimento a minha orientadora, Profa. Dra. Maria Helena Santana Cruz, por ter confiado em mim desde a graduação e ter me apresentado os caminhos da pesquisa. Obrigada por ter acreditado que era possível! Aos professores Dr. Paulo Neves e Dr. Marcelo Ennes, pelas valiosas contribuições oferecidas na minha banca de qualificação. Certamente aqueles comentários ajudaram na evolução da minha pesquisa e possibilitaram seu novo reordenamento. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, por conceder a minha bolsa de mestrado, obviamente esse aporte me permitiu trilhar o caminho da pesquisa sem pelo menos a preocupação financeira. A todos que fazem parte do Programa de Pós-Graduação em Sociologia– PPGS da UFS, pelo carinho com que sempre me trataram, por terem se prontificado sempre na resolução de problemas acadêmicos que, por ventura, surgiam. Ao Instituto Médico Legal IML/SE, na pessoa do Dr. Raimundo Melo, por ter aberto as portas da instituição para minha pesquisa e ter acreditado na construção do conhecimento. À Dra. Solange Lima, por ter me inserido na realidade da perícia-médica, ter me ajudado na realização das entrevistas e por se sensibilizar com meu trabalho.Você é peça especial desta pesquisa, muito obrigada! Aos demais técnicos do IML/SE, principalmente a Andrea e Eliana que sempre me trataram com muito carinho, que me incentivavam, que dividíamos nossas dificuldades, que me informavam os melhores momentos para abordar os peritos médico-legais. Meu sincero agradecimento! Aos amigos do grupo de pesquisa Educação, Formação, Processo de trabalho e Relações de Gênero, pela troca de experiência nas nossas discussões sobre gênero. De modo especial, a Susana Resende que se tornou minha amiga no primeiro dia de aula, que dividiu comigo os conhecimentos e aventuras da pós-graduação. Aos colegas da turma do Mestrado em Sociologia 2011/1, por terem deixado os momentos de estudos tão mais alegres e divertidos, mas também pelas críticas que realizavam no meu texto. Meu agradecimento especial a minha amiga Renata Rabelo, que dividiu comigo não só as experiências do mestrado e das disciplinas, mas, sobretudo as dificuldades em sermos Assistentes Sociais em meio as discussão sociológica. Como também a Sharlene Prata por está ao meu lado desde o processo de seleção. Aos meus irmãos Lilian e Rafael, por estarem sempre ao meu lado, principalmente nos momentos de dificuldade. Ao meu cunhado Marcony, que sempre foi mais que um cunhado é irmão e amigo. E aos meus lindos sobrinhos Lukas e Marília, que, com a inocência que só as crianças têm, me faziam parar de estudar para brincar (só eles conseguiam perceber que apesar de precisar estudar o que eu estava necessitando naquele momento era de fato brincar). E aos meus avós, por terem sido o meu porto seguro em todos os momentos. Enfim, muito obrigada a todos que estiveram presentes em minha vida nesse momento de conquista. Obrigada por entenderem os momentos em que tinha que ausentar-me. RESUMO Esta pesquisa utiliza as teorias sociológicas e tem como base as teorias de gênero e das representações sociais, daí esta dissertação ter como principal objetivo analisar as representações sociais dos peritos médico-legais do Instituto Médico Legal de Sergipe – IML/SE, visualizando se eles reproduzem relações assimétricas entre homens e mulheres no que tange às vítimas de violência sexual. Foram destacados os fatores que possam contribuir para o fortalecimento da violência, tendo em vista a proteção dos direitos das vítimas em situações de coerção e violência sexual. Para tanto, esta pesquisa é do tipo qualitativo, contudo não se afastou dos dados quantitativos para a construção do perfil das vítimas de violência, do agressor, do fenômeno e dos peritos médico-legais. Dessa forma, optou-se pelo estudo de caso, pois essa modalidade de pesquisa busca compreender fenômenos contemporâneos e da vida real, quando é necessário um aprofundamento analítico dos fatos. Foram adotados três tipos de instrumentos metodológicos: o documental, a observação direta e as entrevistas realizadas na Instituição. Com base na análise dos relatórios psicossociais, observou-se que as vítimas são quase sempre mulheres jovens, a maioria adolescente com idade entre 13 e 18 anos, e, nos casos em que o crime ocorre com homens, geralmente são crianças ou nos primeiros anos da adolescência. Os agressores são pessoas do ambiente familiar: vizinhos, pais, padrastos, tios, primos, avôs; em razão disso, essa violência ocorre no espaço conhecido pela vítima: em sua casa, na do agressor, ou de algum familiar. Foram realizadas seis entrevistas, com cinco homens e uma com mulher, para analisar como esses profissionais vivenciam e representam a violência sexual. Observou-se que os peritos médico- legais tendem a ser mais técnicos e demonstram, por vezes, certo grau de preconceito e estereótipos, já a perita médico-legal aborda mais aspectos psicológicos das vítimas. O acolhimento humanizado constitui uma das expectativas para o atendimento às mulheres vítimas de violência. Palavras-chave: Gênero. Representações Sociais. Violência Sexual. Perícia Médico-legal. ABSTRACT Using sociological theories and based on theories of gender and social representations, whose main thesis is to analyze the social representations of forensic experts from the Forensic Institute of Sergipe - IML / SE, seeing if they reproduce asymmetrical relations between men and women regarding victims of sexual violence. Looking up then highlight the factors that can contribute to the strengthening of violence, with a view to protecting the rights of victims in cases of sexual coercion and violence. Therefore, this research is a qualitative, but not move away from quantitative data to build the profile of the victims of violence, the aggressor, and the phenomenon of forensic experts. Thus, we opted for a case study because it seeks to understand contemporary phenomena and real life, where you need a deeper analytical facts. Therefore, it was necessary to use three types of methodological tools: the documentary, interviews and non-participant observation. Thus, after reviewing the reports psychosocial visualize that victims are often young women, most adolescent aged 13 to 18 years and where crime occurs in men, usually in children or early teens. Their abusers are people the family environment: neighbors, fathers, stepfathers, uncles, cousins, grandparents, for this reason, the violence that occurs in space known by the victim: at home, at the abuser, or a family member. We also conducted six interviews were with these five men and one woman with, we can consider them as these professionals represent sexual violence. It was then realized that the forensic experts tend to be more technical, sometimes showing, sometimes certain degree of prejudice or stereotyping, as the expert forensic expertise exhibit more psychological aspects of the victims. Already on observations visualize how the service takes place the victim in this first contact at the reception of IML / SE until the completion of corpus delict exam. In observation of the test corpus delicti once again realize that men are more objective concentrating in the exam only, since women are more communicative environment which provides a lighter to the victim. It was concluded that there are still remnants of prejudices and sterotyping in serving victims, however I do not know if that plays in preparing the expert report, since I did not have access to this document, moreover, that the institution do not comply the amendment of legislation of sexual crimes. However, in meeting the victim was not perceived any kind of exposure of the victim or his family, and noted an improvement in the structure of IML / SE, particularly with regard to the technological area. Keywords: Gender, Social Representations, Sexual Violence and Forensic Expertise LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 01- Algumas características das mulheres atendidas pela Central de Atendimento - ligue 180. Brasil – 2009. .......................................................................................................... 71 Gráfico 02 - Número de pericias mensais realizadas com vítimas de violência sexual, no ano de 2011, periciadas pelo IML/SE. ........................................................................................... 75 Gráfico 03 - Encaminhamentos prestados as vítimas de violência sexual, no ano de 2011, periciadas pelo IML/SE (%). ................................................................................................... 76 Gráfico 04 - Sexo das vítimas de violência sexual, no ano de 2011, periciadas no IML/SE .. 77 Gráfico 05 - Ocorrência de crimes sexuais quando comprado idade X sexo, no ano de 2011, periciado pelo IML/SE. ........................................................................................................... 78 Gráfico 06 - Relação social entre autores e vítimas do crime de estupro, no ano 2011, periciado pelo IML/SE (%). .................................................................................................... 80 Gráfico 07 - Relação de afeto e parentesco entre autores e vitimas do crime de estupro, no ano de 2011, periciado pelo IML/SE (%)....................................................................................... 82 Gráfico 08 - Local onde ocorreram os crimes de estupro periciados pelo IML/SE, no ano de 2011 (%). ................................................................................................................................ 83 Figura 01 - Fachada do IML/SE .............................................................................................. 65 Figura 02 - Sala da equipe psicossocial ................................................................................... 74 Figura 03 – Recepção.............................................................................................................103 Figura 04 - Sala de Acolhimento............................................................................................103 Figura 05 - Sala de exame ..................................................................................................... 106 Figura 06 - Sala de atendimento médico ............................................................................... 110 Figura 07 - Carro que transporta às vítimas de violência à MNSL ....................................... 118 LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Distribuição dos IMLs por Unidade da Federação (Brasil - 2003/2007) ............ 64 Tabela 02 - Registros de atendimentos da Central de Atendimento à Mulher, total e respectiva distribuição percentual, segundo o tipo de informação - Brasil – 2009. ................................. 69 Tabela 03 - Distribuição das pessoas que foram vítimas de agressão física, por sexo, segundo local da agressão (em %). ........................................................................................................ 70 Tabela 04 - Local onde ocorreu a violência ............................................................................ 85 Tabela 05 - Perfil dos entrevistados ........................................................................................ 95 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIDS (SIDA): Síndrome de Imunodeficiência Adquirida AMB: Associação Médica Brasileira CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CFM: Conselho Federal de Medicina CNRM: Comissão Nacional de Residência Médica COGERP: Coordenadoria Geral de Perícias CREMESE: Conselho Regional de Medicina do Estado de Sergipe CRIAMI: Centro Regional aos Maus Tratos na Infância CREAS: Centro de Referência Especializado da Assistência Social CT: Conselho Tutelar DAGV: Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis DC: Depois de Cristo DIEESE: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos DEAM: Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher DF: Distrito Federal DST: Doença Sexualmente Transmissível ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente HIV: Vírus da Imunodeficiência Adquirida IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IML: Instituto Médico Legal IML/SE: Instituto Médico Legal de Sergipe IML/SP: Instituto Médico Legal de São Paulo LP: Laudo Pericial MJ: Ministério da Justiça MNSL: Maternidade Nossa Senhora de Lourdes MP: Ministério Público MS: Ministério da Saúde MTE: Ministério do Trabalho e Emprego PPGS: Programa de Pós-graduação em Sociologia ONU: Organização das Nações Unidas PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNDH: Programa Nacional de Direitos Humanos PNPM: Plano Nacional de Políticas para as Mulheres RAIS: Relação Anual de Informações Sociais SE: Sergipe SENASP: Secretaria Nacional de Segurança Pública SPM: Secretaria de Políticas para Mulheres SSP: Secretaria de Segurança Pública TRS: Teoria das Representações Sociais UFS: Universidade Federal de Sergipe UNAIDS: Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas UNICEF: Fundo das Nações Unidas para a Infância SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 1.1- PROBLEMATIZAÇÃO .................................................................................................. 15 1.2- OBJETIVOS .................................................................................................................... 21 1.3- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 22 1.4- ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO .............................................................................. 28 CAPÍTULO II – ASPECTOS TEÓRICOS DA VIOLÊNCIA NUMA PERSPECTIVA DE GÊNERO...........................................................................................................................33 2.1- A TEORIA DE GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DAS DIFERENÇAS .......................... 33 2.2- VIOLÊNCIA DE GÊNERO............................................................................................. 39 2.2.1- Um pouco da História da Violência Sexual ............................................................... 44 2.2.2- Violência, Direitos Humanos e Cidadania ................................................................ 47 CAPÍTULO III - IDENTIDADE E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO ..... 52 3.1- CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ....................... 53 3.2- A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A TEORIA DE GÊNERO ........... 55 CAPÍTULO IV – A PERÍCIA MÉDICA E O INSTITUTO MÉDICO LEGAL DE SERGIPE ............................................................................................................................... 59 4.1- O HISTÓRICO DA MEDICINA LEGAL ....................................................................... 60 4.1.1- Pequeno histórico da Medicina Legal no Brasil ...................................................... 61 4.2- A PERÍCIA MÉDICO-LEGAL ....................................................................................... 62 4.3- O INSTITUTO MÉDICO LEGAL DE SERGIPE – IML/SE ........................................ 63 CAPÍTULO V – A MAGNITUDE DA VIOLÊNCIA ....................................................... 67 5.1 – A VIOLÊNCIA NO BRASIL ...................................................................................................... 63 5.2 – O PERFIL DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL ATENDIDAS NO IML/SE .. 73 CAPÍTULO VI – “NO HOMEM O BRINQUEDO É DE ARMAR. E O DA MULHER É DE ENCAIXAR”: REPRESENTAÇÕES E EXPERIÊNCIAS DE PERITOS MÉDICO- LEGAIS SOBRE EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA DO IML/SE ....................................... 78 6.1- PERFIL DOS MÉDICOS NO BRASIL E DOS ENTREVISTADOS ............................ 90 6.2 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PERITOS MÉDICO-LEGAIS ..................... 95 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 127 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 132 APÊNDICE .......................................................................................................................... 140 Apêndice A ........................................................................................................................... 141 ANEXOS .............................................................................................................................. 143 Anexo A ............................................................................................................................... 144 Anexo B ................................................................................................................................ 145 Anexo C ............................................................................................................................... 146 Anexo D ................................................................................................................................ 147 14 1 INTRODUÇÃO Na contemporaneidade, uma das maiores preocupações da sociedade mundial, especialmente a brasileira, é com a violência. A sociedade busca regulá-la através de legislações nacionais e internacionais que versam sobre as diversas formas de agressão. Não menos preocupados com esse fenômeno estão os teóricos das mais variadas ciências humanas, que procuram compreendê-la e analisá-la. A ideia de estudar o tema “violência sexual” surgiu na graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe – UFS, quando no trabalho de conclusão de curso, no ano de 2008, com o titulo: “Violência sexual: Denúncias na Delegacia Especial de Atendimento a Mulher de Aracaju/SE”, analisaram-se os crimes de violência sexual denunciados na Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher – DEAM de Aracaju. Especial destaque foi atribuído às representações sociais sobre a violência sexual dos técnicos (delegada, assistente social e escrivão). Essa pesquisa foi transformada em artigo científico e, no mesmo ano, venceu a primeira edição do Prêmio “Mulher e Igualdade de Gênero”, promovido pelo Governo do Estado de Sergipe. Uma das maiores dificuldades ressaltadas pelos entrevistados, na pesquisa mencionada, foi a desarticulação da Rede de Atendimento à Vítima de Violência Sexual. Segundo os servidores da Delegacia, muitas pessoas que denunciavam o crime não realizavam o exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal – IML/SE, nem tampouco a profilaxia na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes – MNSL. Nessa perspectiva, optou-se por realizar a pesquisa para a dissertação no IML/SE, mesmo enfrentando o desafio de não contar com o subsídio do estado da arte acerca do objeto, visto que o número de estudos mostrou-se reduzido no que diz respeito às ciências sociais no IML de Sergipe. Desse modo, decidiu-se inscrever o projeto de pesquisa no processo seletivo ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia - PPGS, da Universidade Federal de Sergipe, no qual foi aprovado, recebendo o apoio através da bolsa CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência foi constituída a partir do fortalecimento de políticas que visam a preservar os direitos da mulher, então ela deve ser entendida no contexto dos I e II Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPM) e, em especial, da Política e do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, os quais instituíram os conceitos, as diretrizes e as ações de prevenção e combate à 15 violência. As políticas governamentais, do período pré-criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, não eram traduzidas em uma política de enfrentamento à violência, e ficavam restritas ao atendimento das delegacias especializadas de atendimento à mulher – DEAMs e no encaminhamento das mulheres às casas-abrigo. (DIEESE, 2011). Antes dessa Rede, a infraestrutura social de atendimento às mulheres em situação de violência colocada à disposição da sociedade era ainda muito precária, tanto nos termos de quantidade de serviços ofertados, quanto pela inexistência de uma articulação entre os serviços que propiciasse a constituição de uma rede. A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM representou um importante marco para a constituição de uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência. Todavia, observou-se, no decorrer da análise dos documentos que versam sobre o atendimento às mulheres em situação de violência, que os institutos médico legais não foram mencionados na elaboração dessa Rede, mesmo sendo eles os responsáveis pela constatação da materialidade do crime, pela comprovação clínica da violência, pela prova técnica, independentemente da violência sofrida. 1.1 PROBLEMATIZAÇÃO Durante a análise do objeto apresentado, observou-se que nas Ciências Sociais não existe uma teoria geral da violência, mas sim diversas “tradições sociológicas” que contribuem para a análise desse fenômeno (WIEVIORKA, 1997). Ademais, não há na sociologia uma teoria que comporte todos os níveis de expressão desse fenômeno, visto que para estudá-lo é necessário compreender contextos sociais, econômicos, psicológicos, individuais e coletivos. Em razão disso, buscou-se uma aproximação com os estudos sobre gênero, considerando que a violência sexual é uma forma de violência de gênero, o que permite estabelecer interlocuções teóricas de outros campos do saber. Para tanto, também se analisou o objeto de pesquisa a partir da Teoria das Representações Sociais e da teoria de gênero ao tempo em que se buscou conectá-lo aos elementos que cercam a violência sexual. Sendo 1 assim, este estudo sobre as representações sociais que os peritos médico-legais do IML/SE 1 Explica-se o plural de médico-legal como médico-legais. Embora vá de encontro às normas gramaticais, para o plural de compostos, é a forma como está na legislação e como eles se referem à profissão: “peritos médico- legais”. A literatura consultada sobre o tema também usa esta forma. 16 possuem das vítimas de violência sexual considera também as características sociais, individuais e econômicas dos atores estudados. Haja vista o exposto, para a análise da violência de gênero objeto desta dissertação, optou-se por utilizar o conceito da TRS como mecanismo teórico-metodológico de compreensão do tema. Essa opção é uma forma de driblar as dificuldades que a sociologia possui no debate acerca da violência (PORTO, 2010), pois, o conceito de violência é muito subjetivo, varia de indivíduo para indivíduo, ou seja, para algumas pessoas determinado acontecimento pode ser caracterizado com violência, já para outras não, a exemplo da violência sexual presumida através da qual crianças e adolescentes são persuadidas a praticar atos sexuais. A partir de então, questionam-se quais são as representações sociais que os peritos médico-legais possuem das vítimas de violência sexual? Logo, compreender tais representações dessa categoria profissional tem importância preponderante, pois é a perícia médica-legal a responsável pela prova técnica dos crimes sexuais. A profissão de peritos médico-legais nasceu da necessidade que os juízes de direito têm de esclarecer determinados assuntos, dos quais eles não detinham o conhecimento. Assim, “peritos são pessoas experientes, qualificadas em determinados assuntos, a quem cabe informar, esclarecer fatos de interesse da Justiça relacionados à sua especialidade, quando solicitado” (PENNA, 1996, p. 51). Diante do exposto, o exame pericial é uma das partes que compõe o inquérito policial, sendo essa análise o que comprova a materialidade do crime. A comprovação da violência sexual ocorre por diversas formas, segundo Habigzang (2005), elas ocorrem na seguinte proporção: exames ginecológicos, laudos do Instituto Médico Legal e exame de corpo de delito (32,4%), relato da mãe (30,9%), avaliação psicológica (27,9%) e depoimentos de outros familiares (25%). Constata-se que são as provas clínicas (exames ginecológicos, laudos do Instituto Médico Legal e exame de corpo de delito) que possuem o maior índice de comprovação de violência sexual. Diante disso, analisar as representações dos profissionais que compõem o atendimento as vítimas de violência sexual mostra-se importante. Dessa forma, a violência deve ser analisada e compreendida, a partir das representações, da subjetividade dos grupos, ou, até mesmo, de toda uma sociedade, para com isso compreender o elemento estudado (WEIVIORKA, 1997). Assim, atualmente as análises relativas à violência buscam compreender as representações que cercam tal fenômeno. 17 O entendimento acerca da violência proporciona uma maior abrangência na discussão que se propõe neste trabalho. Neste sentido, os estudos de Weiviorka (1997), Arendt (2011) e Porto (2010) possibilitaram compreender como a violência está configurada nos dias atuais, suas formas de expressão e como as ciências entendem esse fenômeno. E, a partir desse olhar aconteceu uma aproximação dos estudos da violência de gênero. Tais análises possibilitaram um entendimento mais amplo da discussão central da pesquisa, portanto conhecer essas categorias foi fundamental na discussão que se processa nas páginas seguintes. Partindo do escritos de alguns estudiosos do assunto como Saffioti (1987, 1994, 2001, 2011), Saffioti e Almeida (1995), Scott (2005), Castells (1999), Pateman (1993), Teles e Melo (2002) e Cruz (2005, 2009), esta pesquisa encontrou embasamento para defender que as formas de dominação/exploração/opressão/submissão, que caracterizam o patriarcado, estruturam representações desvantajosas em relação à mulher na sociedade, sedimentadas em diferentes práticas e interações no cotidiano, os quais naturalizam tratamentos diferenciados para mulheres e homens. Em face dessa discussão, pensar na categoria de gênero de forma analítica é utilizá-la como instrumento adequado para os estudos das diferenças e das desigualdades entre homens e mulheres. Sabe-se, no entanto, que tais desigualdades são construídas nos mais diversos espaços: família, mercado de trabalho, instituições e na subjetividade. Nesse aspecto, fazer análise a partir das teorias de gênero pressupõe a substituição dos estudos relativos a mulheres, pois o gênero é uma categoria mais ampla, e compreende não apenas o sexo feminino, mas as relações sociais construídas. Haja vista o exposto, trabalhar a categoria de violência de gênero, explica-se pelo fato de ser uma categoria mais abrangente das que costumeiramente são trabalhadas nos estudos feministas – violência contra a mulher, violência doméstica e violência intrafamiliar –, pois ela abrange tanto homens como mulheres, adultos e crianças. Acrescente-se que esses estudos não analisam, necessariamente, a mulher apenas como sujeito que sofre a violência, mas também como agente desta. Então, ao lidar com essa categoria não se anulou a possibilidade de uma mulher agredir um homem, outra mulher ou 2 até mesmo seus filhos. Porém, a partir de estudos publicados anteriormente , entende-se que é 2 Costa (2008a, 2008b), Araújo (2008), Squizatto (2004), Souza e Adesse (2005), Rodrigues (2011), Polanczyk et. al. (2003), Pimentel; Schritzmeyer; Pandjiarjian (1998), Faleiros (1997). 18 sobre ela que recai a maior parcela desses crimes, pois historicamente é o macho quem tem 3 um projeto de “dominação-exploração ou exploração-dominação” (SAFFIOTI, 2011) . No que diz respeito às Ciências Sociais, entende-se que, com o crescimento da “presença-visibilidade” feminina, as pesquisas buscaram dar maior importância à categoria de gênero, abrangendo seu campo de análise (DE MATOS, 2002). Nesse contexto, esta pesquisa encontra-se embasada na inquietação que a sociologia possui acerca dos estudos sobre a violência sexual. Além do mais, acredita-se que essa violência é uma forma especial de violência de gênero, pois ela mantém preservados traços de hierarquias e desigualdades. A pertinência sociológica do problema proposto ocorre em função de ele buscar analisar e compreender se as representações sociais dos peritos médico-legais demonstram assimetrias entre os gêneros, o que possibilitaria a ponderação acercada dominação patriarcal. Dados relativos à violência no Brasil mostram que nos últimos anos os índices vêm 4 apresentando um forte crescimento . No tocante aos crimes sexuais, é sobre as mulheres que sobeja a maior fatia desses crimes, pois todas as pesquisas mostram que elas são as maiores vítimas desse tipo de violência. A legislação sobre os crimes sexuais está buscando ampliar seu campo de atendimento, e com isso preencher as lacunas deixadas por algumas legislações. Nesses termos, a Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou o título VI do Código Penal, o qual anteriormente intitulava-se “Dos Crimes Contra os Costumes”, e, após essa Lei, passou a ser chamada “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. Essa alteração também modificou a definição dos crimes, extinguindo dessa forma o crime de atentado violento ao pudor, e considerando como estupro: “Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (BRASIL, 1940). A partir dessa alteração na legislação, o crime de estupro passa a poder ser cometido tanto por homens como por mulheres, essa mudança também é verificada no que diz respeito às vítimas, que a partir de então também podem ser homens e mulheres já que o entendimento que estupro é apenas a conjunção carnal caiu por terra. É importante registrar que a alteração na legislação, necessariamente, não resultou em alteração do pensamento das pessoas. Logo, a mudança legal não garante que no imaginário 3 A autora utiliza essa expressão porque ela compreende “os processos de sujeição de uma categoria social” a partir dessas duas dimensões, em sua concepção não se deve pensar a sociedade dividida entre política, economia e social. 4 Dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o qual informa que houve um aumento de 7,7 mortes por homicídio para cada 100 mil habitantes no período entre 1992 a 2004. (IBGE, 2009) 19 dos peritos médico-legais, os crimes sexuais (estupro e atentado violento ao pudor) sejam tratados de forma igualitária, conforme a pesquisadora notou durante a observação no IML/SE, pois os agentes, ao quantificar o atendimento realizado, ainda distinguem o estupro do atentado violento ao pudor. Na realização da pesquisa investigativa, acerca de estudos anteriores sobre violência sexual, percebeu-se que as análises comparativas entre homens e mulheres são pontuais, e 5 pesquisas sobre a perícia médica não foram encontradas no Estado de Sergipe . Não foi localizada também nenhuma outra que enfocasse as representações sociais de peritos médico- legais, nem no Estado nem no Brasil; foram encontradas pesquisas sobre os IMLs, mas não com foco essa categoria profissional. Tal constatação dificulta inclusive traçar um marco histórico do IML/SE, visto que as existentes no IML/SE são pesquisas nas ciências da saúde (medicina e odontologia) que são pontuais, enfocam apenas o estudo da parte física não discutindo quanto à dinâmica institucional. Além disso, não existe na instituição, nem nos órgãos ao qual ela é subordinada (Coordenadoria Geral de Pericias – COGERP e Secretaria de Segurança Pública – SSP) nenhum documento que verse sobre a história do IML/SE. É importante também compreender como essa violência se apresenta nos dias atuais, logo, quem são as pessoas que procuram o atendimento do IML/SE vítima de violência sexual? Essa análise é fundamental porque possibilita verificar quem são os atores envolvidos 6 nesse cenário. No contexto nacional, o Relatório do Ministério da Justiça (2006) mostra que o crime de estupro é cometido apenas por homens e suas vítimas são apenas mulheres tendo sido registrado nas Delegacias 13.779 vítimas e 11.309 agressores, a faixa etária que teve maior índice de mulheres vítimas foi entre os 12 e 17 anos. No que diz respeito ao atentando violento ao pudor, a pesquisa mostrou que 70,6% das vítimas são do sexo feminino enquanto que 29,4% do sexo masculino, no tocante aos agressores foi observado que a grande maioria 94,9% são do sexo masculino. Squizatto e Pereira (2004) realizaram uma pesquisa na Coordenadoria de Medicina Legal de Cuiabá foi detectado que a maior parte das vítimas de violência sexual é formada por 5 Apesar de saber que algumas outras pessoas já realizaram pesquisas sobre as vítimas de violência sexual, estes estudos não foram localizados nem na Biblioteca Central da UFS, no Departamento de Ciências Sociais nem no arquivo do IML/SE. 6 Perfil das Vítimas de Agressores das Ocorrências Registradas pelas Polícias Civis, Secretaria Nacional de Segurança Pública. Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Formação de Pessoal em segurança Pública, Agosto de 2006. Como este relatório foi construído em 2006, os dados ainda estão segmentados entre estupro e atentado violento ao pudor, já que a Lei que modifica os crimes sexuais apenas foi aprovada em 2009, por isso as vítimas de estupro são apenas mulheres e os agressores apenas homens. Esses dados foram colhidos de janeiro de 2004 a dezembro de 2005 através dos boletins de ocorrências registrados nas delegacias. 20 crianças e adolescentes (71,7%), e que quase a totalidade dos crimes (92%) são contra as mulheres e apenas 8% contra homens. Desse modo, nota-se que são as crianças e adolescentes as maiores vítimas dessa agressão, o que possibilita afirmar que as assimetrias não estão apenas voltadas às relações entre homens e mulheres adultas, mas, sobretudo entre adultos e crianças. Logo, esse dado ajuda a pensar que a própria mulher, no contexto de agressão contra crianças e adolescentes, também pode exercer um papel de dominação patriarcal (SAFFIOTI, 7 2001), sendo ela, a partir de pesquisas divulgadas , o maior algoz dessas pessoas. Em um panorama montado pelo Disque 100, entre maio de 2003 a maio de 2009, foi observado que houve 2.285.671 denúncias de violência sexual e o nordeste foi a região que teve o maior número de denuncias 33.440em todo o país. Este panorama expõe também o ranking nacional de denúncias por Estado; em razão da população, o líder é o Distrito Federal com 98,29, para cada grupo de 100 mil/hab., seguido de Mato Grosso Do Sul (87,36) e Maranhão (86,03); Sergipe ocupa o 25º lugar (35,68). (DISQUE 100 [c.a. 2012]) Diante da análise das pesquisas anteriores, visualizou-se que a violência de gênero é caracterizada pela sua amplitude, uma vez que atinge a todos sem distinção de classe social, cultura e nível econômico. No tocante ao local onde ela ocorre, observa-se que pode acontecer tanto em locais públicos como privados, e seus agressores podem ser tanto estranhos como parentes. No que diz respeito à violência sexual periciada no IML/SE, o agressor é, na maioria das vezes, conhecido das vítimas, estas quase sempre são crianças e adolescentes do sexo feminino, e a agressão geralmente ocorre na residência da vítima ou na casa do seu agressor. Dados dos arquivos do IML de Sergipe indicam que foram registradas no ano de 2011, 8 434 exames de corpo de delito, com vítimas de violência sexual; dessas, 377 foram do sexo feminino e 57 do sexo masculino, sendo que apenas três eram maiores de 20 anos e foram violentados quando cumprindo penas em presídios do Estado. A faixa etária onde é maior o índice dessa violência é entre 11 e 15 anos e seus agressores quase sempre são pessoas conhecidas. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de discutir os problemas ligados à violência sexual neste campo empírico, no que diz respeito à compreensão de quem são as pessoas que procuram o IML/SE, seus agressores e os encaminhamentos realizados, ou seja, existe a 7 Vale lembrar que esse dado refere-se à violência num contexto geral e não à violência sexual. Pesquisa divulgada pelo observatório da infância (BRASIL, 2009b). 8 O número é corresponde ao ano de 2011, sem contar com o mês de julho, pois a pasta com os registros referentes a aquele mês não foi encontrada no arquivo da Instituição. 21 necessidade de se elaborar um perfil dos usuários que buscam atendimento da Instituição para a realização de pericia médico-legal de crimes sexuais. Esses dados são importantes porque servem como mecanismo de integração teórico-empírico de análise das representações sociais sobre a violência dos profissionais e dos usuários que prestam serviços na instituição. Logo, a opção em levantar o perfil é para conhecimento da realidade, um mecanismo a mais de exame. Os dados exploratórios e a revisão da literatura sobre o tema possibilitaram montar um panorama amplo sobre a violência periciada na Instituição – IML/SE, fundamental para o estudo das representações daqueles capacitados para realização da prova clínica da violência – os peritos médico-legais. Esse desenho é importante porque favorece a compreensão de como as vítimas de violência sexual, sejam elas homens ou mulheres, adultos ou crianças, estão sendo visualizadas no imaginário desses profissionais, já que o imaginário social é “produtor e produto das representações sociais da violência” (PORTO, 2010, p. 15). Analisa-se então, se eles procuram avaliar a violência de forma técnica independente de qual seja o gênero das vítimas ou se eles tendem a reproduzir relações assimétricas entre homens e mulheres reforçando traços de dominação. Nota-se que a imagem feminina ainda está atrelada à ideia de passividade “dedicadas apenas a casa à família, inteiramente subordinadas a casa e ao marido” (BLAY, 2009, p. 40), ou seja, no imaginário social a representatividade da mulher ainda está ligada ao espaço privado, ao doméstico. É importante esclarecer que o IML/SE é uma Instituição Pública que atende todos os 75 municípios do Estado de Sergipe, logo, quando um indivíduo falece violentamente, ou sofre qualquer tipo de violência (violência de trânsito, doméstica e sexual etc.) no Estado é ao IML/SE que ele se reporta. Dessa forma, o atendimento dessa Instituição abrange uma população de aproximadamente 2.068.017 pessoas espalhadas em uma área de 21.915,116 km², segundo o Censo de 2010 realizado pelo IBGE. (IBGE,2010) 1.2 OBJETIVOS Diante do exposto, nesta pesquisa adota-se uma abordagem de gênero, e a partir da Teoria das Representações Sociais, busca-se, como objetivo geral, analisar as representações sociais dos peritos médico-legais do IML/SE, visualizando se eles reproduzem relações assimétricas entre homens e mulheres no que tange às vítimas de violência sexual. Procura-se 22 destacar os fatores que possam contribuir para o fortalecimento da violência, tendo em vista a proteção dos direitos das vítimas em situações de coerção e violência sexual. Para obtenção deste objetivo geral, fez-se necessário traçar objetivos específicos, quais sejam: mapear os episódios de violência sexual atendidos no IML/SE caracterizando o perfil das vítimas e dos agressores a fim de proporcionar maior sustentabilidade ao estudo; conhecer os encaminhamentos prestados às vítimas de violência sexual, frente à gravidade das denúncias apresentadas; observar como elas são acolhidas na Instituição; verificar se alteração introduzida no Código Penal Brasileiro pela Lei 12.015/2009 tem contribuído para uma maior eficácia na formulação da prova clínica (laudo pericial) desta violência; compreender quem são esses atores responsáveis pela execução da perícia clínica; e analisar como os peritos médico-legais visualizam o crime, bem como as vítimas de violência sexual. 1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A linha metodológica seguida por essa pesquisa encontra em Boaventura (1989) arcabouço para sua discussão. O autor argumenta a partir da dupla ruptura epistemológica que ocorre na “fase de transição” que as ciências se encontram. A primeira ruptura diz respeito ao sentido de criar um novo conhecimento, autônomo que entra em conflito com o senso comum, já a segunda caracteriza como o conhecimento que não visar a transformar o senso comum, mas transformar-se nele. A dupla ruptura epistemológica é uma estratégia científica adequada à fase de transição paradigmática, nesta concepção exteriorizante da ciência, uma vez que “o que se pretende é um novo senso comum com mais sentido, ainda que menos comum" (SANTOS, 1989, p. 150). Ao se observarem os limites da pesquisa sociológica, a partir dos objetivos e dos tipos de dados analisados, a pesquisa caracteriza-se como do tipo qualitativa, porém sem desconsiderar os aspectos quantitativos no que se refere à caracterização das vítimas e agressores, pois não se acredita numa dicotomia entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa. Como bem destaca Cecília Minayo (2007), a metodologia qualitativa permite abordar o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Neste sentido, “a linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis” (MINAYO, 2007, p.24). 23 O campo empírico da pesquisa integra o Instituto Médico Legal de Sergipe (IML/SE) localizado na Praça Tobias Barreto, Nº 20, Bairro São José, em Aracaju – SE. Até o ano de 1967 este Instituto estava atrelado ao Instituto de Identificação de Sergipe, após a Lei Nº 1.476 de 16 de agosto de 1967 eles se desmembraram, sendo cada órgão independente mas atrelados à SSP/SE.A esse Instituto compete [...] realizar exames e expedir documentos, e processar e arquivar prontuários, na área de identificação civil e criminal, bem como desenvolver estudos pesquisas relativos a impressões digitais e papilas dérmicas, e atividades necessárias ao cadastramento de pessoas físicas e a elaboração de dados estatísticos.(SERGIPE, 2002). 9 Apenas em 1979 o IML/SE passou a ser denominado Instituto Médico Legal Dr. Augusto Leite, e é diretamente subordinado a COGERP, que fora criada em 05 de janeiro de 1991 através da Lei Complementar Nº 79. A COGERP é um órgão operacional da estrutura orgânica-administrativa da SSP/SE, e subordinada a esta, que tem por finalidade “a promoção, execução e coordenação das perícias criminalísticas” (SERGIPE, 2002). Já o IML/ SE tem por objetivo realizar “exames periciais na área de medicina legal, bem como exames em pessoas vivas, cadáveres, e peças anatômicas, e identificação humana”. (SERGIPE, 2002). A opção preferencial pela pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, refere-se ao fato dele tanto poder analisar uma unidade como estudos múltiplos “um caso é uma unidade específica, um sistema delimitado cujas partes são integradas” (MAZOTTI, 2006, p. 641). Para Yin (2010), esse tipo de pesquisa é pertinente quando se busca compreender um “fenômeno da vida real em profundidade” (YIN, 2010, p. 39). Logo, a teoria e a metodologia proposta caminham em sintonia com a análise empírica. As pesquisas sobre gênero, em sua grande maioria, buscam ser do tipo estudo de caso, por tratar-se de fenômenos contemporâneos e da vida real, onde é necessário um aprofundamento analítico dos fatos. Dessa forma, o uso dessa técnica de pesquisa, justifica-se em função de ela possibilitar uma exaustiva análise das representações sociais que os peritos médico-legais têm das vítimas de violência sexual e sua caracterização. Contudo, este estudo não é entendido como um estudo de caso apenas por investigar um determinado grupo e instituição, mas sim por eles 9 Após profunda busca documental, no IML/SE, na SSP, no site da Assembleia Legislativa do Estado e em diários oficiais da época, não foi encontrada a data exata de sua fundação. No próprio órgão não contém uma placa de inauguração informando a data. O ano supramencionado é relatado pelo diretor da Instituição e por funcionários da mesma, que afirmam que sua fundação ocorreu no referido ano. 24 serem atores fundamentais para a compreensão das assimetrias entre homens e mulheres no que diz respeito à violência sexual. Além disso, a metodologia escolhida proporciona um duplo exame do problema, pois, de um lado tem um estudo abrangente do grupo e por outro “tenta desenvolver declarações teóricas mais gerais sobre regularidades do processo e estruturas sociais.” (BECKER, 1997, p. 118). Em função da ampla gama de comportamentos que serão encontrados no decorrer do estudo, a opção pelo estudo de caso é importante em decorrência de o mesmo incorporar dados relativos à análise do grupo e, após, objetivar a pertinência teórica. Para Mazzotti (2006), o pesquisador, ao fazer uso dessa técnica de pesquisa, busca tanto o que é comum como o que é “particular”, e seu resultado é sempre algo “original” em função de alguns aspectos como: “a) a natureza do caso; b) o histórico do caso; c) o contexto (físico, econômico, político, legal, estético etc.); d) outros casos pelos quais é reconhecido; e os informantes pelos quais pode ser conhecido” (MAZZOTTI, 2006, p. 642). Em geral, as pessoas vítimas de violência sexual encaminhadas ao IML/SE são advindas de delegacias e hospitais. Além dos documentos pessoais, caso as vítimas sejam encaminhadas da delegacia, elas devem portar boletim de ocorrência, encaminhamento assinado exclusivamente pelo delegado e a guia de exame complementar. Em caso de advindas de hospitais, elas devem também levar relatório médico. Atualmente o IML possui, em seu quadro de peritos médico-legais, nove profissionais, porém um destes exerce o cargo de diretor da Instituição. Todavia, a legislação que versa sobre o funcionamento deste órgão afirma que a ela deverá contar com 30 peritos médico-legais em seu quadro de profissionais. Para coleta de dados foram utilizadas diferentes fontes: Fontes documentais: documentos do IML/SE; análise de relatórios de registros de atendimento do ano de 2011, elaborados pela equipe de acolhimento, sobre violência sexual, como meio de quantificar as ocorrências. A partir da apreciação dos dados obtidos, foi caracterizado o perfil das vítimas e agressores, através de abordagem que visa quantificar as variáveis relevantes para o conhecimento do objeto da pesquisa como: idade, sexo, local de residência, relação que a vítima possui com o agressor e o encaminhamento da vítima. A pesquisa qualitativa pode prescindir de processos de amostragem sistemáticos. Nesse sentido, ainda conforme Minayo: [...] a ideia de amostragem não é a mais indicada para certas pesquisas sociais, especificamente aquelas de cunho qualitativo. Isso se deve ao fato que o ‘universo’ em questão não são os sujeitos em si, mas as suas 25 representações, conhecimentos, práticas, comportamentos e atitudes. Como se vê, seria impossível demarcar o numero total dessas variáveis, muito menos o tamanho da amostra que seria representativa dessa totalidade. Diante disso, costumeiramente se opta por definir o número de sujeitos por inclusão progressiva (sem demarcar a priori o numero de participantes) que é interrompida pelo critério de saturação, ou seja, quando as concepções, explicações e sentidos atribuídos pelos sujeitos (MINAYO,2007, p.48). No intuito de captar as representações dos peritos médico-legais do IML/SE a respeito dos episódios de violência, privilegiou-se a realização da entrevista não diretiva, pois ela permitiu uma análise mais aprofundada das representações sociais desses profissionais, visto possibilitar ao entrevistado uma maior liberdade para expressar seus pensamentos. Michelat (1980) considera que a entrevista não-diretiva é capaz de obter maior profundidade nas informações coletadas, pois permite ao entrevistado, além de certo grau de liberdade, uma análise profunda nas informações que ele pode proporcionar. Dessa forma, foram feitos os seguintes questões: Quem procura o atendimento do IML/SE para realização de perícias médico-legal sobre violência sexual? A vítima chega acompanhada ao IML/SE para a realização da perícia? Quem a acompanha? Como é realizado o acolhimento? O IML possui uma área específica para atendimento dessa demanda?Como é realizado o exame pericial? Quais aspectos da violência sexual são considerados para a elaboração do laudo? Como as vítimas, no ato da realização do exame pericial, representam para você a vivência da violência? Quais os encaminhamentos prestados pelo IML às vítimas de violência sexual? Existe comunicação do IML com os outros órgãos de atendimento às vítimas de violência sexual, a exemplo da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, CREAS, conselhos tutelares e delegacias? Geralmente, qual a relação que a vítima possui com o agressor? Quais os desafios que o perito médico-legal do IML/SE possui na realização do seu trabalho?Para você, a recente alteração do Código Penal Brasileiro quanto aos crimes sexuais, considerando estupro “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, gerou mudança no imaginário sobre esse crime?Em sua opinião, quais políticas deveriam ser fortalecidas para a diminuição da violência sexual? Na sua visão, por que a violência acontece geralmente com mulheres? Qual proposta você sugere para a diminuição nos índices de violência sexual? As entrevistas foram realizadas entre os meses de outubro/ 2012 e janeiro/2013 com seis peritos médico-legais. À época da realização das entrevistas, o IML contava com nove profissionais, desses três são mulheres; porém, apenas uma realiza o exame de corpo de delito 26 agendado – a única perita com especialidade segundo o Conselho Regional de Medicina de Sergipe (CREMESE) –, as outras duas trabalham em escala de plantão de final de semana, atendem vítimas de violência sexual para a realização de exame de corpo de delito, apenas quando em flagrante. Em contato telefônico mantido com as plantonistas, elas não manifestaram interesse em participar da pesquisa, ressaltaram que não poderiam contribuir com esse tipo de pesquisa. Logo, apenas a perita que realiza exame pericial agendado concordou em realizar as entrevistas. Entre os seis homens que trabalham no IML/SE, no decorrer da realização da pesquisa, apenas um não concedeu entrevista, em função de trabalhar em esquema de plantão, e alegou o mesmo motivo das plantonistas acima citadas. No entanto, a entrevista foi realizada com todos os profissionais que integram o quadro de recursos humanos do IML na execução de perícia médica agendada. As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos entrevistados, umas ocorreram no IML/SE e algumas em outros locais de trabalho do entrevistado. Das seis entrevistas concretizadas, apenas duas foram gravadas (as entrevistas nº 02 e nº 06) com gravador digital; nas outras quatro, por solicitação dos entrevistados, não houve gravação, apenas transcrição manual das falas dos atores. Todavia buscou-se preservar a autenticidade do pensamento dos informantes. O fato de não gravar as entrevistas dificultou a análise das falas dos informantes, visto que o fato de estar atenta à tomada de notas desviava a atenção do cenário que compõe a entrevistas (as expressões corporais, os risos, silêncios, etc.) como também não tem como, por mais atenta que estivesse, capturar tudo que fora relatado, todos os detalhes e entrelinhas das entrevistas. Ademais, apenas a entrevista gravada permitiria “captar na íntegra e em todas as suas dimensões a palavra do entrevistado” (BEAUD, WEBER, 2007, p. 137). As entrevistas foram estruturadas através de perguntas subjetivas que caracterizavam as pessoas responsáveis pelas perícias de violência sexual, a relação que elas têm com o agressor, os encaminhamentos que o IML proporciona às vítimas, os desafios que os peritos encontram no decorrer do seu labor, rotinas de atendimentos prestados desde a recepção e acolhimento dos usuários dos serviços até a elaboração do LP, bem como os caminhos que eles consideram importantes para reverter os episódios de violência. Enfim, traçar um panorama do atendimento, para, com isso, poder verificar se existem assimetrias no atendimento das vítimas de violência sexual. Para Goode e Hatt (1979, p. 155) a “ciência começa com observação e deve no fim voltar à observação”, além disso,considera-se que essa técnica é a “mais moderna”, mas também “a mais antiga” dentre os procedimentos 27 metodológicos. Buscou-se utilizar como procedimento metodológico a técnica de observação 10 direta , visto não ser graduada em Medicina para realizar o exame de corpo de delito. A observação direta é uma técnica de coleta de dados que utiliza os sentidos para compreender determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar. Ajuda a identificar e obter provas a respeito de situações sobre as quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento (MARCONI; LAKATOS, 1990). A observação direta apresenta vantagens, potencialidade e limitações que podem ser assim resumidas conforme Patton(1987, p. 54):  permite ao observador compreender o contexto no qual se desenvolvem as atividades;  permite ao observador testemunhar os fatos, sem depender de informações de terceiros;  permite que um observador treinado perceba aspectos que escapam aos participantes, rotineiramente envolvidos com a situação;  pode captar aspectos de determinada situação sobre os quais os participantes não desejam falar numa entrevista, por ser um tema delicado ou embaraçoso;  traz para a análise as percepções do próprio observador, que, ao serem confrontadas com as percepções dos entrevistados, fornecem uma visão mais completa do objeto estudado;  permite que o observador forme impressões que extrapolem o que é possível registrar, mesmo nas mais detalhadas anotações de campo, e que podem auxiliar na compreensão do objeto de auditoria e suas interações. Foram realizadas sessões de observação direta em alguns momentos como: no acolhimento da vítima no IML/SE; na entrevista realizada pela equipe psicossocial; e na observação da realização do exame de corpo de delito realizado pelos profissionais do acolhimento e pelos peritos médico-legais nas vítimas. Este procedimento foi adotado entre novembro/2012 a janeiro/2013. Para a efetivação desse instrumento, foi solicitada, no momento da entrevista com esses profissionais, autorização para acompanhá-los na realização do exame; nesse momento todos autorizaram, contudo, quando alguns profissionais não autorizaram o acompanhamento de realização de exames. Durante o atendimento às vítimas no IML/SE pelos profissionais do acolhimento, observou-se como eles recebiam as vítimas, se elas eram ridicularizadas, expostas e se 10 Godde e Hatt (1979, p. 160) afirmam que a “observação não participante é, portanto, geralmente, observação “quase participante”. Pois, é mais simples desempenhar os dois papéis do que tentar mascarar-se completamente.” Obviamente que o exame de corpo de delito é uma atribuição privativa do perito médico- legal, o que inviabilizou a inserção da pesquisadora como um “membro verdadeiro” dessa classe. Todavia, no que tange ao acolhimento da vítima foi possível interagir. 28 ficavam no mesmo ambiente que os outros usuários da Instituição (pessoas vítimas de outras violências, a exemplo de violências físicas e acidentes de trânsito). Já na realização da entrevista pela equipe de acolhimento visualizou-se quem acompanhava a vítima, a sala que ela ficava a estrutura dessa sala, as perguntas que eram feitas, a forma como os profissionais tratavam a vítima e sua família. O acolhimento humanizado constitui uma das expectativas para o atendimento às mulheres vítimas de violência. Nesse sentido, observou-se a realização do exame de corpo de delito e buscou-se visualizar como a vítima chegava à sala de atendimento, quais eram os procedimentos que eram tomados com vítima antes da realização do exame (se era necessário vestir outra roupa; onde a troca de roupa ocorria e qual a vestimenta que a vítima deveria usar; se estava acompanhada e com quem e o ambiente onde o exame ocorria). No ato da realização do exame observou-se como o perito médico-legal tratava a vítima (o tom de voz; os questionamentos que fazia) e como ocorria concretamente a realização do exame (o que o profissional notava e os procedimentos e materiais utilizados). Tais observações ocorreram tanto em violências sexuais onde a penetração foi vaginal como anal independente de as vítimas serem mulheres ou homens (crianças e adolescentes). Para análise e interpretação dos dados, foram considerados dois níveis: um voltado à análise teórica do problema, e outro relacionando à construção teórica com os dados obtidos no estudo empírico. Ela buscou responder a pergunta de partida proposta nessa pesquisa, confrontei então a teoria utilizada e os dados empíricos levantados na pesquisa refutando ou afirmando o modelo teórico utilizado para a construção deste estudo, sempre buscando ser:precisa, honesta e rigorosa (BEAUD & WEBER, 2007). 1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO O conhecimento obtido com os dados será estruturado e divulgado a partir dos seguintes capítulos: No primeiro capítulo, optou-se por realizar uma análise teórica do fenômeno da violência interligando-o aos conceitos de gênero e violência de gênero. Esse capítulo tem por objetivo contextualizar tal fenômeno. Através dele, será demonstrada a dificuldade que as Ciências Sociais encontram no debate da violência, devido à mesma ser uma categoria que abrange vários segmentos da sociedade e várias interpretações sociais, por isso é um fenômeno empírico e mutante o que dificulta sua teorização. Ademais, insere-se no contexto 29 econômico, social e psicológico e pode ser visualizada sob uma ótica macro e micro. A discussão da violência de gênero é uma das formas de violência que possibilitou a abrangência do seu conceito, daí buscar-se também contextualizá-la e enfocar a violência sexual como uma das várias expressões da violência de gênero. Articulam-se a essa discussão categorias como direitos humanos e cidadania, já que a violência sexual é uma forma de infringir tais direitos. Já o segundo capítulo aborda a TRS, demonstrando como essa teoria surgiu, quem foram seus precursores e como atualmente os estudos sobre a violência se utilizam dela, em função da sua pluralidade. Dessa forma, aproveita-se a TRS como matéria-prima para a análise sociológica deste trabalho. No terceiro capítulo explana-se acerca da Medicina Legal e a perícia médica, seu histórico, os objetivos, quem são os indivíduos que exercem essa profissão. Relatar-se-á sucintamente, a partir do que foi colhido, como está estruturado o IML/SE atualmente. O quarto capítulo mostra como o fenômeno estudado na pesquisa se apresenta no Brasil, em Sergipe e, mais especificamente, os periciados pelo IML/SE. A partir da análise dos relatórios emitidos pela equipe psicossocial responsável pelo acolhimento, é possível uma aproximação do entendimento de quem são essas vítimas: sua idade, seu sexo, o grau de relação que possui com o agressor, sua naturalidade, a cidade onde reside e os encaminhamentos que a instituição fornece a esses usuários. Procurou-se, então, traçar o perfil dos indivíduos que buscam o IML/SE com queixas de violência sexual para, com isso, conhecer quem são essas pessoas e entender melhor o fenômeno. Esse dado é relevante na compreensão do fenômeno estudado porque possibilita um entendimento melhor das representações sociais dos peritos médico-legais, já que eles irão expressar o seu entendimento sobre as vítimas de violência sexual, logo, é importante conhecer quem são essas pessoas. Já o quinto capítulo objetiva analisar as representações sociais de gênero que os peritos médico-legais do IML/SE possuem das vítimas de violência sexual e traçar o perfil dos peritos médico-legais. Buscou-se também compreender como está o panorama médico no Brasil e como a especialidade de perícia médica insere-se nesse contexto. Dessa forma, apresentou-se como é o fazer profissional dos peritos médico-legais do IML/SE e as dificuldades em seu labor. Com o auxílio de entrevistas não diretivas e da observação não- participante, buscou-se analisar se esses profissionais estabelecem assimetrias entre os usuários que procuram a instituição para a realização de perícias. 30 Por fim, na conclusão apresenta-se uma síntese dos principais resultados da pesquisa, através dos quais se avaliará se as hipóteses que nortearam a pesquisa confirmam-se ou não. 31 CAPÍTULO II ASPECTOS TEÓRICOS DA VIOLÊNCIA NUMA PERSPECTIVA DE GÊNERO A violência não é algo novo, não remete apenas aos acontecimentos da contemporaneidade, ela existe desde o princípio da humanidade. A Bíblia, no Velho Testamento, já traz relatos de violência, através do exemplo dos irmãos Caim e Abel, filhos de Adão e Eva; segundo o Livro do Gênesis, Caim teria sido o primeiro assassino da história da humanidade. A violência é sentida coletivamente como um sofrimento, ou seja, dor sentida coletivamente, isso porque essa dor coletiva é mediada pelas injustiças sociais que submetem alguns à condição de opressão e de exclusão, ou a uma violência sistêmica ou estrutural. Nas análises realizadas nesta pesquisa relacionar-se-á o fenômeno da violência às questões de gênero, dando ênfase àquele tipo de violência praticada contra as mulheres. A lenda de que a mulher teria sido feita a partir de uma costela do homem é uma inferiorização banal e, como se não bastasse, atribui-se a ela a marca de tentadora, já que teria levado todas as demais gerações a serem expulsas do paraíso (OLIVEIRA, 2009). Esta discriminação, legitimada através do religioso, foi aumentando seu poder de influência e perpassou os aspectos das esferas civil e pública. Ao traçar uma linha no tempo, observa-se, por exemplo, como no direito romano, considerado o berço do sistema jurídico brasileiro, as mulheres eram consideradas propriedades do pai, quando eram solteiras; e, quando casadas eram propriedades do marido. Eram consideradas simplesmente res (ABBUD [ca. 2002]). Sabe-se que em cada sociedade e em cada país as expressões de violência apresentam características próprias, a depender do espaço e tempo, do contexto, econômico político e cultural de cada sociedade,em épocas diferentes. Percebe-se, então, que as sociedades são formadas pelo fato de existirem vários indivíduos que a compõem, todavia, as mudanças sociais ocorridas no decorrer dos séculos independem de pessoas isoladamente, mas sim da união desses indivíduos (ELIAS, 1994). Atualmente, o diferencial da violência é a forma como esta se expressa. O último século foi marcado como sendo o que teve o maior derramamento de sangue da História, com várias guerras e revoluções, o mundo sofreu com duas grandes guerras mundiais e vários atentados terroristas. Outro ponto a ser observado na conjuntura atual da humanidade é o desenvolvimento de técnicas de destruição em massa, o planeta observou duas cidades orientais, Hiroshima e Nagasaki, serem devastadas pelo terror de uma bomba atômica. 32 Apenas nos dez primeiros anos deste século, vários outros conflitos mundiais já foram travados: a guerra contra o terrorismo, os conflitos no Oriente Médio, guerras no Afeganistão e Israel, as pressões contra o enriquecimento do urânio. Nos últimos anos cresceram as lutas contra as ditaduras na África, o mundo parou para ver as agitações na Síria e no Egito. Além desses conflitos mundiais, outros pontos da violência que se observa são os sucessivos desdobramentos da violência cotidiana, principalmente nos grandes centros urbanos. Esse problema gera várias pressões sociais por uma melhoria na qualidade da segurança pública. Porém, vale ressaltar que o problema da violência não está apenas na agressão mais aparente: roubos, assassinatos, latrocínios, estupros, sequestros, narcotráfico. Está também, e principalmente, na violência velada: o preconceito racial, étnico, de gênero e religião; a falta de educação; o abandono de crianças e adolescentes; o descaso com a saúde pública; o desemprego; a falta de saneamento básico; a falta de dignidade nos presídios; a violência no trânsito; a corrupção dos três poderes: o Legislativo, Judiciário e Executivo; e tantas outras formas de exclusão social que criam, recriam e fortalecem a violência. Logo, nota-se que uma das causas geradoras da violência é a desigualdade existente na sociedade contemporânea, tanto social quanto econômica. Além disso, o aumento do uso abusivo de drogas e do desemprego fomenta esse crescimento. Porém, esses fatores são consequências da violência e não formas de explicação do fenômeno. Observa-se que nos últimos anos convive-se com uma abrangência do conceito de violência o que possibilitou incluir nesse leque práticas que anteriormente eram apenas atitudes costumeiras nas relações sociais cotidianas, como a violência doméstica contra mulheres e crianças. O conceito de violência transformou-se em função de, na contemporaneidade, ela não levar apenas em conta a violência objetiva, mas, sobretudo, as percepções e representações que a cercam. Para tanto, este capítulo busca levantar discussões relativas à violência, à violência de gênero e à importância na utilização da TRS para analisar esse fenômeno. Tal discussão auxiliará na compreensão de quais são as representações que os peritos médico-legais têm das pessoas vítimas de violência sexual. Nessa perspectiva, os estudos sobre gênero contribuem para evidenciar que as maiores mudanças que ocorreram na segunda metade do século XX foram as que dizem respeito às relações entre homens e mulheres, destaca-se ai a presença-visibilidade das mulheres em campos como: trabalho, escola, política, artes, ciência e universidade. De Matos (2002) explica que a inclusão das mulheres nessas áreas resultou numa descoberta de “novos sujeitos 33 sociais” beneficiando-as no processo de inclusão nas pesquisas e se tornando um tema essencial nas ciências humanas. 2.1 A TEORIA DE GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DAS DIFERENÇAS A luta contra os estereótipos e os processos discriminatórios, assim como a defesa da igualdade de oportunidades e o respeito às diferenças não são movimentos simples, pois os mesmos argumentos desenvolvidos para defender relações mais justas, a depender do contexto e do jogo político em que se inserem, podem ser ressignificadas para legitimar processos de sujeição e exclusão. As informações sobre o fenômeno da violência que fazem parte do cotidiano podem embasar as crenças dos indivíduos que, quando supergeneralizadas, denominam-se estereótipos, que se referem à imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação. São usados principalmente para definir e limitar pessoas ou grupo de pessoas na sociedade, 11 sendo um grande motivador de preconceito e discriminação . Trazer à tona no espaço acadêmico a discussão sobre as diferenças de gênero não é debater acerca das diferenças sexuais, diferenças biológicas entre macho e fêmea, o “uso do ‘gênero’ coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade” (SCOTT, 1996, p. 7), pois o gênero é uma categoria arquitetada a partir de construções culturais, sociais e psicológicas e não algo biologicamente definido, é uma categoria de análise. Estudar as categorias de gênero é pensar como elas são decididas a partir do que é masculino e feminino, fazer esse exame é estabelecer uma relação tanto social como simbólica. Trata-se do desafio de se respeitarem as diferenças e de integrá-las em uma unidade que não as anule, mas que ative o potencial criativo e vital da conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos. Isto vale, de fato, tanto para o discurso das diferenças étnicas e culturais, de gênero e de gerações, a serem acolhidas na escola e na sociedade, quanto para a distinção e interação entre os povos, a ser considerada nos equilíbrios internacionais e planetários. Igualdade, diversidade e diferença. 11 O preconceito se refere a uma atitude injusta e negativa em relação a um grupo ou a uma pessoa que se supõe ser membro do grupo. O conceito de discriminação, apesar de, literalmente, significar ‘tratar alguém de uma forma diferente’, pode ser definido como um comportamento manifesto, geralmente apresentado por uma pessoa preconceituosa, que se exprime através da adoção de padrões de preferência em relação aos membros do próprio grupo e/ou de rejeição em relação aos membros dos grupos externos. 34 A oposição binária – por exemplo, das categorias macho/fêmea –obscurece as diferenças entre as mulheres, no comportamento, no caráter, no desejo, na subjetividade, na sexualidade, na identificação de gênero e na experiência história. A “mesmidade” construída em cada lado da oposição binária oculta o múltiplo jogo das diferenças e mantém sua irrelevância e invisibilidade (SCOTT, 1986, p. 45). Tal perspectiva se aproxima do que Homi Bhabha designa sob o conceito de diversidade. A diversidade cultural (BHABHA, 1998, p. 63 passim), refere-se à cultura como um objeto do conhecimento empírico e reconhece conteúdos e costumes culturais pré-dados. No decorrer da História Humana, as diferenças biológicas entre homens e mulheres foram colocadas como forma de diferenciar os sexos, atribuindo à mulher um papel inferior ao homem tanto nas questões biológicas, como físicas (SAFFIOTI, 1987), esse contexto gerou diversas formas de segregação contra a mulher no espaço público – “segregação ocupacional, em setores de baixo status, com remuneração menor que os homens” 12 (POSTHUMA, 1998, p.21) – e no espaço privado, com o controle da sexualidade feminina . Em contraposição a essa perspectiva essencialista, a diferença cultural se constitui, para Bhabha (1998), como o processo de enunciação da cultura. Trata-se de “um processo de significação através do qual afirmações da cultura e sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade” (BHABHA, 1998, p. 63). A diferença se constitui na tensão entre os enunciados (atos, palavras...) e o processo de enunciação (contexto semiótico) por eles. Consoante o exposto no parágrafo anterior, acredita-se que o gênero é uma relação social construída que está constantemente em transformação e esse processo de construção contínua faz parte tanto do indivíduo como da própria sociedade. Percebe-se, então, que o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1996, p.14). Segundo Scott (1996), o uso mais recente do conceito de gênero surgiu com as americanas, as quais refutavam o determinismo biológico de palavras como “sexo” e “diferença sexual”. Ademais, ela ainda ressalta que muitos textos que se referem a “mulheres” trocaram a terminologia por “gênero” em razão de essa ter uma maior aceitabilidade nas ciências sociais, esse momento foi denominado de “procura da legitimidade acadêmica” nos anos 80, do século XX. No Brasil, o uso de gênero como categoria de análise entrou para os estudos de mulheres por meio dos trabalhos de sociologia do trabalho e dos estudos sobre os movimentos 12 Até os dias atuais, o movimento feminista ainda luta pela descriminalização do aborto. 35 sociais (CASTRO; LAVINAS, 1992, p. 216). Paradigmas como o patriarcado, a divisão sexual do trabalho, a separação entre produção-reprodução e as relações sociais entre os sexos foram questionados por diversas pesquisadoras. Entre as brasileiras destaca-se Heleieth Saffioti, mencionada anteriormente. Os/as teóricos/as do gênero acreditavam que as “desigualdades de poder”estavam ligadas a categorias de “classe, raça e gênero”. Porém, essa ligação sugere igualdade dessas categorias, a qual, segundo a autora citada não existe, visto que a teoria de “classe” esta ligada à doutrina proposta por Marx, enquanto que as duas outras não possuem essa unanimidade. Segundo Wânia Izumino (1998, p. 84), com a introdução da categoria de gênero no âmbito das Ciências Sociais, as diferenças sexuais, a definição sobre o que é uma mulher ou o que é um homem e quais são os seus papéis na sociedade encontram-se fora de seu corpo físico ou características anatômicas, situando-se na esfera do simbólico, na produção cultural de cada sociedade. Neste sentido, ao apresentar as relações entre os sexos como socialmente definidas, a categoria gênero permite estabelecer uma interdependência entre homens e mulheres. Em outras palavras, um não existe sem o outro, a definição de um está intrinsecamente relacionada à definição do outro, sem que esta redunde em relações hierárquicas ou de dominação. Com os estudos de gênero há um avanço no aspecto relacional entre homem e mulher, mas já não como uma hierarquia que subordina as mulheres, mas como uma relação entre os sexos que deve pensar-se como relação social. Sobre esta questão, Saffioti adverte que “não basta que um dos gêneros conheça e pratique as atribuições que lhe são conferidas pela sociedade; é imprescindível que cada gênero conheça as responsabilidades direitos do outro gênero” (SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995, p. 193). Gayle Rubin define o gênero como o “conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana” (RUBIN, 1993, p. 2). Referente aos estudos acerca da violência contra a mulher, a categoria gênero permite uma proposta nova de leitura das relações entre homem e mulher. Segundo Izumino (1998), precisa ser revista a relação vítima-algoz que marcou os estudos de violência contra a mulher nos anos 80, do século XX, na sociedade brasileira, para que se entenda a permanência dessa forma de violência nesta sociedade, a despeito das mudanças que aconteceram nos últimos anos. Podem-se visualizar que as relações de gênero, entendidas como relações sociais, significam também que estas implicam relações de poder. Mas, o problema não são as relações de poder em si, porém no fato de que este está distribuído de maneira desigual entre 36 os sexos,e às mulheres cabe uma posição subalterna na organização social (SORJ, 1992, p. 15). Tanto Saffioti, como outras pesquisadoras, assumiram a definição de poder elaborada pelo filósofo francês Michel Foucault: […] tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras [...] não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detém exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer esse poder e de sofrer sua ação, nunca são alvos inertes e consentidos do poder, são sempre centros de transmissão (FOUCAULT, 1979, p. 183). O conceito de poder de Foucault ajudou a vislumbrar as relações de gênero como relação de poder, especialmente na violência contra a mulher, ou, como ensina Izumino (1998, p. 90), no conflito decorrente das diferenças de gênero, considerar as relações de gênero como uma das formas de circulação do poder na sociedade significa alterar os termos em que se baseiam [...] masculinas e femininas no passado, mas também a ligação entre a história do passado e as práticas históricas atuais. Como é que o gênero funciona nas relações sociais humanas? Como é que o gênero dá um sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico? As respostas dependem do gênero como categoria de análise (SCOTT, 1996, p. 5). Na relação existente entre gênero e poder, Michel Foucault apresenta elementos importantes para discussão, devido ao significado que ele dá aos micropoderes. As contribuições teóricas do autor auxiliam na apreensão da violência de gênero e de seus mecanismos na sociedade (FOUCAULT, 1979, p. 179). Por exemplo, a violência doméstica acontece justamente na micropolítica, “[...] em que intersubjetividades se relacionam numa eterna dialética de experiências de poderes que transitam na relação entre o feminino e o masculino, com seus discursos normativos sobre os comportamentos feminino e masculino” (BICALHO, 2001/2002, p. 92). Na relação de desigualdade hierarquizada entre o homem e a mulher é que a violência de gênero se engendra, aliás, uma relação socialmente definida e com graves consequências que permaneceram invisíveis por muitos anos, respondendo a um modelo familiar que se faz na privacidade do lar. No Brasil, adágios populares como “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” são socialmente aceitos pela cultura brasileira. 37 Já Saffioti e Almeida (1995), de origem marxista, acreditam que a construção social do indivíduo faz-se também em função da sua classe social, etnia/raça, pois é uma forma de evidenciar as diferenças socioculturais entre os sexos, tanto no espaço produtivo como no reprodutivo. Diante do exposto, entende-se gênero como: Um instrumento, como uma lente de aumento que facilita a percepção das desigualdades sociais e econômicas que entre homens e mulheres, que se deve a discriminação histórica contra as mulheres. Esse instrumento oferece possibilidades mais amplas de estudo sobre a mulher, percebendo-a em sua dimensão relacional com os homens e o poder. Com o uso desse instrumento, pode-se analisar o fenômeno da discriminação sexual e suas imbricações relativas à classe social às questões étnico-raciais, intergeracionais e de orientação sexual. (TELES & MELO, 2002, p.17) Para Souza-Lobo (1991), as abordagens sobre a teoria de gênero são constituídas a partir de duas teorias principais: a do patriarcado e a marxista que analisa principalmente a divisão sexual do trabalho. Para a autora, foi a partir dos impasses dessas duas teorias que o gênero pode-se constituir como uma categoria analítica. Para a sociologia o patriarcalismo e o sexismo foram sistemas de poder que, ao longo da história humana, enraizaram e corroboraram com a violência contra a mulher e contra gerações, impondo aos indivíduos uma condição de submissão (CANTERA, 2007) Nesta linha de reflexão, segundo Castells (1999), o patriarcalismo permeia toda a organização social, a família, as relações sociais, políticas e econômicas. O autor esclarece que não se deve esquecer que o patriarcado é enraizado na estrutura familiar e na reprodução sociobiológica, as quais são contextualizadas a partir da história e da cultura. Ademais, ele também dá origem à dominação e à violência nos relacionamentos interpessoais, como também na própria personalidade do indivíduo. Segundo Castells (1999), no século XIX,a família patriarcal passou por diversas transformações decorrentes da “transformação do trabalho feminino e da conscientização da mulher” (CASTELLS, 1999, p. 170). Para o autor três tendências marcaram esse processo de transformação da família patriarcal: o crescimento da economia informacional global, mudanças tecnológicas no processo de reprodução humana e o movimento feminista. Assim, entende-se o patriarcado como um sistema caracterizado pelo comando masculino sobre mulher e filhos, mas não apenas isso, pois pensar o patriarcado apenas a partir da esfera privada resume-se a ideia de que ele não se expressa no espaço público; no 38 entanto, esse fenômeno está inserido nas “estruturas de poder que contaminam toda a sociedade”, inclusive o espaço público (SAFFIOTI, 2011). Pateman (1993), em seu texto “O Contrato Sexual”, argumenta que as sociedades contemporâneas são estruturadas através de “contrato original”, essa teoria é embasada na ideia de que as relações sociais livres são contratuais. Contudo, para a autora, os estudiosos desse contratos e esqueceram de contextualizar o que ela chama de “contrato sexual”. Para ela, “a nova sociedade civil criada através do contrato original é uma ordem social patriarcal” (PATEMAN, 1993, p. 16). Em sua opinião, esse contrato permeia toda a organização familiar e social. Para a autora, a compreensão de que o patriarcado é apenas o poder que o pai exerce sobre seus filhos está equivocada, pois antes de o homem exercer o direito paterno, ele exerce o direito de marido. O patriarcado deixou de ser paternal há muito tempo. A sociedade civil moderna não esta estruturada no parentesco e no poder dos pais; no mundo moderno, as mulheres são subordinadas aos homens enquanto homens, ou enquanto fraternidade. O contrato original é feito depois da derrota política do pai e cria o patriarcado fraternal moderno (PATEMAN. 1993, p. 18). Ressalte-se que o patriarcado é “um caso específico de relações de gênero” (SAFFIOTI, 2011), pois a categoria de gênero é mais ampla. No patriarcado as relações sociais são hierarquizadas, já as relações sociais de gênero podem ser igualitárias. O patriarcado é uma estrutura em contínua transformação, e, para Saffioti (2011) as desigualdades sociais entre homens e mulheres são fruto de um forte patriarcado, mas que está em extinção. Nesse sentido, a autora considera que o grande entrave nos estudos de gênero é articular esses dois conceitos, pois a categoria de gênero, por si só, não significa desigualdades, já que o gênero são construções sociais que não necessariamente são hierarquizadas. É fácil perceber que homens e mulheres não ocupam posições iguais na sociedade, isto porque eles possuem papéis diferenciados. A cada um dos sexos são delimitados os seus espaços, a mulher o espaço privado – doméstico, já ao homem o espaço público (SAFFIOTI 1987). Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do espaço doméstico à mulher. [...] a mulher é socialmente responsável pela manutenção da ordem na residência e pela criação dos filhos. Assim, por maiores que sejam as diferenças de renda encontradas no seio do contingente feminino, permanece esta identidade básica entre todas as mulheres. (SAFFIOTI, 1987,p. 09) 39 Assim, as discussões que por ora foram observadas relativas à teoria de gênero, como também sobre as diferenças entre os sexos fizeram-se importante, pois esse entendimento facilitará na análise das representações sociais dos peritos médico-legais frente à violência sexual sofrida por crianças, adolescentes, mulheres e homens e possibilitara um olhar sobre o problema a partir da perspectiva do gênero. 2.2 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO No tocante aos estudos sobre a violência, o que se observou é que nas ciências sociais, essa categoria foi negligenciada. Arendt (2011) e Wiervioka (1997) creditam esse fato em função de ela ser corriqueira, óbvia, aproximando-se do senso comum. Já Michaud (1989) acredita que a dificuldade de definição da violência se dá pelo fato de a mesma não ter regularidade nem estabilidade, pois para o autor ela é “assimilada ao imprevisível, à ausência de forma, ao desregramento absoluto” (MICHAUD, 1989, p. 12).Além do mais, antes de ser um fenômeno conceitual, ela é um fato empírico (PORTO, 2010). Contudo, ainda que haja esses questionamentos conceituais, na sociologia ela deve ultrapassar essa barreira e, transformando-se em uma “questão sociológica, fazer avançar as fronteiras do conhecimento” (PORTO, 2010, p. 14). Um dos pontos analisados atualmente é que nos últimos anos a violência passou por abrangências em seu conceito, o que possibilitou a inclusão de hábitos que eram considerados costumeiros nas relações sociais, como a violência doméstica. Dessa forma, os estudos sobre essa categoria passaram a levar em conta “as percepções que sobre ela circulam, e as representações que o descrevem” (WIERVIOKA, 1997, p.8) e não apenas o fato objetivo e concreto da violência, ou seja, não apenas o ato violento, o assassinato, o estupro, o latrocínio, dentre outras expressões que a violência possui. Em função disso, compreende-se que a análise das representações que cerca a violência sexual é um espaço de compreensão fértil para as ciências sociais. Para Saffioti (2011), a violência é algo que não pode ser definido, pois esta é muito individual, as pessoas interpretam-na de forma particular, não cabendo ai uma ciência da violência, pois não existe “ciência do individual”, ela acredita que a melhor forma de trabalhar com a violência é utilizar o conceito de direitos humanos, logo, seria violência toda a forma de violação desses direitos. Embora se trate de mecanismo de ordem social (...) isto posto, a ruptura de integridades como critério de avaliação de um ato como violento situa-se no 40 terreno da individualidade. Isto equivale a dizer que a violência, entendida desta forma, não encontra lugar ontológico. (SAFFIOTI, 2011, p. 75-76). Recentemente, a partir das transformações ocorridas dos anos 60, do século XX, cresceu nas Ciências Sociais a ideia de um “novo paradigma para violência” (WIEVIORKA, 1997); para o autor, esse novo paradigma ocorre tanto através das formas como a violência se expressa, como também na maneira como a própria ciência conceitua esse fenômeno. Algumas transformações sociais foram importantes para os novos significados da violência como: o nascimento e declínio de um novo sistema econômico – o comunismo; a derrocada do movimento operário; e, por fim, aquela que o autor chama de “elemento mais espetacular de renovação da violência” que está ligado a questões étnicas e raciais. Castells (1999) considera que, apesar da discriminação contra a mulher no contexto do mercado de trabalho ter diminuído, “a violência interpessoal e o abuso psicológico tem-se expandido, justamente em virtude da ira masculina, tanto individual quanto coletiva, ante a perda do poder” (CASTELLS, 1999,p. 171). Ou seja, a diminuição das diferenças entre homens e mulheres no espaço produtivo, gerou um aumento da violência interpessoal e psicológica contra as mulheres, em razão da perda de poder que o homem exerce sobre a mulher. Resulta comum a palavra mulher ser substituída pela palavra gênero nas práticas de quem trabalha com movimentos feministas. A ênfase é que gênero não é simplesmente um sinônimo de “luta da mulher por seus direitos”. Antes de tudo, gênero é um conceito, uma categoria que permite entender melhor as representações sociais de masculino e feminino na prática social. Refere-se à construção de identidades. Entende-se por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural ou um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados. Segundo Castells: A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço. (CASTELLS, 1999, p.23). Nessa perspectiva, algumas teorias sobre gênero foram formuladas ao longo dos estudos sobre as relações entre homens e mulheres. No Brasil, os trabalhos sobre violência de 41 gênero são datados de meados dos anos 80 do século XX. O uso de gênero como categoria de análise entrou para os estudos de mulheres por meio dos trabalhos de sociologia do trabalho e dos estudos sobre os movimentos sociais (CASTRO; LAVINAS, 1992, p. 216). Paradigmas como o patriarcado, a divisão sexual do trabalho, a separação entre produção-reprodução e as relações sociais entre os sexos foram questionados por diversas pesquisadoras. Heleieth Saffioti, conotada socióloga brasileira, ressalta que “o conceito de gênero se situa na esfera social, diferente do conceito de sexo, posicionado no plano biológico” (SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995, p. 183). A única diferença real que existe entre homens e mulheres relativa a sexo é a constituição genética que os diferencia. As outras diferenças que se ouve não têm nada de natural e não dependem da diferença sexual para existir. São as chamadas construções sociais, diferenças inventadas para caracterizar duas categorias fundamentais para a vida em sociedade: masculino e feminino. (SAFFIOTI, 1987). Nas palavras da socióloga Maria Célia Paoli “gênero teria como primeiro significado ‘diferenciar o social do biológico’, ou seja, enfatizar a construção social de ‘homem’ e ‘mulher’” (PAOLI, 1985, p. 72). A categoria de gênero ajuda a compreender como são usadas no cotidiano as imagens do masculino e do feminino. Ainda mais, serve para entender e explicar de que maneira as pessoas articulam essas representações, de acordo com seu interesse, com a situação e com a relação em que se encontram. Essas representações operam com diferenças socialmente construídas.Neste aspecto, aquilo que caracteriza o masculino e o diferencia do feminino não depende das características biológicas que diferenciam homem e mulher. Isso significa que o que é considerado masculino e feminino depende de cada contexto, de cada cultura e pode variar de uma sociedade para outra (IZUMINO, 1998). Santos e Izumino (2005) acreditam que três abordagens são as mais utilizadas na compreensão da violência de gênero: uma denominada de “dominação masculina” que entende a mulher como dominada pelo homem, o que resulta na anulação feminina. Essa abordagem concebe a mulher tanto como “vítima” quanto como “cúmplice”. A segunda é a “dominação patriarcal”. Essa perspectiva é influenciada pela corrente marxista e entende a “violência como expressão do patriarcado, em que a mulher é vista como sujeito social autônomo, porém historicamente vitimada pelo controle social masculino” (SANTOS; IZUMINO, 2005, p.2). E, por fim, a “relacional” que entende a violência como um jogo onde a mulher não é “vítima”, mas “cúmplice”. 42 Acredita-se que a violência de gênero tem suas bases fundamentadas na ideologia patriarcal, portanto, a proposta apresentada neste trabalho está inserida na “dominação 13 patriarcal” afirmativa essa que encontra em Saffioti , uma das sociólogas marxistas e feministas do Brasil contemporâneo, uma ampla discussão a cerca desse entendimento. Na obra “Gênero, patriarcado e violência”, Saffioti (2011) apresenta uma análise da sociedade patriarcal, que visualiza quase sempre atributos positivos aos homens e negativos às mulheres. É mister salientar que essa ideia não é apenas masculina, mas também muitas mulheres inseridas na sociedade patriarcal possuem esse pensamento. Afirma ela: [...]é pequena a proporção destas [de mulheres] que não portam ideologias dominantes de gênero, ou seja, poucas mulheres questionam sua inferioridade social. Desta sorte, também há um número incalculável de mulheres machistas. (SAFFIOTI, 2011, p.34). Vale ponderar que esse fato ocorre, em grande parte, em função do contexto que a mulher está inserida na sociedade, visto que ela é produto da sociedade em que vive. Compreende-se que os estudos sobre violência apresentam-se como possibilidade de ampliação e entendimento do fenômeno da violência de gênero, com vistas a sua compreensão e análise. Entende-se, portanto, que a violência de gênero é a “ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral” (SAFFIOTI, 2011, p. 17). Logo, os crimes sexuais se inserem nesse contexto de violência. Vale salientar que a opção por utilizar a nomenclatura “crimes sexuais” está contextualizada na ideia de que ela abrange todas as manifestações sexuais onde existe ofensa contra outro indivíduo. A violência de gênero constitui um fenômeno social e se expressa, como frisado anteriormente, por meio de agressão de qualquer forma ao indivíduo: agressão física, agressão psíquica, agressão sexual, agressão moral. A psíquica e a moral se inserem fora do âmbito palpável, porém a física e a sexual deixam marcas no corpo e na mente de quem a sofre. Nesse sentido, a opção por utilizar o conceito de violência de gênero se dá em função de sua pertinência na discussão da violência sexual, pois se acredita que esta é um tipo especial de violência de gênero, uma vez que mantém preservadas características fundadas em hierarquias e desigualdades entre os sexos. Diante das argumentações levantadas, o que se 13 Entre os primeiros trabalhos da autora que ilustram tal abordagem, ver Saffioti, Heleieth I. B. A Mulher na sociedade de classes: Mito e realidade.Petrópolis (RJ): Vozes, 1976. Ver também Saffioti, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2004. Coleção Brasil Urgente. 43 analisa é que as assimetrias de poder são fundamentais para a preservação da violência, e principalmente da violência de gênero. Saffioti e Almeida (1995) fundamentam o argumento de que a produção e reprodução desta violência ocorrem na esfera das relações de poder. Araújo (2002) interpreta a violência de gênero como a coerção de alguém com maior poder frente a outro com menor. Dessa forma ela explica: A violência de gênero tem duas faces: é produzida no interior das relações de poder, objetivando o controle de quem detém a menor parcela de poder, e revela a impotência de quem a perpetra para exercer a exploração- dominação, pelo não-consentimento de quem sofre a violência (ARAUJO, 2002, p.5). Saffioti (2011) entende que as relações de violência de gênero são construídas com base nas relações de poder, onde aquele que detém o poder se sobrepõe àquele com poder inferiorizado. Para a autora, o poder tem duas faces: “a potência e a impotência”, na sua concepção as mulheres estão acostumadas com a segunda, enquanto que os homens quando usam violência estão “sob efeito” da primeira. Para Arendt (2011), “o domínio pela pura violência advém de onde o poder está sendo perdido; é puramente o encolhimento do poder” (p. 71). Logo, utilizar de violência contra alguém é confirmar a perda do mando, da obediência, ou seja, a perda do poder. Contrariando a ideia expressada por Arendt (2011),os autores que trabalham com a violência de gênero acreditam que a violência é uma manifestação das desigualdades históricas de poder entre homens e mulheres. Já Saffioti (2001) acredita que a violência é um instrumento utilizado pelo patriarca para “garantir a obediência”: No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo este necessidade de fazer uso da violência (SAFFIOTI, 2001, p. 115) As relações entre homens e mulheres não necessitam, via de regra, de hierarquização, de desigualdades. Elas podem ser uma relação igualitária, que buscam a equiparação dos direitos. Contudo, para Saffioti (2011), uma relação baseada na democracia e na liberdade entre o casal sempre é bombardeada com comentários que questionam a masculinidade do 44 homem, ou considera-o fraco, dominado, pois ela considera que a sociedade é patriarcal e não compreende relações nestes termos. O crime de violência sexual contra a mulher não só trás agravos a saúde, como a possibilidade de DST, mas principalmente abalos psicológicos que podem levar o indivíduo até ao suicídio, além da estigmatização que sofre pela sociedade. Muitas jovens ainda são tratadas como ré nas investigações policiais e processos judiciais, e porque não também na realização do exame de corpo de delito, como verificaremos mais adiante. Greco (2010) ressalta que estes fatores favorecem a manutenção da denominada “cifra negra”. A sociedade, a seu turno, tomando conhecimento do estupro, passa a estigmatizar a vítima, tornando-a diferentemente, como se estivesse suja, contaminada com o sêmen do estuprador. A conjugação de todos esses fatores faz com que a vítima, mesmo depois de violentada, não comunique o fato à autoridade policial, fazendo parte, assim, daquilo que se denomina cifra negra (GRECO, 2010, p. 213). Compreende-se então que os crimes sexuais denotam vários preconceitos e estereotipagens sobre quem os sofre, eles são crimes ligados à esfera privada e ainda estão relacionados ao silêncio. Costa (2008a) afirma que as “ameaças as quais à(sic) vítima do crime de estupro fica submetida, o silêncio se coloca num palco aos atos de violência sexual contra a mulher” (COSTA, 2008a, p. 127). A autora ainda mostra que paira no imaginário dos responsáveis pela elucidação do crime a ideia de culpabilização da vítima. Assim, vale a pena entender um pouco da história desse crime e da construção de legislações que objetivam puni- lo e coibi-lo. 2.2.1 Um pouco de História sobre a Violência Sexual Este subitem visa a dar a conhecer um pouco do percurso histórico da violência sexual. Segundo Sznick (2001), o surgimento da primeira legislação sobre essa violência data de 533, através do Código Justiniano que estabelecia como crime “seguir uma mulher de perto contra a vontade dela [...] chamar, na via pública, uma mulher por seu nome” (SZNICK, 2001, p. 17). No Brasil, a partir do momento que se estabeleceu o direito português, quando o país ainda era colônia de Portugal, o Estado passou a reconhecer a violência sexual como crime. Esse momento histórico dá-se pelos anos de 1603, com a publicação do Código Filipino (COSTA, 2008b). Para o direito português daquela época, a conjunção carnal realizada 45 forçadamente era um crime punido com pena de morte, não sendo assegurado ao agressor o perdão da pena nem mesmo se casasse com a vítima (GUSMÃO, 1981). O primeiro código criminal brasileiro foi aprovado somente em 1830 e visualizava o crime de estupro da seguinte forma: “ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer mulher honesta”(Apud GUSMÃO, 1981, p. 90). Ressalta-se o fato de que quando o crime era cometido contra prostituta a pena máxima imposta ao agressor era seis vezes menor que a pena máxima que o agente executor da violência cumpria, quando efetuava tal atentado contra mulher honesta. Já no ano de 1890, o Código Penal Brasileiro foi alterado e definia o estupro “como o ato pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não” (Apud GUSMÃO, 1981, p. 91). O termo violência, naquela fase histórica, não previa a utilização apenas da força física, mas também a emprego de mecanismos que privassem “a mulher de suas faculdades físicas”. Segundo Gusmão (1981), naquela época, eram necessários três elementos para a constituição do crime: a) o dolo específico – que consiste na vontade do agressor em manter com a vítima conjunção carnal; b) o uso da violência; c) e a conjunção carnal. Mesmo naquela fase histórica o citado autor já analisa a dificuldade na comprovação técnica da violência. Segundo ele, existia uma dificuldade em fixar as regras e preceitos para analisar o fato, se ocorreu ou não violência. Ou seja, na época as dificuldades da perícia já eram perceptíveis, pois para que acontecesse a comprovação do crime de estupro, era preciso: [...] 1º, que uma resistência constante e sempre igual tivesse sido oposta pela pessoa pretendidamente estuprada; porque basta que esta resistência tenha enfraquecido, por instantes que seja, para fazer presumir o consentimento; 2º que uma desigualdade exista entre suas forças (da vítima) e as do agente; porque não se pode supor a violência quando a vítima tinha os meios de resistir e os não empregou; 3º que tenha dado gritos e pedidos de socorro [...] 4º enfim, que alguns vestígios deixados sobre a pessoa testemunhem a força brutal à qual tivera a mesma que ceder. (GUSMÃO, 1982, p. 100) Nesse sentido, cabe visualizar que competia à vítima provar não apenas que ocorreu a conjunção carnal, mas, sobretudo, que não teve possibilidade de safar-se do atentado, e que travou com o agressor uma luta constante, não podendo nem mesmo cansar-se, pois o fato de parar de lutar significava a aceitação, logo não consideravam estupro. Essa análise histórica possibilita visualizar que, durante vários anos, os crimes sexuais eram enraizados de juízos de valores sobre as vítimas e agressores. Até mesmo em textos acadêmicos mais recentes ainda se encontram tais pressupostos: Para nós é muito mais violento alguém que força uma mulher honesta – casada ou não – à conjunção anal – que é contra a natureza e portanto, 46 dolorosa e humilhante – do que a uma conjunção vaginal normal. Ou mais humilhante ainda, uma “felatio” exigida de mulher honesta, mesmo casada (que, como é crucial, nunca a praticou), por não ser um ato tão comum entre cônjuges como uma simples relação vaginal, normal (SZNICK, 2001, p. 217). Somente a partir de 1990 a violência sexual obteve maior visibilidade, pois o fenômeno conseguiu entrar na agenda da sociedade civil. Esse ato gerou lutas nacionais e internacionais em prol dos direitos humanos, e começou a analisar a violência sexual como sendo uma violação dos direitos humanos. O debate cresceu, e em 2009 a legislação sobre os crimes sexuais sofreu alterações e possibilitou às vítimas de violência sexual maior proteção. A legislação rompeu a barreira do patriarcalismo e deixou de considerar como estupro apenas os casos de conjunção carnal do homem com a mulher, mas sim, manter práticas sexuais forçadas com qualquer indivíduo. Essa alteração ocorreu como mecanismo de rompimento com as controvérsias que existiam nestes tipos penais, pois a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não era segura (GRECO, 2010). Obviamente que a alteração legal não muda o imaginário dos operadores de direito, nem também das pessoas responsáveis pela elucidação do fato, mas isso já é um avanço e deve ser analisado como tal. Mesmo antes da fusão destes tipos penais, a sociedade já entendia o atentado violento ao pudor como estupro, a exemplo da penetração anal e quando o homem era a vítima da violência sexual. Greco (2010), ao analisar a nova redação do art. 213 do Código Penal, destaca três elementos: a) o constrangimento, levado a efeito mediante o emprego da violência ou grave ameaça; b) que pode ser dirigido a qualquer pessoa, seja do sexo feminino ou masculino; c) para que tenha conjunção carnal; d) ou ainda para fazer com que a vítima pratique ou permita que com ela se pratique, qualquer ato libidinoso (GRECO, 2010, p. 213). Percebe-se que em muitas sociedades esses crimes ainda são cometidos como uma espécie de ritual. Ainda hoje, em alguns países islâmicos, mulheres são mutiladas, cortando- lhes o clitóris e muitas vezes extirpando os lábios vaginais, como uma forma de mantê-las “puras”. Além disso, essa violência também é utilizada como uma tática de guerra. Os rivais estupram as mulheres do povo inimigo como uma forma de humilhação, de desrespeito, tendo em vista que a partir desse abuso nascerá uma sociedade etnicamente híbrida (SAFFIOTI e ALMEIDA, 1995). No Brasil, no tocante ao aparato legal, a realidade alterou-se bastante, até meados do século XX era considerado estupro, apenas a relação sexual forçada com “mulher 47 honesta”. Atualmente, considera-se estupro o ato sexual não consentido, independente de 14 haver conjunção carnal inclusive quando as vítimas são homens. Considera-se, portanto, que a violência sexual está enraizada a conceitos como o de direitos humanos e cidadania. 2.2.2 -Violência, Direitos Humanos e Cidadania. No umbral do século XXI, observaram-se avanços no que diz respeito aos direitos da pessoa humana, sendo garantidos tanto por meio dos instrumentos de legislação internacional como pelos internos. A esse respeito, não cabe dúvida de que há progressos significativos e de grande porte. Porém, ainda existem algumas tarefas pendentes para serem dirimidas, como por exemplo, o tema da discriminação da mulher e suas consequências na sociedade, constituindo ainda um dos nós que precisa ser desatado para que os direitos aconteçam em sua plenitude. Um desses nós é a subordinação da mulher ao homem. A discriminação contra as mulheres e a violência que nasce da sua subordinação aos homens sustenta-se em velhos padrões patriarcais observados através de diversas fontes, sejam estas culturais, mas por excelência as de conteúdo religioso, pois desde o início da vida humana há discriminação contra as mulheres. A violência fere frontalmente aos direitos humanos. O fato de essas violações continuarem a ocorrer, apesar das mais bem intencionadas políticas para controlá-las, indica claramente os limites do processo de democratização. Destarte, no contexto de modificação da cultura e na prevenção da violência de gênero, adverte-se para a promoção dos direitos humanos das mulheres. O debate sobre a violência, e a violência de gênero encontra-se imbricado com as discussões sobre direitos humanos e cidadania. A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU em 1948, em seu artigo V garante que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (DECLARAÇÃO, 1948). Como a violência sexual é um ato de tortura, considera-se então que ela é uma forma de violação dos direitos do homem. Para Bobbio (1992), os direitos são categorias construídas socialmente. Como expressado anteriormente, o que antes era avaliado como corriqueiro na atualidade não mais é. Segundo o autor, no futuro a humanidade irá discutir acerca de novos direitos, e nessa 14 É considerada conjunção carnal a penetração do pênis na vagina. 48 perspectiva é que “prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas” (BOBBIO, 1992, p. 19). O autor acrescenta que é a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem que a sociedade avança no sentido do entendimento sobre os direitos, pois ela passa a perceber que toda a humanidade partilha de direitos comuns. Ressalta, então, que a formação desses direitos deu-se a partir de três fases: a primeira que remete à ideia de que o homem possui direitos inerentes ao ser humano, e que nem mesmo o Estado pode subtraí-los ou aliená-los; a segunda que é a “passagem da teoria à prática” (p. 30), ocorre que nessa fase à medida que a humanidade ganha em termos de “concreticidade” perde em “universalidade”, pois os direitos acordados entre os países valem apenas para os Estados que são signatários da ONU e não para todos; e, por fim, a terceira que é o reconhecimento de que ela (a Declaração Universal dos Direitos Humanos) é universal – porque abrange todos os cidadãos, de vários países – e positiva – porque ela propõe que os direitos devem ser efetivamente protegidos, até mesmo contra o próprio Estado, quando, por ventura, este venha a violá-lo. Alves (2002) compartilha da mesma ideia que Bobbio (1992), para ela a cidadania e os direitos humanos são conceitos que, nos últimos anos, foram ampliados; para a autora, nas décadas de 60 a 80, do século XX, com os regimes ditatoriais, os direitos humanos foram extremamente importantes no combate à violência. Cruz (2009) afirma que existe uma distinção entre os conceitos de direitos humanos e cidadania em termos de “qualidade” e “extensão”. Quando se fala em Diretos Humanos, é de maneira indissociável da ideia de universalidade; já a noção de cidadania costuma remeter ao que se considera no mundo greco-romano antigo os cidadãos homens livres e adultos. Ser cidadão, isto é, fazer parte de uma cidade-estado, era uma condição de privilegio, e portanto, de exclusão, especialmente para as mulheres (CRUZ, 2009, p. 101). Ao aproximar a discussão de direitos humanos com os da violência de gênero, Saffioti (2011) acredita que não há como distingui-los, e esclarece que “é preferível, sobretudo quando a modalidade de violência mantém limites tênues com a chamada normalidade, usar o conceito de direitos humanos” (SAFFIOTI, 2011, pp.47-48). A linha seguida por este trabalho é que as mulheres não são apenas sujeitos passivos, vítimas da violência que aceitam sem questionar. Ora, se nas últimas décadas tem-se notado um incremento nas legislações que visam a garantir os direitos humanos e femininos, se os índices de denúncias de violência contra mulheres, crianças e adolescentes têm aumentado, 49 como acreditar que a dominação masculina não necessita de legitimação e é uma construção social naturalizada? Obviamente a sociedade ainda é marcada pela “força da ordem masculina” (SAFFIOTI, 2011), ainda existem países onde as mulheres são vendidas e mutiladas, também ainda é alto o índice de trabalho infantil, principalmente em países pobres, porém não é possível desconsiderar os avanços que ocorreram nas últimas décadas e as pressões internacionais que esses países sofrem em função desse atendimento desumano que vai de encontro às premissas básicas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além do aumento na visibilidade que os crimes sexuais passaram a ter na mídia, sendo inclusive tema de novelas da maior rede de televisão do Brasil. Foi a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos que algumas transformações ocorreram nos cenários internacional e brasileiro. Porém, para Oliveira (1998) foi apenas em 1993 na Conferência de Viena sobre Direitos Humanos que as mulheres entraram na agenda desses direitos, pois, afirmou-se que seus direitos também fazem parte dos direitos humanos. Ainda segundo a autora, as lutas em prol da universalização dos direitos humanos são as mesmas lutas de fortalecimento da democracia, “no mundo contemporâneo, democracia é sinônimo de cidadania” (OLIVEIRA, 1998, p. 990), lembrando que a democracia está ligada a participação dos cidadãos nas questões nacionais. A ação contrária à violência contra a mulher de fato é o elemento mais marcante na defesa dos seus diretos, todavia, os direitos humanos não se fixam apenas nesse componente, na realidade eles são uma arma de defesa contra as transgressões da liberdade fundamental e articulam os direitos: políticos, econômicos, sociais e culturais. Ocorre que os direitos humanos não existem apenas para defender cidadãos em casos extremos como nas ditaduras, nem apenas para proteger as mulheres contra a violência. Os diretos humanos como as liberdades fundamentais, tem um escopo muito mais amplo. Representam um elenco de valores, princípios e normas necessárias ao aperfeiçoamento das condições de vida das populações, à proteção e salvaguarda dos mais frágeis e dos mais vulneráveis. São ditos indivisíveis porque contem em si os direitos políticos, econômicos, sociais e culturais. (OLIVEIRA, 1998, p. 993) Os diretos humanos, para as mulheres, articulam várias políticas públicas e buscam a equidade de gênero e a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Porém, a política de segurança pública, segundo o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, foi renegada por alguns militantes dos direitos humanos, porém atualmente passou a ter importância nas discussões sobre esse tema. O atendimento dos casos de violência sexual deve estar norteado por marcos que estão expressos em instrumentos jurídico-normativos, tais como normas 50 constitucionais, códigos de ética profissional, leis federais, portarias ministeriais, tratados e documentos internacionais de direitos humanos. (GALLI e VIDAURRE, 1994, p.14) Com vistas a coibir a violência contra a mulher, e considerando que esta é uma forma de violação dos Direitos Humanos, das liberdades fundamentais e do exercício da cidadania, em 1994, foi realizada em Belém/PA,a "Convenção de Belém do Pará", que é um marco internacional no combate à violência contra a mulher, tal Convenção define no seu art. 1º o que a violência de gênero é “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (CONVENÇÃO INTERAMERICANA..., 1994). Ademais, este instrumento, formulado na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos afirmou também que violência contra a mulher pode ser tanto, física como sexual e psicológica. Quando da Convenção de Belém do Pará, a violência sexual foi reconhecida, no âmbito interamericano como uma violação dos direitos humanos. O Brasil, sendo signatário dessa Convenção, foi obrigado a formular mecanismos de combate à violência. Para se 15 adequar, o país elaborou a Lei 11.340de 07 de agosto de 2006 e o I e o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM, tais iniciativas alavancaram a luta pela igualdade de direitos entre os sexos garantindo às mulheres um efetivo exercício de sua cidadania. Observa-se, então, que muito já fora feito desde a adoção e proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, todavia, para Bobbio (1992), ainda que todos esses avanços em relação aos direitos do homem tenham sido alavancados, isso não quer dizer que os direitos proclamados pela ONU sejam objetivamente protegidos, pois isso depende de certo grau de desenvolvimento da sociedade. Para ele “a efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana” ( BOBBIO, 1992, p. 45). O exemplo disso é que mesmo o Estado sendo muito liberal, em tempos de guerra ele irá podar alguns direitos à liberdade. Para o autor, não se pode falar em diretos humanos distinguindo-o de um dos maiores problemas da atualidade, “o contraste entre o excesso de potência que criou as condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grandes massas humanas a fome” (BOBBIO, 1992, p. 45). Ainda que esse texto 15 o Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8 do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. 51 date de mais de 20 anos, ambas as características (potência e impotência) continuam bastante vivas nos dias atuais, quando se verifica o forte poder americano e, mesmo em tempo de modernidade, ainda se observam tantas pessoas morrerem de fome. Atualmente, no texto dos estudos de gênero, muitos avanços ocorreram no sentido de garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Muitas legislações foram formuladas para resguardar a integridade feminina. Exemplos dessas ações são as várias legislações internacionais: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Convenção para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979), Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994); e nacionais: Constituição Federal (1988), Lei 11.340/2006(Lei Maria da Penha), I e II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2005 e 2008, respectivamente). A partir da discussão que se processou neste capítulo buscar-se-á, nas páginas seguintes, contextualizar a TRS e como ela, em conjunto com a teoria de gênero, auxiliará nas discussões posteriores. 52 CAPÍTULO III IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO Joan Scott, em texto recente, afirma que há uma relação lógica paradoxal entre "igualdade" e "diferença", "identidade individual" e "identidade coletiva". Nesse sentido, no campo novo de gênero e feminista, a identidade é construída em várias instâncias das relações sociais. Nas palavras da autora: 1. A igualdade é um princípio absoluto e uma prática historicamente contingente. 2. Identidades de grupo definem indivíduos e renegam a expressão ou percepção plena de sua individualidade. 3. Reivindicações de igualdade envolvem a aceitação e a rejeição da identidade de grupo atribuída pela discriminação. Ou, em outras palavras: os termos de exclusão sobre os quais essa discriminação está amparada são ao mesmo tempo negados e reproduzidos nas demandas pela inclusão. (SCOTT, 2005). A este respeito, conforme Castells (1999), entende-se por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural ou um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados. Segundo o autor: A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço (CASTELLS, 2002, p. 23). Nessa linha de reflexão, pensar simultaneamente, através desses paradoxos, significa repor constantemente o lugar da nova forma de apreensão do universal/universalismo: histórica, multicultural, emancipatória e contingentemente é que se pretende que qualquer afirmação dos eixos temáticos desses paradoxos nunca seja ou possa vir a ser definitivamente 'resolvida'. Trata-se de uma forma de pensar o universal em constante e inacabado movimento, e seria, justamente, a tensão entre os eixos o que os movimentaria. Neste capítulo, busca-se abordar aspectos da construção da identidade de gênero e a estruturação das representações sociais com base na Teoria das Representações Sociais utilizada como instrumental teórico-metodológico de análise do objeto "problema" proposto e de ligação entre os conceitos expostos. 53 3.1 CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS O conceito de TRS nasceu no berço da antropologia e da sociologia, e contribuiu decisivamente para a formulação de teorias como a da religião, da magia e do pensamento. Minayo (2008) é de opinião de que as representações sociais são percepções armazenadas nas lembranças dos indivíduos. Para a autora, as Ciências Sociais entendem as representações como “categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a” (MINAYO, 2008, p. 89). A autora apresenta a forma como os clássicos da sociologia – Marx, Weber e Durkheim – trabalham essa categoria de análise. Para ela, as representações sociais na obra de Marx podem ser identificadas a partir da dialética marxista, quando ele discorre sobre as ideias e a base material. Em Marx são as ideias, os pensamentos e as representações que constituem a categoria chave da sua teoria – a consciência, e ela, por sua vez, “é determinada pela base material” (MINAYO, 2008, p. 98). A autora cita esclarece que Weber compreende as representações a partir de termos como: ideias, espírito, concepções e mentalidades, pois ele acredita que a vida social é impregnada de sentidos culturais, que é produzida tanto pela base material como pelo campo das ideias. Assim, a autora afirma que, em Weber, “as ideias (ou representações sociais) são juízos de valor que os indivíduos dotados de vontade possuem” ( MINAYO, 2008, p. 93). Porém, o autor clássico da sociologia, considerado como precursor da TRS é Durkheim, foi ele quem primeiro teorizou e explicou o conceito de representações sociais. Contudo, em sua obra Durkheim não utiliza essa terminologia, mas sim Representações Coletivas, que são os pensamentos que a sociedade elabora sobre a realidade. Para ele, as ideias sociais elaboradas pelos indivíduos surgem a partir da realidade vivenciada, não são universais, mas nascem a partir de “fatos sociais, passíveis de observação e interpretação” (MINAYO, 2008, p. 90). Durkheim concebeu a teoria das relações sociais e, após esta ter sido (re)trabalhada, sistematizada e revisada, Moscovici a construiu e reconstruiu, pois em sua concepção as representações coletivas não conseguem analisar sociedades complexas como as atuais. Atualmente as sociedades se caracterizam pela pluralidade, dinamicidade e pelas rápidas mudanças econômicas, políticas e culturais. Para Farr (2008, P. 45) “há nos dias de hoje, poucas representações que são verdadeiramente coletivas”, o que dificulta a análise dessas representações coletivas. É desse ponto de vista que Moscovici acredita ser mais 54 pertinente para os dias atuais analisar as representações sociais e não as representações coletivas. No sentido clássico, as representações coletivas se constituem em um instrumento explanatório e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), para nós, são fenômenos que necessitam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – modo que cria tanto a realidade como o senso comum. É para enfatizar essa distinção que eu uso o termo “social” em vez de “coletivo” (MOSCOVICI, 2010, p.49). Para Moscovici (2008), as representações sociais são criadas através dos “saberes populares”, do senso comum, porém não são as únicas formas de encontrar as representações sociais. Elas também podem ser visualizadas através das ciências, religiões e ideologias, visto que são expressões de pensamentos construídos socialmente. As representações sociais são um fenômeno que transita tanto pela psicologia social como pela sociologia e antropologia. Dessa forma, Farr (2008) acredita que a TRS é uma forma sociológica da psicologia social. Moscovici (2010) entende que as representações possuem duas funções, a primeira é que elas “convencionalizam os objetos”, ou seja, associam determinado objeto a modelos previamente definidos, ainda que eles não sejam exatamente semelhantes aos modelos. E a segunda é que elas são “prescritivas”, ou seja, já existem antes de nós. Para ele, “nós pensamos através da linguagem”, um aspecto peculiar e que é usada recorrentemente refere-se às trocas de nomenclaturas de determinadas categorias, principalmente no campo do direito. Atualmente não se deve utilizar a expressão “portador de deficiência”, mas, pessoa com deficiência. Outro exemplo, é que hoje não é mais utilizado o termo menor infrator, mas adolescente em conflito com a lei, e tantas outras alterações. Mas, por que alterar? Segundo os militantes desses segmentos, porque essas categorias estão carregadas de preconceitos e estereotipagens que, na realidade, não são nada mais que as representações que cada uma dessas nomenclaturas possui no imaginário popular. Moscovici (2008) não apresenta um conceito formulado sobre as representações sociais, contudo, ele dá pistas para sua compreensão. Segundo o autor, as representações sociais possuem uma racionalidade coletiva, ou seja, elas “são racionais, não por serem sociais, mas porque elas são coletivas” (2008, p. 11). Além do mais, ele critica a dualidade que muitos autores fazem entre o indivíduo e a sociedade, como se esses dois atores não estivessem entrelaçados um ao outro, como se eles fossem dependentes entre si. Ou seja, “não existe sujeito sem sistema nem sistema sem sujeito” (MOSCOVICI, 2008, p. 12). 55 Alguns estudiosos da obra de Moscovici, como Jodelet, assinalam determinadas definições sobre essa categoria. Sá (1996), ao analisar a obra de Jodelet, considera que: Uma representação social é uma forma de saber prático que liga um sujeito a um objeto. Com relação ao objeto, que pode ser de natureza social, material ou ideal, a representação se encontra em uma relação de simbolização (está no seu lugar) e de interpretação (confere-lhe significados). A representação é, por outro lado, uma construção e uma expressão do sujeito, que pode ser considerado do ponto de vista epistêmico (se se focalizam os processos cognitivos) ou psicodinâmico (se é sobre os mecanismos intrapsíquicos, motivacionais etc.), mas também social e coletivo (SÁ, 1996, pp. 32-33). Logo, estudar as representações sociais busca analisar, sobretudo o entendimento, a sistematização que o indivíduo faz da realidade que vivencia; busca interpretar as ideias que povoam o imaginário social do entrevistado que é “produtor e produto de representações sociais da violência”, como bem ressalta Porto (2010). Moscovici (2010) acredita que a realidade das representações sociais é simples para capturar, contudo o seu conceito não é assim tão simples. Para ele, traçar uma definição sobre o que são representações sociais pode resultar na “redução do seu alcance conceitual” (Cf. SÁ, 1996, p. 30). Para Moscovici (2010), as representações sociais são uma “versão contemporânea do senso comum” na sua visão, elas estabelecem-se a partir de três dimensões: a informação que é a organização das informações que o grupo tem sobre um determinado objeto; o campo de representação ou imagem que se refere à imagem que o indivíduo possui do objeto das representações; e a atitude que é a orientação ampla das representações de determinado objeto. 3.2 - A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A TEORIA DE GÊNERO A compreensão a respeito do que são as representações sociais é fundamental para o entendimento da discussão que a pesquisa se propõe. Percebe-se que elas são criadas através de grupos e pessoas, são móveis e estão sempre em um processo de transformação, umas morrem para dar vida a novas outras representações. Elas são um retrato das vivências de cada um e “assumem um nível simbólico de cuja elaboração o inconsciente, individual e coletivo, participa ativamente” (SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995, p. 49). Dessa forma, discutir a violência sexual a partir das representações sociais dos atores que cercam esse fato demanda, como afirma Porto (2010), uma “dificuldade interpretativa” entre o “fenômeno e sua análise”, pois, muitas vezes, esses dois processos, o da realidade e o da representação, podem ser entendidos como sinônimos. Não cabe, contudo, ao pesquisador 56 julgar as representações sociais como verdadeiras ou falsas, mas sim “construir instrumentos teóricos claros que permitam defini-las não apenas considerando as relações entre o fenômeno e suas representações, mas diferenciando igualmente o conceito e suas representações empíricas” (PORTO, 2010, p.16). Arruda (2002) acredita que a TRS possibilita conhecera sociedade atual, pois, ela é caracterizada como muito informada e constante, o que não permite que as tradições se cristalizem, dessa forma a TRS possibilita compreender a sociedade na atualidade, como a dinâmica social está se processando no momento em que elas são analisadas. Contudo, a TRS “não é uma cópia nem um reflexo uma imagem fotográfica da realidade: é uma tradução, uma versão desta” (ARRUDA, 2002, p. 134). Para Moscovici (2010), elas são interpretação e construção da realidade vivenciada pelos indivíduos, neste caso (da pesquisa em curso) consiste na interpretação e construção da realidade vivenciada pelos peritos médico-legais no que diz respeito à violência sexual periciada pelo IML/SE. No contexto dos estudos de gênero, a análise das representações é importante porque demonstra a “relação e re-conhecimento do eu e do outro”(SAFFIOTI; ALMEIDA, 2005) no que tange à pesquisa, do perito e da vítima. Em função disso, a discussão sobre representações sociais se torna importante do ponto de vista das relações de gênero e, principalmente, no estudo sobre violência sexual, porque ela permite avaliar como estão sendo construídas as imagens e ideias que se têm sobre as vítimas de violência sexual, como está ocorrendo a relação/re-conhecimento perito versus vítima. A partir da investigação de pesquisas 16 anteriores , observou-se que é sobre as mulheres que recaem os maiores preconceitos e estereotipagens no tocante a essa violência. Muitas vezes é sobre as vítimas que incide a culpa pela violência. Arruda (2002) estabelece uma ligação entre a TRS e a teoria feminista – geradora do conceito de gênero –; para ela, as duas nascem em um momento de “degelo dos paradigmas”, ou melhor, de “crise dos paradigmas”, ou seja, nascem em um momento em que as ciências necessitam de “novos instrumentos conceituais” para explicar as transformações deste tempo. Para a autora, essas duas teorias possuem semelhanças em três dimensões: “a dos campos do saber, a conceitual-metodológica e a epistemológica” (ARRUDA, 2002, p. 132). Observa-se a importância de analisar as representações sociais dos peritos médico- legais, em função da necessidade das vítimas passarem pelo seu atendimento, pois, são os laudos pericias, elaborados por eles, que comprovam a materialidade do crime; logo, o laudo 16 COSTA (2008b), ARAÚJO (2008), PIMENTEL et al (1998). 57 elaborado pelo perito é a prova técnica do ato, ou seja, esses profissionais são protagonistas na elucidação e comprovação do crime, são peças chaves. No tocante à interlocução que a pesquisa propõe da violência com a TRS, como já analisado anteriormente, a primeira é um fenômeno empírico e utilizar a TRS é uma forma de visualizar a realidade para além dos dados brutos, ou seja, a utilização desse conceito constitui também um instrumento metodológico, pois ela “apresenta-se como estratégia e caminho para a abordagem da realidade” (PORTO, 2010, p. 65). Ora, a TRS, assim como o gênero, é uma categoria analítica e marca tanto um conjunto de fatos como o conceito teórico utilizado na compreensão destes. Como explicitado, ao invés de centrar primeiramente nos dados estatísticos da violência, optou-se por analisar as representações que cercam esse fenômeno, pois esse ato possibilitará interrogar o imaginário que circula sobre violência sexual, ou seja, o imaginário dos peritos médico-legais quanto ao tema abordado. Isso porque, buscou-se descartar definições abstratas do tema proposto, pois a violência está intimamente ligada à ideia que se tem sobre ela, à “relatividade de seu conceito”. Nesse sentido o que os peritos médico-legais acreditam que são violência tem a ver com a realidade que eles vivenciam, logo, com as representações que eles fazem desse fenômeno. Porto (2010) esclarece quanto à relatividade que os conceitos podem ter e adverte que isso depende da sociedade existente. Quanto mais uma sociedade é unilateral quanto as suas normas e valores, tanto menos aparece o caráter relativo do conceito e tem-se a ilusão de objetividade, construída por uma suposta unidade de pontos de vista. Sociedades mais plurais convivem com uma multiplicidade normativa, coexistindo lado a lado ou disputando hegemonia (PORTO, 2010, p. 75). Ainda em consonância com a ideia de Porto (2010), é possível acreditar que, ao pesquisar sobre violência existe o fenômeno objetivo (o dado bruto) e o subjetivo (as representações). Pois bem, é presumível também que o contexto subjetivo da violência participe também da realidade desta. Assim, as definições da violência circulam nos discursos entre amigos, leigos, e estudiosos da área, o debate sobre violência está cotidianamente na vida de todas as pessoas, no discurso do senso comum. Vale a pena lembrar que o senso comum é objeto das representações sociais, pode-se então afirmar que a violência é um campo de análise frutífero para as representações sociais. 58 CAPÍTULO IV A PERÍCIA MÉDICA E O INSTITUTO MÉDICO LEGAL DE SERGIPE Proveniente do latim peritia, o termo perícia significa habilidade, destreza, é um exame de caráter técnico e especializado sobre algo ou alguém. O objetivo primordial desse campo do saber é “fazer prova”, averiguar e determinar como ocorreu determinado fato (SCHAEFER, 2013). A Medicina Legal é um campo de estudo da medicina e, dentro dessa área, é uma das especialidades menos procuradas pelos graduados. A medicina legal é caracterizada por congregar conhecimentos das ciências da saúde com as ciências sociais a exemplo do direito e da antropologia. Silva (1972) descreve-a da seguinte forma: “Medicina legal é arte e ciência”. Todavia, para Croce e Croce Júnior (1998), a medicina legal ainda não foi definida com precisão, porém o que se pode afirmar é que essa disciplina possui “íntima relação” com as ciências jurídicas e sociais. Os autores acreditam que essa disciplina é “um conjunto de conhecimentos médicos, paramédicos e biológicos destinados a defender os direitos e os interesses dos homens e da sociedade” (CROCE; CROCE JR., 1998, p. 01). O curso de medicina legal é uma das cadeiras do bacharelado em medicina. Além dessa, Silva (1972) afirma que todas as outras que compõem essa área do conhecimento, também colaboram para a formação do médico legal, as quais fornecem elementos que contribuem no estudo da medicina legal. Essa disciplina faz parte das chamadas “disciplinas médico-sociais”, pois “transcende o homem como pessoa para irradiar-se no contexto social” (PENNA, 1996, p. 48).Tal cadeira, como conhecida nos dias atuais, aparece no século XVI quando se explicita nos códigos penal e civil a intervenção médico-pericial em processos; dessa forma, Penna (1996, p. 48) relata que o objetivo da medicina legal são as leis penal e civil. A medicina legal é uma disciplina pluralista, ela compreende tanto conhecimentos médicos como a ciência jurídica, logo, “cabe ao médico-legista expor, analisar dados e particularidades, responder quesitos, a fim de que a Justiça aplique ao infrator a pena estabelecida em Lei” (SILVA, 1971, p. 3). Penna (1996) explica que a medicina legal não estabelece ligação apenas com a área do direito, mas com muitas outras como a ciência físico- química, a botânica, a zoologia e própria ciência social. 59 Segundo Croce e Croce Jr. (1998) ela possui relação com os direitos: civil – quando da análise de paternidade, impedimentos matrimoniais, personalidade civil etc.; penal– lesões corporais, sexualidade criminosa, aborto legal e ilícito, etc.; constitucional – proteção à infância e a maternidade, etc.; processual civil e penal – quando cuida da psicologia da testemunha, da confissão, da acareação do acusado e da vítima etc., penitenciário – quando concentra seu conhecimento na psicologia do detento; do trabalho – quando estuda a insalubridade, a prevenção de acidentes de trabalho. Diante disso, esse ramo científico é responsável pela aplicação de conhecimentos médico-biológicos aos problemas judiciais. A pericia médica também pode ser dividia em: Perícia Médica Administrativa – que cuida da capacidade ou incapacidade laborativa dos trabalhadores, relacionada principalmente à concessão de auxílios ou licenças e está vinculada a instituições como o INSS ou a instituições de previdência social de servidores públicos federais, estaduais ou municipais; Trabalhista ou Médico-Ocupacional – ligada à insalubridade e a riscos ocupacionais, é a pericia do trabalho, realizada por médicos do trabalho no ato da admissão, demissão do trabalhador; Judicial ou Forense– é a designada por juízes de direito para esclarecimento de matéria criminal ou civil; Médico-Legal– que está vinculada ao órgãos de medicina legal dos estados e que iremos detalhar mais adiante; Outras– estão nesse campo os profissionais médicos responsáveis em processos de sinistro, revisão de contas, auditorias, juntas de inspeção (Forças Armadas, DETRAN, etc.). O desenvolvimento desse conhecimento ocorreu na medida em que o Direito Positivo foi-se alterando e ampliando. A medicina legal possui três características, como afirma Penna (1996): “natureza médica”, porque faz o estudo de toda medicina; “espírito jurídico”, porque aplica o conhecimento médico no campo do direito e vice-versa; e “caráter social”, porque sua atuação projeta-se no âmbito social. O autor apresenta o que se poderia compreender por medicina legal, e ensaia um conceito: Daí concluímos que a medicina legal é uma ciência auxiliar do direito, auxiliar insubstituível, sem a qual não se consegue uma correta administração da Justiça. É a ciência que serve de elo entre a Medicina e o Direito e reciprocamente, aplica a uma e à outra, as luzes dos conhecimentos Médicos e Jurídicos. O Legista deve saber conciliar ambos os aspectos da sua disciplina: o caráter concreto e biológico da Medicina com o caráter abstrato, doutrinário e filosófico das Ciências Jurídicas e Sociais (PENNA, 1996, p. 50). Ainda hoje se acredita que a Medicina Legal estuda apenas o cadáver e a causa mortis, o que não é verdade. O exame pericial pode ser realizado por foro civil ou criminal em 60 pessoas vivas, mortas, ofendidas, indicadas e juradas. Quando sua intervenção se dá no campo do foro criminal (busca pela identidade, data da morte, causa da morte e suas circunstâncias, identidade, lesões e suas circunstâncias) a atividade do perito é regida pelo Código de Processo Penal em seu art. 159 que determina: “Art. 159 - O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior”. (BRASIL, 1941). O laudo pericial emitido pela autoridade competente – perito médico-legal – deve ser balizado pela cientificidade, pois ele é responsável por suprir os juízes de direito de provas técnicas sobre os crimes. Dessa forma, o perito deve ser claro e ter consistência em seu laudo, pois “informações pericias equivocadas, ainda que involuntariamente, podem constituir-se na chave da porta das prisões para a saída de marginais ou para nelas trancafiar inocentes” (CROCE; CROCE JR., 1998, p. 2). A medicina legal é subdividida em 12 áreas: antropologia forense, traumatologia forense, sexologia forense, asfixiologia forense, tanatologia, toxicologia, psicologia judiciária, psiquiatria forense, policiologia científica, criminologia, vitimologia, infortunística. 4.1 – O HISTÓRICO DA MEDICINA LEGAL Segundo Croce e Croce Jr, (1998), que estudam essa ciência, ela esta dividida historicamente em cinco períodos: a) Período antigo: para Croce e Croce Jr. (1998), naquela fase a medicina legal era mais arte, as pessoas consideravam as doenças coisas “extraterrenas”, o perito legal era considerado uma profissão subalterna, e a lei era a religião. Como consideravam os cadáveres sagrados, a necropsia era proibida. Quando crimes de violência sexual os autores explicam: Nos crimes de violência sexual, condenava-se o suspeito se, atado sobre o leito em uma sala do templo, apresentava ereção peniana ante a estimulação sexual desencadeada pela visão de belas virgens dançando nuas ou apenas com roupas transparentes ( CROCE; CROCE JR., 1998, p. 05). b) Período Romano: naquele período os corpos já eram examinados, porém apenas exteriormente, após a reforma romana, a medicina e o direito distinguiram-se, o que se observa a partir do Código Justiniano. c) Período médio: naquela época a medicina contribuía diretamente com o direito, quando, através das Capitulares de Carlos Magno, entende “que os 61 julgamentos devem apoiar-se no parecer dos médicos” (CROCE; CROCE JR., 1988, p. 6), porém essa prática foi substituída, após Carlos Magno, pela ideia de que a pena depende do dano causado. d) Período Canônico: foi quando retornou as práticas médico-periciais, esse período compreende 400 anos (1200 a 1600), a perícia passou a ser obrigatória e o médico perito adquiriu fé pública. Segundo os autores, a Constituição do Império Germânico (1532) obrigava a realização de perícia em casos de ferimentos, assassinatos, prenhez, aborto, parto clandestino. Diante desse avanço, os autores consideram a Alemanha como o berço da medicina legal, é nesse período que surgiu o primeiro livro sobre esse tema “Des rapport set desmoyens d’embaumer lês corps morts” de Ambroise Paré (1575). e) Período Moderno: seu inicio é marcado em 1602, esta fase é compreendida pelo vasto crescimento científico o que resultou no refinamento da área. 4.1.1- Pequeno histórico da Medicina Legal no Brasil Segundo Croce e Croce Jr. (1998), a pericia brasileira é respeitada e admirada em todo o mundo, seu destaque está diretamente ligado ao fato de, em 1985, legistas do Instituto Médico Legal de São Paulo – IML/SP e da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp reconheceram a ossada do nazista Joseph Mengele, conhecido como o “anjo da morte”, encontrada em Embu, São Paulo. O berço da perícia médico-legal foi a Europa, porém mesmo o Brasil sendo colônia de Portugal esse país não o influenciou. Logo, no período do Brasil Colônia, a medicina legal foi influenciada pela França, Itália e Alemanha, o primeiro documento pericial é datado de 1814; nesse período os juízes de direito ainda não eram obrigados a consultar peritos antes de proferir sua sentença, fato que só passou a ocorrer com a aprovação do Código Penal do Império, em 1840, sendo essa profissão regulamentada em 1856, através do Decreto nº 1.746, de 16 de abril do referido ano (COÊLHO, 2011). A nacionalização dessa área deu-se quando da criação da primeira Escola Brasileira de especialidade em medicina legal, na Bahia, por Raymundo Nina Rodrigues, que é considerado o maior professor de medicina legal do século XIX. Após a criação dessa escola, surgiram muitas outras em todo o país, e despertou o interesse em profissionais de outras áreas. 62 Segundo Muñoz et al (2012), a profissão de perito médico-legal era por vezes, entre a própria classe médica, caracterizada como uma “especialidade que cuida de cadáveres”. Para o autor, esse conceito passou a transformar-se a partir da implantação da Residência Médica em Medicina Legal na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 2004, e a partir da recente alteração na nomenclatura do curso de especialização em “Medicina Legal” para “Medicina Legal e Perícias Médicas”. 4.2- A PERÍCIA MÉDICO-LEGAL Para Croce e Croce Jr.(1998), a perícia médico-legal é “todo procedimento (exames clínicos, laboratoriais, necropsia, exumação) promovido por autoridade policial ou judiciária, praticado por profissional de medicina visando prestar esclarecimentos à Justiça” (p. 11). Para Delgado (2008), tal conceito deve compreender, prioritariamente, a investigação, finalidades e classificação da perícia médico-legal. Ainda para Delgado (2008), essa ciência é relevante porque é a responsável por fornecer aos juízes de direito conhecimento técnico-científico em uma área não dominada por eles, possibilitando, assim, um julgamento mais técnico. Ademais, esses profissionais médicos serão convocados quando numa ação civil ou penal seus pareceres forem esclarecedores. A perícia médico-legal pode ser realizada tanto em pessoas vivas como em cadáveres. Quando em pessoas vivas ela visa a determinar: identidade, idade, raça, sexo, altura, lesão corporal, sedução, estupro, doenças venéreas, etc.; quando em cadáveres: o tempo de morte, a causa jurídica, identificação do morto, diferenciar as lesões intravitame post mortem, realizar exames toxicológicos das vísceras do morto, proceder à exumação e extrair projéteis (CROCE; CROCE JR., 1998). Na realização da perícia, o médico realiza o exame de corpo de delito, este deve ser efetivado o mais breve, para que não perca vestígios do crime. Após tal exame, o perito deve emitir um laudo pericial o qual registrará a “existência e a realidade do delito”, ele é a tipificação do crime (CROCE; CROCE JR., 1998). Ainda segundo os autores citados, esse exame observa vestígios de natureza permanente ou transeunte, e pode ser realizado de forma direta, quando existem marcas no corpo da vítima (homicídio e lesão corporal) ou indireta, quando não existem mais vestígios 63 (injúria verbal, desacato, etc.), essa forma é, segundo os peritos entrevistados, a mais difícil, pois ela centra-se no discurso do outro e não no fato observável. Conforme Croce e Croce Jr.(1998), o exame de corpo de delito pode verificar: - Lesão corporal: se houve ofensa à integridade física do/da paciente; qual o mecanismo utilizado para produzir a ofensa; se foi gerada por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, meio insidioso ou cruel; se gerou incapacidade por mais de 30 dias; se houve risco de morte; etc.. - Infanticídio: se houve morte; se foi ocasionada no parto ou após; qual a causa morte; qual o instrumento que produziu a morte; se foi gerada por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou meio insidioso ou cruel. - Aborto: se existe indícios de provocação; qual o mecanismo empregado; se, em função do aborto, a gestante sofreu incapacidade para suas ocupações por mais de 30 dias; se não existia outro meio de salvar a vida da gestante. - Violência sexual: se a paciente é virgem; se existe indícios de desvirginamento recente; outros indícios de conjunção carnal; se houve violência e qual o meio empregado; se gerou incapacidade para suas ocupações por mais de 30 dias; se houve vestígio de ato libidinoso. Apesar de, no texto original, o autor subdividir o segmento em atentado violento ao pudor e conjunção carnal, como na legislação recente não existe mais essa alteração, e as observações que o perito médico-legal deve realizar, basicamente, não divergem entre os dois segmentos, utilizou-se a terminologia violência sexual, a qual é pelos profissionais do IML/SE. Ainda é realizado, o exame cadavérico: se houve morte; qual a causa da morte; instrumento que a produziu; se foi gerada por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou meio insidioso ou cruel. Quando em gestante, além de desses já citados observa-se também: se ela precedeu à provocação do aborto; qual o meio empregado na provocação do aborto. São realizados também: exame de idade, quesitos em psiquiatria forense e quesitos no foro civil. 4.3- O INSTITUTO MÉDICO LEGAL DE SERGIPE – IML/SE 64 Dados de 2007 do Ministério da Justiça – MJ afirmam que o Estado que possui o maior número de IMLs é o Estado de São Paulo com 46 unidades, e os Estados do Maranhão e Piauí não possuem nenhum, a estatística do MJ não informa de que maneira aqueles Estados trabalham as questões ligadas à violência, como realizam as atribuições afetas aos IMLs. Todavia, no contexto nacional, do ano de 2003 ao ano de 2007, houve um acréscimo de 18 Institutos no Brasil, mas esse acréscimo não supriu a necessidade de alguns estados, mostrando a disparidade na distribuição territorial desse órgão. A distribuição dos IMLs, por Estado, está estampada na tabela 01 a seguir. Tabela 01 -Distribuição dos IMLs por Unidade da Federação (Brasil - 2003/2007) Unidade da Número de IML Federação 2003 2006 2007 Acre 1 1 1 Alagoas - 1 2 Amazonas 1 1 1 Amapá 1 - 1 Bahia 8 12 7 Distrito Federal 1 1 1 Espírito Santo 4 2 3 Goiás 3 7 4 Maranhão 1 1 - Minas Gerais 22 20 16 Mato Grosso do Sul 18 5 8 Mato Grosso - 2 2 Pará - 2 2 Paraíba - 3 1 Pernambuco - 3 2 Piauí - 1 - Paraná 18 - 1 Rio de Janeiro 27 9 8 Rio Grande do 2 1 3 Norte Rondônia - 2 1 Roraima 1 1 1 Rio Grande do Sul 32 25 24 Santa Catarina 1 15 17 Sergipe 1 1 1 São Paulo - 64 43 Tocantins 1 1 1 Total 13 3 18 1 15 1 Fonte: Ministério da Justiça (2007) 65 Observa-se que o Estado de Sergipe não apresentou diversidade nos anos pesquisados, sendo um dos poucos estados que se manteve com a mesma quantidade de IML, não diminuindo nem aumentando. O IML/SE está localizado na Praça Tobias Barreto, Nº 20, Bairro São José, Aracaju – SE e está situado entre a SSP (à esquerda da Figura 01) e Departamento Administrativo e Financeiro – DAF (à direita da Figura 01). Quanto à estrutura de atendimento, atualmente o IML/SE possui duas formas de atendimento ao público, uma que é a realizada com pessoas mortas para a efetivação de necropsia (que ocorre no lado esquerdo da Figura 01, denominada de “plantão”) e outra é o atendimento às pessoas vivas (que se dá na porta central de vidro, conforme Figura 01). Para o atendimento aos vivos, devem ser observados os seguintes critérios: quando a polícia constituir o ato violento em flagrante, o exame é realizado sem prévio agendamento, a vítima é atendida a qualquer dia e horário, pelo profissional responsável pelo plantão. Quando não se constitui flagrante, o exame de corpo de delito é realizado de segunda à sexta das 07 às 18 horas, o indivíduo necessita ir à Instituição pela manhã e deixa seu atendimento marcado. O IML/SE, nesse serviço, realiza 30 exames periciais por dia, e estes são divididos entre os turnos da manhã e da tarde. Figura 01 - Fachada do IML/SE Fonte: Acervo pessoal (2013). 66 Segundo a Lei Complementar Nº 79 de 27 de dezembro de 2002, do Estado de Sergipe, é competência do IML/SE realizar: Art. 10 - Exames periciais, na área de medicina legal, bem como exames em pessoas vivas, cadáveres, e peças anatômicas, e identificação humana, também no campo de odontologia legal, necessários ao esclarecimento de inquéritos ou investigações policiais e processos ou diligências judiciais, bem como desenvolver estudos e pesquisas relativos às áreas médico-legal e odonto-legal (SERGIPE, 2002). Quanto à equipe profissional disponibilizada para o órgão, ao realizar busca no site do CREMESE, quando se pesquisam os profissionais com especialidade em “medicina legal” não é encontrado nenhum perito médico, porém quando investigado a especialidade “medicina legal e pericia médica” foram encontrados apenas cinco profissionais, desses somente dois fazem parte do quadro de profissionais do IML/SE, e um desses já está aposentado. Todavia, na pesquisa realizada por Scheffer (2013), ela constata que em Sergipe existem nove médicos com essa especialização, quantidade essa igual ao número de peritos médico-legais do IML/SE Segundo a Lei Complementar Nº 79, o Perito Médico-Legal, em Sergipe, é uma carreira pericial, e está inserido no quadro da segurança pública do Estado. Além de profissionais dessa especialidade, o Estado dispõe dos seguintes peritos: perito criminalístico; perito odonto-legal; agente técnico de necropsia, papiloscopista e agente técnico de radiologia médica; agente técnico de fotografia criminalística. Tais carreiras devem, legalmente, ser ocupadas por pessoal efetivo no quadro da Instituição. Ao médico-legal cabe, dentre outras atribuições, a realização da perícia médico-legal, responsável pela comprovação clínica do ato de estupro, nisto centra-se a importância da análise de suas representações, logo cabe ao referido profissional, conforme a Lei Complementar 79/2002: Art. 18 - Exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições de realização de perícias médico-legais e demais ações e atividades de estudo, exames, pesquisa e serviços, bem como ações de polícia técnico-cientifica, na respectiva área médico-legal, dos órgãos e setores de execução e coordenação de perícias da Administração Estadual. (SERGIPE, 2002 ) Vale lembrar que o IML/SE tem no seu quadro de funcionários nove peritos médico- legais, desses, um ocupa a posição de diretor da Instituição, e que o último concurso público realizado para provimento desse cargo aconteceu há aproximadamente20 anos. No entanto, segundo a Lei Complementar Nº 79 a instituição deveria ter um total de 30 profissionais divididos em 1ª, 2ª e 3ª classe. 67 CAPÍTULO V A MAGNITUDE DA VIOLÊNCIA A violência sexual, segundo o Ministério da Saúde – MS, é um crime que dificilmente é denunciado. Para o MS, ele é comumente silenciado por diversas variáveis: o medo do preconceito ou da vergonha; e em razão da exposição de si e de sua família, para Habigzang et al (2005), esse crime permanece em segredo devido a duas síndromes: a Síndrome de Segredo e a Síndrome de Adição. Dados apresentados por Faleiros (1997) informam que no Estado de São Paulo, no ano de 1995, estimava-se que 17.000 pessoas eram vítimas de violência sexual, todavia, apenas 10 a 15% desses eram revelados. Além disso, segundo o Ministério da Saúde, faltam aos órgãos que atendem essa demanda instrumentos adequados para a realização de dados estatísticos fiéis. Dessa forma, o MS adverte que os estudos realizados sobre esse tema não correspondem ao total de pessoas que sofrem com essa violência, em razão do silêncio de quem sofre e da falta de estatísticas fidedignas sobre eles (SOUZA e ADESSE, 2005). No contexto da violência contra a mulher, segundo a ONU, ela não é atrelada a uma dada cultura, ou região, ou país, nem mesmo a um determinado grupo de mulheres, mas sim à discriminação existente contra esse segmento (de mulheres) que ainda persiste nos dias atuais. O Secretário-Geral da ONU afirma ainda que uma em cada cinco mulheres serão vítimas de estupro ou tentativa de estupro durante sua vida. (KI-MOON [c.a. 2012]). O Secretário-Geral da ONU lembra ainda que a violência sexual utilizada em conflitos atinge milhões de meninas e mulheres. Isso é uma estratégia empregada por grupos armados como forma de humilhar os adversários. Na República Democrática do Congo, cerca de 1.100 estupros são relatados todo mês, estima-se que “mais de 200 mil mulheres sofreram violência sexual nesse país desde o início do conflito armado”, em 1994 na Ruanda entre 250 mil e 500 mil mulheres teriam sido estupradas durante o genocídio; ela também foi característica na guerra civil, que durou 14 anos, da Libéria, na Bósnia, também em conflito armado, no inicio da década de 90, do século passado, entre 20 mil a 50 mil mulheres foram estupradas ( KI- MOON, [c.a. 2012]). O mapeamento proposto por esta pesquisa diz respeito aos crimes que foram periciados pelo IML/SE no ano de 2011. A opção por realizar a pesquisa nesse campo empírico foi em razão de acreditar que é essa Instituição que pode mostrar um panorama da realidade dos crimes sexuais, tendo em vista que é ela a responsável pela comprovação 68 técnica do ocorrido. Contudo, verificou-se que os dados fornecidos nos relatórios realizados 17 pela equipe psicossocial de atendimento não detalham como foram os episódios, suas vítimas e agressores, os dados são ainda muito superficiais (Vide relatório de atendimento anexo I). Para uma maior compreensão do estudo, este capítulo está dividido em duas partes, a primeira que discorre sobre o panorama dos crimes sexuais no Brasil e Sergipe. Nessa etapa, procurou-se demonstrar os dados que o Estado brasileiro dispõe acerca dessa violência, buscou-se também compará-la com outras formas de violência através de dados do MS, Ministério da Justiça – MJ, Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Na parte seguinte deste capítulo esforçou-se para se aproxima da realidade do IML/SE. Buscou-se, então, caracterizar as vítimas de violência sexual a partir de dados como: a idade, o sexo e local onde reside. Além disso, examinaram-se quais os encaminhamentos que o IML/SE oferece a essas vítimas, sobretudo no que se refere à proteção à saúde. Esforçou-se também para compreender quem são os agressores responsáveis por esta violência e onde ela ocorre. Esses dados, encontrados a partir da análise dos relatórios de acolhimento da equipe psicossocial da Instituição, foram importantes, pois possibilitaram à pesquisa uma aproximação com a realidade estudada. 5.1 – A VIOLÊNCIA NO BRASIL A partir de dados estatísticos produzidos por diversas instituições (IBGE, MS, MJ, DIEESE) procurou-se compreender como a violência se expressa no Brasil. A violência não é algo, sabe-se que são as mulheres jovens as maiores vítimas da violência sexual, todavia são também os casos de mortes juvenis, que cresceram assustadoramente, segundo o Mapa da Violência de 2011, que preocupam a Segurança Pública. Do total de pessoas que morrem de causas extremas 73,6% são jovens, sendo a região Sul aquela com maior índice de jovens que morrem dessa forma, com 78,1% do total de mortes dessa região. O mesmo Mapa informa que os dados registrados no Subsistema de Informação de Mortalidade – SIM dão conta de que do período de 1998 a 2008 houve um aumento de 17,8% em homicídios no país, o que representa um crescimento maior que o da 17 Essa equipe é composta por um psicólogo, que trabalha no período matutino, e por uma assistente social que trabalha no período vespertino, ambos os funcionários são do quadro funcional da SSP. 69 população brasileira nesse período, sendo as regiões Norte e Nordeste as que tiveram o maior crescimento no índice de homicídio, ultrapassando a casa de 100% de aumento. O mesmo Mapa esclarece que a grande ampliação nos índices de homicídios juvenis ocorreu entre as décadas de 80 e 90, do século passado, estendendo-se um pouco até os 2000 até 2003, porém, a partir daí, houve um declínio nessas taxas. (WAISELFISZ, 2011). No Brasil, nota-se que os crimes contra o patrimônio como roubos e furtos têm taxas mais elevadas que os outros crimes, porém os dados que o Ministério da Justiça – MJ fornece ainda são muito irrisórios para fazer uma análise mais aprofundada desse fenômeno, nem tampouco é o cerne da discussão proposta. No tocante à violência contra a mulher, segundo o MJ, quando da análise das ocorrências registradas pelas polícias civis, por número e taxas por 100 mil habitantes no Brasil entre 2004 e 2005, notou-se que é a violência física o tipo de agressão que mais assola as mulheres, seguida pela violência psicológica e moral. A violência sexual aparece apenas em quinto lugar com um percentual de 1,4% dos atendimentos registrados. Em 2009, o que foi observado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM está expresso na tabela 02 a seguir. Tabela 02 - Registros de atendimentos da Central de Atendimento à Mulher, total e respectiva distribuição percentual, segundo o tipo de informação - Brasil – 2009. Tipo de relato Registros de atendimentos da Central de Atendimento à Mulher Total Distribuição percentual (%) Violência Física - lesão corporal leve, grave e gravíssima 22.006 53,9 Violência Psicológica - ameaça, dano emocional, perseguições 13.547 33,2 Violência Moral - difamação, calúnia e injúria 3.595 8,8 Violência Patrimonial 917 2 Violência Sexual - estupro, exploração sexual e assédio 576 1,4 Outros tipos de violência 316 0,8 Total 49.957 100 Fonte: (IBGE, 2010b) Dados mais recentes, do ano de 2009, reafirmam a informação da violência sexual como a quinta agressão que mais acomete as mulheres. A violência física ocorre em mais de 50% de todas as denúncias realizadas no disque 180 (53,9%), sendo que a sexual com 1,4%. Alguns estudiosos da violência sexual, a exemplo de Saffioti (2001, 2011), Souza e Adesse 70 (2005) acreditam que esse percentual não corresponde à realidade dos crimes, pois esse delito ainda é carregado de certo tabu, ou seja, muitas vítimas optam por não realizar a denúncia com medo do preconceito e da exposição, como afirma o MS. Saffioti (2011) reafirma os dados publicados pelo Ministério da Saúde. No seu estudo, ela observou que apenas 1% das declarantes afirmaram já ter sofrido violência sexual, contudo quando estimuladas a falar, essa taxa subiu para 11%. Os dados de campo demonstram que 19% das mulheres declararam, espontaneamente, haver sofrido algum tipo de violência por parte de homens, 16% relatando casos de violência física, 2% de violência psicológica, e 1% de assédio sexual. Quando estimuladas, no entanto, 43% das investigadas admitem ter sofrido violência sexista, um terço delas relatando ter sido vitimas de violência física, 27% relatando ter vivido situações de violência psíquica, e 11% haver experimentado o sofrimento causado por assédio sexual (SAFFIOTI, 2011, p. 47). Observa-se, ainda, que os crimes contra as mulheres são cometidos, na maioria dos casos, no espaço privado, no lar. A seguir a tabela 03 com os dados comparativos da violência, coletados pelo PNAD e sistematizados pelo DIEESE, cruzando o local do crime com o sexo das vítimas: Tabela 03 - Distribuição das pessoas que foram vítimas de agressão física, por sexo, segundo 18 local da agressão (em %). Local da Agressão Brasil Homens Mulheres Própria residência 12,3 43,1 Residência de terceiros 3,6 6,2 Estabelecimento comercial 11,3 3,8 Via pública 56,4 36,8 Em estabelecimento de ensino 9,4 6,9 Transporte coletivo 1,2 1,2 Ginásio ou estádios esportivos 1,5 0,3 Outro 4,4 1,8 Total 100 100 Fonte: IBGE. PNAD (2010) Elaboração: DIEESE O que se percebeu nesse panorama é que quando a violência é cometida na residência das vítimas, o sexo que mais morre é o feminino (43,1%) já o masculino (12,3%). Todavia, quando analisados os crimes praticados nas vias públicas, observou-se que o sexo feminino teve 36,8% de mortes e o masculino 56,4%. 18 Pessoas com 10 anos ou mais 71 19 Pesquisa realizada pelo IBGE, na Central de Atendimento à Mulher – disque 180 , traça um panorama sobre o público que é atendido por esse serviço. A pesquisa esclarece que a denúncia é realizada pela própria vítima, reforçando a ideia de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, por outro lado, visualiza-se que a própria vítima busca mecanismos que a auxiliem a sair da vivência de violência. O perfil das mulheres que buscam esse atendimento é de indivíduos de meia idade, entre 20 e 34 anos (50,4%), têm ensino médio ou superior completo (50,8%), o seu agressor é o cônjuge ou companheiro (68,7%), porém elas não dependem dele (55,9%), conforme expresso no gráfico 01. (IBGE, 2010b). Gráfico 01: Algumas características das mulheres atendidas pela Central de Atendimento - Ligue 180. Brasil – 2009 92,50% 68,70% 50,40% 50,80% 44,10% Própria vítima Mulher com Mulher com Agressor sendo Vítima com denunciante idade de 20 a 34 ensino médio ou o cônjuge ou dependência anos superior companheiro financeira do completo agressor Fonte: (IBGE,2010b) Vale ressaltar que, segundo a SPM, a mulher quase sempre busca reagir contra o seu agressor, porém, muitas vezes ocorre que sua reação não é a mais adequada para fazer parar a violência. Dados da mesma Secretaria mostram um aumento gigantesco no número de atendimentos da Central de Atendimento a Mulher – Ligue 180. Enquanto em 2006 o número de ligações foi 46.423, em 2010 foi de 734.416, desse total 58,8% são crimes de violência física. Esses dados auxiliam a observar que as discussões acerca da violência de gênero e violência contra a mulher se popularizaram, e destaca-se a atuação da mídia como um forte parceiro nessa discussão, pois, foi através dela que se possibilitou ampla divulgação dos meios legais para a realização das denúncias, com isso as mulheres passaram a utilizar os 19 O disque 180 é um serviço do governo federal que visa receber, anonimamente, denúncias ou relatos de violência, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento a mulher, além de orientar as mulheres sobre os seus direitos. 72 mecanismos que o Estado oferece na defesa dos seus direitos, fato que auxilia no combate a atos de agressão contra elas. No tocante à análise dos assassinatos de mulheres, nota-se que o macho não se contenta apenas em matar a mulher e destruir o seu corpo. Os locais que eles mais atacam são órgãos genitais, seios e rosto, Blay (2009), ao analisar o assassinato de mulher praticado por homens, destaca que: [...] ao assassino não basta matar, ele quer destruir o corpo da esposa, da companheira, da namorada, da noiva. E no corpo o que ele mais ataca é o rosto. Mulheres desfiguradas marcadas a ferro, queimadas, esfaqueadas, foi o mais encontrado. Destruir o rosto de uma modelo é um modo de acabar com a profissão dela. Mais que isso é tornar a mulher indesejada para eventuais novos companheiros. E, sobretudo, destruir sua auto-estima (BLAY, 2009, p.47). Dados do MS informam que, independente do estado civil - solteiro, casado ou viúvo - , sempre são as mulheres que mais morrem no próprio domicilio, quando solteiras elas representam 24,8% do total de mortes registradas, enquanto que os homens são 8,4%; quando casadas elas são 39,7% enquanto eles 14,0%; quando viúvas elas representam 41,7% e eles 30,9%; quando separadas judicialmente elas são 36,1% e eles 19,2%. Várias justificativas podem ser colocadas a partir desses dados, como: “as mulheres ficam mais em casa”, “os homens estão mais expostos à violência nos espaços públicos”. De certo, tais afirmativas são verdadeiras, mas também é preciso ter em mente que são elas quem sofrem mais homicídios por parte de parentes, companheiros/ex-companheiros, segundo a SPM e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD. (IBGE/2009) Dados da PNAD realizada em 2009 mostram que no Brasil a violência cometida em espaços privados, como na própria residência ou na residência de terceiros, tem como suas maiores vítimas as mulheres. Do total feminino que sofreu agressão física, 43,1% dos crimes ocorreram na sua própria residência, quando se analisam os dados referentes ao sexo masculino observa-se que apenas 12,3% dos homens sofreram violência física em sua própria casa. Quando pesquisada a relação com a pessoa que realizou a agressão nota-se que 25,9% das mulheres sofreram agressão do seu cônjuge/ex-cônjuge enquanto que apenas 2% dos homens sofreram agressão por parte de suas cônjuge/ex-cônjuge. (IBGE/2009) Pesquisa divulgada pelo site do Observatório da Infância informa que no período de 1989 a 1999, 1.169 crianças e adolescentes foram atendidos vítimas de violência doméstica. Desses atendimentos, em 93,5% constatou-se que a violência foi praticada por pessoas conhecidas, sendo que seu maior algoz foi a mãe com 52%. Esse dado demonstra que a 73 mulher também pode desempenhar um papel violento, principalmente sobre aqueles que elas exercem uma maior autoridade. Saffioti (2001) argumenta que “com relação a crianças e adolescentes, também as mulheres podem desempenhar, por delegação, a função patriarcal”, no entanto não são as mulheres que possuem um “projeto de dominação-exploração” e esse dado faz muita diferença; para a autora, essa função patriarcal exercida pelas mulheres se dá em razão da “edipianização das gerações mais jovens”. Diante do panorama nacional sobre a violência aqui exposto, foi possível visualizar quem são as pessoas que procuram atendimento do Disque 100, onde ocorrem os maiores índices de violência, enfim visualizar a violência de forma mais ampla. A partir de então, observar-se-á com mais afinco, a realidade dos crimes sexuais periciados pelo IML/SE no ano de 2011. 5.2 – PERFIL DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL ATENDIDAS NO IML/SE Segundo Souza e Adesse (2005), frequentemente percebe-se que as vítimas de violência sexual encontram-se invisíveis e isoladas, distantes dos seus direitos à Justiça e à saúde, e isso é um fenômeno que ocorre devido a vários motivos, dentre eles o medo de falar sobre o assunto e da falta de preparo dos profissionais responsáveis pelo atendimento dessas vítimas. O debate relativo à violência sexual se encontra enraizado na discussão sobre sexualidade e esta ainda denota muito tabu, e esse tabu é responsável por gerar nas vítimas de violência sexual um silêncio sobre o crime, o que suscita, em muitos casos, a não punição ao agressor. Esse comportamento das vítimas é fruto da não confiabilidade na eficácia da justiça e do temor de revelar sua intimidade (SOUZA; ADESSE, 2005). Conhecer os atores que fazem parte desse cenário proporciona uma maior aproximação com a realidade em estudo, pois, para compreender como os peritos médico- legais representam essas vítimas, é necessário, sobretudo, entender quem são elas, como o crime ocorre e quem são os prováveis agressores. Para tanto, buscou-se traçar o perfil dos atendimentos realizados no IML/SE a partir dos relatórios da equipe psicossocial responsável pelo acolhimento das vítimas, até porque o IML/SE não disponibilizou a análise dos laudos periciais. A opção de mapear o perfil das vítimas é importante para esta pesquisa, visto que a partir daí será possível compreender quem são essas pessoas e isso possibilitará realizar uma discussão mais aprofundada sobre as representações dos peritos médico-legais sobre as vítimas desse tipo de violência. Em vista do 74 exposto, optou-se por fazer o levantamento do perfil das vítimas a partir dos relatórios da equipe psicossocial. A obtenção dos dados ocorreu de maneira conturbada, em função da dificuldade de acesso à Instituição (dificuldade de aceitação por parte da direção da casa para a realização da pesquisa) e da forma precarizada de arquivamento dos relatórios. O arquivamento dos dados não ocorre de forma a preservar o anonimato das vítimas e de suas famílias, visto que os relatórios são guardados em fichários de fácil acesso por outros profissionais do IML/SE, que não apenas a equipe psicossocial. Figura 02 - Sala da equipe psicossocial Fonte: Acervo pessoal (2013). No trabalho de campo foram encontradas algumas dificuldades no tocante à caracterização dos atores da pesquisa, pois a pasta-arquivo que continha os atendimentos referentes ao mês de julho de 2011 não estava no arquivo. E, além disso, os dados são preenchidos manualmente, e, por vezes, não estavam legíveis, faltando muitas informações; além disso,o histórico da violência sofrida era muito superficial, não continha detalhes importantes como, por exemplo, o tempo em que violência já vinha sendo praticada. Para além das dificuldades encontradas na pesquisa, observou-se nos relatórios analisados que durante os 11 meses estudados do ano de 2011, foram registrados na Instituição 434 casos de violência sexual. Esses casos englobam toda a demanda do IML/SE 75 referente a esse crime, ou seja: crianças, adolescentes, mulheres e homens adultos. Observa- se, então, que no IML/SE a média de casos registrados por mês é de 36,45, o que gera uma média diária de 1,3 casos por dia. Os crimes sexuais registrados no IML/SE ocorreram conforme distribuição no gráfico 02. Gráfico 02 -Número de perícias mensais realizadas com vítimas de violência sexual, no ano de 2011, periciadas pelo IML/SE. 56 54 47 38 39 41 36 33 31 30 29 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. Nota-se que não existe um mês específico em que os índices de violência sexual tenham maior disparidade. Todavia, os meses de agosto e setembro se destacam como os que possuem uma taxa mais elevada; 56 e 54 casos, respectivamente. Vale destacar que o mês de agosto tem 20 casos a mais que a média mensal que é de 36,45; enquanto que o de dezembro é o mês que houve menos registros de perícias de crimes sexuais, 29 casos. No que diz respeito aos encaminhamentos que os peritos médico-legais fazem para as vítimas de violência, percebeu-se que a maior parte destas (376) são encaminhadas à Maternidade Nossa Senhora de Lourdes – MNSL, para realização da profilaxia, ou seja, uma medida de prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis – DST, que possam ter contaminado a vítima, a exemplo da Aids e Sífilis. Esse encaminhamento é de extrema importância porque possibilita à vítima o prévio estabelecimento da sua saúde. Porém, apesar dessas medidas de prevenção os dados mostram um crescimento de infecções femininas do vírus HIV (BRASIL, 2005b). 76 Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids – Unaids, atualmente existem cerca de 40 milhões de mulheres contaminadas com o vírus em todo mundo, e esse crescimento na contaminação de mulheres é agravado em função da violência sexual da qual são vítimas. (BRASIL, 2005a). Além da profilaxia, a MNSL oferece às vítimas de violência sexual acompanhamento psicológico e serviços de: “acolhimento, acompanhamento clínico, exames para detecção de HIV/Aids, sífilis, hepatite, etc.; orientações sobre contracepção de emergência (pílula do dia seguinte) e aborto legal” (OLIVEIRA, 2009). As vítimas de violência sexual não estão expostas apenas à contaminação pelo vírus HIV; segundo Habigzang (2005), das vítimas de violência sexual estudadas, 33,3%apresentaram problemas mentais e psicológicos, 27,8%problemas respiratórios, 16,7%problemas decorrentes de negligência com a higiene, 11,1% problemas viróticos ou bacteriológicos, HIV (11,1%) e congênitos (11,1%). No gráfico 03 é demonstrado como o IML encaminhou as vítimas de violência sexual no ano de 2011. Gráfico 03 - Encaminhamentos prestados as vítimas de violência sexual, no ano de 2011, periciadas pelo IML/SE (%). 86,68 12,62 0,46 0,24 Maternidade Não identificado Desipe Delegacia Nossa Senhora de Lourdes Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. No que tange ao sexo das vítimas, todas as pesquisas que tratam desse tema trazem à tona a realidade de que o crime de violência sexual quase sempre deixa suas marcas em 77 mulheres. Squizatto e Pereira (2004) afirmam que 92% das pessoas que foram submetidas à perícia médico-legal foram do sexo feminino, enquanto que apenas 8% do sexo masculino. Habigzang (2005), quando analisa os processos jurídicos do Ministério Público do Rio Grande do Sul entre 1992 e 1998, observa que 80,9% dos processos têm por vítimas mulheres e apenas 19,1 são homens. Faleiros (1997), ao divulgar pesquisa realizada no IML de São Paulo mostra que 69,77% dos casos foram contra meninas menores de 18 anos e apenas 7,94% dos atendimentos foram realizados com homens. Guimarães e Vilella (2011), ao analisarem as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e física periciadas pelo IML de Alagoas, observaram que 27% eram do sexo masculino e 73% do sexo masculino, quando analisado apenas os casos de violência sexual que totalizavam 47,8% foi constatado que 43,2% dos casos as vítimas eram meninas. Observa-se, então, que esse é um crime onde as vítimas em sua maioria são mulheres. Esse dado é justificado quando se verifica que 86,87% das perícias foram do sexo feminino enquanto que no sexo masculino apenas 13,13%. Os dados estão representados estatisticamente no gráfico 04. Gráfico 04 - Sexo das vítimas de violência sexual, no ano de 2011, periciadas no IML/SE. 86,87 13,13 Mulheres Homens Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. Vale frisar que, no que diz respeito aos agressores, não foi identificado nenhum caso onde o algoz teria sido uma mulher. Todos os casos onde estava explícito o sexo do agressor foi notado que quem praticou o ato foi do sexo masculino. 78 Relativamente à relação entre idade da vítima e o seu sexo, percebe-se que a grande maioria continua sendo do sexo feminino, como demonstrado em outras tantas pesquisas sobre o tema. No que se refere à análise dos crimes cometidos contra a mulher, percebeu-se que a grande maioria ocorre quando as vítimas têm entre 11 e 15 anos, ou seja, o período em que seu corpo começa a tomar forma de mulher adulta. A esse respeito, um dado chama a atenção, segundo a Unaids (BRASIL, 2005), de 20 a 50% das meninas e jovens de todo o mundo afirmam que sua primeira relação sexual foi forçada. No tocante aos crimes contra pessoas do sexo masculino, nota-se que eles ocorreram em maior proporção entre aqueles que estão na faixa etária entre seis e dez anos. Os homens ficaram à frente das mulheres nas estatísticas apenas em uma faixa etária entre 41 e 50 anos, onde eles tiveram dois casos (advindos de presídios) e elas apenas um. O gráfico 05 mostra que existe um decréscimo nos índices de violência sexual a partir do aumenta da idade das vítimas, o que possibilita interpretar que a probabilidade de uma criança e um adolescente sofrerem violência sexual é maior que um adulto. Outro dado que chamou atenção é que os idosos não estão fora desse contexto de violência existindo três vítimas de violência sexual com idades entre 61 e 70 anos. Gráfico 05 - Ocorrência de crimes sexuais quando comprado idade X sexo, no ano de 2011, periciado pelo IML/SE. feminino masculino 186 67 63 35 22 14 15 13 1 0 4 1 1 2 2 0 3 0 3 2 Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. Pesquisas mostram que essa realidade não é distinta em outros campos empíricos, tão pouco em outras épocas da historia. Logo, não é algo da contemporaneidade dos tempos atuais e em razão da exposição da mídia. Costa (2008b), quando analisa os processos judiciais 79 da década de 80 –do século XX -, mostra que a idade onde existia um maior número de processos é quando as vítimas estavam com 13 anos (17,19%). Já quando ela analisa a década de 1990, observa que o maior índice é quando as vítimas têm 13 e 15 anos, ambas com uma porcentagem de 9,02%. Rodrigues (2011), quando estuda as vítimas de violência sexual que estão em instituições de acolhimento que trabalham com a reintegração familiar de crianças e adolescentes em Aracaju- SE, observou que 20% dessas pessoas têm 14 anos. Logo, visualiza-se que o período entre 11 e 15 anos de idade, traçado na pesquisa é aquele onde ocorrem os maiores índices de violência sexual, onde as crianças e adolescentes estão mais expostas a esse crime. Porém, Habigzang et al (2005) observou que a idade em que os abusos são iniciados concentram-se basicamente em três faixas etárias: dois a cinco anos 10,6%, cinco a dez anos 36,2% e de dez a 12 anos 19,1%. Ao externar sua preocupação com essa população específica, Polanczyk et al (2003) defendem que as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual tendem a desenvolver transtornos de ansiedade, sintomas depressivos e agressivos, além de problemas no seu relacionamento interpessoal, ademais nota-se que elas também podem vir a ter problemas no seu “desenvolvimento infanto-juvenil, com repercussões cognitivas, emocionais, comportamentais, físicas e sociais” (SCHAEFER et al, 2012, p. 227). Acrescente-se, ainda, que tanto o crime de estupro como a violência doméstica contra as mulheres deixam consequências maiores em sua saúde que todos os tipos de câncer e das doenças cardiovasculares; além disso, nos Estados Unidos 35% das tentativas de suicídio feminino ocorrem em razão da violência sexual. Todavia, essa violência também deixa marcas não-mortais, tais como: lesões permanentes; problemas crônicos, a exemplo de dor de cabeça, dor abdominal, infecções vaginais, distúrbios do sono e da alimentação; e doenças de efeito retardado, incluindo artrite, hipertensão, e doenças cardíacas (GIFFIN, 1994). No que diz respeito à relação social que a vítima possui com seus agressores, esta pesquisa de campo observou que 75,12% das pessoas informaram que seu agressor era um conhecido enquanto que, 17,97% não informaram e 6,91% não conheciam. Costa (2008b) mostra que na década de 80, do século XX, 72% das vítimas conheciam seus agressores, na década, na década seguinte, 1990, essa realidade não se mostra de forma distinta, e 73% dos agressores são conhecidos das vítimas. Já Squizatto e Pereira (2004) informam que 60,4% eram conhecidos, 24,8% não conheciam seus agressores e 14,8% não traziam identificação do 80 autor; Guimarães e Villela (2011) observam que apenas 10% dos agressores eram desconhecidos das suas vítimas. Percebe-se que a violência é quase sempre cometida por alguém do vínculo familiar e social das vítimas; Faleiros (1997), ao discorrer sobre a violência intrafamiliar, informa que esta tem nove dimensões: o segredo familiar; o trauma, pelo medo, vergonha e terror; reincidência; repetição da violência; presença da violência em classes mais baixas; sem distinção de idade; impunidade do abusador; fuga de casa e a necessidade de acompanhamento terapêutico. O gráfico 06 demonstra as estatísticas da relação entre as vítimas e seus agressores. Gráfico 06 - Relação social entre autores e vítimas do crime de estupro, no ano 2011, periciado pelo IML/SE (%). 326 78 30 Conhecido Não informado Desconhecido Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. Outro dado que cabe ressaltar é a proximidade que a vítima, quase sempre, tem com seu algoz, pois, em sua grande maioria, o agressor é conhecido, seja vizinho, pai, padrasto, tio, avô. Essas vítimas na maioria são criança e adolescentes, e esse dado leva a pensar que está alicerçado em uma dupla estrutura assimétrica de poder, pois o agressor tem uma posição de vantagem frente a quem sofre a violência seja em função de ter mais idade que a vítima ou de ter na sociedade um status de autoridade (SAFFIOTI, 2001). Apenas em 6,01% dos casos periciados pelo IML/SE, em 2011, a vítima não conhecia quem a violentou. Esse dado vai de encontro à pesquisa “Violência sexual no Brasil: perspectivas e desafios” publicada por Souza e Adesse (2005), na qual as autoras mostram 81 que 75,6% das vítimas, e suas famílias, não conheciam o seu agressor e apenas 23,5% identificam quem a violentou. Contudo, quando as autoras avaliam o grau de relação que as vítimas que identificaram seu algoz tinham com ele constataram, assim como nesta pesquisa, que a maioria é de vizinhos ou outro conhecido, seguido por pais biológicos, e o padrasto. Nota-se que existe praticamente um consenso em todas as pesquisas que abordam esse tema, no tocante à relação que há entre a vítima e o agressor. As pesquisas afirmam que eles, na sua maioria, são conhecidos das vítimas. No caso do levantamento desta pesquisa, 20 constatou-se que 36,41% vítimas afirmaram que o agressor era um conhecido . Um dado que vale ressaltar é que houve 32 casos onde o agressor era o pai da vítima, contrariando a ideia que paira no imaginário popular de que os padrastos seriam os indivíduos que mais cometiam esse crime. Saffioti (2011), ao relatar uma pesquisa realizada por ela em 1992, informa que naquela época 71,5% dos casos de violência sexual foram cometidos pelo pai biológico, nesse contexto ela estabelece uma diferenciação entre o crime de violência sexual cometido por um pai com poder aquisitivo e educacional maior e quando cometido por um pai com esses poderes inferiores, assim Nas camadas mais bem aquinhoadas, social e economicamente falando, o abuso obedece à receita da sedução: maior atenção aquela filha, mais presentes, mais passeios, mais viagens etc. As técnicas são bastante sofisticadas, avançando lentamente nas carícias, que passam da ternura a lascívia [...]. Nas camadas social e economicamente desfavorecidas, o processo e rápido e brutal. O pai coloca um revolver, na mais fina das hipóteses, ou uma faca de cozinha junto a cama ou sobre ela, joga a menina sobre o leito, rasga-lhe as roupas e a estupra, ameaçando-a de morte, se gritar, ou ameaçando matar sua família, se abrir a boca para contar o sucedido a alguém (SAFFIOTI, 2011, p. 20-21). Contrariando essa informação, ao realizar uma pesquisa com os detentos por estupro na “Prisão da Papuda” do Distrito Federal – DF, nos anos de 1994 e 1995, Machado (1998) detectou que, dos 82 presos, apenas 23 tiveram algum envolvimento com a vítima antes da ocorrência da violência. Esse dado contrastou inclusive com os dados fornecidos, na época da pesquisa, pela DEAM do DF, a qual informava que as denúncias de casos de violência sexual eram maiores entre agressores conhecidos das vítimas. A autora acredita que esse fenômeno “indica que as denúncias por estupro nas relações parentais ou entre conhecidos são mais 20 Estão inclusos nessa categoria de análise os agressores que eram vizinhos, colegas de escola ou de trabalho e algum outro conhecido da vítima. 82 difíceis de serem consideradas como crimes no decorrer dos processos investigativos e judiciários” (MACHADO, 1998, p. 234). Outro dado que chamou a atenção quanto à caracterização do agressor é o fato de haver 0,46% dos indivíduos que violentaram sua mãe. Esse dado surge como um fenômeno que deve despertar a atenção nos últimos anos visto que o relatório de atendimento informa que os agressores eram usuários de entorpecentes, mais especificamente o crack, e violentaram suas mães quando se encontravam sob efeito desses psicoativos. O crack é uma droga estimulante da atividade cerebral, e isto faz com que aumente a atividade de alguns sistemas neuronais. Ela é a cocaína – substância extraída de uma planta popularmente conhecida por coca (Erythroxylon coca) – em pedra. O uso dessa droga provoca uma rápida dependência, e quando usada em grandes doses gera irritabilidade, agressividade, delírios e alucinações, ou seja, um estado de psicose. Atualmente, o crack tornou-se um dos maiores problemas da saúde pública, porque seu uso está cada vez maior e o tratamento do usuário/dependente é difícil, tendo poucas clínicas na rede pública que atendam a esses casos e na rede particular é ainda muito caro. Esse cenário gera uma onda crescente de violência urbana e se expressa também através dos números da violência sexual, como detectados na pesquisa e representados no gráfico 07. Gráfico 07 - Relação de afeto e parentesco entre autores e vitimas do crime de estupro, no ano de 2011, periciado pelo IML/SE (%) 158 78 34 32 30 30 27 24 13 6 Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. 83 Guimarães e Villela (2011) afirmam que 37,3% das agressões são cometidas pelos 21 seguintes agressores: 11,9% por padrastos, 2,9% por pais e 2,9% por mães . Souza e Adesse (2005) corroboram as afirmativas desta pesquisa e esclarecem que, quando a violência é dirigida a crianças, os maiores agressores são vizinhos e pais; quando são adolescentes e adultas, além dos vizinhos, destacam-se os parceiros atuais e adultos. No caso desta pesquisa, quando as vítimas da violência eram mulheres adultas, o maiores agressores eram ex- companheiros, companheiros, filhos ou desconhecidos. Entre as crianças, o agressor mais comum é seu parente biológico; entre as adolescentes, destaca-se o vizinho como o agressor predominante, seguido do pai biológico, padrasto (que aparece mais nesta faixa etária) e do tio. Apesar de responsável por apenas 4,6% das agressões, o irmão aparece apenas como agressor das adolescentes. Entre as mulheres adultas, o vizinho se destaca, seguido dos parceiros atuais e antigos (SOUZA e ADESSE, 2005, p. 31) Outro dado que corrobora a tese de proximidade da vítima com seu agressor é o local de ocorrência do crime. Quanto a esse dado, Guimarães e Villela (2011) destacam que 27,1% das ocorrências foram na casa da vítima, 18,2% próximo a sua casa e 15,2% na casa do agressor e apenas 4,9% na casa de terceiros; os autores ressaltam na pesquisa que 6,9% dos casos ocorreram em escolas, esse dado está alinhado com o fato do agressor ser conhecido da vítima, visto que o algoz tem acesso a casa de suas vítimas. Diante de tudo que foi analisado, percebe-se que esse crime ocorre no cenário das relações sociais da vítima. Dessa forma, observa-se que as ocorrências acontecem nos locais onde a vítima frequenta cotidianamente, ou seja, é um crime ligado ao espaço privado: 25,8% das ocorrências na residência da própria vítima, 7,83% na de familiares e 3,68% na de amigos. Outro dado que apoia a afirmativa de que o agressor pertence ao círculo de relações da vítima é que 19,36% das vítimas afirmaram que a violência ocorreu na casa do agressor. Os resultados obtidos por Habigzang et al (1995) apoiam esta pesquisa, pois eles dão conta de que 66,7% dos casos ocorrem na residência da vítima quando esta está sozinha com o agressor. O gráfico 08 demonstra os números dos locais em que ocorremos crimes de estupro periciados em 2011 pelo IML/SE. 21 Vale destacar que esses dados são baseados também em violências físicas e não apenas na sexual. 84 Gráfico 08 - Local onde ocorreram os crimes de estupro, periciados pelo IML/SE, no ano de 2011 (%). 112 111 84 34 19 16 14 14 10 6 5 4 3 1 1 Fonte: Instituto Médico Legal de Sergipe, 2012. Chama a atenção o fato de existir 1,15% dos registros de violência em escolas, 0,93% em abrigos e 0,23% em hospital, pois se acredita que esses locais devem proteger quem os utiliza. A escola é responsável pela educação e capacitação dos seus alunos, os abrigos são medidas protetivas à criança e ao adolescente, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), e os hospitais devem curar os males que atingem a saúde física e mental dos indivíduos. A preocupação maior está centrada no fato de que 25,58% dos registros não informam em que local aconteceu a violência, o que difere de local desconhecido. O local desconhecido é aquele quando a vítima afirmou que não sabia onde estava, e o não informado é quando a vítima sabe onde ocorreu e não informa ou quem realiza o acolhimento não registrou, dificultando, dessa forma, um levantamento mais preciso. 85 No que diz respeito ao local onde as vítimas residem, observou-se que elas são das mais variadas cidades do Estado, pois se constatou que 59 municípios do Estado tiveram pelo menos um caso de violência sexual registrado no IML/SE no ano de 2011. Desses os que mais tiveram registros de violência sexual foram: Aracaju com 125 casos; Nossa Senhora do Socorro com 48 e Lagarto com 25. Os municípios que registraram apenas um caso foram: Nossa Senhora de Lourdes, Carira, Riachuelo, Gracho Cardoso, Gararu e São Miguel do Aleixo. Os dados estatísticos estão na tabela 04. Tabela 04: Local onde ocorreu a violência 22 Local Quantidade População Proporção de casos P/Q Aracaju 125 571.149 4.562,20 Nossa Senhora do Socorro 48 160.827 3.350,56 Lagarto 25 94.861 3.794,44 São Cristovão 23 78.864 3.428,87 Itabaianinha 09 38.910 4.323,33 Laranjeiras 09 26.902 2.989,11 Nossa senhora das Dores 09 24.580 2.731,11 Nossa senhora da Glória 09 32.497 3.610,78 Estância 09 64.409 7.156,56 Barra dos Coqueiros 09 24.976 2.775,11 Brejo Grande 08 7.742 967,75 Itaporanga d’Ajuda 08 30.419 3.802,37 Salgado 07 19.365 2.766,43 Não informado 07 Cristinápolis 06 16.519 2.753,17 Umbaúba 06 22.434 3.739 Itabaiana 06 86.967 14.494,50 Japaratuba 06 16.864 2.810,67 Tobias Barreto 06 48.040 8.006,67 Rosário do Catete 06 9.221 1.536,83 Canindé de São Francisco 05 24.686 4.937,20 Carmópolis 05 13.503 2.700,60 Poço Verde 04 21.983 5.495,75 Neópolis 04 18.506 4.626,50 Aquidabã 04 20.056 5.014 Nossa Senhora Aparecida 04 8.508 2.127 Frei Paulo 04 13.874 3.468,50 Maruim 04 16.343 4.085,75 Propriá 03 28.451 9.483,67 Japoatã 03 12.938 4.312,67 22 Conforme dados oficiais do IBGE, Censo Demográfico 2010. 86 Indiaroba 03 15.831 5.277 Ribeirópolis 03 17.173 5.724,33 Pirambu 03 8.369 2.789,67 Simão Dias 03 38.702 12.900,67 Porto da Folha 02 27.146 9.048,67 Santa Rosa de Lima 02 3.749 1.874,50 Capela 02 30.761 15.380,50 Santana do São Francisco 02 7.038 3.512 Santa Luzia do Itanhy 02 12.969 1.484,50 Itabi 02 4.972 2.486 Riachão do Dantas 02 19.386 9.693 Campo do Brito 02 16.749 8.374,50 Macambira 02 6.401 3.200,50 Pinhão 02 5.973 2.986,50 Pacatuba 02 13.137 6.568,50 Areia Branca 02 16.857 8.428,50 Boquim 02 25.533 12.766,50 Nossa Senhora de Lourdes 01 6.238 6.238 Carira 01 20.007 20.007 Riachuelo 01 9.355 9.355 Gracho Cardoso 01 5.645 5.645 Gararu 01 11.405 11.405 São Miguel do Aleixo 01 3.698 3.698 General Maynard 01 2.929 2.929 Feira Nova 01 5.324 5.324 São Domingos 01 10.271 10.271 Siriri 01 8.004 8.004 Poço Redondo 01 30.880 30.880 Muribeca 01 7.344 7.344 Divina Pastora 01 4.326 4.326 Fonte: IML/SE (2012). Na tabela 04 o que se observa é que, quando cruzados os dados entre os números de casos de violência sexual periciados pelo IML/SE com a quantidade da população local de cada município, aquele com menor índice de casos, pelo menos neste marco temporal, foi Poço Redondo com apenas um caso, em um total populacional de 30.880 habitantes. Porém, no outro extremo está à cidade de Brejo Grande com oito casos em uma população de 7.742 habitantes, o que gera uma média de 967,75 casos, o que em números relativos, significa que é o município com maior número de casos de violência sexual no Estado de Sergipe. Alguns outros casos chamam a atenção, a exemplo do município de Itabaiana, conhecida por ser violenta, possui um dos menores índices, com uma população de 86.967 habitantes, e registra apenas seis casos, gerando uma média de 14.494,50. Ou seja, para cada 87 14.494,50 habitantes uma pessoa é violentada, visto que a maioria registra uma média abaixo dos 10.000 habitantes. Já a cidade de Aracaju, Capital do Estado, que em termos quantitativos tem o maior número de casos, com 125, quando realizado o cruzamento ficou com um índice de 4.562,20 habitantes para cada caso. Outro município que chama a atenção, pelo fato de ser turística (praias do litoral sul sergipano) e ter a BR 101 cortando-a é a cidade de Estância, porém seu índice ficou em apenas 7.156,56 habitantes por caso. Diante do exposto, e após conhecer quem são as pessoas que sofrem violência sexual, a relação que possuem com o agressor, onde o crime ocorre, os encaminhamentos que elas recebem, as cidades das quais advêm, em suma, após conhecer o perfil das vítimas e do crime buscar-se-á compreender, no capítulo seguinte, as representações que os peritos médico-legais do IML/SE têm das vítimas de violência sexual. 88 CAPÍTULO VI “NO HOMEM O BRINQUEDO É DE ARMAR. E O DA MULHER É DE ENCAIXAR”. No ano de 2011 o Brasil criou a “Rede de Enfretamento a Violência Contra a Mulher”a qual, através das diretrizes gerais para implantação e implementação dos serviços, adverte que o Estado deve prestar atendimento nas seguintes instituições: Centros de Referência de Atendimento à Mulher - que tem como objetivo “prestar acolhida, acompanhamento psicológico e social, e orientação jurídica e a construção da cidadania das mulheres, por meio de atendimento intersetorial e interdisciplinar”; Casas-abrigo cujo objetivo é “garantir a integridade física e psicológica de mulheres em risco de morte e de seus filhos de menor idade e possibilitando que se tornem protagonistas de seus próprios direitos”; Defensoria/ Núcleo Especializado da Mulher, que devem prestar assistência jurídica integral e gratuita à mulher; Núcleos de Gênero no Ministério Público que constituem um “espaço de garantia dos direitos humanos das mulheres, por meio da fiscalização da aplicação de leis voltadas ao enfrentamento das desigualdades de gênero e da violência contra as mulheres e da fiscalização dos serviços de atendimento à mulher” e a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher que tem “caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal”. Porém, acentua-se que os IMLs não estão presentes entre as instituições mesmo sendo eles os responsáveis pela constatação da materialidade do fato. Os estudiosos da violência de gênero, especificamente da violência sexual, acreditam que a construção das identidades femininas e masculinas dificulta a comprovação da violência. Creem, então, que os papéis sociais femininos e masculinos de passividade e obediência e de agressividade e conquista, respectivamente, interferem na elucidação do fato (COSTA, 2008b). Nos crimes sexuais, quase sempre, as pessoas envolvidas na coleta de provas e os operadores do direito tendem a atribuir papéis sociais aos envolvidos (vítimas e agressores). Ciente da existência desse quadro, o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW colocou como uma das principais áreas de preocupação o fato de o Judiciário ainda aplicar a “legítima defesa da honra” a homens que são acusados de agredir e assassinar mulheres. Para acabar de vez com esse argumento, o CEDAW recomenda que o Estado Brasileiro implemente programas de treinamento, a fim de 89 conscientizar juízes(as) de direito, promotores e demais operadores do direito. Diante disso, analisar as diferenças que a sociedade estabelece entre os papéis sociais exercidos por homens e mulheres é importante para o entendimento dos crimes de estupro e das representações que o cercam. A violência e os estudos sobre gênero também utilizam a TRS como metodologia de análise. Para Amâncio (1992, p. 10) “os estudos sobre estereótipos sexuais mostram que os traços de instrumentalidade, independência e dominância são associados ao masculino e que os traços de expressividade, dependência e submissão são associados ao feminino”; segundo a autora essas noções são resultados da “expectativa de comportamento” que a sociedade tem sobre os gêneros feminino e masculino. Enfim, a subordinação feminina comporta três dimensões: a econômica, a política e a simbólica. Na econômica, observa-se que, mesmo com os avanços do movimento feminista, com as mulheres ocupando cada vez mais posto de trabalho que antes eram ocupados exclusivamente por homens, elas ainda recebem salários inferiores a eles mesmo que ambos exerçam atividades idênticas. No plano político, apesar de elas constituírem a maioria da população brasileira, no ano de 2010, elas ocupavam menos de 15% dos cargos do legislativo brasileiro (Senado Federal: 14,8% e Câmara dos Deputados Federal: 8,8%).(DIEESE, 2011). E, por fim, no plano simbólico ainda se observa na mídia o ideário “do homem-sujeito e da mulher-objeto” (GODELIER, 1980). Assim, as representações dos peritos médico-legais frente aos crimes de estupro consubstanciam-se na distinção entre os papéis sociais masculinos e femininos. Tal assertiva está presente nas falas dos entrevistados e nas observações de exames de corpo de delito realizada no decorrer da pesquisa. Como apresentado anteriormente, o exame de corpo de delito realizado pelo perito médico-legal constitui uma das peças do inquérito policial, após ser instaurado na delegacia policial. Esse exame gera um laudo (vide modelos nos anexos A e B) que é a peça mais importante na elucidação/comprovação do crime, pois é através dele que o médico legista informa se houve ou não a materialidade do fato. Não é que as outras provas (testemunhal e documental) são inferiores à prova clínica, mas o fato desta ser cientificamente comprovada possui destaque em relação às demais. Haja vista o exposto, este capítulo busca identificar quem são os responsáveis pela elaboração desse laudo, traçando um perfil desses profissionais, bem assim identificar as representações que eles possuem das vítimas de violência sexual. 90 6.1- CARACTERISTICAS DOS MÉDICOS NO BRASIL E DOS ENTREVISTADOS No Brasil, nos últimos meses, várias discussões foram levantadas sobre a realidade política do país. Centra-se ai as discussões sobre a formação médica. Para o governo federal estes profissionais precisam ter uma formação mais humanizada, que se aproxime da realidade da população usuária do Sistema Único de Saúde – SUS. Com isso, dentre as várias proposituras do governo, uma delas propõem que os estudantes de medicina ao invés de seis anos de graduação passem a partir de 2015, oito anos, sendo que, os dois últimos sejam trabalhados em unidades de saúde pública. Obviamente que este projeto está rendendo várias críticas da sociedade médica. Todavia, o que os textos e esta pesquisa apresentam é a necessidade de formação médica mais humanizada o que destoa da realidade brasileira, pois na sociedade contemporânea, onde as informações são cada vez mais rápidas encontrou, e em particular na ciência médica, uma das áreas que mais avançou nos últimos anos em termos tecnológicos. A menos de um século atrás, as doenças eram mais dificilmente diagnosticadas, e aquelas que tinham um diagnóstico fechado o seu tratamento era difícil. Atualmente há uma gama de procedimentos avançados para descoberta e recuperação de doenças: transplante de órgãos, uso de próteses artificiais e orgânicas, angioplastia, ecografia, tomografia computadorizada, ressonância eletromagnética, equipamentos a laser, genética molecular, terapias gênicas e toda sorte de equipamentos eletrônicos e medicamentos farmacológicos são exemplos de técnicas atuais. Esta amplitude tecnológica gerou inchaço de especialidades no campo da medicina, (atualmente existe especialista até em cabelo) e um mercado cada vez mais especializado e voltado para mercantilização. E o que esta realidade gerou? A relação médico-paciente baseada na produtividade (AMORETTI, 2005). Os médicos cada vez mais especializados começaram a departamentalizar o conhecimento. O generalista está cada vez mais escasso e na própria classe existe uma segregação entre os especialistas e os generalistas. Esses possuem um status superior ao segundo. O médico que nas décadas de 60 e 70 atendia nas residências da população, era o médico de toda a família, se extinguiu e atualmente o que se tem por similar é o Programa de Saúde da Família – PSF. Então, o conhecimento médico foi direcionado pelo modelo “hospitalocêntrico de saúde” ancorado numa lógica de conhecimento especializado. Logo, para onde as empresas 91 farmacêuticas e equipamentos biomédicos avançassem o mercado de trabalho também crescia. A partir daí a especialidade gera possibilidades de ascensão social e econômica. O ensino, principalmente da medicina, organizou-se então quase totalmente segundo esta lógica, fragmentando-se em disciplinas por especialidades. Grande acúmulo de conhecimento científico acompanhou o aparecimento das novas tecnologias. A pesquisa científica orientada pela lógica da evidência e da eficácia dos procedimentos impulsionou o desenvolvimento de renovadas tecnologias e medicamentos. A própria ciência foi assim “apropriada” pela indústria e o comércio,assumindo o papel quase inevitável de avalizar a eficácia das novas tecnologias e medicamentos, que logo são disponibilizados neste mercado mundial que mobiliza e concentra, a cada ano, bilhões e bilhões de dólares (AMORETTI, 2005, p. 139). O que se apresenta com essa realidade é que os profissionais cada vez mais procuram especializar-se e a população preferi ser atendida por estes especialistas. Diante do cenário que se apresenta Amoretti (2005) apresenta algumas características do profissional médico: essencialmente positivista, com enfoque biologicista e objetivo; com alto grau de competência profissional; fortemente centrado em sua especialidade; predisposto à utilização de novas tecnologias, equipamentos e técnicas; com tendência a medicalizar o processo saúde-doença e a incorporar equipamentos e insumos; atualizado, assíduo nos estudos e na formação em serviço; marcadamente individualista; formado num modelo idealizado, coerente com práticas profissionais liberais e privativistas, construindo uma mentalidade elitista da saúde e estimulado a realização de procedimentos motivados por interesses econômicos; resistente a trabalhar em igualdade de condições com as outras profissões da área da saúde; paternalista na relação com o paciente e seus familiares; onipotente na crença da cura das doenças; altamente corporativista e crítico do SUS e defensor de uma visão liberal e autônoma da profissão. Diante das características apresentadas observa-se que o profissional de hoje tem vários pontos positivos, principalmente no que diz respeito ao tempo de estudo e formação. Todavia a sua formação humanística, psicológica, sociológica e filosófica, características estas importantíssimas para a relação médico-paciente, é cada vez mais fraca e ineficiente. No contexto quantitativo, no Brasil, conforme dados da “Pesquisa Demografia Médica no Brasil Cenários e Indicadores de Distribuição” (SCHEFFER, 2013), com base na Relação Anual das Informações Sociais – RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE,o número de médicos é quase 400 mil o que significa uma taxa de 2 médicos por 1.000 habitantes. Com base na Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, segundo Unidades da Federação, Scheffer (2013) informa que 92 Sergipe conta com 3.065 médicos e uma população de 2.118.867, ou seja, 1,45 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes. Com relação à distribuição de médicos contratados (RAIS) na cidade de Aracaju, esse número praticamente triplica sendo 4,14 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes. Com esse dado, Aracaju, segundo Scheffer (2013), ocupa a 7ª posição em proporcionalidade de médicos por habitantes tendo mais médicos, proporcionalmente, que a cidade de São Paulo com 2,64. O projeto “Demografia Médica no Brasil” foi iniciado em 2011, e a pesquisa feita por Scheffer (2013), aqui relatada, é o segundo relatório do projeto e seus executores pretendem torná-lo permanente; além do já exposto, o autor destaca novos cenários e indicadores da distribuição dos médicos no Brasil. A demografia médica foi caracterizada a partir da analise de fatores como: idade, sexo, tempo de formação, fixação territorial, ciclo de vida profissional, migração, mercado de trabalho, especialização, remuneração, vínculos e carga horária. Ademais, a pesquisa considerou também as condições de saúde e de vida das populações, dentre outras. Segundo a pesquisa, o discurso público da escassez de médicos no Brasil é o maior argumento dos gestores da política de saúde quanto aos problemas do Sistema Único de 23 Saúde - SUS . Esses problemas se agravam ainda mais nas cidades do interior, gerando “vazios sanitários”. Porém, o estudo explica que o Brasil, em números absolutos, nunca teve tantos médicos. Os dados apontados no cenário exposto demonstram que existe uma tendência para a feminização e maior número de jovens na medicina. No ano de 2011, as mulheres passaram a ser a maioria no grupo de médicos com menos de 29 anos, atualmente dos 51.070 médicos 24 nessa faixa etária, 54,50% são mulheres e 45,50% são homens . No entanto, quando analisada a faixa etária de idosos, observou-se que a maioria ainda é formada por homens, do total de 24.718 profissionais com 70 anos ou mais, apenas 13,76% são mulheres. Scheffer (2013) informa que o Brasil possui, hoje, maior número de médicos 25 especialistas que generalistas, são 53,57% especialistas e 46,43% generalistas , esses profissionais com especialidades estão em maior número na região Sul. No tocante às especialidades médicas, atualmente são reconhecidas no Brasil 53 especialidades. Essas áreas médicas são reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades 23 Dificuldade/demora de atendimento, superlotação dos hospitais, falta de equipamento, e vários outros. 24 Dados de 2012. 25 São generalistas aqueles profissionais que não possuem titulo de generalista emitido por sociedade de especialidade ou após a conclusão de residência médica, logo não estão inclusos aqui os profissionais com residência em clínica médica. 93 – CME, criada pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, Associação Médica Brasileira – AMB e Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM. Dos profissionais que têm especialidades, a pediatria é a que conta com maior número: 30.112 profissionais, totalizando 11,23%. Apenas sete especialidades concentram mais da metade dos profissionais (52,75%), são elas: pediatria (11,23%), ginecologia e obstetrícia (9,33%), cirurgia geral (8,31), clínica médica (8,16%), anestesiologia (6,80%), medicina do trabalho (4,76%), cardiologia (4,31%). Com relação às especialidades, especial destaque é atribuído neste trabalho aos médicos legistas, devido às características e especificidades do trabalho que desenvolvem no IML/SE. Na pesquisa realizada e coordenada por Scheffer (2013), ele notou que tal especialidade ocupa o 50º lugar, com apenas (0,23%), atrás apenas de especialidades como: radioterapia (0,19%), cirurgia de mão (0,15%) e genética médica (0,07%). Esse profissional tem papel importante na elucidação de crimes e, ainda que o ordenamento jurídico não estabeleça uma hierarquia entre os variados tipos de prova – material, documental e testemunhal –, a prova pericial, ou seja, a material apresenta-se em destaque visto a sua cientificidade. O Código de Processo Penal diz que “Art. 158 - Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (BRASIL, 1941). No art. 159 determina que: “ Art. 159 - O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.” (BRASIL, 1941), destarte a importância desses profissionais. O perito médico-legal deve zelar pela imparcialidade; não deve inocentar nem acusar ninguém, o seu papel é o de verificar o fato o que causou o pedido de perícia, e esta não se presta a satisfazer o interesse das partes envolvidas, mas sim o da Justiça (COÊLHO, 2011). Os dados do perfil dos médicos que trabalham no IML/SE não destoaram do levantamento realizado por Scheffer (2013). Foram realizadas seis entrevistas no período de setembro de 2012 a janeiro de 2013, essas entrevistas buscaram conhecer as representações dos peritos médico-legais que trabalham no IML/SE sobre as vítimas de violência sexual. Durante as entrevistas, buscou-se definir o perfil dos entrevistos, questionando sua idade, estado civil, se casado o tempo de casamento, especialidade, se labora em outro local, tempo de trabalho no IML/SE, se possui filhos e o sexo desses e sua religião. 94 Como o universo desta pesquisa é reduzido (trabalham no IML/SE apenas nove 26 peritos médico-legais ), e ao realizar o cruzamento dos dados do perfil do entrevistado ficará fácil identificar quem são, optou-se por realizar tal cruzamento utilizando nomes fictícios. Todavia, quando da análise de suas falas escolheu-se colocar o número da entrevista. Dessa forma eles terão sua identidade preservada. As entrevistas foram realizadas apenas com os profissionais que atendem no período matutino e vespertino. Ou seja, aqueles que atendem a população com agendamento prévio, com a ressalva apenas de casos de flagrante que são atendidos sem necessidade de agendamento prévio. Assim, não consta no levantamento do perfil, os profissionais que trabalham apenas em escala de plantões noturnos ou de finais de semana. Dos entrevistados, apenas uma é do sexo feminino, porém trabalham no IML/SE mais duas mulheres, estas realizam exames apenas no final de semana, e quando contatadas disseram não dispor de tempo para conceder a entrevistas e que não tinham nada a acrescentar à pesquisa. Dos homens, apenas um não quis participar. Dos dados do perfil desses profissionais, foi observado também que apenas um é divorciado, os outros entrevistados são casados, todos estão na faixa etária entre 51 a 69 anos, fato que está de acordo com os dados levantados por Scheffer (2013) quando afirma que nas especialidades de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, Medicina Legal e Perícia Médica, Homeopatia, Angiologia, Medicina Física e Reabilitação, e Medicina do Trabalho, os médicos se situam numa média de idade entre 55 a 58 anos, ou seja, os profissionais da área de medicina legal são profissionais de meia idade. Constatou-se que os profissionais trabalham em outros locais seja da rede pública, privada ou de forma autônoma em consultório. Eles estão há mais de 19 anos trabalhando na Instituição, alguns já contam com 30 anos de trabalho.Os casados estão há mais de 21 anos juntos, todos possuem filhos, desses apenas um possui filhas e a religião que a maioria declarou foi a católica, porém um declarou-se agnósticos e outros dois não possuírem religião. Na tabela 05 está o perfil dos entrevistados. 26 Esse dado está de acordo com o apresentado por Scheffer (2013), contudo os dados fornecidos pelo CREMESE apontam que cadastrados nessa instituição existem apenas 05 (cinco) profissionais. Apenas 03(três) do IML/SE, desses três, 01(um) aposentado e outro na eminência de aposentar-se. 95 Tabela 05 - Perfil dos entrevistados PERFIL DOS ENTREVISTADOS Nome Idade Local de Especialidade Estado Civil Tempo de Tempo Filhas(os) Sexo das Religião trabalho casamento de (os) trabalho filhas(os) no IML/SE Joaquim 69 Rede Nefrologista Casado(a) 31 27 01 Masculino Católica pública e privada Luís 53 Rede Cirurgião Casado(a) 27 19 01 Masculino Não pública Geral e possui endoscopista religião João 52 Rede Patologista Casado(a) 21 19 01 Masculino Católica pública Lourdes 50 Rede Cirurgião Casado(a) 24 26 02 Masculino Católica pública e Geral privada Paulo 51 Rede Cirurgião Casado(a) 26 20 02 Masculino Não pública Geral possui religião Ana 59 Rede Homeopatia Divorciado(a) - 30 03 Feminino Não Privada possui religião Fonte: IML/SE, 2012 Face ao exposto, observa-se que o exame de corpo de delito com vítimas de violência sexual no IML/SE é realizado tanto por profissionais do sexo masculino como por mulheres. No entanto, para o Centro Regional aos Maus Tratos na Infância – CRAMI (2005), o exame de 27 corpo de delito com vítimas de violência sexual devem ser realizados por médicas , o que torna o exame menos “assustador”, contudo mais importante que o sexo do examinador é a “experiência” e “sensibilidade” deste. Todavia, é necessário que todos os profissionais que realizam tal procedimento sejam capacitados para que, na realização do exame, as vítimas não se sintam “aterrorizadas, assustadas e revitimizadas” (CRAMI, 2005, p. 60). Diante do perfil dos profissionais que foi apresentado visualizar-se-á, no próximo subitem, como eles representam as vítimas de violência sexual. 6.2- REPRESENTAÇÕES DE PERITOS MÉDICO-LEGAIS SOBRE EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA NO IML/SE 27 Vale lembrar que o IML/SE possui apenas três profissionais do sexo feminino, sendo que duas trabalham em plantões de final de semana. 96 Este tópico analisa as representações sociais que os peritos médico-legais têm das vítimas de violência sexual. O foco de análise são as relações sociais de gênero expressadas através do discurso e das observações não-participantes realizadas no IML/SE no período de outubro de 2012 a janeiro de 2013. Com essas técnicas de pesquisas, buscou-se compreender se esses profissionais reproduzem relações assimétricas entre homens e mulheres, no atendimento às vítimas de violência sexual. Ponderou-se o fato de os atores, “esconderem-se” em seu discurso, visto que, ao responderem os questionamentos, os entrevistados poderiam falar o que eles acreditavam que era o “certo” e não o que na realidade eles pensavam. Para não ficar somente com esta informação e não tomar como verdade absoluta a fala dos entrevistados, realizou-se também as observações não-participante, pois nesse momento conseguia visualizar como é realizado o atendimento e o exame de corpo de delito com essas vítimas. A seguir as perguntas propostas e suas respostas.  A procura do IML/SE para exame de corpo de delito vítima de violência sexual A respeito das pessoas que procuram o IML/SE para a realização de exame de corpo de delito, os entrevistados, em quase sua totalidade, informaram que são adolescentes e mulheres de classe social baixa, todavia existiram aqueles que informaram haver a procura de ambos os sexos e pessoas de classe média: Varia bastante, aparece de todas as faixas etárias, contudo a classe social a qual pertence é geralmente pessoas de classes baixas. No que diz respeito ao sexo, são tanto homens quanto mulheres, os homens quando adultos são na maioria advindos de abrigos (ENTREVISTA Nº 01). Mulheres, mais mulheres, porque quando é estupro. E o estupro que é com arma ou sob coerção ou violência, aí qualquer camada procura, inclusive as camadas mais abastadas da sociedade, eles procuram. Mas quando é perda da virgindade com namorado ou suspeita de alguém da família e que a vizinha ou a amiga, ou seja lá quem for perdeu a virgindade, só é a classe mais baixa quem procura. Nenhum da classe média vem procurar a gente porque perdeu a virgindade com o namoradinho só a classe baixa que procura, eu falo a classe socioeconômica e cultural (ENTREVISTA Nº 02). Predominantemente o sexo feminino, crianças e adolescentes (ENTREVISTA Nº 03). 97 As entrevistas não apresentam homogeneidade, ou seja, são destoantes, tantos os entrevistados do sexo masculino como a entrevistada do sexo feminino comungam da ideia de que a maioria das pessoas que procura o IML/SE é do sexo feminino. Todavia, na entrevista nº 02 observa-se que o perito destaca o fato de muitas adolescentes procurarem o serviço do IML/SE porque perderam a virgindade com o “namoradinho”. Na opinião dele isso não é estupro. O entrevistado cita um exemplo de uma adolescente de 13 anos que foi fazer o exame de corpo de delito, pois manteve relações sexuais com o namorado de 21 anos, e o perito questionou: “o que você veio fazer aqui?” desconsiderando o ECA. Pose-se fazer uma profunda análise a partir desta passagem, pois o que observou é uma inversão de valores entre o que é legal e o que o agente denomina como certo. Em sua concepção a adolescente não deveria está realizando tal exame, pois o ato teria sido consentido, ou seja, não houve violência. Contudo Greco (2010) afirma que por mais que as adolescentes do século XXI possuam comportamentos sexuais diferentes das de séculos passados não se pode menosprezar a prática de ato sexual a menores de 18 anos, pois em sua concepção, muito mais censura e reprovação deverá sofrer o agente que, mesmo sabendo da idade da vítima ainda praticou com ela ato sexual. A partir dessa argumentação pode-se analisar que a noção de direito está em desequilíbrio, visto que uma adolescente, ou seja, um ser humano em desenvolvimento, que deve ter seus direitos preservados pela família, sociedade em geral e pelo Estado (ECA) é representada como conivente com o abuso sexual que sofreu. Para Sarti (2011), o problema que reside no olhar sobre a vítima está na “relação entre mim e o outro”, na demarcação do que compõe um grupo descriminado. Há implicitamente a possibilidade de se associarem as características da vítima – e do agressor – a um determinado grupo social, essencializando-o e eludindo, assim, a complexa dimensão relacional da violência, em suas formas de espelhamentos e contrastes. Fixam-se identidades positivas, diante das quais a alteridade aparece apenas como polo negativo (SARTI, 2011, p. 53). Sobre a idade em que o crime de estupro é mais cometido, os entrevistados acreditam que a idade de 14 anos é mais crítica, sendo considerada aquela na qual mais ocorrem os crimes de estupro. Um dos entrevistados caracterizou-a como a idade da “sopa de hormônio”, pois é nessa fase em que as meninas e os meninos estão “atrás de sexo mesmo”. E mais uma vez não é considerado o papel do Estado, das políticas públicas e da família, mas sim do 98 próprio indivíduo. Não foi questionado, por exemplo, o papel da família, que muitas vezes são os agressores, ou até mesmo coniventes com a agressão. Quanto à classe social de quem procura esse atendimento, os entrevistados não chegam a um consenso, alguns acreditam que são pessoas de classe baixa e outros de classe mais elevada, o fato é que a violência sexual ocorre em todas as classes. Para Faleiros (1997) a violência não escolhe a classe social que vai atingir, no entanto as denúncias são maiores em famílias pobres. Na concepção do autor a pobreza não é condição sine qua non da violência, porém ela é uma condição de risco, pois propicia “a promiscuidade, a falta de alojamento, as frustrações da miséria, e do desemprego, o analfabetismo, o alcoolismo, a falta de cultura do diálogo com as crianças” (FALEIROS, 1997, p. 39). Ao analisar a classe social das vítimas de violências físicas e sexuais, Guimarães e Villela (2011) observaram que 40% advinha da classe D e 23,2% da classe C, enquanto das classes A1 e A2 foram apenas 0,3% e 1,3%, respectivamente. A predominância é de mulheres, crianças abaixo de dez anos com baixo nível econômico, pardas e mestiças. As pessoas procuram o IML pela ampla divulgação na mídia, em função disso, acredita que tudo é violência sexual, e na maioria dos casos não se constata nada. Geralmente os pais, que estão em processos de guarda dos filhos, acusam um ao outro de violência sexual para assim pegarem a guarda da criança. (ENTREVISTA Nº 05). Na verdade uma gama enorme de pessoas procura o IML/SE vítimas de violência. Algumas por quererem apenas, digamos assim (pausa) eu não sei como o pessoal diz o termo... serem averiguadas, vistoriadas. Não com tanta informação com relação à parte policial, mas pra ter um documento, pra dizer que é virgem, porque alguém falou e tal, uma parte. E outras que foram realmente vítimas de violência, relacionada à parte doméstica e familiar, parentes. Ou então desconhecidos. Na verdade esse número tem aumentado muito em função, tal talvez, dessa (pausa) vontade maior de denunciar das pessoas pelos meios de comunicação (ENTREVISTA Nº 06). Outros informam que a predominância é de crianças, abaixo de dez anos, as entrevistas nº 05 e nº 06 apresentam ainda que a procura desse atendimento no IML/SE aumentou em função da ampla divulgação na mídia, através de seus programas, campanhas educativas, divulgando os serviços, a legislação e as formas de violência sexual. Outro ponto apresentado nas entrevistas é que muitas das pessoas que procuram o IML/SE não sofreram violência sexual. Como observado, na entrevista nº 06, o entrevistado afirma que algumas pessoas buscam o IML/SE com o objetivo de terem uma constatação de que ainda são virgens, com o objetivo de serem “averiguadas”. Segundo um dos entrevistados, a ampla divulgação fez aumentar a procura, eles esclarecem que muitas 99 crianças são encaminhadas ao IML/SE pelos pediatras, mesmo sem terem sido vítimas de violência sexual, apenas por notarem alguma vermelhidão nas genitálias. Para Nijaine (2005), pesquisadora do UNICEF,os meios de comunicação, com especial destaque para as mídias sociais, tem importante papel entre meninas e meninos na discussão da violência. A pesquisadora acrescenta que a mídia influencia comportamentos, mas, sobretudo, auxilia na construção de políticas públicas. É importante destacar que ainda que a mídia proporcione uma ampla divulgação de atos de violência, ela também amplia a discussão sobre os direitos dos indivíduos. Exemplo disso foi o grande número de ligações que o disque 100 recebeu após a entrevista da apresentadora Xuxa Meneguel ao programa Fantástico, da TV Globo, em 20 de maio de 2012 quando a apresentadora afirmou que foi vítima de violência sexual na sua adolescência. Durante a realização das observações no IML/SE, não houve nenhum exame pericial com homens adultos, apenas em mulheres adultas, o que não significa dizer que eles não são vítimas de violência sexual. Sarti (2011) expõe o caso de um homem que foi vítima de violência sexual e ao procurar atendimento médico em um hospital foi dispensado, pois o hospital contava com o atendimento exclusivo de ginecologistas e obstetras e era restrito às mulheres. Gomes et al (2007) informa que mesmo os homens tendo maiores índices de morbimortalidade que as mulheres, a procura por serviços médicos pelo sexo masculino é menor que o sexo feminino, o autor então associa esse fenômeno à ideia da própria socialização masculina, em que o cuidado não é um atributo deste sexo. Os autores afirmam que na visão naturalista a relação homem versus mulher é vista a partir da dominação dos homens e da perspectiva heterossexuada do mundo, essa visão gerou para o homem uma espécie de prisão, onde, a todo o custo, ele tenha que provar sua virilidade. Ora, o fato de um homem admitir que sofreu violência sexual por outro homem vai de encontro ao seu “projeto de dominação” (SAFFIOTI, 2004). A educação dos meninos segue padrões de oposição entre os gêneros. Nesse sentido, os homens são estimulados a manifestar a sua virilidade por meio da rejeição de comportamentos tidos como femininos para se constituírem como homens. Assim, o padrão de masculinidade é idealizado por meninos e homens não pelo desejo de serem viris, mas pelo medo de serem vistos como pouco viris ou afeminados (GOMES et al, 2007, p. 567-568). Acredita-se que os papéis sexuais atribuídos a mulheres e homens dificultam a procura destes últimos para esse tipo de atendimento médico. Segundo Gomes et al (2007,p. 568), “a procura por serviços de saúde se encontra intimamente relacionada ao que se entende por ser 100 homem.” No imaginário popular, as características que são atribuídas à mulher estão ligadas ao cuidar, já no homem a ideia que permeia o imaginário popular é a de invulnerabilidade, força e virilidade. É fato que o trabalho do cuidados/care com crianças, embora diga respeito a toda a sociedade, tem sido historicamente efetuado pelas mulheres. Não sem razão, observa-se na divisão sexual do trabalho no interior da familia, quanto nas instituições de cuidados verificando-se a naturalização dos cuidados como inata das mulheres. Conforme Cruz (2005), durante uma boa parte da modernidade, competiu às mulheres o grosso das tarefas domésticas e a educação dos filhos, enquanto que o espaço da produção estava reservado para os homens. Crompton (1997) ensina que essa divisão era suportada por uma ideologia da separação entre homens e mulheres, que legitimava o acantonamento das mulheres no lar e no trabalho doméstico, deixando aos homens o trabalho assalariado e o uso dos espaços públicos. A centralidade da temática reflete a importância da divisão sexual do trabalho como categoria de análise da realidade social. Outra característica notada no decorrer das entrevistas é que para os profissionais peritos médico-legais a conjunção carnal ainda é fator central na caracterização do estupro. Algumas meninas já acham que o fato de ter tirado a roupa já é agressão, recebi um caso de uma menina de 13 anos que permitiu que seu vizinho, da mesma idade, entrasse em sua casa, e lá eles tiraram a roupa e o menino tocou seu seio e sua genitália com os dedos, mas não houve penetração, a mãe achou que a menina tinha sido violentada, então faço questão de esclarecer aos pais quando isso acontece que a filha deles está intocada, como nasceu (ENTREVISTA nº 04). Diante da entrevista do período é possível perceber que ocorre uma dificuldade no entendimento dos profissionais do que é estupro. Ainda está muito arraigada no imaginário desses profissionais à ideia de estupro apenas como a penetração. O que foi observado nesse questionamento é que os peritos médico-legais informam que as pessoas que procuram o IML/SE são em sua maioria mulheres, crianças e adolescentes e que os traços marcantes das entrevistas realizadas entre os homens e a mulher não diferiram em sua essência, contrariando o senso comum, a mulher foi mais sucinta que os homens. Eles tentaram explicar, inserir a procurar do exame de corpo de delito por mulheres, crianças e adolescentes em um contexto, explicando os motivos pelos quais esses são os atores que mais procuram o atendimento, enquanto que a perita resumiu-se a dizer quem são as pessoas que são atendidas no IML/SE com suspeita de violência sexual. 101  Sobre quem acompanha a vítima para a realização do exame As pesquisas mostram que as vítimas são acompanhas ao IML por alguém de sua confiança. Para Habigzang et al (1995), são as mães que denunciam os crimes sexuais, seguidas pela própria vítima; no entanto, em 61,7% dos casos de violência sexual alguém sabia da agressão e não denunciou, e, nesses casos a mãe também ocupa a primeira posição; é ela quem mais omite os casos de violência (55,2%), isso revela que no seio familiar esse fenômeno ainda tem dificuldade em ser denunciado, porém, quando da realização do exame de corpo de delito são elas que mais acompanham as vítimas. Os peritos médico-legais têm um consenso sobre quem acompanha a vítima ao IML, eles afirmam que, quando criança ou adolescente, a vítima é acompanhada por algum familiar (mãe, tia e avó) e do Conselho Tutelar – CT, quando a vítima já é maior de idade apenas com algum familiar ou sozinha. Guimarães e Villela (2011) esclarecem que a vítima geralmente é acompanhada ao IML pelos genitores (60,7%), conselheiro tutelar e familiar (13,9%), apenas pelo conselheiro (11,9%), familiar diverso (10,6%) e outros (2,9%). A seguir o relato dos entrevistados: Geralmente alguém da família, avó, tia e mãe ou do conselho tutelar (ENTREVISTA Nº 03). Quando é criança chega com o Conselho Tutelar ou com algum parente (ENTREVISTA Nº 04). Vem sempre acompanhadas com..., com o conselho tutelar e uma outra parte com familiares. Com a mãe, a maioria com a mãe (ENTREVISTA Nº 06). A partir da observação do acolhimento das vítimas e das falas dos entrevistados ficou claro que elas são acompanhadas por mulheres de sua confiança, quando crianças, também são acompanhadas pelo CT, sendo que o representante desse Conselho geralmente é mulher. No entanto, quando o conselheiro tutelar é homem, ele não assiste à realização do exame. Até mesmo quando a vítima é do sexo masculino, quem acompanha são mulheres. Relativamente ao acompanhamento, há exceção, pois um dos peritos médico-legais não permite que a vítima seja acompanhada de familiar nem do CT, apenas de assistente social, ou alguma funcionária da equipe de acolhimento do IML/SE. Em sua opinião, a presença de um acompanhante dificulta a realização do exame, pois a vítima fica mais tímida e não expõe como ocorreu a presumida violência. No entanto, a maioria dos entrevistados informou que para a realização do exame de corpo de delito solicitam que a vítima esteja acompanhada pelo CT ou por familiar. 102 Segundo o Centro Regional aos Maus Tratos na Infância – CRAMI (2005) no ato da realização do exame de corpo de delito o responsável por manter um ambiente tranquilo é o médico, em razão disso o CRAMI (2005) diz como esse profissional pode deixar o ambiente tranquilo: Devem estar presentes na sala de consulta o médico e a pessoa de confiança: o médico deverá se responsabilizar por tornar o ambiente o menos aversivo e ameaçador possível, com falas e gestos delicados, e atitudes que possam tranquilizar e dar segurança (CRAMI, 2005, pg. 60-61). Diante do exposto, cabe ao médico estabelecer com a vítima uma relação de confiança para que, a partir de então, ela sinta-se à vontade na realização do exame e possa expor ao profissional a sua vivência com a violência, o que requer que ele torne o ambiente o mais sereno possível. Também nesse questionamento os peritos médico-legais homens e mulher não divergiram; todos foram sucintos em suas respostas. Esses profissionais tendem a ser muito técnicos e objetivos, não costumam tecer grandes explicações. E, além disso, o fato de não ter a autorização para gravar todas as entrevistas dificultou a coleta de mais dados. A grande divergência entre os gêneros foi notada na observação do exame de corpo de delito, a qual será posteriormente explicada.  Sobre a realização do acolhimento O acolhimento à vítima é realizado quando esta chega ao IML/SE, ao dirigir-se à recepção (Figura 03) com sua guia de exame de corpo de delito, emitida por autoridade competente, ela é encaminhada pela recepcionista que a atende à sala da equipe psicossocial (Figura 02, p. 72). Nessa sala fica o fichário com os relatórios que a equipe realiza, e lá é também realizada a anamnese da vítima. 103 Figura 03 - Recepção IML/SE Fonte: Acervo próprio, 2013. A sala da realização dos exames de corpo de delito fica localizada atrás da parede com a placa “recepção”. Após a anamnese a vítima é encaminhada à sala de acolhimento (Figura 04). É nessa sala que ela espera até ser atendida pelo perito médico-legal. A sala tem em sua estrutura um banheiro privado, televisão, geladeira, ar-condicionado e sofá. Figura 04 - Sala de Acolhimento Fonte: Acervo próprio, 2013. 104 No tocante à representação dos peritos médico-legais, quando questionado sobre a realização do acolhimento, eles responderam que é realizado por um psicólogo e uma assistente social, outro ainda colocou que não sabia informar sobre esse serviço. Não sei informar, porque apenas vejo a vítima na sala de atendimento (ENTREVISTA Nº 01). Responde um questionário pela equipe psicossocial e depois é encaminhado a MNSL (ENTREVISTA Nº 03). Através do psicólogo, e assistente social (ENTREVISTA Nº 04). [...] Como a delegada já manda dizer que vem, a gente já sabe que vem, primeiro o procedimento é agendar, quando é agendável, e receber quando não é agendável. [...] Quando a ocorrência foi hoje ou ontem, a gente não agenda, manda vir na hora que for, de dia de noite em qualquer horário, porque precisa ser colhido, o mais rápido, o material para não haver problema, uma obstrução de uma prova, seria a pesquisa positiva, se a pesquisa der negativa, nada feito. [...] Na hora que a pessoa chega na sala de atendimento a gente já manda a pessoa entrar para uma sala primeira que ela tem uma entrevista com o psicólogo e também com o pessoal do acolhimento. Essa entrevista é um apanhado sumário da ocorrência pra ter uma ideia se tem alguma coisa a ver com a parte de família dentro de casa, fora de casa, colegas de escola. Em suma, vai ter um apanhado, se a primeira vez se é a segunda. [...] Daí então ela é conduzida daquela sala de acolhimento para a sala de acolhimento dois que é uma sala, você deve conhecer também, ela fica com alguém da família ou do conselho tutelar, aguardando o médico atender. Também sem tá exposta ao ridículo e a ninguém, lá tem televisão, revista para ler, sanitário específico pra ela, e não tem ninguém para molestar e fazer pergunta besta, idiota. De lá ela é chamada para a sala de exame que fica exatamente com frente à sala delas para não haver problema de ninguém tá falando nada. Feito o exame, ao entrar na sala de exame, ele é todo feito com material descartável, se você entrar para ver, vai ver que ela tem um roupão descartável [...] todo o cuidado para não haver nenhuma contaminação (ENTREVISTA Nº 06). Segundo o entrevistado Nº 06, o IML/SE possui uma dinâmica de atendimento que ocorre através de agendamento. Os casos que podem ser agendados são aqueles em que as vítimas sofreram abuso sexual há algum tempo e já não existe mais como colher provas (vestígios de DNA do abusador) apenas a comprovação de que houve o crime. Porém, existem casos em que o exame é feito sem agendamento prévio; são aqueles que ocorreram há pouco tempo e precisam ser colhidas as provas o mais rápido possível. Percebeu-se que, na maioria das entrevistas, os profissionais não sabem como é realizado o acolhimento às vítimas de violência sexual no IML/SE. A primazia dos peritos médico-legais é da realização do exame e não no acolhimento, então o que foi observado é que eles não conheciam como é realizado. 105 Notou-se então que não há uma interdisciplinaridade entre as áreas que fazem o atendimento dessas demandas. Isso é notório quando da produção documental elaborada pelos peritos. Quando a vítima chega ao atendimento do IML/SE, com a guia de exame de corpo de delito em função de violência sexual, ela é encaminhada à equipe de acolhimento (psicólogo – pela manhã, assistente social – pela tarde). Nesse momento os profissionais realizam entrevista com a vítima e seus acompanhantes (quando acompanhada), ocasião em que eles preenchem um questionário contendo os dados pessoais e da ocorrência do crime (Anexo A). No ato da realização do exame pericial o perito médico-legal realiza novamente todas as perguntas que já foram feitas pelo acolhimento; isto significa que não existe um momento em que o perito e o responsável pelo acolhimento conversam sobre o atendimento à vítima. Segundo a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento aos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Crianças (2005b) o acolhimento a essas pessoas deve ocorrer de forma priorizar a escuta das vítimas com respeito e solidariedade e buscar formas de compreender suas demandas e expectativas. Acrescenta também que: As mulheres em situação de violência sexual devem ser informadas, sempre que possível, sobre tudo o que será realizado em cada etapa do atendimento e a importância de cada medida. Sua autonomia deve ser respeitada, acatando-se a eventual recusa de algum procedimento. Deve-se oferecer atendimento psicológico e medidas de fortalecimento da mulher, ajudando-a a enfrentar os conflitos e os problemas inerentes à situação vivida (BRASIL, 2005b).  Sobre a realização do exame de corpo de delito Segundo o CRAMI (2005), o exame de corpo de delito deve assegurar às vítimas o máximo de privacidade, com discrição, sem exposição e utilizar a linguagem adequada para não traumatizar ainda mais as vítimas. Para o CRAMI (2005), algumas vezes o profissional responsável pela realização do exame de corpo de delito não leva em conta “o constrangimento próprio deste exame e as dificuldades emocionais pelas quais a vítima está passando, advindas do externato ‘oficial’ ao mundo de que alguém de sua família a violentou” (CRAMI, 2005, pg. 59). A estrutura física da sala de realização dos exames de corpo de delito do IML/SE possui duas portas de entrada, uma dá acesso ao corredor do IML/SE a outra à sala do perito médico-legal. A vítima e os acompanhantes entram pela porta do corredor, já o perito pela outra. O profissional é o último a entrar na sala, a qual dispõe de uma maca, uma cadeira ginecológica, dois armários, um foco de luz e um banheiro (conforme figura 05). 106 Figura 05 - Sala de exame Fonte: Acervo próprio, 2013. Quando entram na sala, a técnica do IML/SE solicita para que a vítima troque de roupa no banheiro, neste caso o que se espera é que ela volte vestida com uma camisola, no entanto em alguns casos em que a pesquisadora assistiu à realização do exame, a vítima enrolou-se em pedaços de papel (papel descartável utilizado para forrar a maca e a cadeira ginecológica), pois o IML/SE não possuía camisolas. Só após a vítima estar deitada na maca ou na cama ginecológica é que o perito médico-legal entra na sala, sem nenhum contato anterior com a vítima, sua família ou o técnico do IML/SE. Croce e Croce Júnior (1998) asseguram que o exame deve ser realizado da seguinte forma: A adolescente, de preferência acompanhada por pessoa responsável, é posta sobre a mesa de exame, deitada em posição ginecológica, à luz natural. Após inspeção vulvovaginal, tomam-se os pequenos e os grande lábios com os polegares e indicadores de ambas as mãos e tracionam-se para fora e para si, de modo que exponha completamente o hímen (CROCE; CROCE JR., 1998, p. 501). O exame segue com uma conversa entre o perito médico-legal e a vítima, e é nesse momento que ele a questiona como aconteceu o fato, quem cometeu a violência, onde e há quanto tempo foi. Então, após essa conversa, com o auxílio do técnico do IML/SE (que com o foco de luz ilumina a área a ser analisada), o perito médico-legal visualiza a genitália e o ânus da vítima. Ele vasculha, abrindo-os com as mãos para procurar índicos de violência. 107 Assim, sobre como é realizado o exame pericial os peritos médico-legais responderam o seguinte: Quando é flagrante é mais fácil, as pessoas procuram o atendimento depois de muito tempo, quando já tem seis meses do ocorrido, aí não tem mais como saber. E o exame fica indefinido. Principalmente quando é criança, pois, na criança não existe a conjunção carnal, o corpo da criança não suporta o ato sexual. Além disso, a maioria defende o réu. (ENTREVISTA Nº 01) A pessoa já tendo com formação anatômica de adulta ela faz como qualquer outro exame ginecológico, com mesa de ginecologia, com as perneiras, isso aí é normal. Quando é criancinha, que não tem ainda a anatomia, né? É pequeno o corpo, a gente coloca numa maca comum e faz o exame. Com a mãe do lado, com o Conselho Tutelar do lado e com a enfermeira do lado, nunca a gente faz só (ENTREVISTA nº 02). Primeiro a gente pergunta o que aconteceu às vezes não querem falar e negam, muitas negam, mas a gente percebe. Daí eu explico que eu vou perceber no exame físico. Como às vezes, ficam com vergonha porque está na frente da família, aí eu peço para a pessoa sair e a vítima acaba confessando quem foi; como foi. (ENTREVISTA Nº 03) O exame segue um roteiro: o histórico, a descrição e a conclusão. (ENTREVISTA nº 04) Nota-se que os peritos médico-legais estabelecem muitas distinções, em seu discurso. Enquanto na entrevista Nº 01 o profissional explica as dificuldades na realização do exame, pois a vítima procura o IML/SE após muito tempo do ocorrido, o que dificulta a realização do exame,já que algumas provas já não têm como ser percebidas (sêmen, arranhões, hematomas, etc.). Ele afirma que em caso de pessoa do sexo feminino, consegue perceber se houve o rompimento do hímen, o que em pessoas com vida sexual ativa não é sinônimo de violência sexual. Em razão disso, o técnico esclarece que os laudos são “indefinidos”, sendo apenas a palavra do provável agressor contra a da vítima. Segundo Croce e Croce Júnior (1998), a cicatrização himenal é de quatro a 12dias, podendo em alguns casos chegar a 15dias, todavia para a coleta de material o exame tem que ser realizado o quanto antes. Apesar do estupro, se houver penetração vaginal ou anal, ser uma infração penal que deixa vestígio, devendo assim haver necessidade de realização do exame de corpo de delito, este nem sempre é necessário, como nos casos onde a vítima já não era mais virgem e já se passaram vários dias da violência. Greco (2010) afirma que nestes casos onde não existem mais vestígios, forçar a vítima a realizar este procedimento com um profissional desconhecido é aumentar, ainda mais, a sua vergonha, “intensificando-se aquilo que é conhecido por vitimização secundária”. 108 Um dado das entrevistas merece ser destacado; é a ideia expressa na entrevista Nº 01 de que crianças não sofrem penetração peniana, em função da sua estrutura óssea. Ora, durante o decorrer da pesquisa foi realizado um exame de corpo de delito em uma criança de quatro anos que sofreu dilaceração da vagina ao ânus. Um ponto que merece destaque no contexto dos crimes sexuais contra homens é que durante a pesquisa bibliográfica, a literatura não menciona os casos de violência sexual cometidos contra o sexo masculino. A literatura analisada, que versa sobre a medicina legal, não expõe como deve ser realizado o exame de corpo de delito em vítimas de violência sexual do sexo masculino, centra-se apenas no rompimento do hímen. Já na entrevista Nº 03 o informante preocupa-se em contextualizar o fato, compreender como a presumível violência aconteceu. Esclarece como se dá a relação médico versus paciente, os instrumentos usados para angariar a confiança das vítimas, através a explicação de como o exame é realizado, o que irá perceber ao realizá-lo, com a finalidade de deixar o paciente o mais confortável possível. Esse profissional explica que muitas vezes as vítimas ficam inibidas em relatar o ocorrido na presença de seus familiares, e, quando isso ocorre, ele solicita que os acompanhantes saiam da sala, acrescenta também que geralmente os meninos informam mais detalhes do ocorrido que as meninas. Já a entrevista de nº 04 é extremamente objetiva, esclarece basicamente as etapas de realização do exame e do laudo pericial. Todos os entrevistados mencionaram que a maioria dos exames não comprova a ocorrência de crime sexual, apenas se a pessoa já teve relações sexuais com penetração. No tocante à diferenciação dos aspectos do crime que os profissionais apresentam, observa-se que a perita (entrevista nº 03) dá mais enfoque aos aspetos emocionais das vítimas enquanto que os profissionais abordam os aspectos técnicos do exame. Os peritos médico-legais esclarecem que alguns pais procuraram o atendimento do IML/SE para saber se as filhas ainda são virgens. Outras pessoas, geralmente do Interior do Estado, segundo os informantes, casam-se ainda menores de idade e ao término do casamento vão ao IML/SE realizar o exame como forma de punição ao ex-companheiro. No entanto, um entrevistado relatou que um pai buscou a atendimento do IML/SE relatando que o filho tinha sofrido violência sexual, e que a agressora tinha sido a mãe. Segue o relato: Na maioria dos casos não se constata nada. Geralmente os pais que estão em processos de guarda dos filhos acusam um ao outro por violência sexual, chegou aqui uma vez um pai dizendo que a mãe tinha violentado o filho com o dedo, não foi comprovado, esse foi o único caso em que vi que uma mulher sendo acusada de violência sexual (ENTREVISTA Nº 05). 109 Esse entrevistado foi o único que disse já ter realizado um exame onde uma mulher era suspeita de violência sexual, todos os outros relataram que nunca receberam nenhum caso de violência sexual em que a mulher foi a agressora, entretanto o perito informou que não foi comprovada a violência, que o pai alegou a existência da violência como forma de conseguir a guarda da criança. Algumas outras questões interessantes sobre a realização do exame apareceram no decorrer das entrevistas. Observou-se que todos afirmam não realizam o exame sozinho com a vítima, um dos entrevistados esclareceu qual o motivo da realização do exame acompanhado: Sempre tem alguém do lado porque é proibido o médico fazer exame de violência sozinho com a vítima, é uma questão de (pausa). E não é proibição porque é pra proteção da criança, é proteção do médico. Ao contrario do que as pessoas pensam é pra proteção do médico. Porque já houve casos em que a menina disse que o médico é que estuprou. [...] Por exemplo, se vier uma pessoa aqui e não tiver uma enfermeira pra ficar comigo aí o exame tá suspenso, eu não faço. É uma legislação do CREMESE ou uma legislação nacional? Eu não tenho certeza, mas eu acho que isso surgiu pra proteger o médico, de calúnia. Entendeu? [...] eu soube que já teve calúnia de que o médico tentou violentar. E aí você não tem como provar. E aí quando tem uma terceira pessoas mesmo que a pessoa queira fazer ela não consegue fazer, ela sabe que tem uma terceira pessoa ali (ENTREVISTA Nº 02). Ao concluir a realização do exame, o profissional volta para sua sala (figura 06), a vítima se recompõe e, então, com um carro do IML/SE, próprio para atender a essa demanda, é encaminhada à MNSL. Ao regressar a sua sala, o perito médico-legal, elabora o LP com o auxílio de uma profissional do IML/SE que o digita. O que visualizamos com essas falas é a fragilidade da relação médico-paciente, onde o caráter humanizado é esquecido, como já ressaltado através de Amoretti (2005). Para Caprara e Franco (1999) a medicina deve apropriar-se cada vez mais do caráter subjetivo e humanizado, características esquecidas em detrimento de práticas tecnicistas que minimizam os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais. Esta pratica cartesiana de distinção entre mente e corpo deve ser superada na relação médico-paciente, principalmente quando o paciente é alguém com histórico de violência sexual. 110 Figura 06 - Sala de atendimento médico Fonte:Acervo próprio (2013) Um dado apresentado na realização das entrevistas chamou a atenção, quanto à divulgação de que o Ministério Público de Sergipe – MP/SE determinou que os exames de corpo de delito realizados em crianças e adolescentes sejam feitos na MNSL e não mais no IML/SE. É importante lembrar que esse exame deve ser realizado por pessoas com especialização e sensibilidade (CRAMI, 2005). Em contato com a promotoria da 16ª Vara Privativa do Juizado da Infância e da Adolescência foi esclarecido que esse processo não está finalizado, sendo o IML/SE ainda o responsável pela realização dos exames pericias de crianças e adolescente vítimas de violência sexual. Todavia, é interesse do MP/SE que esse atendimento seja realizado na MNSL, contudo, no momento, ainda não existe a possibilidade visto que a lei estadual garante que é o laudo pericial, emitido pelo perito médico-legal do IML/SE, que compõe prova da materialidade do fato. Logo, sendo outro profissional médico que não o perito médico-legal a elaborar o documento, e dando seguimento ao processo, essa prova poderia ser contestada e anulada. O CRAMI (2005) analisa esse fato a partir de dois olhares: o primeiro é o que discorda dessa atitude, pois o Centro acredita que o perito médico-legal tem a vantagem de “colher 111 evidências forenses que pode levar a prova de que realmente o abuso sexual ocorreu” (p. 60) e o segundo o que está de acordo com a determinação o MP/SE: Os médicos pediatras e ginecologistas [...] realizam exames ginecológicos com algumas vantagens: o ambiente de que se utilizam para tal finalidade é menos ameaçador, estão mais acostumados a realizar exames em crianças/adolescentes assustadas e podem, com mais habilidade, tranquilizá- las; além de muitos deles já terem contato com a criança/adolescente examinada (CRAMI, 2005, p. 60). Todavia os peritos médico-legais não compreendem essa atitude como um avanço, pois, para eles, o IML/SE é o responsável pela elaboração da comprovação do crime, o Instituto é o órgão que tem poder judicial para elaboração do laudo pericial e o que de fato é realidade. Ou seja, os peritos são os responsáveis pela comprovação da materialidade do fato, eles são a autoridade competente para orientar os juízes de direito em seus julgamentos (CROCE; CROCE JR., 1998). Essa questão emerge nas representações de um dos entrevistados e faz surgir aspectos conflituais do trabalho: [...] A partir de hoje, eu soube, não sei se vai mesmo vingar, eu vou ainda me informar hoje ainda disso, esse serviço não vai mais ser feito aqui, vai ser 28 feito lá tudo, inclusive a perícia. Vou ver se isso já tá valendo porque já existe um termo de compromisso assinado no final de setembro, se não me engano 28 ou 29 de setembro, pelo Poder Judiciário, Ministério Publico, Secretaria de Segurança, Secretaria de Saúde e essas quatro autoridades assinaram um termo comprometendo-se a que essas perícias sejam feitas lá na própria maternidade. E aí o médico vai ser de lá e eu não tenho acesso a nada e eles passarão a ser feitos esses exames todos [...] lá era feita a perícia lá era feito o tratamento se fosse preciso lá era liberado e já recebia o guia de encaminhamento da unidade policial (ENTREVISTA Nº 06). O entrevistado demonstrou toda a sua indignação diante dessa possível mudança, e relatou que a MNSL não tem estrutura para a realização dos exames, que o pessoal não é treinado, e é necessário que os peritos médico-legais do IML/SE os treinem. Solicitou, inclusive, que esta pesquisa seja estendida com a finalidade de comparar o atendimento que é ofertado no IML/SE e o que será realizado pela MNSL. Em sua opinião, o IML/SE está todo estruturado para esse atendimento, e adquiriu até mesmo um programa para montar um banco de dados com a informação genética de agressores, esse material será colhido durante a realização do exame nas vítimas de violência sexual e ficará arquivado nesse banco de dados, quando da captura de algum suspeito a polícia realiza o cruzamento dos dados.  Sobre os aspectos da violência sexual considerados para a elaboração do laudo. 28 Quando o entrevistado se refere “lá” é na MNSL. 112 No que concerne aos aspectos que são observados na vítima de violência sexual, os peritos médico-legais explicaram o seguinte: Quando é flagrante procura em todo o corpo, mama, barriga, região perineal, anal, vulva e vaginal. Além de observar as partes internas das coxas, porque o agressor faz força para abrir as pernas da vítima e a vítima para fechar, geralmente são encontradas manchas rochas nas partes internas das coxas, principalmente marcas dos polegares do agressor (ENTREVISTA nº 01). Tudo... A gente tem que fazer um apanhado geral porque a vítima de violência sexual ela pode ter arranhões, né. [...] Um dia desses, eu peguei uma menina, fiz um exame em uma menina de menos de 14 anos, acho que ela tinha 12 anos, e era da zona rural ela foi estuprada, mas não tinha lesão corporal nenhuma, aí uma das perguntas que tem no questionário é se houve violência ela falou: não ele não me bateu. Mas ela tava toda arranhada. [...] Que ele jogou no capim, no mato e ela se cortou no mato, não é? E aí você tem que escrever tudo isso. Isso é uma violência, ele não bateu, mas ele a jogou lá, pode ter jogado em espinho. Ela não recebeu a violência porque ela ficou com medo de morrer, ficou quieta. Então isso tudo é considerado. [...] Coma mulher a gente centra mais na genitália. No menino a gente vai para o canal anal olha tudo do corpo pra ver se tem alguma lesão, alguma coisa. Faz as perguntas todas necessárias pra ver se houve ato libidinoso e tudo mais e vai para o canal anal onde a gente centraliza mais porque a gente vai ver se tem fissuras se tem processo inflamatório se tem verrugas por doenças venéreas. Muitas vezes a gente não consegue encontrar nada, mas tem condiloma que é uma prova de que houve a penetração anal (ENTREVISTA nº 02). Observa lesões externas na região da genitália, quando é com menino na região anal. Sobre as agressões os meninos falam mais que as meninas. E quando ocorre em crianças pequenas? Ai é complicado. Ocorre mas deixa muito estrago na região genital, algumas morrem em razão disso. Mas, a maioria é abusada com o dedo (ENTREVISTA nº 03). Observamos se existem mordidas, murros. Pode ter qualquer tipo de agressão. Observamos na genitália: equimose, coágulos. No ânus, fissuras e sangramentos. Realizamos a coleta de material para análise de esperma e, se necessário, de DNA (ENTREVISTA n º 05). Os entrevistados basicamente explicam que no ato do exame de corpo de delito, todo o corpo da vítima é analisado, e consideram as marcas que a violência deixa na vítima, suas mamas (quando do sexo feminino), genitálias, ânus, barriga e membros. Todavia, ao realizar a observação, durante a realização do exame, notou-se que os peritos médico-legais a têm-se primordialmente à fala das vítimas, à genitália e ao ânus, eles não vasculharam o resto do 113 corpo, talvez em função de que os casos não eram de flagrantes e já tinham ocorrido há alguns dias Vale pontuar que o exame de corpo de delito não pode ser concludente, principalmente quando não existem mais provas da violência sofrida. Na realização do exame de corpo de delito o profissional deve visualizar todo o corpo da vítima e não apenas como se ele fosse tão somente ginecológico (ARDAILLON e DEBERT, 1987). Foi destacada a dificuldade que as vítimas têm para procurar atendimento. Não, a maioria das vezes não vem nada, porque as pessoas têm medo e ficam quietas, as vítimas, mulheres elas ficam quietas com medo de morrer. Às vezes o cara, o agressor tá com uma faca um revólver, então ela não se mexe. Entendeu? Então é muito difícil você pegar um (pausa) uma lesão corporal fora da genitália que é próprio do estupro (ENTREVISTA nº 02). Além disso, os entrevistados explicam que os casos em que as vítimas são bebês, ainda é mais difícil de observar a violência, porque às vezes ele tem apenas uma vermelhidão proveniente da falta de higienização adequada, e os pais e pediatras acreditam ser violência sexual. Ademais, os casos que envolvem crianças abaixo de dez anos causam muito estrago em seu corpo, quando existe a penetração, toda a região genital interna da criança é danificada. Todavia eles explicam que quando é criança o abuso muitas vezes acontece com o dedo. Eu fiz uma necropsia em uma criança aqui uma meninazinha, acho que ela tinha o que... uns nove anos ou sete anos de idade. Foram dois que estupraram ela, mataram, depois eles estrangularam ela, mas uma bagaceira, os caras deixaram uma bagaceira na menina, e foi pelo ânus, não foi nem pela vagina, ela tinha uma vagina pequeninha, aí foram pelo ânus dela, pelo canal anal (ENTREVISTA nº 02). Observe-se que, apesar de um dos entrevistados acreditar que não existe conjunção carnal contra crianças e adolescentes, é sobre elas que a violência deixa marcas mais severas em seu corpo e em sua vida emocional. Schaefer et al (2012) relatam que as crianças e adolescentes que são vítimas de violência sexual sofrem com vários problemas dentre eles “depressão, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, transtornos dissociativos, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e, até mesmo, Transtorno da Personalidade” (p. 228)  Sobre como a vítima representa a violência sexual sofrida 114 Ao questioná-los sobre como a vítima, no ato da realização do exame de corpo de delito, representa para os peritos médico-legais a violência sofrida, as respostas foram bastante divergentes umas das outras. Enquanto um dos entrevistados informa que as vítimas defendem o agressor, outro diz que chegam bastante abaladas, chorando, e tem aquele que acha que como já se passou muito tempo da violência, a vítima chega ao IML/SE sem tanta ansiedade, mais calma, contudo em casos de flagrante ela chega muito ansiosa: Depende, na maioria das vezes elas defendem o agressor, quando é adolescente geralmente a família é conivente. A maioria, eu diria que mais de 90%, não se incomoda. A vítima só chega traumatizada e leva o caso adiante quando não conhecia o agressor (ENTREVISTA Nº 01). Elas choram bastante, se emocionam muito ao relatar (ENTREVISTA nº 03). Dificilmente tem casos de flagrante, poucos são os casos, alguns já se passaram muito tempo e a vítima não chega mais com tanta ansiedade, mas quando é flagrante aí sim a vitima chega muito ansiosa. A maioria não tem vestígios, são atos libidinosos que não são, na verdade, violência sexual, não tem uso de armas, é curioso (ENTREVISTA nº 04). A grande maioria não tem muita vontade de expressar o que aconteceu. Se formos por uma via direta ninguém consegue nada, se for perguntar detalhes é perder tempo. Normalmente você pode ir por uma via indireta, fazendo uma outra pergunta as vezes você consegue uma resposta. Então normalmente nenhuma chega falante, contando todos os detalhes como foi, quando chega você desconfie que pode até nem ser aquilo tudo (ENTREVISTA Nº 06). Os profissionais concordam ao afirmar que, quando a vítima procura o IML/SE logo após o ato, em flagrante, elas estão muito abaladas e traumatizadas, em uma das entrevistas o 29 informante relatou que já teve um caso onde ele preferiu realizar o exame no dia seguinte , pois a vítima estava muito traumatizada. Na realização das observações, percebeu-se que a vítima chega ao IML/SE muito envergonhada, tem receio de ser tocada, de ser julgada, todavia estavam calmas e conversando com os profissionais. Um caso chamou particularmente a atenção. Uma adolescente com 14 anos de idade procurou a Unidade de Saúde da Família de seu bairro porque estava com “uma coceira” nas partes genitais, e quando da realização do exame ginecológico foi constatado que a adolescente estava com DST. Então a mãe procurou a delegacia e acusou o namorado da vítima, que tinha 21 anos, de tê-la estuprado e contaminado. Quem realizou o exame foi um 29 Nesse caso não há perda de prova porque decorreu apenas 24 horas do fato. 115 perito médico-legal do sexo masculino, e a vítima ficou muito envergonhada em expor para o profissional como os fatos aconteceram, e recusou-se veemente a responder todas as perguntas que ele fez, a todos os questionamentos a resposta era “não sei”. Isso dificultou a realização do exame e corroborou com a solicitação do movimento feminista de que o atendimento às vítimas de violência sexual seja realizado exclusivamente por pessoas do sexo feminino. No contexto psicológico, Habigzang et. al (1995) definem que os principais problemas encontrados são: os relacionados à sexualidade (57,8%), as manifestações emocionais (42,2%), a inibição afetiva e social (introversão ou isolamento) (32,8%), sintomatologia psicológica (29,7%), a agressividade confrontativa (21,9%), a falta de limites (20,3%), a dificuldades na escola (20,3%), a tentativas de suicídio (14,1%) e os comportamentos delinquentes (infrações ou delitos) (14,1%).  Sobre os encaminhados que são realizados com as vítimas de violência sexual. Diante do questionamento de como era realizado (ou se era realizado) o encaminhamento das vítimas de violência sexual, via de regra, os profissionais responderam que o encaminhamento realizado com as vítimas é sempre para a MNSL. São encaminhadas a algum órgão da Secretária Municipal de Saúde, geralmente à Maternidade Nossa Senhora de Lourdes. Se precisar de algum medicamento vai ao ginecologista para a profilaxia. Geralmente os laudos são encaminhados às delegacias de forma on-line entre dez a 15 dias (ENTREVISTA nº 01). A gente manda para a Hildete Falcão. Não sou eu quem faço isso. Depois que sai da sala tem uma auxiliar que vai preparar a papelada e vai encaminhar à Hildete Falcão para tomar o coquetel antiaids, tomar pílula do dia seguinte, se a pessoa concordar, porque tem pessoas que, por motivos religiosos, não tomam, o que eu acho uma besteira. Essas coisas todas de prevenção, não é? A pessoa pode até nem ter Aids, mas ela toma logo um coquetel por prevenção e vai fazer o exame depois, porque aí se você tiver a carga viral já praticamente fica eliminada não é? E você tem uma cura de 100% se a pessoa tiver contaminada com Aids e você toma o coquetel [...]. Então a gente encaminha todos os pacientes mesmo que não tenha nada para tomar o coquetel e a pílula do dia seguinte. (ENTREVISTA nº 02) Para a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (ENTREVISTA nº 03) Para a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, para tomar a pílula do dia seguinte, e o próprio IML tem laboratório que, em alguns casos, realizam a coleta de sêmen para realização do exame de DNA que é feito em outra instituição (ENTREVISTA nº 04). 116 Na realização das entrevistas, notou-se que alguns profissionais tinham dificuldade em dizer como era realizado o encaminhamento das vítimas. Como observado um dos profissionais (entrevistado nº 02) afirma que a vítima é encaminhada à Maternidade Hildete Falcão quando na realidade nenhuma das vítimas vai para aquela Instituição, haja vista que ela não existe mais e afirma que esse não é um trabalho executado por ele, por isso não sabe. Segundo o que consta do Anuário do DIEESE (DIEESE, 2011), a Rede de Enfretamento à Violência contra a Mulher deve garantir o encaminhamento adequado às pessoas vítimas de violência. Todavia, vale refletir se seria a MNSL adequada para atender pessoas do sexo masculino, visto que lá é uma maternidade e o público-alvo são mulheres. Questiona-se então se na MNSL existe uma equipe que possa realizar esse atendimento? Os laudos periciais não são entregues as vítimas, nem a qualquer outra pessoa, eles são 30 encaminhados on-line para a delegacia onde a vítima prestou queixa, é lá – na delegacia – que a vítima terá acesso ao documento. É entregue à vítima apenas comprovante de exame, conforme Anexo A, no comprovante consta o número do exame, por quem foi expedida a guia de pedido de exame de corpo de delito, o nome da pessoa, o nome e a assinatura do perito médico-legal responsável e a data de realização. Ressalte-se que o IML/SE não realiza exame de DNA ele colhe o material, em duas amostras (prova e contraprova), e procura se tem sêmen no material recolhido, quando existe a necessidade de realizar exame de DNA, o material coletado é encaminhado a um laboratório capacitado para a realização do exame de DNA.  Sobre as relações interinstitucionais Quando questionados se existia relação do IML/SE com outras instituições que participam do atendimento a pessoas vítimas de violência sexual eles responderam: A Maternidade Nossa Senhora de Lourdes para profilaxia. Os pedidos de realização de exames são feitos pelas delegacias, Ministério Público ou Tribunal de Justiça. Aliás, constantemente a gente vai prestar esclarecimentos ao juiz (ENTREVISTA Nº 01). Existe; com a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes (ENTREVISTA Nº 03) É um trabalho relacionado com toda a estrutura do Estado (ENTREVISTA Nº 04). 30 Este serviço começou apenas a partir de 2012. 117 O que mais tem contato é o Conselho Tutelar, mas não sei informar não (ENTREVISTA Nº 05). Nós somos uns dos elos de alguma corrente que alguém controla, eu não sei quem é esse alguém. (ENTREVISTA Nº 06). Percebe-se que existe um consenso de que o IML/SE mantém uma relação mais estreita com a MNSL e com o CT. No entanto, pode-se perceber que os profissionais estão imbuídos do seu fazer profissional, tão somente, ou seja, realizar o exame de corpo de delito, eles não estão inteirados quanto à estruturação da Rede de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual. No entanto, é realmente complicado, diante do quantitativo de profissionais que trabalham no IML/SE, realizar treinamento e capacitações com esses profissionais, visto que isso demandaria necessidade de ausentar-se de suas atividades laborativas na Instituição. Isso implica que os informantes não sabem como funciona essa “corrente”, não sabem como ocorrem e se ocorrem essas relações institucionais. 31 É importante destacar que a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha , em seu art. 8º inciso I, determina que o atendimento as vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher deve priorizar “Art. 8º [...] I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação” (BRASIL, 2006). A Rede de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual deve existir de maneira formal ou informal e seus atores devem garantir a integralidade, a potencialidade e o fortalecimento dos serviços, ademais que os serviços de educação, saúde, segurança, justiça e os conselhos tutelares e acrescento ainda de assistência social devem buscar a superação da experiência vivida, possibilitando a garantia dos direitos (GALLI; VIDAURRE, 2004). A esse elenco de órgãos listados, acrescente-se o Conselho de Assistência Social. Logo a Rede de Atendimento deve proporcionar: O fortalecimento da rede de atendimento é a identificação dos atores sociais envolvidos que a compõem. Estes atores podem ser pessoas, instituições, serviços e grupos, de governos e sociedade civil, que estão envolvidos direta ou indiretamente no atendimento, encaminhamento e prevenção de casos de violência sexual ( GALLI; VIDAURRE, 2004, p.29). Os entrevistados apresentaram uma preocupação em relação à vítima não cumprir as etapas necessárias do atendimento: 31 A aplicação da Lei Maria da Penha ocorre em função desse crime ser eminentemente cometido contra mulheres em seu ambiente doméstico e familiar. 118 Quando a gente notou que tava havendo uma pequena evasão daqui para a maternidade, a gente adquiriu, com recursos do Senado, uma viatura só para esse fim. Você vai ver ali na porta escrito: serviço de atendimento a vítimas [figura 4]. [...] Elas chegam aqui, mesmo com o carro, alguém vem com o carro, da família, alguém da família vai acompanhado a viatura, essa viatura deixa dentro do espaço da maternidade e recebe um papel de lá assinado dizendo que a gente deixou lá dentro. Se lá dentro ela se nega a fazer exame, ai já é outro problema de lá, mas eu tô fazendo questão de todos ir deixa lá, até dia de domingo, dia de sábado (ENTREVISTA nº 06). Figura 07 - Carro que transporta às vítimas de violência à MNSL Fonte: Acervo próprio, 2013. A preocupação com a desistência das vítimas durante o percurso da delegacia, IML/SE e MNSL foi observada também durante a pesquisa realizada com os técnicos da DEAM/AJU. Afirmaram eles que o fato de não disporem de pessoal suficiente para levar as vítimas até o IML/SE dificultava o atendimento, pois muitas delas prestavam queixa e não iam ao IML/SE para a realização do exame de corpo de delito.  Sobre a relação que a vítima possui com o agressor. Quanto ao questionamento da relação que a vítima mantém com o seu agressor, os entrevistados responderam o seguinte: 119 Ela fala que foi o padrasto, geralmente foi o padrasto, às vezes tem pai, mas antes tem muito padrasto. Que a mãe tá trabalhando e o padrasto tá pegando a menina (ENTREVISTA nº 02). São pessoas do círculo familiar, do espaço doméstico, pai, padrasto, tio, avô, vizinho, muito vizinho (ENTREVISTA nº 03). Geralmente é namorado, quando é com violência é algum marginal. Sempre é conhecido da vítima. Quando é padrasto envolve muita ameaça, nem sempre tem a penetração, são atos libidinosos (ENTREVISTA nº 04). As pseudovítimas né? Geralmente são parentes próximos, cunhados, padrastos (ENTREVISTA nº 05). O consenso observado no discurso dos profissionais é que os violentadores são pessoas do círculo familiar da vítima, o que corrobora o levantamento quantitativo realizado no capítulo anterior (conhecidos - 36,41%; pai – 7,37%; familiar – 6,91%; padrasto – 5,52%), e nas pesquisas analisadas por outros autores e relatadas neste trabalho. Porém, para um dos entrevistados, o fato da mãe estar trabalhando possibilita o investimento sexual do padrasto, e quando é realizado por esse, o ato é envolvido por muitas ameaças, e nem sempre por penetração. O pai, no imaginário dos peritos médico-legais não aparece como uma figura que costuma praticar essa violência, a representação dos peritos médico-legais é que o padrasto é a pessoa que mais agride, todavia em quase todas as pesquisas utilizadas nesta dissertação, inclusive no estudo feito no próprio IML/SE os pais foram quem mais violentaram (pai – 7,37% e padrasto – 2,99%). Convém observar com um olhar mais acurado, o questionamento/afirmativa na entrevista nº 05 o uso do termo “pseudovítimas”, pois, o entrevistado considera violência sexual apenas a prática sexual não consentida, com uso de força física, por isso o uso da terminologia “pseudo”. Ele não considera violência sexual o fato de uma menina, menor de idade ser seduzida por alguém; para ele, se foi “consentido”, se a vítima não ofereceu resistência, não é violência sexual. É importante destacar que a prática sexual em crianças e adolescentes, mesmo com seu consentimento, é considerada estupro, pois o ECA os considera sujeitos em desenvolvimento.  Sobre a recente alteração no código penal Quanto à recente alteração do Código Penal (relativamente aos crimes sexuais), os entrevistados afirmam, quase que em sua totalidade, que nada se alterou: Não, isso no trabalho do IML não tem grandes repercussões (ENTREVISTA nº 01). 120 Trouxe benefícios, porque trouxe avanços na lei. O problema é que tem coisas que não deixa marca, e foge do alcance da perícia, por exemplo, o sexo anal, a mucosa anal tem rápida recuperação e aí não tem como perceber (ENTREVISTA nº 04). Em nada, o que deveria mudar era a pena (ENTREVISTA nº 05). Eu acho que, quando foi mudado foi mudado para adequar a uma situação aquela questão de alguém dizer isso aqui foi um atentado ao pudor. Na verdade atentado ao pudor, alguém mostrou as partes que não eram para mostrar, alguém mostrou isso. Ele apenas modificou a terminologia, caracterizou mais os grupos que seriam mais vulneráveis aquele tipo de coisa, organizou mais. Eu não sei se o objetivo era simplesmente organizar para melhorar as terminologias e chamar estupro de vulneráveis quem era realmente vulnerável. E não sei se isso seria para ter um objetivo final de diminuir a violência, não sei, talvez tenha sido, ninguém muda código para não diminuir, né? Mas eu acho que não diminui não (ENTREVISTA Nº 06). Nota-se que os entrevistados afirmam que no seu fazer profissional nada se alterou, contudo a mudança na tipificação dos crimes sexuais foi um avanço legal, e isso sempre traz benefícios para a sociedade, todavia não é suficiente, o que necessita mudar é a pena para esses crimes. Vale lembrar que o crime de estupro teve seu conceito ampliado, porém as penas aplicadas a esse crime não mudaram. O que se observou é que não foram apenas os peritos médico-legais que não notaram alteração com a mudança no Código Penal, mas a própria Instituição que não alterou o modelo de laudo que o profissional tem que preencher. Diante das entrevistas e das observações que foram realizadas, o que mais trouxe preocupação foi o modelo do laudo. Cada violência tem um modelo de laudo a ser preenchido, quando é vítima de violência de trânsito é um, quando é vítima de violência doméstica e outro e vítima de violência sexual são dois modelos (Anexos A e B). Os modelos são assim denominados: “Laudo de sedução e corrupção de menores (estupro)”, “Laudo do exame estupro de vulnerável”. A diferenciação básica, diante da leitura dos questionamentos contidos nos laudos, é que o primeiro é o de conjunção carnal e o segundo é de ato libidinoso, entretanto o Código Penal já não faz essa diferenciação, ambos são considerados estupro. Outra pontuação é que o primeiro enfatiza que os indivíduos são menores de idade, todavia na conclusão a primeira pergunta é: “Houve conjunção carnal que resultasse a perda da virgindade?” e o segundo não fala em conjunção carnal, logo apenas crianças e adolescentes são vítimas de conjunção carnal forçada? Outro ponto é que diante dos títulos dos laudos o homem adulto não sofre violência sexual, o que não é a realidade. 121 Ademais as terminologias empregadas são muito defasadas, já não dão conta da realidade atual, a exemplo do termo “menor” que a partir do ECA entrou em desuso e a palavra “débil mental” para referir-se a deficiência mental. Ambos os termos já não devem ser utilizados visto a carga de representações e estereótipos que eles comportam. Observa-se, então, a necessidade de urgência na reformulação desses instrumentais para que consigam acompanhar as alterações na sociedade.  Desafios que o perito médico-legal encontra na realização do seu trabalho. Acerca dos desafios encontrados pelo perito médico-legal na prática do seu fazer profissional, eles relataram basicamente o pouco quantitativo de peritos médico-legais para atender a demanda atual da Instituição, o que gera uma sobrecarga e precarização do trabalho: 32 As condições de trabalho são péssimas, até acho legal quando a geladeira quebra, pois dessa forma, o Secretário, e quem passar pela praça, sente o cheiro que sai do IML. Além disso, desde que ele foi criado fala-se em mudar o IML para o Centro Administrativo na saída de Aracaju, mas isso nunca vai acontecer, qual é o juiz, o desembargador que vai aceitar trabalhar perto do IML? (ENTREVISTA nº 01). O desafio maior da gente que tá aqui até hoje é o descaso do governo, por exemplo, nós, agora em dezembro, de tanta gente que já se aposentou e morreu, nós somos seis, não fecha nem uma semana. A gente não consegue fechar nem um plantão de uma semana que são sete dias, por que aqui tinha que ser 30 médicos, e nós somos seis pra dar conta de tudo. A gente tá fazendo exame de lesão corporal, daqui a pouco você tá fazendo necropsia, daqui a pouco você tá fazendo exame de violência, todo hora você tá correndo de um lado pro outro. Porque não tem concurso público não há. [...] Se você olhar nessa parede aí é uma escala que ninguém compreende, porque todo dia tem um horário buraco. E o diretor é quem consegue resolver isso aí, porque se fosse outra pessoa ninguém vinha não. [...] Às vezes você tem que ligar pra cá pra perguntar como tá a escala: eu tô de plantão amanhã? [...] Ninguém faz greve, ninguém faz nada. Porque (pausa) uma vez a gente fez greve e o desembargador disse que ia pagar cinco mil de multa por dia, aí teve que parar a greve, [...] aí a gente não pode fazer porque é serviço essencial, não pode parar. Aí a gente não sabe o que vai fazer, aí ele [o diretor do IML] disse que vai botar uns plantões vagos, aí eu disse faça isso para ver se eles olham, deixe assim “aberto” que não tem médico hoje pela manhã e não tem médico a tarde. Porque se fica fazendo isso que ele tá fazendo isso ninguém percebe que só tem cinco, seis. É terrível aqui, trabalhar desse jeito (ENTREVISTA nº 02). 32 A geladeira a qual o entrevistado faz menção é a que guarda os corpos, pré ou pós-necropsia. Quando ocorre dela quebrar o odor se alastra por todo o quarteirão, e os funcionários têm que trabalhar de máscaras. Durante a realização da pesquisa presenciei a um momento em que isso ocorreu e o IML/SE tinha recebido um corpo em estado de putrefação, o odor era horrível. 122 São muitos, porque a gente atende pessoas em crise, que não estão psicologicamente normais, porque elas chegam sofridas. A estrutura é do passado, não atende mais a demanda e atualmente a maior deficiência é de recursos humanos, o último concurso que teve foi quando eu entrei (ENTREVISTA nº 03). Observe-se que os relatos se reportam muito à estrutura da Instituição, porém na entrevista Nº 03 o profissional relata a dificuldade no atendimento, visto o estado emocional que as vítimas chegam ao IML/SE, como também da falta de concurso público para atender a demanda atual. Ademais, que a classe sofre dificuldade inclusive para realizar greve, pois todas são decretadas ilegais, visto que é um atendimento essencial, e as escalas de plantões não são completas. Vale ressaltar que o último concurso para este serviço foi há 19 anos. No entanto, existem os que pensam ao contrário: Eu gostaria muito de chegar para alguém, como o pessoal do HUSE diz, alguns, né? A gente não faz porque não tem estrutura. Eu não posso dizer, se eu disser eu tô mentido, eu tô blefando. Nunca eu pedi uma estrutura aqui que não me dessem, nunca. Tanto que aqui tem geladeira nova, equipamento para fazer necropsia novo, o IML daqui hoje em dia é um do Nordeste que tem praticamente oito a dez mesas de necropsia a maioria tem um, dois. A gente tem quase 30 vagas de geladeiras, Salvador com aquele tamanho todo não tem nem 15. Tem pouco perito tem, mas os que têm tá dando para preencher tudo, ninguém sai sem fazer exame. Se você me perguntar o que falta eu não sei (ENTREVISTA Nº 06). O profissional enaltece a qualidade dos serviços prestados apesar da estrutura do IML/SE. Informa que toda a estrutura que é solicitada ao governo é adquirida, o IML/SE hoje está equipado com geladeira nova, oito a dez mesas de necropsia, 30 vagas na geladeira, um equipamento de Raios-X, “de ultima geração” que vasculha todo o corpo na realização da necropsia. A única dificuldade é o quantitativo de perito, porém isso, na visão do entrevistado, não pressupõe uma dificuldade no atendimento, visto que a escala de plantões está fechada e os profissionais não se furtam em realizar os exames. No entanto, vale ressaltar que Lei Complementar Nº 79 estabelece que o IML/SE terá 30 peritos médico-legais em seu quadro. Diante do que foi visualizado no decorrer da pesquisa, percebeu-se uma melhora na qualidade do serviço. Quando iniciado o processo de pesquisa, por algumas vezes, a geladeira quebrou o que deixa o IML/SE com um forte “odor de morte”, devido aos corpos que estavam na Instituição. No entanto, nos últimos meses isso não mais ocorreu, o IML/SE mantém suas instalações limpas e sem odores, as instalações estão em boas condições e houve um forte investimento em tecnologia, atualmente a Instituição conta com uma sala de laudos, na qual estes são disponibilizados de forma on-line entre as delegacias, todo o processo necessário para a realização do exame, que vai do preenchimento da ficha até o laudo é informatizado. 123 Todavia, vale lembrar, que ainda existem pessoas vítimas de violência sexual que são expostas a situações vexatórias no ato da realização do exame, ao se enrolar em papel descartável. Apesar da falta do vestuário adequado, em nenhum momento, observou-se qualquer funcionário destratando ou expondo as vítimas a ridicularização. Elas eram tratadas com respeito e discrição, não circulando entre os outros usuários do atendimento (vítimas de violência no trânsito e brigas), o que não quer dizer que não possa existir, porém na observação não foi constatado.  Sobre as políticas públicas para a diminuição desses crimes. Para Eliane Rosseti Behring (2004), as políticas públicas foram desenvolvidas no final do século XIX para dar resposta à questão social. Faleiros (1980, p. 56), assim as define: “consiste na implantação de assistência, de previdência social, de proteção de serviços, de proteção jurídica, de construção de equipamentos sociais e subsídios” Acerca das políticas públicas que possam vir a diminuir os episódios de violência sexual, os entrevistados elucidam da seguinte forma: A base de tudo é a educação, mas principalmente aquele de casa, respeitar ao próximo (ENTREVISTA nº 03). O mais importante é orientação e divulgação. E a educação (ENTREVISTA nº 04). Educação básica e combate à corrupção (ENTREVISTA nº 05). E uma pergunta que eu não saberia lhe responder. Políticas públicas disso deveriam ser. Eu acho que nem eu nem você nem ninguém vai dizer, olha a melhor política seria essa ou aquela, todos nós sabemos o que é melhor para que isso não aconteça. Mas esse conjunto de coisas chama políticas, certo? Isso deveria ser uma coisa analisada, compilada por uma equipe de, quem sabe, juristas, peritos, psicólogos, assistentes sociais que vivessem nessa área. Que realmente sentasse e estimulasse políticas para isso, não eu chegar e dizer, deveria ter política de segurança, mas deveria é uma coisa muito vaga. [...] Seriam varias políticas que seriam compiladas pela necessidade (ENTREVISTA N° 06). A educação é a base de todas as repostas, porém não são esquecidas a divulgação, a orientação e o combate à corrupção como forma de diminuição desses crimes. É importante notar também na entrevista Nº 06 que o entrevistado ressalta a necessidade, não de uma política única, mas de uma articulação das políticas públicas que visem a coibir tal fenômeno. 124 Tal assertiva tem respaldo legal no art.8º da Lei Maria da Penha que fala sobre as políticas públicas que visam a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. É importante destacar que o fenômeno da violência sexual atinge em sua maioria mulheres, em ambiente doméstico e que são agredidas por pessoas de seu convívio, a Lei Maria da Penha cabe perfeitamente nesse espaço quando fala das políticas públicas que visam a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não- governamentais, tendo por diretrizes: I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; [...] VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. (BRASIL, 2006). Ao tomar como parâmetro a Lei Maria da Penha, as políticas públicas que visem a diminuir os índices de violência sexual devem considerar a articulação entre vários segmentos da sociedade dentre eles os operadores do direito: MP, Poder Judiciário e Defensoria Pública, 125 em parceria com as políticas de educação, saúde, segurança pública, assistência social, trabalho e educação, além do investimento em estudos e pesquisas para a produção de estatísticas. Outro pilar das políticas públicas são as capacitações permanentes das polícias civil, militar, guarda municipal, bombeiros e de toda a equipe que realiza o atendimento a essa demanda (MNSL, CT, Centro Referência Especializado da Assistência Social – CREAS e IML/SE).  Sobre a maior ocorrência contra mulheres Quando questionados acerca do motivo pelo qual os crimes sexuais ocorrem na maioria das vezes contra mulheres, principalmente adolescentes, eles informaram: Uma questão da força é porque no homem o brinquedo é de armar, não é? E o da mulher é de encaixar. Como é que um homem vai ser violentado, ele precisa ter ereção. Geralmente quem tem ereção sob estresse é tarado, é doente mental, é maníaco sexual, que tem ereção em momentos de tensão. Um cara normal não tem ereção num momento de agressão pelo contrário ele não consegue ter. Então como uma mulher vai estuprar um homem? É muito difícil você imaginar isso, não é? A mulher é passiva então o cara pode tá ativo nela, mas ao contrário não, se ela tá intimidando para estuprar, ele pode ficar inibido, e não ter ereção, então como ela vai conseguir estuprar? (ENTREVISTA nº 02) Pela própria característica física da mulher, ela é mais frágil, a mulher não tem como se livrar de um estuprador em função de ter uma menor força física (ENTREVISTA nº 03). Pela exposição da mulher, atualmente (ENTREVISTA nº 05). Talvez a própria promiscuidade das pessoas, não a forma de se vestir, mas ver aonde vai, com quem vai, a hora que sai de casa (ENTREVISTA nº 06). Observa-se que a questão de gênero toca as noções individuais de masculinidade e feminilidade, o que é ser masculino ou feminino, como educar e ser educado como menina ou como menino e chegar à idade adulta com uma identidade produzida pela cultura e pela sociedade, impregnada de atributos, privilégios e limitações, baseando-se no que é biológico. A masculinidade e a feminilidade são como conceitos relacionais, não são passíveis de serem entendidos separadamente. (SCOTT, 1996 Apud TORRÃO FILHO, 2005). Conforme CONNELL (1995, p.33), não são restritas, respectivamente, ao homem ou à mulher. Elas são vivenciadas a partir de determinadas circunstâncias e desejos; assim, cada indivíduo utiliza suas performances para alcançar seus objetivos. Compreende-se que a definição desses conceitos exige a incursão em várias áreas do conhecimento, além de considerar aspectos 126 sociais, diferentemente de outros estudos que utilizam a biologia para definir categorias como homem e mulher, já que o gênero por si só apresenta-se como assimétrico e desigual. Nos depoimentos emergem dimensões da construção das diferenças com base nas diferenças biológicas entre o homem e a mulher. Os entrevistados atribuem a violência praticada contra as mulheres a causas diversas como: as características físicas da mulher, em razão da sua fragilidade física, os locais onde as pessoas andam e os horários que saem de casa, em função da sua exposição, como a principal causa de elas serem as maiores vítimas desse crime. Contudo, também emergem representações que expressam a tendência a culpabilização da mulher que foi vitima da “hoje as mulheres usam roupas muito expostas, antes isso não acontecia” (ENTREVISTA Nº 05), e Não é porque a mulher é autônoma, porque o perfil da mulher estuprada não é esse, é qualquer uma, se fossem só estupradas as mulheres que usam minissaia, mas não, pelo contrário essas são bem menos estupradas (ENTREVISTA nº 06). Existe ainda o profissional que acredita que não é a exposição feminina que possibilita que elas sejam as maiores vítimas da violência sexual, visto que não são as mulheres que se “expõem”, andam com roupas curtas, as maiores vítimas de violência sexual. Para esse profissional, isso não justifica o fato de elas serem mais estupradas, mas sim o lugar, horário e as pessoas com quem elas andam. Diante do exposto considera-se que os profissionais transitam entre representações que avaliam as mulheres causadoras de delito ao se “exporem” e entre características que analisam a mulher como vítimas de pessoas “perturbadas”, “maníacas sexuais”. 127 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegar ao final de um trabalho de pelo menos dois anos e meio (considerando o período de descoberta do tema, inscrição e seleção do projeto) é rememorar todas as idas e vindas que o processo da pesquisa necessita. Concluir o trabalho não significa dizer que a produção contida nele traz a verdade dos fatos, mas certamente que ele abrirá passagens para outros que possam surgir a partir deste. Tampouco que ele traz as respostas da realidade estudada, mas sim questionamentos já que o tema da violência sexual, na sociedade brasileira atual, ainda é considerado um tabu. Nessa abordagem procurou-se privilegiar uma aproximação diferente, na maneira de ler os acontecimentos relacionados com a violência, que tem como alicerce um olhar a partir de uma perspectiva de gênero, sem esquecer que estas nasceu à luz das reflexões acadêmicas das/os pesquisadoras/es feministas, os quais oferecem uma leitura diferenciada na abordagem de conceitos chaves tais como violência de gênero, relações de poder, entre outras. A pesquisa no IML/SE fez visualizar o quão estão arraigadas no imaginário popular características pejorativas, representações sociais estereotipadas entre os profissionais daquele órgão. Sempre, ao citar a pesquisa ouvia comentários como: “você está pesquisando naquele lugar?”, “você é muito corajosa em fazer essa pesquisa”, “o que você vai fazer ali?”, “vai para o IML? Quem morreu?”. Esses comentários cevaram à percepção de que muito do que comentam sobre aquele Instituto, na verdade não passa de representações, e apenas esse dado já poderia ser um objeto de pesquisa. Assim, na percepção da autora da pesquisa, o IML/SE é um campo de pesquisa fértil para ciências sociais, e ainda é muito pouco explorado, cabe aos pesquisadores se apropriarem dele. Diante das poucas pesquisas naquele espaço, e da amplitude da problemática, a produção deste estudo buscou aprofundar a discussão nos espaços mais obscuros do tema da violência sexual que são as representações dos peritos médico-legais (não foi encontrada nenhuma pesquisa com esses atores). Porém, outros espaços permaneceram sem análise mais aprofundada, a exemplo dos laudos periciais, que, a priori, seriam o objeto da análise documental para levantamento dos dados quantitativos e verificação de como os peritos médico-legais expõem suas percepções, todavia tais documentos não foram liberados pela direção da casa para tal estudo. 128 Reafirmo o posicionamento de que a teoria de gênero e a TRS foram centrais na elaboração desta dissertação e que os procedimentos metodológicos possibilitaram visualizar a dinâmica do IML/SE e responder ao questionamento inicial desta pesquisa. A ideia central trabalhada nesse estudo foi entender quais eram as representações sociais que peritos médico-legais do IML/SE tinham das vítimas de violência sexual, observando se essas representações estabeleciam assimetrias de gênero entre homens e mulheres. Para responder a essa ideia traçou-se um caminho metodológico a partir da análise documental dos relatórios da equipe psicossocial da instituição, o que ajudou a elaborar o perfil das vítimas e dos agressores. Porém, foi a partir das entrevistas e das observações que se visualizou o objeto da pesquisa, de modo mais próximo. Com as entrevistas observou-se como é o discurso desses profissionais, o que eles pensam, até mesmo a dificuldade em permitir a gravação das entrevistas. No entanto, foi a observação da realização dos exames de corpo de delito que possibilitou a compreensão e concepção, de maneira mais aproximada, tudo que havia sido verbalizado nas entrevistas. No que concerne ao perfil das vítimas de violência sexual e seus agressores, a pesquisa mostrou que, apesar de os dados não serem oficiais, e de o Ministério da Saúde informar que as estatísticas elaboradas pelos órgãos que atendem a esse público não estão em sintonia, o que foi notado é que eles (os dados) não divergem, não se contradizem. Obviamente que em alguns órgãos o número de vítimas será maior ou menor que em outros, no entanto isso não significa, ou pelo menos não constituiu nesta pesquisa, contradição entre os perfis. O perfil da vítima é quase sempre de mulheres jovens, a maioria adolescente com idade entre 13 e 18 anos; quando ocorre com homens, geralmente são crianças ou nos primeiros anos da adolescência, e seus agressores são pessoas do ambiente familiar, sejam eles: vizinhos, pais, padrastos, tios, primos, avôs; em razão disso, a violência ocorre no espaço conhecido pela vítima: em sua casa, na do agressor, ou de algum familiar. O que deu mais sabor à pesquisa, e também mais trabalho foi observar que tudo era muito novo, não só para a pessoa da pesquisadora, mas para a própria Instituição que não tem seu histórico publicado. E, além disso, que os peritos médico-legais, no seu fazer profissional, não têm aproximação com outras áreas da pesquisa que não as ciências da saúde. Isso dificultou no entendimento da importância da pesquisa e na gravação das entrevistas. Considera-se, então, que as representações que peritos médico-legais fazem das vítimas de violência sexual não divergem da forma como a sociedade visualiza esses indivíduos. Quanto a essas representações dos peritos médico-legais sobre as vítimas, cite-se 129 Elias (1994), o qual esclarece que todas as pessoas necessitam de outras que existiam antes delas para lhes possibilitar crescer. Muito embora exista uma liberdade individual do movimento, há também uma “ordem oculta”, que é, aparentemente, imperceptível. Essa liberdade de escolha é restrita, depende do meio no qual a pessoa nasce e cresce da sua situação financeira da sua família, da sua educação. Ou seja, o indivíduo vive e viveu em uma rede de dependência impossível de ser rompida, e ficam presos aos “formalismos” de cada ocasião. Essas “redes” de relações não surgem do somatório de pretensões pessoais individualmente, mas sim, de decisões comuns de pessoas individuais, ocorrem num contexto exterior ao próprio indivíduo. Essas decisões acontecem de forma encadeada: estão relacionadas com terceiros e uma depende da outra. Esse encadeamento de funções, ou seja, essa “rede” de funções dá origem à sociedade. Dessa forma, as representações que os peritos médico-legais têm em relação às vítimas de violência sexual estão interligadas à forma como a sociedade visualiza esses indivíduos, ela faz parte dessa “rede”, dessa “ordem oculta” geradora das mentalidades coletivas. Estudar a sociedade contemporânea não é algo simples, pois ela é muito dinâmica, e foi essa dinamicidade que possibilitou vários processos de mudança social e gerou uma maior demanda da população por direitos sociais que eram anteriormente esquecidos. As mulheres, até o início no século passado, eram uma categoria à margem da cidadania. Dantes, o estupro era apenas considerado quando fosse realizada com uma mulher “honesta”, essa compreensão foi ampliada e a legislação passou a visualizá-lo quando houvesse a conjunção carnal. Porém, uma parcela da população, os homens, ainda ficava desprotegida; diante disso, no ano de 2009 a legislação foi novamente alterada e se inseriram os homens nesse campo. Então, com pouco mais de um século de lutas sociais, principalmente pelos direitos humanos, fizeram eclodir várias transformações na esfera legal. Todavia, por mais que essas mudanças tenham ocorrido, elas não geraram grandes alterações no imaginário popular, e nas instituições que atendem a essa demanda. Notou-se que o crime sexual é muito combatido quando realizado com crianças e adolescentes, até porque eles são indivíduos em processo de formação que ainda não respondem por si. No entanto, os crimes cometidos contra mulheres adultas e homens ainda são esquecidos. Sabe-se que muitas mulheres são violentadas pelos seus companheiros (SAFFIOTI, 2004), mas esses crimes não são divulgados. Que muitos homens, gays também sofrem com essa violência, 130 mas também pouco se comenta, no IML/SE não foi realizada nenhuma perícia, no período estudado, com gays. Diante do exposto, foi visualizado, no discurso dos peritos médico-legais, que eles estabelecem assimetrias entre homens e mulheres, consideram a mulher apenas como passiva na violência sexual, e não podem assumir um papel ativo no ato sexual, através de outros mecanismos violentos que não apenas o órgão sexual. E que os homens também não são passivos, apesar de ter pessoas do sexo masculino que sofreram estupro, os profissionais quase nunca fazem menção a essa parcela da sociedade. Nesse aspecto, visualiza-se que o homem sofre mais que a mulher, visto que, o que a sociedade espera dele é um papel de homem viril, forte, invulnerável e provedor; e não de uma pessoa que sofre violência sexual. Tanto é que a forma mais habitual de humilhar um detento no sistema prisional é a violência sexual. Para o Ministério da Saúde, o ideal é que o atendimento da mulher vítima de violência sexual seja prestado por equipe interdisciplinar composta por médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, e que cada um cumpra papel específico no atendimento à vítima. Para que isso ocorra, todos devem estar sensibilizados para as questões da violência e serem capacitados para acolher e oferecer suporte às suas principais demandas. Entende-se que é importante capacitar os membros da equipe de saúde, inclusive os que trabalham indiretamente com as mulheres vítimas de violência sexual para que possam ter um melhor desempenho profissional. Nesse sentido, é necessário que os profissionais de saúde, que atendem esse tipo de vítima, se defrontam em seu cotidiano com situações que os mobilizam emocionalmente, por vezes de uma forma bastante intensa. Isso não só dificulta o seu trabalho, como também acarreta um grau de sofrimento pessoal, porque experimentam sentimentos e emoções que precisam ser reconhecidos e trabalhados, para assim promover uma melhor assistência a essas vítimas e também garantir sua saúde, como trabalhador. Existe uma necessidade de capacitação dos profissionais que atendem a esse público, pois se visualizou, durante o decorrer deste estudo é que falta aos funcionários e também aos peritos médico-legais capacitação em relações de gênero que possa garantir o atendimento dessa demanda com mais qualidade. Porém, esta não é uma realidade apenas do IML/SE, mas da maioria dos profissionais que atendem a esse público nas áreas de saúde, educação, juristas (HABIGZANG ET AL, 1995). 131 Diante disso, cabe ao Estado investir em políticas públicas que visem a desmistificar esse crime. A maior dificuldade na comprovação da prova clínica hoje não é o pouco quantitativo de perito, visto que qualquer horário que o cidadão procure atendimento no IML/SE existe um perito de plantão. Mas, sobretudo, a demora da família e da vítima em procurar atendimento, em realizar a denúncia. Diante disso, quando o exame de corpo de delito é realizado a prova não existe mais e a perícia fica inconclusiva e não ajuda, como deveria, no processo judicial. A falta de recursos humanos é um grave problema e o Estado deve intervir. É inimaginável um IML que atende a uma população de aproximadamente 2.068.017 habitantes contar com apenas nove peritos médico-legais, desses, dois já na iminência de se aposentar. E mais agravante ainda é a pericia odonto-legal que possui apenas um profissional. O IML/SE necessita ainda de melhorias, no entanto durante o tempo de realização da pesquisa observou-se uma gigantesca melhoria da qualidade do serviço. No início da pesquisa, a geladeira que guarda os corpos quebrava, mas hoje isso não ocorre mais; antes o IML/SE tinha um cheiro característico de morte; hoje, quando chega à recepção a pessoa não sente esse odor; antes os laudos eram em papel hoje o IML/SE é todo informatizado. Segundo o diretor da instituição, o IML/SE esta desenvolvendo um sistema informatizado que irá compilar os dados genéticos dos estupradores que ficarão disponíveis nacionalmente, com isso quando um indivíduo realizar um estupro em Sergipe e depois realizar no Rio Grande do Sul as delegacias de polícia e o Poder Judiciário saberão do crime que ele cometeu. Diante de tudo que foi analisado, visualiza-se que são importantes estudos continuados visando a ampliar esta pesquisa. Que é fundamental pesquisar os laudos periciais, analisar a necropsia de pessoas que morreram após serem violentadas. Enfim, que o conhecimento relativo a este tema e a este campo de pesquisa possa ser divulgado e ampliado nas discussões acadêmicas. 132 REFERÊNCIAS ABBUD, Valderez Deusdedit. A temática da mulher: os velhos modelos estão voltando. Correio da Cidadania. [ca. 2002] Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2002. ALVES, Maria Betânia. Cidadania, direitos humanos e direitos das mulheres. In: BRUSCHINI, C. UNBEHAUM, S.C. Gênero, democracia e sociedade. SP: Fundação Carlos Chagas; Editora 34, 2002, pp. 123-138. AMÂNCIO, Lígia. As assimetrias nas representações de gênero. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 34, 1992. AMORETTI, Rogério. A educação médica diante das necessidades sociais em saúde. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v . 29, nº 2, maio/ago. 2005 pp. 136-146 ARAUJO, Liliana Aragão. Violência sexual: denúncia na Delegacia Especial de Atendimento a Mulher de Aracaju – SE. (2008). 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(esclarecer sexo, idade, raça e condição econômica e social) 02- A vítima chega ao IML/SE para a realização da perícia acompanhada? Quem a acompanha? 03- Como é realizado o acolhimento? 04- O IML possui uma área específica para atendimento dessa demanda? 142 TEMA B – Da realização da perícia 05- Como é realizado o exame pericial? 06- Quais aspectos da violência sexual são considerados para a elaboração do laudo? 07- Como as vítimas, no ato da realização do exame pericial, representam para você a vivência da violência? TEMA C – Dos encaminhamentos 08- Quais os encaminhamentos prestados pelo IML as vítimas de violência sexual? 09- Existe comunicação do IML com os outros órgãos de atendimento as vítimas de violência sexual, a exemplo da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, CREAS, conselhos tutelares e delegacias? TEMA D – EXPRESSÃO LIVRE DE OPINIÕES 10- Geralmente, qual a relação que a vítima possui com o agressor? 11- Quais os desafios que o perito médico-legal do IML/SE possui na realização do seu trabalho? 12- Para você, a recente alteração do código penal sobre os crimes sexuais, considerando estupro constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, gerou mudança no imaginário sobre esse crime? 13- Em sua opinião, quais políticas deveriam ser fortalecidas para a diminuição da violência sexual? 14- Na sua visão, por que a violência acontece geralmente com mulheres? (questionar se a postura da mulher fortalece a violência contra ela) 15- Qual proposta você sugere para a diminuição nos índices de violência sexual? 16- Você gostaria de falar ou explicar alguma coisa que considera importante de ser conversado e que não chegamos a tocar nesta entrevista? V) AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS FINAIS Horário de término da entrevista: 143 ANEXOS 144 ANEXO A: MODELO DE LAUDO DO EXAME ESTUPRO DE VULNERÁVEL 145 ANEXO B: MODELO DE LAUDO DE SEDUÇÃO E CORRUPÇÃO DE MENORES 146 ANEXO C: COMPROVANTE DE EXAME 147 ANEXO D – LEI COMPLEMENTAR 79/2002. LEI COMPLEMENTAR Nº. 79 DE 27 DE DEZEMBRO DE 2002 Publicado no Diário Oficial No 99999, do dia 28/12/2002 Dispõe sobre Organização Básica e Normas Gerais de Funcionamento da Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, e sobre Carreiras de Atividades Periciais, e dá providências correlatas. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE, Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado aprovou e que eu sanciono a seguinte Lei Complementar: LIVRO ÚNICO DA COORDENADORIA GERAL DE PERÍCIAS TÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO E DO FUNCIONAMENTO CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º. A Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, criada pela Lei Complementar no 05, de 29 de janeiro de 1991, de conformidade com o Art. 131 da Constituição do Estado de Sergipe, fica organizada e tem as suas normas gerais de funcionamento estabelecidas de acordo com o disposto nesta Lei Complementar. CAPÍTULO II DO CONCEITO, DA FINALIDADE E DA COMPETÊNCIA Art. 2º. A Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, é órgão de natureza operacional integrante da estrutura orgânico-administrativa da Secretaria de Estado da Segurança Pública, da Administração Direta do Poder Executivo do Estado de Sergipe. Parágrafo único. A Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, é órgão de subordinação diretamente ligada ao Secretário de Estado da Segurança Pública. 148 Art. 3º. A Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, tem por finalidade a promoção, execução e coordenação das perícias criminalísticas, medico-legais e odonto-legais, dos serviços de identificação, do desenvolvimento de estudos e pesquisas, e demais ações e atividades relativas à sua área de atuação. Art. 4º. É da competência da Coordenadoria-Geral de Perícias: I - Promover o reconhecimento e o levantamento de vestígios materiais relativos à infração penal, a identidade do criminoso e da vítima e à conseqüente interpretação; II - Realizar e desenvolver estudos, exames, pesquisas e testes laboratoriais, com relação às perícias criminalísticas, médico-legais e odonto-legais; III - Promover e executar as ações de polícia técnico-científica, para atendimento as requisições da polícia judiciária e do Poder Judiciário; IV - Promover e executar as atividades relativas aos serviços de identificação civil, bem como desenvolver estudos e pesquisas destinados ao seu aprimoramento; V - Controlar e supervisionar as atividades de perícia técnico-científica relacionadas à criminalística, à medicina legal e à odontologia legal, bem como aos serviços de identificação; VI – Fomentar o aperfeiçoamento do pessoal de apoio às atividades inerentes as áreas de criminalística, perícia médico-legal e odonto-legal, identificação, análises e pesquisas forenses; VII - Realizar serviços de inspeção e correição técnico-administrativa no âmbito de sua atuação em criminalística, medicina legal e odontologia legal, identificação, e análises e pesquisas forenses; VIII - Exercer outras atividades afins ou correlatas, especialmente aquelas que legal ou regularmente lhe forem atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. CAPÍTULO III DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL Art. 5º. A estrutura organizacional básica da Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, compreende: I - Órgão de Direção Superior: Coordenadoria-Geral - CG; II - Órgão de Apoio e Assessoramento: Gabinete do Coordenador-Geral - GCG; III - Órgãos Operacionais: 149 ( Instituto de Criminalística - IC; ( Instituto Médico Legal - IML; ( Instituto de Identificação - ID; Instituto de Análises e Pesquisas Forenses - IAPF. Art. 6º. As atividades-meio da Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, como órgão integrante da estrutura orgânico-administrativa da Secretaria de Estado da Segurança Pública, são as exercidas pelos órgãos ou setores instrumentais que desempenham as atividades de administração geral da mesma Secretaria de Estado. CAPÍTULO IV DA COMPETÊNCIA E ADMINISTRAÇÃO DOS ÓRGÃOS Seção I Da Coordenadoria-Geral Art. 7º. A Coordenadoria-Geral tem por competência a direção superior da COGERP, sendo exercida por Perito da Classe Final da respectiva Carreira de Atividades Periciais, ocupante do cargo de provimento em comissão de Coordenador-Geral de Perícias, nomeado pelo Governador do Estado. Parágrafo único. No exercício da direção superior da COGERP, o Coordenador-Geral de Perícias tem, além de outras, legal ou regularmente previstas, as seguintes atribuições básicas: I - Dirigir, supervisionar, coordenar, controlar e fiscalizar as atividades e o desempenho das funções da Coordenadoria-Geral; II - Programar e promover a distribuição e designação do pessoal de apoio, operacional e auxiliar da Coordenadoria-Geral, observadas as disposições legais; III - Auxiliar, imediata e diretamente, o Secretário de Estado da Segurança Pública; IV - Avocar, excepcional e fundamentadamente, no âmbito da COGERP, para exame e redistribuição, assuntos ou matérias de competência da mesma Coordenadoria-Geral; V - Assessorar o Secretário de Estado da Segurança Pública nos assuntos da área de competência da Coordenadoria-Geral; VI - Promover a execução dos atos necessários à eficaz e eficiente administração da Coordenadoria-Geral e à plena realização da sua finalidade; VII - Exercer ou promover o exercício das demais atividades inerentes ou correlatas à direção superior da Coordenadoria-Geral. 150 Seção II Do Gabinete do Coordenador-Geral Art. 8º. Ao Gabinete do Coordenador-Geral - GCG, órgão de subordinação direta da COGERP, compete prestar apoio e assistência ao Coordenador-Geral de Perícias, no desenvolvimento de suas atividades administrativas, políticas e de representação social, organizando o seu expediente e a pauta de suas audiências, reuniões e despachos, e nos assuntos da Coordenadoria-Geral, bem como exercer outras atividades ou atribuições correlatas e as que lhe forem regularmente conferidas ou determinadas. Parágrafo único. O Gabinete do Coordenador-Geral é subordinado diretamente ao Coordenador-Geral de Perícias e dirigido por um Perito de Carreira de Atividades Periciais, ocupante do cargo de provimento em comissão de Chefe de Gabinete, nomeado pelo Governador do Estado. Seção III Do Instituto de Criminalística Art. 9º. Ao Instituto de Criminalística - IC, órgão de subordinação direta da Coordenadoria- Geral de Perícias, compete à realização de exames periciais, na área de criminalística, com a finalidade de fornecer elementos e provas de convicção técnico-científica, no curso de inquéritos ou investigações policiais e processos ou diligências judiciais, bem como desenvolver estudos e pesquisas científicas no campo da criminalística, além de desempenhar outras atividades afins ou inerentes, cabendo-lhe, basicamente: I - Realizar a programação, coordenação, execução e controle, em todo o Estado, dos exames periciais e dos estudos e pesquisas de assuntos inerentes à criminalística; II - Auxiliar os órgãos de execução da Polícia Civil, provendo-os de meios técnico-científicos, na área de criminalística, necessários ao exercício das suas atividades policiais; III - Articular-se com outros órgãos técnicos e/ou científicos, visando ao aprimoramento do serviço, em particular no que diz respeito a exames periciais e pesquisas de criminalística; IV - Providenciar certidões e demais documentos próprios de sua área de competência; V - Exercer outras atividades afins ou correlatas, especialmente aquelas que regularmente lhe forem atribuídas ou determinadas pelo Coordenador-Geral de Perícias, ou por outra autoridade também competente. Parágrafo único - O Instituto de Criminalística é subordinado diretamente ao Coordenador- Geral de Perícias e dirigido por um Perito Criminalístico da Classe Final da Carreira, ocupante do cargo de provimento em comissão de Diretor do Instituto de Criminalística, nomeado pelo Governador do Estado. Seção IV 151 Do Instituto Médico-Legal Art. 10. Ao Instituto Médico Legal - IML, órgão de subordinação direta da Coordenadoria- Geral de Perícias, compete à realização de exames periciais, na área de medicina legal, bem como exames em pessoas vivas, cadáveres, e peças anatômicas, e identificação humana, também no campo de odontologia legal, necessários ao esclarecimento de inquéritos ou investigações policiais e processos ou diligências judiciais, bem como desenvolver estudos e pesquisas relativos às áreas médico-legal e odonto-legal, além de desempenhar outras atividades afins ou inerentes, cabendo-lhe, basicamente: I - Realizar a programação, coordenação, execução e controle, em todo o Estado, dos exames e perícias médico-legais, e odonto-legais, e dos estudos e pesquisas em assuntos de natureza policial relativos a medicina legal, e também odontologia legal; II - Auxiliar os órgãos de execução da Polícia Civil, provendo-os de meios técnico-científicos, nas áreas médico-legal e odonto-legal, necessários ao exercício das suas atividades policiais; III - Articular-se com outros órgãos técnicos e/ou científicos, visando ao aprimoramento do serviço, em particular no que diz respeito a exames, perícias e pesquisas médico-legais, e odonto-legais; IV - Providenciar certidões e demais documentos próprios de sua área de competência; V - Exercer outras atividades afins ou correlatas, especialmente aquelas que regularmente lhe forem atribuídas ou determinadas pelo Coordenador-Geral de Perícias, ou por outra autoridade também competente. Parágrafo único - O Instituto Médico Legal é subordinado diretamente ao Coordenador-Geral de Perícias e dirigido por um Perito Médico-Legal ou Perito Odonto-Legal da Classe Final da respectiva Carreira, ocupante do cargo de provimento em comissão de Diretor do Instituto Médico Legal, nomeado pelo Governador do Estado. Seção V Do Instituto de Identificação Art. 11. Ao Instituto de Identificação - ID, órgão de subordinação direta da Coordenadoria- Geral de Perícias, compete realizar exames e expedir documentos, e processar e arquivar prontuários, na área de identificação civil e criminal, bem como desenvolver estudos e pesquisas relativos a impressões digitais e papilas dérmicas, e atividades necessárias ao cadastramento de pessoas físicas e à elaboração de dados estatísticos, além de desempenhar outras atribuições afins, cabendo-lhe, basicamente: I - Realizar a programação, coordenação, execução e controle, em todo o Estado, dos serviços, exames, perícias, estudos, pesquisas e prontuários em assuntos referentes à identificação; II - Auxiliar os órgãos de execução da Polícia Civil, provendo-os de meios técnicos, na área de identificação, necessários ao exercício das suas atividades policiais; 152 III - Articular-se com outros órgãos técnicos e/ou científicos, visando ao aprimoramento do serviço, em especial no que diz respeito a serviços, exames e perícias na área de identificação; IV - Expedir documentos de identidade e providenciar certidões e demais documentos próprios de sua área de competência; V - Exercer outras atividades afins ou correlatas, especialmente aquelas que lhe forem atribuídas ou determinadas pelo Coordenador-Geral de Perícias, ou por outra autoridade também competente. Parágrafo único. O Instituto de Identificação é subordinado diretamente ao Coordenador- Geral de Perícias e dirigido por um Perito da Classe Final de Carreira de Atividades Periciais, ocupante do cargo de provimento em comissão de Diretor do Instituto de Identificação, nomeado pelo Governador do Estado. Seção VI Do Instituto de Análises e Pesquisas Forenses Art. 12. Ao Instituto de Análises e Pesquisas Forenses - IAPF, órgão de subordinação direta da Coordenadoria-Geral de Perícias, compete à realização de análises e exames periciais de natureza laboratorial, e pesquisas químicas, biológicas e físicas, e de investigação no campo da antropologia forense, informática forense e fonética forense, com a finalidade de fornecer elementos e provas de convicção técnica, no curso de inquéritos ou investigações policiais e processos ou diligências judiciais, bem como desenvolver estudos e pesquisas na sua área de atuação, além de desempenhar outras atividades inerentes, cabendo-lhe, basicamente: I - Realizar a programação, coordenação, execução e controle, em todo o Estado, dos serviços, análises, exames, perícias, estudos e pesquisas em assuntos da sua competência; II - Auxiliar os órgãos da Polícia Civil, possibilitando-lhes obter elementos e meios técnicos, referentes a análises, exames, perícias, pesquisas e investigações, na área forense, necessários ao exercício das suas atividades policiais; III - Articular-se com outros órgãos técnicos e/ou científicos, visando ao aprimoramento do serviço, em especial no que diz respeito a análises, exames, perícias e pesquisas forenses; IV - Providenciar certidões e demais documentos relativos aos assuntos da sua competência; V - Exercer outras atividades afins ou coorrelatas, especialmente as que lhe forem atribuídas ou determinadas pelo Coordenador-Geral de Perícias, ou por outra autoridade também competente. Parágrafo único. O Instituto de Análises e Pesquisas Forenses é subordinado diretamente ao Coordenador-Geral de Perícias e dirigido por um Perito da Classe Final de Carreira de Atividades Periciais, ocupante do cargo de provimento em comissão de Diretor do Instituto de Análises e Pesquisas Forenses, nomeado pelo Governador do Estado. CAPÍTULO V 153 DAS ATRIBUIÇÕES COMUNS DE TITULARES DE ÓRGÃOS Art. 13. São atribuições comuns dos titulares dos órgãos de apoio e assessoramento e dos órgãos operacionais, além das previstas em leis e regulamentos e daquelas decorrentes do exercício das competências dos mesmos órgãos: I - Dirigir, coordenar, controlar e fiscalizar a realização dos serviços e o desempenho das atividades das respectivas unidades e subunidades orgânicas; II - Auxiliar, imediata e diretamente, o Coordenador-Geral de Perícias; III - Propor, ao superior hierárquico, medidas disciplinares que se fizerem necessárias, para os servidores que atuem ou trabalhem na sua unidade e/ou subunidades orgânicas; IV - Sugerir a adoção de normas, orientações, medidas ou procedimentos administrativos visando melhorar o funcionamento, a atuação e o desempenho de sua unidade e/ou subunidades orgânicas. V - Exercer ou promover o exercício das demais atribuições necessárias à direção do respectivo órgão. TÍTULO II DAS CARREIRAS DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DE ATIVIDADES PERICIAIS CAPITULO I DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS Art. 14. São Servidores Públicos Civis de Atividades Periciais, para os efeitos desta Lei Complementar, os servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das respectivas Carreiras, integrantes do Quadro Geral de Pessoal do Poder Executivo Estadual - Administração Direta, que exercem suas funções e atribuições na realização das perícias criminalísticas, médico-legais e odonto-legais, dos serviços de identificação, do desenvolvimento de estudos e pesquisas, e demais ações e atividades dessas áreas de atuação. § 1º. Os Servidores de que trata o “caput” deste artigo são organizados em Carreiras, com respectivas atribuições e responsabilidades funcionais, que constituem as Carreiras de Atividades Periciais. § 2º. As Carreiras de Atividades Periciais são estruturadas em Classes escalonadas, compreendidas pelos cargos de provimento efetivo que as integram, e dispostas em número ordinal de forma inversamente crescente, ou seja, do número maior para o menor. CAPÍTULO II DA DEFINIÇÃO, DESCRIÇÃO E ATRIBUIÇÕES 154 DAS CARREIRAS Seção I Da Definição das Carreiras Art. 15. São Carreiras de Atividades Periciais: Carreira de Perito Criminalístico; Carreira de Perito Médico-Legal; Carreira de Perito Odonto-Legal; Carreira de Agente-Técnico de Necrópsia; Carreira de Papiloscopista; Carreira de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística; Carreira de Agente-Técnico em Radiologia Médica. § 1º. Cada uma das Carreiras de Atividades Periciais indicadas no “caput” deste artigo é constituída de cargos de provimento efetivo que têm a mesma denominação da Carreira que constituem. § 2º. Além das Carreiras definidas no “caput” deste artigo, que são carreiras funcionais permanentes, existem as Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, estabelecidas de forma específica nesta Lei Complementar, que são carreiras funcionais em extinção, igualmente constituídas de cargos de provimento efetivo com a denominação da correspondente carreira, conforme o § 1º também deste artigo, sendo que somente se aplicam, a essas Carreiras Auxiliares, as disposições desta mesma Lei Complementar em que, no respectivo texto, sejam explicitamente incluídas ou citadas. Seção II Da Carreira de Perito Criminalístico Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 16. Perito Criminalístico é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições de realização de perícias criminalísticas e demais ações e atividades de estudos, exames, pesquisas e serviços, bem como ações de polícia técnico-científica, na área de criminalística, dos órgãos e setores de execução e coordenação de perícias da Administração Estadual. 155 Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 17. São atribuições básicas do Perito Criminalístico, além de outras atribuições legal ou regularmente estabelecidas: I - realizar perícias em geral na área criminal, por requisição ou decisão de autoridades policiais e judiciárias; II - realizar exames periciais documentoscópicos, datiloscópicos, balísticos, laboratoriais, em locais de crimes contra a vida e/ou patrimônio, e reproduções simuladas; III - desenvolver estudos e pesquisas; IV - elaborar trabalhos técnico-científicos na área de criminalística; V - preparar laudos, com objetividade e clareza, evitando linguagem excessivamente técnica, a fim de propiciar sua interpretação no interesse da polícia e da justiça; VI - participar de equipe de plantão na execução dos exames em locais de delitos; VII - participar em programa de formação e treinamento de pessoal na área de criminalística; VIII - desempenhar outras atribuições inerentes ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. Seção III Da Carreira de Perito Médico-Legal Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 18. Perito Médico-Legal é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições de realização de perícias médico-legais e demais ações e atividades de estudos, exames, pesquisas e serviços, bem como ações de polícia técnico-científica, na respectiva área médico-legal, dos órgãos e setores de execução e coordenação de perícias da Administração Estadual. Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 19. São atribuições básicas do Perito Médico-Legal, além de outras atribuições legal ou regularmente estabelecidas: 156 I - realizar perícias e exames periciais em geral na área médico-legal, por requisição ou decisão de autoridades competentes; II - realizar exames periciais em pessoas vivas, cadáveres, e peças anatômicas, para, principalmente, identificação humana; III - realizar necrópsias, e fazer perícias de exumações de cadáveres; IV - cooperar em programas de educação sanitária; V - desenvolver estudos e pesquisas; VI - preparar laudos, com objetividade e clareza, evitando linguagem excessivamente técnica, para propiciar sua interpretação no interesse da polícia e da justiça; VII - participar em programas de formação e treinamento de pessoal na área de medicina legal; VIII - desempenhar outras atribuições inerentes ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. Seção IV Da Carreira de Perito Odonto-Legal Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 20. Perito Odonto-Legal é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições de realização de perícias odonto-legais e demais ações e atividades de estudos, exames, pesquisas e serviços, bem como ações de polícia técnico-científica, na respectiva área odonto-legal, dos órgãos e setores de execução e coordenação de perícias da Administração Estadual. Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 21. São atribuições básicas do Perito Odonto-Legal, além de outras atribuições legal ou regularmente estabelecidas: I - realizar perícias e exames periciais em geral na área odonto-legal, por requisição ou decisão de autoridades competentes; II - participar da realização de exames periciais em pessoas vivas, cadáveres, e peças anatômicas, para, principalmente, identificação humana, quando envolver a sua área de atuação; 157 III - participar da realização de necrópsias, e acompanhar perícias de exumações de cadáveres, quando necessário ou solicitado; IV - cooperar em programas de educação sanitária; V - desenvolver estudos e pesquisas; VI - preparar laudos, com objetividade e clareza, evitando linguagem excessivamente técnica, para propiciar sua interpretação no interesse da polícia e da justiça; VII - participar em programas de formação e treinamento de pessoal na área de odontologia legal; VIII - desempenhar outras atribuições inerentes ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. Seção V Da Carreira de Agente-Técnico de Necrópsia Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 22. Agente-Técnico de Necrópsia é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições relativas a realização de exumação e conservação de cadáveres, e efetuação de necrópsias, nas áreas referentes à atuação da criminalística, da medicina legal e da odontologia legal, dos órgãos e setores de execução e coordenação de perícias da Administração Estadual. Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 23. São atribuições básicas do Agente-Técnico de Necrópsia, além de outras atribuições legal ou regularmente estabelecidas: I - realizar exumações, e, quando necessário, conservação de cadáveres ou partes de corpos; II - participar da realização de necrópsias, e efetuar seccionamento ou cortes de corpos, retirada de vísceras e outras tarefas inerentes; III - prestar assistência ao perito legista nos trabalhos de necrópsias, e restaurar partes seccionadas ou danificadas nos corpos necropsiados; IV - auxiliar na realização de exames periciais e acompanhar o sepultamento de peças de corpos ou cadáveres; 158 V - realizar, quando necessário, o transporte de peças de corpos ou cadáveres para locais de exames periciais; VI - providenciar e cuidar da guarda, higienização e conservação do instrumental que, sob sua responsabilidade, seja utilizado nos trabalhos de exumação, necrópsia e demais exames periciais inerentes; VII - fazer acompanhamento da disponibilidade, suprimento e estoque do material necessário à implementação dos serviços de exumações, necrópsias e exames periciais inerentes; VIII - participar em programas de formação e treinamento de pessoal na área de necrópsia e de atividades correlatas e auxiliares; IX - desempenhar outras atribuições afins ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. Seção VI Da Carreira de Papiloscopista Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 24. Papiloscopista é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições relativas a realização de exames periciais papiloscópicos, periciais em locais de crimes ou delitos, e identificação civil, e criminal, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias – COGERP, e/ou dos órgãos e setores de execução e coordenação de funções periciais da Administração Estadual. Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 25. São atribuições básicas do Papiloscopista, além de outras atribuições legal ou regularmente estabelecidas: I - efetuar levantamento de impressões latentes em locais de crimes, empregando substancias químicas, lentes e outros processos de rotina, para permitir realização de perícias; II - efetuar procedimentos técnicos, com o objetivo de localizar ou revelar vestígios de fragmentos de impressões latentes, para confirmação de presença de infratores em locais de delitos; III - realizar coleta de impressões digitais, exames ou analises de derma da pele, mucosas ou papilas dérmicas, classificar individuais e dados que permitam detectar indiciados de crimes e infratores da lei, organizar arquivo, prestar informações e zelar pela guarda dos registros; 159 IV - realizar serviços de identificação, para tornar possível a emissão ou substituição de cédulas de identidade civil; V - efetuar pesquisas e confrontos dactiloscópicos nos arquivos técnicos dos órgãos e setores de identificação e criminalística; VI - coletar impressões decadactilares e monodactilares em reclusos, usando meios apropriados, para identificar indivíduos e subsidiar fichamento criminal; VII - identificar cadáveres, realizando testes ou exames papilocópicos, para possibilitar a atuação e decisão de autoridades (Necropapiloscopia); VIII - realizar exames e redigir os laudos papiloscopicos, com objetividade, nos casos de perícias em impressões latentes e impressões digitais com entintamentos; IX - participar em programas de formação e treinamento de pessoal na área de papiloscopia; X - desempenhar outras atribuições inerentes ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. Seção VII Da Carreira de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 26. Agente-Técnico de Fotografia Criminalística é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições relativas a realização de procedimentos, levantamentos, e registros fotográficos, para atendimento a inquéritos, investigações, diligências, processos e outras ações policiais e judiciais, no âmbito dos órgãos e setores de execução e coordenação de funções periciais da Administração Estadual. Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 27. São atribuições básicas do Agente-Técncio de Fotografia Criminalística, além de outras atribuições legal e regularmente estabelecidas: I - fazer fotografias ou realizar procedimentos fotográficos de locais, pessoas, documentos, armas ou outros objetos em ações ou atividades policiais e/ou judiciais; II - realizar levantamentos fotográficos, conforme orientação, instruções ou normas policiais ou judiciais, para verificação ou registro de detalhes e/ou vestígios necessários aos inquéritos, investigações, diligências, processos e outras ações; 160 III - fazer revelações, cópias e reproduções de filmes, para atendimento às requisições dos serviços de interesse policial e/ou judicial; IV - realizar ampliações e variações de reproduções para emissão de cópias fotográficas com características e tamanhos requeridos pelos serviços; V - registrar o material utilizado nas atividades fotográficas, objetivando a efetivação de controle de estoque e reposição; VI - promover e participar da manutenção e conservação dos equipamentos e materiais componentes utilizados nas atividades fotográficas; VII - registrar, organizar e manter arquivo de fotografias, filmes, chapas, negativos, e outros materiais fotográficos, para fins de guarda, conservação, consultas e pesquisas; VIII - participar de equipes de plantão ou de viagens, para realização de trabalhos rotineiros ou para procedimentos ou coberturas fotográficas específicos; IX - participar em programas de formação e treinamento de pessoal na área de atividades fotográficas de interesse policial e judicial; X - desempenhar outras atribuições afins ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. Seção VIII Da Carreira de Agente-Técnico em Radiologia Médica Subseção I Da Descrição do Cargo Art. 28. Agente-Técnico em Radiologia Médica é o servidor público civil ocupante do cargo de provimento efetivo que tem essa denominação, a quem cabe exercer ou desempenhar as atividades ou atribuições relativas a realização de exames radiológicos periciais em locais de crimes ou delitos, e identificação radiológica e periciais em locais de crimes ou delitos, no âmbito dos órgãos e setores de execução e coordenação de funções periciais da Administração Estadual. Subseção II Das Atribuições do Cargo Art. 29. São atribuições básicas do Agente-Técnico em Radiologia Médica, além de outras atribuições legais e regularmente estabelecidas: I – fazer radiologias ou realizar procedimentos radiológicos em pessoas, ou partes dessas, objetos em ações ou atividades policiais e/ou judiciais; 161 II – realizar levantamento radiológicos, conforme orientação, instruções ou normas policiais ou judiciais, para verificação ou registro de detalhes e/ou vestígios necessários aos inquéritos, investigações, diligências, processos e outras ações; III – fazer revelações, cópias e reproduções de chapas radiológicas, em atendimento às requisições dos serviços de interesse policial e/ou judicial; IV – proceder ao registro, controle e preservação do material utilizado nas atividades radiológicas, objetivando a efetivação de controle de estoque e reposição; V – promover e participar da manutenção e conservação dos equipamentos e materiais componentes utilizados nas atividades radiológicas; VI – registrar, organizar e manter arquivo de chapas radiológicas e laudos radiológicos, para fins de guarda, conservação, consultas e pesquisas; VII _ participar de equipes de plantão para realização de trabalhos rotineiros ou para procedimentos ou coberturas radiológicas específicas; VIII – participar em programas de formação e treinamento de pessoal na área de atividades radiológicas de interesse policial e judicial; IX – desempenhar outras atribuições afins ou correlatas às funções do cargo, bem como as que forem regularmente atribuídas ou determinadas pela autoridade competente. CAPÍTULO III DA ESTRUTURA DAS CARREIRAS Art. 30. As Carreiras de Perito Criminalístico, de Perito Médico-Legal, de Perito Odonto- Legal, de Agente-Técnico de Necrópsia, de Papiloscopista e de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística são estruturadas, cada uma, em Série de 3 (três) Classes, hierarquicamente escalonadas, com as correspondentes atribuições e responsabilidades funcionais dos cargos da respectiva Carreira. Parágrafo único. As Classes de cada Carreira, referidas no “caput” deste artigo, denominam- se Terceira Classe (3ª Classe), Segunda Classe (2ª Classe) e Primeira Classe (1ª Classe), com quantitativos de cargos de provimento efetivo definidos de acordo com esta Lei Complementar, cujo preenchimento inicial somente se dá na Terceira Classe (3ª Classe), que é a classe inicial. Art. 31. O preenchimento das Classes das Carreiras de Perito Criminalístico, de Perito Médico-Legal, de Perito Odonto-Legal, de Agente-Técnico de Necrópsia, de Papiloscopista e de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística deve ser feito com estrita observância da seguinte forma: I - 3ª Classe - Classe Inicial - composta dos servidores quando ingressam, de forma inicial, em cada uma das Carreiras de Atividades Periciais, mediante concurso público de provas, ou de provas e títulos, atendidas as exigências legais, e conforme dispuser o respectivo edital; 162 II - 2ª Classe - Classe Intermediária - composta dos servidores de cada Carreira de Atividades Periciais, após classificados, respeitado o interstício de tempo mínimo de 3 (três) anos na classe imediatamente anterior (3ª Classe), mediante promoção por merecimento ou por antigüidade; III - 1ª Classe - Classe Final - composta dos servidores de cada Carreira de Atividades Periciais, após classificados, respeitado o interstício de tempo mínimo de 3 (três) anos na classe imediatamente anterior (2ª Classe), mediante promoção por merecimento ou por antigüidade. Parágrafo único. Do candidato submetido a concurso público, conforme disposto no “caput” deste artigo, deve ser exigida a escolaridade ou formação a seguir indicada, com a habilitação ou especificação, se for o caso, definida no respectivo edital, para ingresso na Classe Inicial: I - da Carreira de Perito Criminalístico, formação de Nível Superior - 3º (terceiro) grau completo; II - da Carreira de Perito Médico-Legal, formação de Nível Superior - 3º (terceiro) grau completo, na área de Medicina; III - da Carreira de Perito Odonto-Legal, formação de Nível Superior - 3º (terceiro) grau completo, em Odontologia; IV - da Carreira de Agente-Técnico de Necrópsia, formação de Nível Médio - 2º (segundo) grau completo; V - da Carreira de Papiloscopista, formação de Nível Médio - 2º (segundo) grau completo, e também conclusão de curso prático ou técnico de laboratório ou de química; VI - da Carreira de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística, formação de Nível Médio - 2º (segundo) grau completo. CAPÍTULO IV DO INGRESSO NAS CARREIRAS Art. 32. O ingresso de Servidores Públicos Civis nas Carreiras de Atividades Periciais somente se dá nos cargos da Terceira Classe (3ª Classe), que é a Classe Inicial da respectiva Carreira, e só é feito mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, realizado pelo Estado, segundo as disposições constantes nas Constituições Federal e Estadual, bem como na presente Lei Complementar e no Edital do Concurso. § 1º. O concurso público a que se refere o “caput” deste artigo deve ser precedido de ampla divulgação através de edital específico, publicado, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, no Diário Oficial do Estado e em, pelo menos, um jornal de grande circulação na Capital do Estado. § 2º. Devem constar do edital referido no parágrafo 1º deste artigo, entre outras instruções, as condições para inscrição, os requisitos para provimento dos cargos, o nível de escolaridade ou 163 formação do candidato, os tipos de provas, as matérias ou disciplinas sobre as quais devem versar as provas, os títulos considerados para classificação, se for o caso, os critérios de avaliação e julgamento das provas e dos títulos, a quantidade de vagas, o vencimento dos cargos, condições e prazos de recursos e de validade do concurso, além da data limite para nomeação dos concursados e habilitados, até o limite de vagas. § 3º. A realização de concurso público para ingresso nas Carreiras de Atividades Periciais deve ocorrer sempre que o número de vagas atingir a, no mínimo, um quarto da quantidade de cargos da Classe Inicial (3ª Classe), da respectiva Carreira. Art. 32. São requisitos básicos para inscrição do candidato no concurso público para cargo de provimento efetivo da Classe Inicial (3ª Classe) das Carreiras de Atividades Periciais: I – ser brasileiro; II – ter concluído, em instituição de ensino legalmente regular, o grau de escolaridade ou formação exigido para ingresso na Carreira, na formação da lei; III – ter cumprido as obrigações militares (no caso de candidato do sexo masculino); IV – estar quite com as obrigações eleitorais; V – ter boa conduta social e não possuir antecedentes criminais; VI – gozar de boa saúde física e mental; VII – satisfazer as demais condições e exigências previstas em leis e regulamentos e no edital do concurso. Art. 34. O concurso público para o cargo de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais deve ser realizado em 4 (quatro) fases, sucessivas, sendo as 3 (três) primeiras eliminatórias e a última (4ª fase) classificatória, conforme estabelecido a seguir: I - primeira fase – eliminatória – consiste de provas escritas sobre conhecimentos gerais e específicos; II - segunda fase – eliminatória – consiste de exame psicológico, e teste de aptidão física, observados critérios objetivos de avaliação, previamente definidos no edital; III - terceira fase – eliminatória – consta de: a) Participação efetiva, com exigência de freqüência, em Curso de Treinamento ou Preparação, promovido pela Academia de Polícia Civil de Sergipe, com duração mínima de 2 (dois) meses e carga horária de 240 (duzentos e quarenta) horas-aula; b) Prova final, versando sobre o conteúdo programático das disciplinas, matérias ou assuntos ministrados no Curso previsto na alínea “a” deste inciso; 164 IV - quarta fase – classificatória – julgamento e classificação, inclusive, se for o caso, de acordo com os títulos válidos apresentados. § 1º. Durante o tempo de realização do Curso de Treinamento ou Preparação, promovido pela Academia de Polícia Civil, que consta da terceira fase do concurso público, a que se referem às alíneas “a” e “b” do inciso III do “caput” deste artigo, os candidatos participantes que sejam servidores públicos ou de entidades públicas têm assegurada a percepção de sua remuneração, como ajuda de custo, e os que não sejam servidores devem receber, do Estado, uma ajuda de custo mensal, equivalente àquela remuneração dos que sejam servidores, calculada conforme o período do curso e das atividades de conclusão. § 2º. As despesas decorrentes da ajuda de custo de que trata o parágrafo 1º deste artigo devem correr à conta de dotações apropriadas consignadas no Orçamento do Estado para o Poder Executivo, de acordo com esta Lei Complementar, podendo ser pagas, também, conforme as respectivas disponibilidades, com recursos provenientes do Fundo Especial para a Segurança Pública - FUNESP. TÍTULO III DO PROVIMENTO, DO DESENVOLVIMENTO E DA MOVIMENTAÇÃO NOS CARGOS DAS CARREIRAS CAPÍTULO I DA NOMEAÇÃO, DA POSSE E DO EXERCÍCIO Art. 35. A nomeação dos candidatos aprovados, para os cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais, na Classe Inicial da Carreira para a qual se tenham habilitado, deve ser feita por Decreto do Governador do Estado, obedecida a ordem de classificação final no concurso. Parágrafo único. No que se refere à posse no cargo de provimento efetivo da Classe Inicial da Carreira, e quanto ao respectivo exercício, aplica-se o que a respeito dispõem a Lei nº 2.148, de 21 de dezembro de 1977 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe, bem como a legislação pertinente. CAPÍTULO II DO ESTÁGIO PROBATÓRIO Art. 36. O Servidor Público Civil que vier a ocupar um cargo de provimento efetivo, da Classe Inicial de uma Carreira de Atividades Periciais, nomeado em primeira investidura, deve comprovar, durante o Estágio Probatório, que preenche as exigências e satisfaz os requisitos necessários à sua confirmação no cargo e permanência no Serviço Público. § 1º. O Estágio Probatório compreende um período de 3 (três) anos de efetivo exercício, após o qual o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, a que se refere o “caput” deste artigo, adquire a condição de estável, e durante esse período deve ser verificado o preenchimento e atendimento das seguintes exigências e requisitos: 165 conduta idônea e ilibada, na atuação pública e na vida privada; aptidão para o exercício do cargo; disciplina; pontualidade; assiduidade; eficiência; dedicação ao Serviço Público; responsabilidade e organicidade no desempenho de suas tarefas e afazeres. § 2º. Deve ser exonerado o servidor que, durante o Estágio Probatório, deixar de preencher ou atender qualquer das exigências e requisitos referidos no parágrafo 1º deste artigo. § 3º. A apuração do não preenchimento ou não atendimento, se for o caso, de exigência ou requisito a que se referem os incisos do parágrafo 1º deste artigo, deve ser realizada em tempo hábil, de modo que a exoneração do servidor seja feita antes de findo o período do Estágio Probatório. § 4º. A apuração da conduta do servidor em estágio probatório, na vida privada, referida no inciso I do parágrafo 1º deste artigo, deve abranger, também, o tempo anterior à nomeação, devendo ser realizada pela Coordenadoria-Geral de Perícias. § 5º. O preenchimento das exigências e o atendimento dos requisitos referidos no inciso I, quanto à vida pública, e nos incisos II a VIII, do parágrafo 1º deste artigo, devem ser apurados através de relatórios circunstanciados, de caráter reservado, a respeito da atividade do servidor em estágio, na forma a ser estabelecida pelo Coordenador-Geral, a serem encaminhados à Coordenadoria-Geral - CG, para análise, avaliação e elaboração de relatórios periódicos. § 6º. Verificado que deixou de ser preenchida uma ou mais exigências ou deixou de ser atendido um ou mais requisitos dos referidos no parágrafo 1º deste artigo, o Coordenador- Geral de Perícias deve preparar um relatório periódico circunstanciado quanto ao desempenho do servidor em estágio, opinando sobre a conveniência da sua continuidade ou não no Serviço Público, e propondo, respectivamente, a sua permanência ou a sua exoneração, cujo relatório, autuado em Processo, deve ser encaminhado ao Secretário de Estado da Segurança Pública. § 7º. Acatando o opinamento sobre a conveniência da não continuidade e concordando com a proposta de exoneração, se for o caso, constante do relatório referido no parágrafo 6º deste artigo, o Secretário de Estado da Segurança Pública deve emitir o devido parecer, juntando ao Processo, e notificar o servidor em estágio, mediante ciência nos autos, para, a partir de então, apresentar sua defesa, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias úteis. § 8º. Em face do relatório e da defesa do servidor em estágio, a que se referem os parágrafos 6º e 7º deste artigo, o Secretário de Estado da Segurança Pública deve manifestar-se sobre a 166 questão, cabendo-lhe o pronunciamento conclusivo, opinando pelo arquivamento do Processo, com aceitação das razões da defesa, ou propondo a exoneração do servidor, por não aceitar as mesmas razões, e encaminhando o Processo ao Governador do Estado para decisão final. § 9º. No caso de decisão final pela aceitação das razões de defesa, o Processo deve retornar à Secretaria de Estado da Segurança Pública - SSP, para registro, controle e arquivamento, enquanto que, se não aceitas as razões de defesa, o Processo, com a respectiva decisão deve ser encaminhado aos setores competentes para exoneração do servidor em estágio. Art. 37. Se terminar o período do Estágio Probatório sem que tenha ocorrido exoneração, o servidor em estágio, então ocupante de cargo de provimento efetivo de Carreira de Atividades Periciais deve ficar automaticamente confirmado no cargo. Art. 38. Em qualquer hipótese, a exoneração do servidor em estágio, então ocupante de cargo de provimento efetivo de Carreira de Atividades Periciais, se for o caso, deve ocorrer antes de terminar o período do Estágio Probatório. Art. 39. O tempo de exercício anterior que o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo de Carreira de Atividades Periciais tiver em outro cargo de provimento efetivo, da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional do Estado de Sergipe, deve ser considerado para efeito do Estágio Probatório, desde que: I – não tenha havido interrupção entre o exercício do cargo anterior e o desse novo cargo; II – a nomeação para o cargo anterior tenha sido resultante de concurso público; III – em seu registro funcional não constem atos e/ou fatos que desabonem sua conduta no serviço público. Art. 40. Após a confirmação no cargo de provimento efetivo de Carreira de Atividades Periciais, na forma desta Lei Complementar, o servidor somente perde o mesmo cargo: I – se condenado a perda do cargo ou função pública, resultante de decisão judicial transitada em julgado; II – em decorrência de processo administrativo, em que lhe seja assegurada ampla defesa; III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei, também assegurada ampla defesa. CAPÍTULO III DA PROMOÇÃO Art. 41. A promoção do Servidor Público Civil ocupante de cargo de provimento efetivo de Carreira de Atividades Periciais, da Classe em que se encontrar, para a Classe imediatamente mais elevada, na respectiva Carreira, deve ser feita pelos critérios de antigüidade e de merecimento, alternadamente, na proporção de 2/3 (dois terços) e de 1/3 (um terço), respectivamente, das vagas existentes em cada Classe. 167 Art. 42. A antigüidade do servidor de Carreira de Atividades Periciais deve ser apurada na Classe e o merecimento pela sua atuação na respectiva Carreira. Art. 43. As promoções dos servidores das Carreiras de Atividades Periciais devem ser processadas pela Secretaria de Estado da Segurança Pública, de acordo com as vagas que ocorrerem em cada Classe. Parágrafo único. Para efeito do disposto no “caput” deste artigo, são incluídas as vagas decorrentes das promoções que devam ocorrer com o processamento nele previsto e abertas nas respectivas Classes. Art. 44. O interstício para promoção do servidor das Carreiras de Atividades Periciais é de 3 (três) anos de efetivo exercício do cargo, contado na Classe em que se encontrar, salvo se não houver quem preencha o tempo previsto nesse requisito. Art. 45. A promoção por antigüidade, do servidor das Carreiras de Atividades Periciais, deve ser processada com a ocorrência do interstício referido no art. 44 desta Lei Complementar, e encaminhada ao Governador do Estado para expedição do respectivo Decreto. Parágrafo único. O ato de promoção por antigüidade, caso ocorra, deve retroagir seus efeitos à data da formação do interstício, se naquela data existia a necessária vaga, ou, não existindo, os efeitos devem ser a partir da ocorrência da vaga. Art. 46. A participação no processo de promoção por merecimento, dos servidores das Carreiras de Atividades Periciais, depende de inscrição do interessado. Art. 47. Somente pode ser promovido por merecimento o servidor de Carreira de Atividades Periciais que: I - contar com o interstício referido no art. 44 desta Lei Complementar; II - figurar nos primeiros dois terços da lista de antigüidade de todos os servidores da respectiva Carreira; III - estiver no exercício das funções inerentes ao cargo; IV - não tiver sofrido pena disciplinar nos 12 (doze) meses consecutivos imediatamente anteriores à publicação da lista de vagas para promoções, nem estiver respondendo a processo administrativo ou outro procedimento disciplinar; V - for aprovado na avaliação de merecimento. § 1º. A avaliação de merecimento, para efeito de promoção do servidor das Carreiras de Atividades Periciais, deve ser feita por uma comissão constituída pelos Diretores dos 03 (três) Institutos Subordinados à Coordenadoria-Geral de Perícias – COGERP, e presidida pelo Coordenador-Geral de Perícias, designada para esse fim, de acordo com, entre outros, os seguintes critérios, aos quais devem ser atribuídos pontos: conduta; 168 assiduidade; pontualidade; eficiência; disciplina; hierarquia; probidade; ética profissional; qualidade do trabalho; idoneidade moral; conclusão de cursos de interesse pericial, como tais os declarados em atos da Coordenadoria- Geral de Perícias. § 2º. O merecimento do servidor das Carreiras de Atividades Periciais é progressivo, sendo proibido computar, por mais de uma vez, o mesmo título ou curso, para efeito de promoção por esse critério. § 3º. Os servidores das Carreiras de Atividades Periciais devem ter ciência da apuração dos requisitos exigidos para sua promoção por merecimento, para efeito de pedido de reconsideração e recurso hierárquico. Art. 48. O Secretário de Estado da Segurança Pública deve encaminhar ao Governador do Estado, em lista tríplice, para cada vaga existente, a relação dos candidatos aptos à promoção por merecimento, na ordem decrescente da respectiva classificação do servidor de Carreira de Atividades Periciais. Parágrafo único. A promoção por merecimento fica perfeita e acabada com a publicação do ato que a conceder. Art. 49. Além da respectiva fração de 2/3 (dois terços) prevista no art. 41 desta Lei Complementar, devem ser preenchidos também por antigüidade as vagas que não o forem pelo critério de merecimento, quando aquele número de vagas for superior ao de habilitados ou aprovados. Art. 50. O desempate na classificação para efeito de promoção do servidor de Carreira de Atividades Periciais deve ser resolvido pelo Coordenador-Geral de Perícias, observados, sucessivamente, os seguintes critérios: maior tempo de serviço na Carreira; maior tempo de serviço na Coordenadoria-Geral de Perícias; 169 maior tempo de serviço público estadual; maior nota no Curso de Treinamento ou Preparação a que se refere o art. 34, inciso III, desta Lei Complementar; maior tempo de idade do candidato. Art. 51. Deve ser declarado promovido, para os devidos efeitos, para a Classe mediatamente superior, o servidor de Carreira de Atividades Periciais que vier a falecer ou aposentar-se sem que tenha sido efetivada a promoção que lhe cabia. CAPÍTULO IV DA REMOÇÃO Art. 52. O Servidor Público Civil ocupante de cargo de provimento efetivo de Carreira de Atividades Periciais e de Carreira Auxiliar de Atividades Periciais pode ser removido de um para outro órgão, setor ou unidade da Coordenadoria-Geral de Perícias, por ato do Secretário de Estado da Segurança Pública, mediante proposta do Coordenador-Geral de Perícias: I - a pedido do próprio servidor, inclusive por permuta, ou por motivo de saúde, neste caso condicionado a comprovação pelo Serviço Médico Oficial; ou II - “ex-officio”: a) por interesse do Serviço Público; b) por conveniência da disciplina, após o devido procedimento disciplinar competente. TÍTULO IV DOS VENCIMENTOS E DAS VANTAGENS CAPÍTULO I DOS VENCIMENTOS Art. 53. A remuneração mensal dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais compreende o vencimento básico, acrescido das vantagens pecuniárias que lhes forem legal e regularmente inerentes ou atribuídas. Art. 54. Os cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais têm vencimento básico fixado em valores diferenciados para as Classes da respectiva Carreira, com determinada diferença de uma classe para outra, a serem definidos de acordo com esta Lei Complementar. CAPÍTULO II 170 DAS VANTAGENS PECUNIÁRIAS Art. 55. Além da remuneração referente ao vencimento pelo exercício dos respectivos cargos, correspondente a cada uma das respectivas Classes e Referências, conforme disposto em lei, aos ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais podem ser deferidas vantagens pecuniárias legalmente previstas, cuja concessão deve ocorrer de acordo e com obediência às normas, critérios e requisitos estabelecidos no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe, bem como na legislação pertinente. Art. 56. Fica assegurada a percepção da vantagem de seguro de vida, por morte em serviço ou por invalidez em acidente de trabalho, a ser concedida sob a forma de auxílio por morte ou auxílio por invalidez, em quota única, aos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, no desempenho ou exercício de atividades próprias dos mesmos cargos, que importem situações de permanente risco, observados os parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º deste artigo. § 1º. O valor do seguro, como auxílio por morte ou auxílio por invalidez, referido no “caput” deste artigo, deve ser pago pelo Estado, através da Secretaria de Estado da Administração, compreendendo: em caso de morte acidental em serviço: R$ 15.000,00 (quinze mil reais); em caso de invalidez total por acidente de trabalho: R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais). § 2º. Os valores do seguro, por morte ou por invalidez, a que se refere este artigo, devem ser corrigidos periodicamente através de Decreto do Governador do Estado, para a devida recomposição. § 3º. Nos casos de invalidez parcial, o servidor deve fazer jus ao seguro de que trata este artigo, porém, somente quando não puder ser aproveitado no serviço público. § 4º. Para efeito de concessão do seguro, por morte ou por invalidez, previsto neste artigo, considera-se acidente em serviço ou acidente em trabalho, o estritamente ocorrido nas seguintes circunstâncias: I - por fato relacionado, mediata ou imediatamente, com as atribuições do cargo, ainda que ocorrido em horário ou local diverso daquele determinado para o exercício de suas funções; II - em decorrência de agressão sofrida, não provocada pelo servidor, no exercício regular de suas atribuições funcionais; III - por situação ocorrida no percurso da residência para o trabalho ou vice-versa, desde que ligada diretamente às atividades funcionais exercidas; IV - em treinamento referente às atividades funcionais; 171 V - em represália, por sua condição de servidor com atividade pericial ligada à segurança pública. § 5º. O seguro, por morte ou por invalidez, referido neste artigo, somente deve ser pago mediante apuração dos fatos, com comprovação documental e testemunhal, através de processo administrativo instaurado, de ofício, pelo Coordenador-Geral de Perícias, no prazo máximo de 15 (quinze) dias contados da ocorrência do evento que provocou a morte ou a invalidez. Art. 57. O servidor ocupante de cargo de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, de que trata esta Lei Complementar, que não quiser gozar integralmente a Licença-Prêmio, adquirida nos termos da lei, pode requerer, a qualquer tempo, por intermédio do Coordenador-Geral de Perícias, a desistência do gozo e a respectiva indenização de até 50% (cinquenta por cento) da mesma licença, a título de abono pecuniário, calculado com base no valor da remuneração percebida no mês do deferimento, não excedendo, porém, a 75% (setenta e cinco por cento) do valor total calculado. Art. 58. Aos servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, de acordo com o disposto nesta Lei Complementar, fica também assegurada a Gratificação Especial de Atividade de Perícia Criminal ou Médico-Legal de que trata a Lei nº 3.890, de 18 de novembro de 1997, a ser percebida nos termos da mesma Lei, ficando com a denominação alterada para Gratificação Especial de Atividades Periciais. CAPÍTULO III DA APOSENTADORIA, DOS PROVENTOS E DA PENSÃO Seção I Da Aposentadoria e dos Proventos Art. 59. A aposentadoria dos Servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais deve observar o disciplinamento específico estabelecido no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe, bem como, essencialmente, nas disposições constitucionais, e também na legislação pertinente, na forma em que couber. Parágrafo único. Os proventos da aposentadoria dos servidores referidos no “caput” deste artigo devem corresponder integral ou proporcionalmente, conforme o caso, à totalidade dos vencimentos percebidos quando no serviço ativo, na forma das disposições constitucionais e da legislação específica, sendo revistos na mesma proporção e na mesma data que se modificarem os vencimentos dos servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais em atividade, devendo, também, ser estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens de ordem geral posteriormente concedidos aos ativos, inclusive quando decorrentes de transformação ou reclassificação do cargo em que se deu a aposentadoria. 172 Art. 60. Para efeito de aposentadoria e adicionais, dos servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, deve ser computado integralmente o tempo de serviço, desde que não concomitante, prestado à Administração Pública, Direta ou Indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios. Seção II Da Pensão Art. 61. A concessão da pensão, por morte dos servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, deve observar as disposições constitucionais específicas e a legislação pertinente. Parágrafo único. A pensão por morte, devida aos dependentes dos servidores a que se refere o “caput” deste artigo, deve ser reajustada automaticamente na mesma época e na mesma proporção em que forem reajustados ou majorados os vencimentos dos correspondentes cargos. TÍTULO V DAS GARANTIAS E PRERROGATIVAS E DOS DEVERES E PROIBIÇÕES CAPÍTULO I DAS GARANTIAS E PRERROGATIVAS Art. 62. Além das garantias asseguradas nas Constituições Federal e Estadual, bem como daquelas previstas no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe, os servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais devem gozar as seguintes prerrogativas: I - exercício de cargos e funções de natureza estritamente pericial, no âmbito da respectiva Carreira; II - livre acesso, em razão do serviço, aos locais sujeitos a realização, preparação, desenvolvimento ou fiscalização de ações, procedimentos e atividades periciais; III - para Direção ou Chefia de Unidade Administrativa subordinada à Coordenadoria-Geral de Perícias, a designação cabe, preferencialmente, a servidor de cargo efetivo da 1ª Classe (Classe Final) ou da 2ª Classe (Classe Intermediária) de Carreira de Atividades Periciais cujas atribuições correspondam às funções ou atividades da mesma Unidade; IV – aos Peritos, bem como aos demais Cargos das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, em plena atividade, é facultado o livre porte de 173 arma, devendo as autoridades prestar-lhe todo auxílio necessário ao desempenho de suas funções, constando isso na respectiva identidade funcional. CAPÍTULO II DOS DEVERES E DAS PROIBIÇÕES Seção I Dos Deveres Art. 63. Além dos deveres comuns legal e regularmente atribuídos aos servidores públicos, incumbe, essencialmente, aos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais: I - desempenhar com zelo e presteza os serviços a seu cargo, bem como os serviços e as missões que lhe forem atribuídos pela autoridade competente; II - zelar pelos bens públicos confiados à sua guarda; III - representar sobre irregularidades praticadas no serviço; IV - manter-se atualizado com as normas constitucionais, legais e regulamentares de interesse da instituição, divulgando-as entre os demais servidores; V - freqüentar, com assiduidade, cursos de treinamento, preparação, aperfeiçoamento, atualização e/ou especialização promovidos pela Coordenadoria-Geral de Perícias, ou pela própria Administração Estadual; VI - apresentar-se de forma condigna com a função ou exercício do cargo que ocupa na respectiva Carreira. Seção II Das Proibições Art. 64. É vedado aos servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, em especial, além das proibições comuns a que estão sujeitos os servidores públicos e que, legal e regularmente, lhes sejam aplicáveis: I - ocupar, ainda que em disponibilidade, qualquer outro cargo público, salvo as exceções e nas condições estabelecidas na Constituição e nas Leis; II - exercer o comércio, ressalvadas as exceções regulares, na forma da lei; III - revelar, dolosamente, segredo de que tenha conhecimento em razão do cargo ou função pública, com prejuízo para o Estado ou para particulares; 174 IV - manifestar-se, por qualquer meio de divulgação, sobre exames, trabalhos ou atividades de perícias de que participe, exceto quando autorizado pelo superior hierárquico; V - interferir em assunto de natureza administrativa ou pericial que não seja de sua atribuição; VI - tecer comentários ou fazer manifestações que possam gerar ou produzir descrédito ou desrespeito aos serviços periciais, à Coordenadoria-Geral de Perícias e à própria Administração Estadual. Art. 65. Os servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais não podem se afastar do respectivo cargo e do exercício de suas funções, salvo para: I - exercer cargo de provimento em comissão dos Poderes Constituídos do Estado de Sergipe, por nomeação ou mediante autorização do Governador do Estado; II - exercer cargo eletivo ou a ele concorrer, nos termos da Constituição e da legislação específica; III - freqüentar cursos de treinamento, preparação, aperfeiçoamento, atualização e/ou especialização, no País ou no Exterior, devidamente autorizado pela autoridade competente. Parágrafo único. A exceção prevista neste artigo não se aplica aos servidores das Carreiras de Atividades Periciais quando estiverem em estágio probatório. TÍTULO VI DO REGIME DISCIPLINAR CAPÍTULO I DAS SANÇÕES POR TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES Art. 66. Constituem sanções disciplinares a serem aplicadas aos servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, além de outras legal ou regularmente estabelecidas: I - Advertência; II - Repreensão; III - Suspensão; IV - Destituição de cargo em comissão ou função de confiança; V - Demissão; VI - Demissão a bem do serviço público. 175 Parágrafo único. Todos os procedimentos para apuração de transgressões e aplicação de sanções disciplinares devem observar e seguir as normas, regras, requisitos e exigências estabelecidos no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe - Lei nº 2.148, de 21 de dezembro de 1977, e demais legislação pertinente. Art. 67. Os atos de improbidade administrativa praticados pelos servidores das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais importam a perda da função publica, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do devido ao erário, na forma da lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Art. 68. A prescrição das faltas disciplinares dos servidores das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais ocorre: I - Em 2 (dois) anos, para faltas sujeitas às penas de advertência, repreensão e suspensão; II - Em 5 (cinco) anos, para as faltas sujeitas às penas de demissão. § 1º. O prazo prescricional, nos casos do “caput” deste artigo, começa a fluir da data da infração e interrompe-se pela instauração do procedimento disciplinar. § 2º. Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. § 3º. Quanto a destituição de cargo em comissão ou função de confiança, muito embora possa ocorrer como forma de sanção disciplinar, não cabe a utilização ou aplicação de quaisquer normas ou regras sobre recurso, direito de pleitear, prescrição ou decadência, tendo em vista que a respectiva investidura se dá de livre escolha e a correspondente destituição ocorre “ad nutum”. Art. 69. O direito de pleitear na esfera administrativa, pelos servidores das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais em decorrência das sanções disciplinares, prescreve: I - em 5 (cinco) anos, quanto aos atos de que decorrer demissão; II - Em 120 (cento e vinte) dias, nos demais casos. § 1º. O prazo de prescrição, quanto ao “caput” deste artigo, é contado da data da publicação oficial do ato a impugnar, ou, quando este for de natureza reservada, da data de sua ciência pelo interessado. § 2º. Os prazos estabelecidos neste artigo são peremptórios e improrrogáveis. CAPÍTULO II DO PROCESSO ADMINISTRATIVO Art. 70. Para apuração de transgressão disciplinar praticada por servidor das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais punível com as penas 176 de suspensão por mais de 30 dias, de demissão, ou mesmo de disponibilidade, deve ser instaurado o competente processo administrativo, para realização do inquérito. Parágrafo único. No curso do processo administrativo disciplinar, pode o indiciado ser afastado preventivamente do exercício do cargo, por ato do Secretário de Estado da Segurança Pública, mediante proposta do Coordenador-Geral de Perícias, sem prejuízo de seus vencimentos, na forma da Lei. Art. 71. Deve ser instaurada sindicância, como procedimento instrutório de inquérito administrativo, sempre que a transgressão não estiver suficientemente caracterizada ou não estiver definida a sua autoria, devendo, também, servir de fundamento legal para aplicação da pena de suspensão por até 30 (trinta) dias. Parágrafo único. A sindicância, sujeita a procedimento sumário, deve ter caráter reservado, devendo ser concluída no prazo de até 30 (trinta) dias, prorrogável por até igual período. Art. 72. Aplica-se, no que couber, quanto ao Regime Disciplinar de que tratam os Capítulos I e II deste Título, o que a respeito dispõem o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe e as demais disposições correlatas da legislação pertinente. TÍTULO VII DA CONSTITUIÇÃO DAS CARREIRAS E ENQUADRAMENTO DOS SERVIDORES CAPÍTULO I DA COMPOSIÇÃO E DOS SERVIDORES DAS CARREIRAS DE ATIVIDADES PERICIAIS Seção I Da Composição das Carreiras de Atividades Periciais Art. 73. As Carreiras de Atividades Periciais, carreiras funcionais permanentes, são constituídas dos seguintes cargos de provimento efetivo e respectivas classes, com os correspondentes quantitativos: I - Carreira de Perito Criminalístico: - Cargos e Classes: Perito Criminalístico de 1ª Classe – 18 (dezoito) cargos; Perito Criminalístico de 2ª Classe – 10 (dez) cargos; Perito Criminalístico de 3ª Classe – 12 (doze) cargos. 177 LEI COMPLEMENTAR Nº. 79 DE 27 DE DEZEMBRO DE 2002 II - Carreira de Perito Médico-Legal: - Cargos e Classes: Perito Médico-Legal de 1ª Classe – 13 (treze) cargos; Perito Médico-Legal de 2ª Classe – 08 (oito) cargos; Perito Médico-Legal de 3ª Classe – 09 (nove) cargos. III - Carreira de Perito Odonto-Legal: - Cargos e Classes: Perito Odonto-Legal de 1ª Classe – 03 (três) cargos; Perito Odonto-Legal de 2ª Classe – 04 (quatro) cargos; Perito Odonto-Legal de 3ª Classe – 05 (cinco) cargos. IV- Carreira de Agente-Técnico de Necrópsia: - Cargos e Classes Agente-Técnico de Necrópsia de 1ª Classe - 10 (dez) cargos; Agente-Técnico de Necrópsia de 2ª Classe - 18 (dezoito) cargos; Agente-Técnico de Necrópsia de 3ª Classe - 12 (doze) cargos. V- Carreira de Papiloscopista: - Cargos e Classes: Papiloscopista de 1ª Classe - 06 (seis) cargos; Papiloscopista de 2ª Classe - 06 (seis) cargos; Papiloscopista de 3ª Classe - 08 (oito) cargos. VI - Carreira de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística: - Cargos e Classes: Agente-Técnico de Fotografia Criminalística de 1ª Classe - 05 (cinco) cargos; 178 Agente-Técnico de Fotografia Criminalística de 2ª Classe - 05 (cinco) cargos; Agente-Técnico de Fotografia Criminalística de 3ª Classe - 05 (cinco) cargos. Seção II Do Enquadramento dos Servidores nas Carreiras de Atividades Periciais Art. 74. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo do Estado, de nível superior, de Perito Criminalístico devem ser reenquadrados no Cargo de Perito Criminalístico, da respectiva Carreira estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. Art. 75. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo do Estado, de nível superior, de Perito Médico-Legista, bem como os ocupantes de atuais cargos de provimento efetivo do Estado, de nível superior, de Médico, que estiverem, nos últimos 03 (três) anos, no efetivo exercício da função de perícia médico-legal, devem ser reenquadrados no cargo de Perito Médico-Legal, da respectiva Carreira estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. Parágrafo único. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Médico, do Estado, a que se refere o “caput” deste artigo, e nas mesmas condições, com menos de 03 (três) anos, devem ser reenquadrados integrando a Segunda Classe (2ª Classe) da mesma Carreira de Perito Médico-Legal. Art. 76. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo do Estado, de nível superior, de Cirurgião-Dentista, que estiverem, nos últimos 03 (três) anos, no efetivo exercício da função de perícia odonto-legal, na Coordenadoria-Geral de Perícias, devem ser reenquadrados no Cargo de Perito Odonto-Legal da respectiva Carreira, estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. Parágrafo único. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Cirurgião-Dentista, do Estado, a que se refere o “caput” deste artigo, e nas mesmas condições, com menos de 03 (três) anos, devem ser reenquadrados integrando a Segunda Classe (2ª Classe) da mesma Carreira de Perito Odonto-Legal. Art. 77. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Técnico em Necrópsia, do Quadro de Pessoal do Estado, devem ser reenquadrados no cargo de Agente-Técnico de Necrópsia, da respectiva Carreira estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. Art. 78. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Auxiliar de Necrópsia, do Quadro de Pessoal do Estado, devem ser reenquadrados no cargo de Agente-Técnico de Necropsia, da respectiva Carreira estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. 179 Art. 79. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Datiloscopista, do Quadro de Pessoal do Estado, devem ser reenquadrados no cargo de Papiloscopista, da respectiva Carreira estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. Art. 80. Os ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Fotógrafo Criminalístico, do Quadro de Pessoal do Estado, devem ser reenquadrados no cargo de Agente-Técnico de Fotografia Criminalística, da respectiva Carreira estabelecida por esta Lei Complementar, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da mesma Carreira. CAPÍTULO II DA DEFINIÇÃO, DA CONSTITUIÇÃO E DOS SERVIDORES DAS CARREIRAS AUXILIARES DE ATIVIDADES PERICIAIS Seção I Da Definição das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais Art. 81. As Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais devem ser as seguintes: I - Carreira Auxiliar de Criminalística, constituída de Cargos de Perito Auxiliar de Criminalística, de Técnico Auxiliar de Criminslística e de Agente Auxiliar de Criminalística; II - Carreira Auxiliar de Necrópsia, constituída de Cargos de Técnico Auxiliar de Necrópsia e de Agente Auxiliar de Necrópsia; III - Carreira Auxiliar de Papiloscopia, constituída de Cargos de Técnico Auxiliar de Papiloscopia e de Agente Auxiliar de Papiloscopia. Parágrafo único. As Carreiras Auxiliares definidas no “caput’ deste artigo são carreiras em extinção, constituídas de cargos de provimento efetivo ocupados por opção pelo exercício de atividades ou funções auxiliares correspondentes às respectivas Carreiras de Atividades Periciais. Seção II Da Constituição das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais Subseção I Da Carreira Auxiliar de Criminalística 180 Art. 82. Os servidores públicos estatutários ocupantes de outros cargos de provimento efetivo, dos Quadros de Pessoal do Poder Executivo do Estado de Sergipe, não integrantes das Carreiras de Atividades Periciais constituídas em caráter permanente nos termos desta Lei Complementar, servidores esses que se encontrem exercendo atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas aos serviços ligados ou vinculados a perícia criminalística ou trabalhos de perícia criminalística, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, podem optar pelo ingresso na Carreira Auxiliar de Criminalística, que deve ser uma Carreira Auxiliar de Atividades Periciais, constituída de cargos de Perito Auxiliar de Criminalística, Técnico Auxiliar de Criminalística e Agente Auxiliar de Criminalística, carreira que, havendo opção, ficará automaticamente criada, mediante a transformação ou transposição, dos mesmos cargos atualmente ocupados, para esses novos cargos de Perito Auxiliar de Criminalística, Técnico Auxiliar de Criminalística e Agente Auxiliar de Criminalística, nos quais os referidos servidores devem ser reenquadrados, desde que: I - estejam em efetivo exercício das atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas aos serviços ligados ou vinculados à perícia criminalística, ou trabalhos de perícia criminalística, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, na data desta Lei Complementar; II - façam opção, por escrito, justificadamente; III - participem de Curso de Treinamento ou de Preparação, de caráter específico, promovido pela Administração Pública Estadual, por intermédio da Coordenadoria-Geral de Perícias. § 1º. A Carreira Auxiliar de Criminalística, a que se refere o “caput” deste artigo, deve ser uma carreira em extinção, constituída dos Cargos e respectivas Classes a seguir indicados, parte integrante de um Quadro Suplementar de Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais: I - Perito Auxiliar de Criminalística - de Nível Superior - que devem constituir a Primeira Classe (1ª Classe) da Carreira; II - Técnico Auxiliar de Criminalística - de Nível Médio - que devem constituir a Segunda Classe (2ª Classe) da Carreira; III - Agente Auxiliar de Criminalística - de Nível Básico - que devem constituir a Terceira Classe (3ª Classe) da Carreira. § 2º. Os cargos de Perito Auxiliar de Criminalística, de Técnico Auxiliar de Criminalística e de Agente Auxiliar de Criminalística, integrantes da respectiva Carreira Auxiliar, de que trata este artigo, devem ser considerados extintos à medida em que venham a ficar vagos, qualquer que seja a forma de vacância. Subseção II Da Carreira Auxiliar de Necrópsia Art. 83. Os servidores públicos estatutários ocupantes de outros cargos de provimento efetivo, dos Quadros de Pessoal do Poder Executivo do Estado de Sergipe, não integrantes das Carreiras de Atividades Periciais constituídas em caráter permanente nos termos desta Lei Complementar, servidores esses que se encontrem exercendo atividades ou funções próprias, 181 inerentes ou relativas aos serviços ligados ou vinculados a necrópsia ou trabalhos de necrópsia, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, podem optar pelo ingresso na Carreira Auxiliar de Necrópsia, que deve ser uma Carreira Auxiliar de Atividades Periciais, constituída de cargos de Técnico Auxiliar de Necrópsia e de Agente Auxiliar de Necrópsia, carreira que, havendo opção, ficará automaticamente criada, mediante a transformação ou transposição, dos mesmos cargos atualmente ocupados, para esses novos cargos de Técnico Auxiliar de Necrópsia e de Agente Auxiliar de Necrópsia, nos quais os referidos servidores devem ser reenquadrados, desde que: I - estejam em efetivo exercício das atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas anecrópsia ou trabalhos de necropsia, inclusive ligados ou vinculados a perícia criminalística ou trabalhos de perícia criminalística, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, na data desta Lei Complementar; II - façam opção, por escrito, justificadamente; III - participem de Curso de Treinamento ou de Preparação, de caráter específico, promovido pela Administração Pública Estadual, por intermédio da Coordenadoria-Geral de Perícias. § 1º. A Carreira Auxiliar de Necrópsia, a que se refere o “caput” deste artigo, deve ser uma carreira em extinção, constituída dos Cargos e respectivas Classes a seguir indicados, parte integrante de um Quadro Suplementar de Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais: I - Técnico Auxiliar de Necrópsia - de Nível Médio - que devem constituir a Segunda Classe (2ª Classe) da Carreira; II - Agente Auxiliar de Necrópsia - de Nível Básico - que devem constituir a Terceira Classe (3ª Classe) da Carreira. § 2º. Os cargos de Técnico Auxiliar de Necrópsia e de Agente Auxiliar de Necrópsia, integrantes da respectiva Carreira Auxiliar de que trata este artigo, devem ser considerados extintos à medida em que venham a ficar vagos, qualquer que seja a forma de vacância. Subseção III Da Carreira Auxiliar de Papiloscopia Art. 84. Os servidores públicos estatutários ocupantes de outros cargos de provimento efetivo, dos Quadros de Pessoal do Poder Executivo do Estado de Sergipe, não integrantes das Carreiras de Atividades Periciais constituídas em caráter permanente nos termos desta Lei Complementar, servidores esses que se encontrem exercendo atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas aos serviços ligados ou vinculados a papiloscopia ou trabalhos de papiloscopia, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, podem optar pelo ingresso na Carreira Auxiliar de Papiloscopia, que deve ser uma Carreira Auxiliar de Atividades Periciais, constituída de cargos de Técnico Auxiliar de Papiloscopia e de Agente Auxiliar de Papiloscopia, carreira que, havendo opção, ficará automaticamente criada, mediante a transformação ou transposição, dos mesmos cargos atualmente ocupados, para esses novos cargos de Técnico Auxiliar de Papiloscopia e de Agente Auxiliar de Papiloscopia, nos quais os referidos servidores devem ser reenquadrados, desde que: 182 I - estejam em efetivo exercício das atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas apapiloscopia ou trabalhos de papiloscopia, inclusive ligados ou vinculados a perícia criminalística ou trabalhos de perícia criminalística, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, na data desta Lei Complementar; II - façam opção, por escrito, justificadamente; III - participem de Curso de Treinamento ou de Preparação, de caráter específico, promovido pela Administração Pública Estadual, por intermédio da Coordenadoria-Geral de Perícias. § 1º. A Carreira Auxiliar de Papiloscopia, a que se refere o “caput” deste artigo, deve ser uma carreira em extinção, constituída dos Cargos e respectivas Classes a seguir indicados, parte integrante de um Quadro Suplementar de Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais: I - Técnico Auxiliar de Papiloscopia - de Nível Médio - que devem constituir a Segunda Classe (2ª Classe) da Carreira; II - Agente Auxiliar de Papiloscopia - de Nível Básico - que devem constituir a Terceira Classe (3ª Classe) da Carreira. § 2º. Os cargos de Técnico Auxiliar de Papiloscopia e de Agente Auxiliar de Papiloscopia, integrantes da respectiva Carreira Auxiliar, de que trata este artigo, devem ser considerados extintos à medida em que venham a ficar vagos, qualquer que seja a forma de vacância. Seção III Do Enquadramento dos Servidores nas Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais Subseção I Do Enquadramento na Carreira Auxiliar da Criminalística Art. 85. Os servidores públicos estatutários ocupantes de outros cargos de provimento efetivo, dos Quadros de Pessoal do Poder Executivo do Estado, não integrantes das carreiras de Atividades Periciais de caráter permanente, que se encontrem exercendo atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas aos serviços legais ou vinculados a perícia criminalística ou trabalhos de perícia criminalística, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, que optarem e vierem a ingressar na Carreira Auxiliar de Criminalística, nos termos do art. 82 desta Lei Complementar, se até então eram ocupantes de cargos de provimento efetivo de Nível Superior (3º Grau - completo) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Perito Auxiliar de Criminalística, integrando a Primeira Classe (1ª Classe) da Carreira; se de Nível Médio (2º Grau - completo) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Técnico Auxiliar de Criminalística, integrando a Segunda Classe (2ª Classe) da Carreira; e se de Nível Básico (1º Grau - completo ou incompleto) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Agente Auxiliar de Criminalística, integrando a Terceira Classe (3ª Classe), da mesma Carreira. 183 Parágrafo único. Constituída a Carreira Auxiliar de Criminalística e feitos os reenquadramentos dos servidores que optarem e nela vierem a ingressar, o que somente pode ocorrer de acordo com o “caput” deste artigo, não pode haver qualquer ingresso em cargos da mesma Carreira, por ser uma Carreira em extinção, cujos cargos estarão extintos à medida em que ficarem vagos. Subseção II Do Enquadramento na Carreira Auxiliar de Necrópsia Art. 86. Os servidores públicos estatutários ocupantes de outros cargos de provimento efetivo, dos Quadros de Pessoal do Poder Executivo do Estado, não integrantes das Carreiras de Atividades Periciais de caráter permanente, que se encontrem exercendo atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas aos serviços ligados ou vinculados a necrópsia ou trabalhos de necrópsia, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, que optarem e vierem a ingressar na Carreira Auxiliar de Necrópsia, nos termos do art. 83 desta Lei Complementar, se até então eram ocupantes de cargos de provimento efetivo de Nível Médio (2º Grau - completo) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Técnico Auxiliar de Necropsia, integrando a Segunda Classe (2ª Classe) da Carreira; e se de Nível Básico (1º Grau - completo ou incompleto) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Agente Auxiliar de Necrópsia, integrando a Terceira Classe (3ª Classe), da mesma Carreira. Parágrafo único. Constituída a Carreira Auxiliar de Necrópsia e feitos os reenquadramentos dos servidores que optarem e nela vierem a ingressar, o que somente pode ocorrer de acordo com o “caput” deste artigo, não pode haver qualquer ingresso em cargos da mesma Carreira, por ser uma Carreira em extinção, cujos cargos estarão extintos à medida em que ficarem vagos. Subseção III Do Enquadramento na Carreira Auxiliar de Papiloscopia Art. 87. Os servidores públicos estatutários ocupantes de outros cargos de provimento efetivo, dos Quadros de Pessoal do Poder Executivo do Estado, não integrantes das Carreiras de Atividades Periciais de caráter permanente, que se encontrem exercendo atividades ou funções próprias, inerentes ou relativas aos serviços ligados ou vinculados a papiloscopia ou trabalhos de papiloscopia, no âmbito da Coordenadoria-Geral de Perícias, que optarem e vierem a ingressar na Carreira Auxiliar de Papiloscopia, nos termos do art. 84 desta Lei Complementar, se até então eram ocupantes de cargos de provimento efetivo de Nível Médio (2º Grau - completo) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Técnico Auxiliar de Papiloscopia, integrando a Segunda Classe (2ª Classe) da Carreira; e se de Nível Básico (1º Grau - completo ou incompleto) devem ser reenquadrados no Cargo em extinção de Agente Auxiliar de Papiloscopia, integrando a Terceira Classe (3ª Classe), da mesma Carreira. Parágrafo único. Constituída a Carreira Auxiliar de Papiloscopia e feitos os reenquadramentos dos servidores que optarem e nela vierem a ingressar, o que somente pode ocorrer de acordo com o “caput” deste artigo, não pode haver qualquer ingresso em cargos da mesma Carreira, por ser uma Carreira em extinção, cujos cargos estarão extintos à medida em que ficarem vagos. 184 TÍTULO VIII DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, TRANSITÓRIAS E FINAIS Art. 88. As atividades de assistência jurídica e representação judicial da Coordenadoria-Geral de Perícias - COGERP, são exercidas pela Procuradoria-Geral do Estado - PGE, nos termos da legislação pertinente. Art. 89. As competências e atribuições estabelecidas por esta Lei Complementar não excluem o exercício de outras que legal ou regularmente se constituam necessárias ao alcance da finalidade da Coordenadoria-Geral de Perícias, as quais devem ser exercidas, de acordo com a conveniência administrativa e o interesse do serviço público, com obediência aos princípios fundamentais da Administração Pública. Art. 90. Aos servidores ocupantes dos cargos das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreiras Auxiliares de Atividades Periciais, de acordo com esta Lei Complementar, quando no exercício regular de cargo de provimento em comissão ou de função de confiança, é assegurada a percepção da correspondente remuneração, inclusive quanto à opção, calculada de acordo com as normas, condições e critérios estabelecidos no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe. Art. 91. O Estado de Sergipe, para efeito de organização dos serviços afetos à Coordenadoria- Geral de Perícias - COGERP, deve ter o seu território dividido em 04 (quatro) Unidades Regionais, a serem definidas e implantadas por Decreto do Governador do Estado. Parágrafo único. Os órgãos coordenadores das atividades de criminalística, das atividades de medicina legal e odontologia legal, e das atividades de identificação, das Unidades Regionais referidas no “caput” deste artigo, devem ser subordinados diretamente ao Coordenador-Geral de Perícias, e vinculados técnica e operacionalmente aos respectivos Institutos de Criminalística, Médico-Legal, e de Identificação, devendo, também, ser dirigidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargos da Classe Final (1ª Classe) ou da Classe Intermediária (2ª Classe) das Carreiras correspondentes às mesmas atividades. Art. 92. O detalhamento da organização, estrutura e competências dos órgãos de subordinação direta da Coordenadoria-Geral de Perícias, e as atribuições dos seus dirigentes, devem ser estabelecidos em Decreto do Governador do Estado, observado o disposto nesta Lei Complementar e na legislação pertinente. Art. 93. Os respectivos vencimentos básicos dos Cargos, nas correspondentes Classes e Referências, das Carreiras de Atividades Periciais e das Carreias Auxiliares de Atividades Periciais, previstas nesta Lei Complementar, com diferença percentual de vencimento entre classes, devem ser estabelecidos em lei específica posterior, de iniciativa do Poder Executivo Estadual, condicionada ao cumprimento de exigência e restrição impostas temporariamente pela Lei Complementar (Federal) nº 101, de 4 de maio de 2000, expedida com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição Federal, e pela Lei (Federal) nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Parágrafo único. Em decorrência do disposto no “caput” deste artigo, os servidores públicos estaduais ocupantes dos atuais cargos de provimento efetivo de Auxiliar de Necrópsia, de Datiloscopista, de Técnico em Necrópsia, de Fotógrafo Criminalístico, de Perito 185 Criminalístico e d e Perito Médico Legista, bem como os servidores públicos estaduais ocupantes de outros cargos diferentes referidos nos artigos 82, 83 e 84 desta Lei Complementar, embora possam ser reenquadrados, conforme esta mesma Lei Complementar, devem continuar percebendo as respectivas remunerações atualmente estabelecidas para os mesmos cargos até então ocupados, de acordo com a legislação remuneratória em vigor, pertinente ao caso, não havendo qualquer aumento de despesa para o Estado, até que seja expedida a lei especifica citada no mesmo “caput” deste artigo, quando cumpridas as mencionadas exigência e restrição das citadas Lei Complementar (Federal) nº 101, de 4 de maio de 2000, e Lei (Federal) nº 9.504, de 30 de setembro de 1977. Art. 94. Na execução desta Lei Complementar, deve ser aplicado, sempre, no que couber, lhe for compatível ou não lhe for contrário, o disposto no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Sergipe e na legislação pertinente. Art. 95. Ao Poder Executivo cabe expedir as normas, instruções e orientações que se fizerem necessárias para aplicação ou execução desta Lei Complementar. Art. 94. As despesas decorrentes da aplicação ou execução desta Lei Complementar devem correr à conta das dotações apropriadas consignadas no Orçamento do Estado para o Poder Executivo. Art. 97. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 98. Revogam-se as disposições em contrário, em especial as da Lei Complementar nº 05, de 29 de janeiro de 1991. Aracaju, 27 de dezembro de 2002; 181º da Independência e 114º da República. ALBANO FRANCO GOVERNADOR DO ESTADO Gilberto Fernando Gois Passos Secretário de Estado da Segurança Pública João Salgado de Carvalho Filho Secretário de Estado da Administração 186